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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.º 15

EM 31 DE OUTUBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Não houve expediente: - O Digno Par Sr. Francisco José Machado refere-se á conservação e construcção de estradas, e chama a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas para o estado em que se encontra a estrada que vae das Caldas da Rainha a Santa Catharina, no limite do concelho de Alcobaça. - Responde a Sua Exa. o Sr. Ministro das Obras Publicas, e o Digno Par agradece a resposta. - O Digno Par Sebastião Baracho advoga uma reclamação do conhecido Luciano das ratas, a fim de que lhe sejam pagos os serviços que presta na extincção d'aquelles roedores. - Insta pela remessa de documentos que pediu, e por ultimo refere-se ao que na Camara dos Communs, em Inglaterra, se disse acêrca do modo porque são tratados os trabalhadores indigenas em S. Thomé e Principe. - Responde a S. Exa. o Sr. Ministro das Obras Publicas. - O Digno Par Sr. João Arroyo allude tambem á maneira porque fomos tratados no Parlamento inglês.

Ordem do dia. - Continuação da discussão da proposição de lei, relativa ao inquerito de vinhos generosos. - Usam da palavra, o Digno Par Sebastião Baracho, Ministro das Obras Publicas, Francisco José Machado, Pedro de Araujo, Alpoim, Wenceslau de Lima, Teixeira de Sousa e novamente o Digno Par Sr. Pedro de Araujo. - O Sr. Presidente dá conta de telegrammas das camaras municipaes de Salvaterra de Magos e Almada, pedindo que não seja approvado o projecto relativo á crise duriense.-O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa pergunta se já foi assignado o contrato dos tabacos. - Responde a S. Exa. o Sr. Ministro das Obras Publicas.- O Sr. Presidente nomeia a deputação que tem de entregar a Sua Majestade El-Rei o autographo do decreto hoje approvado.- Em seguida encerra-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 36 minutos da tarde, verificando-se a presença de 21 Dignos Pares do Reino, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Não houve expediente.

O Sr. Francisco José Machado: - Sr. Presidente: um dia d'estes tenciono pedir a palavra para tomar algum tempo á Camara, a fim de conversar mui amavelmente, e mui serenamente com o Sr. Ministro das Obras Publicas a respeito da construcção e conservação de estradas. Por agora só desejo occupar-me da estrada que vae das Caldas da Bainha a Santa Catharina, limite d'este concelho com o de Alcobaça.

Esta estrada, Sr. Presidente, foi começada em 1891 por ordem do Ministro das Obras Publicas de então, o Sr. Thomaz Ribeiro, e d'ahi para cá, durante 15 annos, pouco mais de nada se tem feito, e está perdida a maior parte do dinheiro que ali se tem gasto.

É do conhecimento de todos que os aterros, não sendo empedrados no periodo conveniente, se deterioram, inutilizando-se quasi por completo o dinheiro gasto.

Esta estrada é de um grande movimento commercial para o concelho das Caldas, porque atravessa uma vasta região em que ha muitos cereaes, muita fructa e muito vinho, mas em começando as chuvas os caminhos ficam intransitaveis, sem haver possibilidade de trazer ao grande e importante mercado das Caldas os productos d'aquella feracissima região.

Eu, Sr. Presidente, devo dizer a V. Exa. e á Camara que se tem gasto com a construcção das nossas estradas proximamente 50:000 contos de réis e com a reparação talvez mais de 20:000 contos de réis. Temos, portanto, empregado em estradas o melhor de 70:000 contos, mas para a conclusão das estradas começadas em muitas das quaes estão os trabalhos completamente parados, necessita-se proximamente 3:700 contos de réis e para reparar as nossas estradas que estão quasi perdidas, muitas d'ellas, necessita-se mais de 2:000 contos de réis. Sr. Presidente: não quero lançar a responsabilidade do que acabo de expor ao Sr. Ministro das Obras Publicas, porque a não tem; quero apenas chamar a attenção de S. Exa. para estas verbas que representam um grande capital despendido com este ramo de serviço publico e que não é justo deixar estragar por falta de cuidado, por falta de verba conveniente para que a tempo se possam fazer os trabalhos indispenveis.

Peço ao Sr. Ministro, das Obras Publicas que, pelo menos, attenda ás estradas que estão começadas, e á conservação das que estão já concluidas.

Sr. Presidente: não quero agora tratar das nossas estradas, em geral; quero apenas dizer ao Sr. Ministro das Obras Publicas que nós não temos as estradas para as nossas necessidades, como se poderá suppor.

Diz um notavel engenheiro belga, o Sr. Leonce Lavergne, que para um paiz estar bem dotado de estradas, isto é, para que seja regular a viação ordinaria de um paiz, deve ter, pelo menos, um kilometro de estrada por cada kilometro quadrado de superficie. Isto é considerado uma viação normal. Na Belgica ha 1:200 metros de estrada por cada kilometro quadrado de superficie. Nós estamos muito atrasados. Estamos muito longe de ter uma viação normal. Estamos muito distantes da Belgica, pois temos apenas 117 metros

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de estrada por cada kilometro quadrado de superficie.

Devo dizer a V. Exa. e á Camara que muitas estações de caminhos de ferro não teem o necessario movimento por falta de communicações com as povoações que estão destinadas a servir. Estações construidas ha muitos annos, ainda não estão ligadas com as povoações proximos, algumas das quaes, que eu conheço, ficam a pequenas distancias. A nossa região duriense tem apenas 150 metros de estrada por cada kilometro quadrado de superficie. O districto de Beja tem só 42 metros de estrada pelo mesmo kilometro quadrado de superficie. Braga é o mais feliz, pois tem 239 metros, Bragança tem 67 metros, Castello Branco tem 89, Portalegre tem 64, Evora 67, Faro 79 metros, etc., etc. Eu não posso pedir a responsabilidade ao Sr. Ministro das Obras Publicas, porque a não tem. Quero apenas pedir a S. Exa. que empregue a sua actividade, o seu talento, que é muito, para a realização de tão importante assumpto que interessa a economia nacional, e principalmente para a estrada das Caldas a Santa Catharina, que tão necessaria se torna para utilidade d'aquelles povos e para servir uma região tão fertil e tão importante.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão): - Não ha duvida de que a conclusão da rede das estradas é absolutamente indispensavel, sobretudo para o desenvolvimento economico do paiz; mas tambem o Digno Par não ignora que as verbas insertas no orçamento e, sobretudo, no anno economico corrente, são deficientes. Dentro das verbas orçamentaes eu procurei attender a todas as estradas em construcção e, principalmente, áquellas que me pareciam de maior vantagem para os povos.

Desde que sou Ministro, nem uma unica estrada mandei começar; tenho-me limitado a fazer continuar os trabalhos das que estavam em construcção.

Sr. Presidente: estou perfeitamente de accordo com as intelligentes ponderações do Digno Par, e para que S. Exa. veja qual é o meu proposito, devo declarar que já apresentei na Camara dos Senhores Deputados uma proposta tendente a assegurar a grande reparação das estradas, por isso que é grande o numero das que precisam reparos.

Eu colloco em segundo plano, em relação ao tempo, a conclusão da rede de estradas, por isso que as verbas orçamentaes não permittem atacar o problema.

Creia o Digno Par que eu não perco o assumpto de vista, e, se puder, e os meus collegas estiverem de accordo, tenciono na proximo sessão parlamentar apresentar um projecto para um emprestimo destinado á construcção de estradas no intuito de se concluir a nossa rede.

Por ultimo, devo ainda acrescentar que estou convencido de que a importancia que haja a despender-se com a conclusão da nossa rede de estradas não será de 3:000 contos dê réis, mas talvez de 9:000 contos de réis, pouco mais ou menos.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Francisco José Machado: - Sr. Presidente: agradeço a resposta do nobre Ministro das Obras Publicas e declaro que tenho a maior confiança em que S. Exa. ha de cumprir o que promette, para bem do paiz e honra do seu nome.

O Sr. Sebastião Baracho: - Acabo de receber uma reclamação do conhecido Luciano Moreira, o Luciano das ratas, que conta no seu activo 110:000 mortes d'aquelles nocivos roedores.

A par d'este serviço, outros presta, percorrendo a canalização da cidade, denunciando as fugas de gaz e o rompimento dos canos da agua.

Pois este util cidadão e bom chefe de familia, que só vive do trabalho que fica designado, encontra se nas mais precarias circunstancias, porque não lhe pagam o que lhe devem.

Chamo para o estranho caso a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas, a fim de fazer valer as minhas instancias, junto do Sr. Presidente do Conselho, Ministro do Reino, para que, pelo governo civil, se satisfaça o devido ao reclamante, digno em todo o ponto de que se preste attenção á sua queixa.

N'um regimen em que no ultimo anno economico se gastaram 120 contos de réis, com despesas inconfessaveis de policia preventiva, não admira que se regateiem uns magros tostões como legitima retribuição de trabalho honesto, e portanto confessavel. É positivamente harmonico.

Cumprido para com este obscuro cidadão o agradavel encargo de o recommendar á benéfica acção do Governo, rogo ao Sr. Ministro das Obras Publicas que se digne mandar satisfazer, pelo menos, dois dos meus requerimentos, referentes: - o primeiro aos comboios e salões especiaes de que se tem feito uso, ou antes, abuso, nos ultimos tempos; e o segundo, á despesa realizada com as obras da casa de jantar, no Paço das Necessidades.

Tem o Sr. Ministro sido essencialmente amavel, facultando-me grande numero dos documentos que requeri. Espero que a sua gentileza se affirmo mais uma vez, satisfazendo o pedido que deixo formulado.

Posto isto, vou ler á Camara um telegramma que a imprensa periodica publica, e que é d'este teor:

Londres, 29.

Sessão da Camara dos Communs. O Sr. Ruciman disse que recebeu do respectivo cônsul de Inglaterra um relatorio não destinado a publicação, do qual consta que os trabalhadores indigenas em S. Thomé e Principe são bem tratados, mas não declara se são cumpridos os novos regulamentos para a repatriação; os factos vão ser communicados ao Governo Portuguez para elle dar providencias.

É assombroso!

Ainda não chegou por lá a Memoria Justificativa, elaborada pelo Ministerio da Marinha, acêrca do trabalho indigena nas colonias portuguezas, memoria que merece o meu completo applauso?

Onde, porem, a impertinencia attinge o seu cumulo, é na pretensão de recommendar ao Governo Portuguez que se tomem providencias com respeito á repatriação dos colonos.

Mais de uma vez me tenho attribuido, sem que contestação me tenha sido feita, a prioridade, entre os viventes, na defesa da alliança ingleza. Já em 1881 eu escrevia acêrca d'este assumpto. Mas, então, como agora, como sempre, quero ser alliado e nunca protegido, nem subserviente. Nada de tutelas, sejam de que especie forem.

Em 5 de julho preterito, Sir Edward Grey, Ministro dos Negocios Estrangeiros, condemnava a mão de obra africana na Ilha de S. Thomé e na do Principe, declarando que, por mais de uma vez, tinha sido chamada a attenção, do nosso Governo para esse facto.

Áquellas ilhas fôra officialmente mandado o cônsul Nightingale, para inquirir d'esse estado de cousas.

N'aquella occasião estava a Inglaterra verdadeiramente em foco, por causa da questão do "coolies" na Africa do Sul, onde tambem houve, pela mesma epoca, carnificina de indigenas, os quaes se tinham insurgido contra os maus tratos dos seus patrões e senhores. A par d'isto, davam-se no Egypto acontecimentos crueis, que não descrevo agora, por não dispor para isso de tempo, e que obrigaram a reforçar a guarnição militar britannica d'aquelle infeliz paiz, sob a protecção da poderosa Inglaterra.

Entendeu, então, Sir Edward Grey fazer derivar para nós o mau conceito mundial, que justamente pesava sobre a sua patria.

Por essa mesma occasião, o Ministro britannico fez referencias ao Japão,

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que foi tratado com todas as lisonjeiras exterioridades, devidas a um poderoso alliado.

Para comnosco, nesse, como neste momento, é despejada a cornucopia de insolentes apreciares que um Estado autonomo, como nos prezamos de ser, não pode, nem quer permittir sem o devido correctivo. Assim o aconselha a nossa altiva e(legitima dignidade.

Em 1 de outubro requeri, pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros, que me fosse dada copia da correspondencia de protesto, enviada ao Foreing Office, e attinente a alvejar os desmandos que deixo indicados.

Ainda até hoje não tive resposta a este meu pedido. Insto, portanto, com o Sr. Ministro das Obras Publicas, para 1 que se digne communicar ao seu collega dos Estrangeiros de que careço das informações que solicitei. E mais preciso da comparencia de S. Exa. nesta casa, a fim de o interpellar sobre a reincidencia, por parte da nossa alhada, na inqualificavel aggressão de que fomos alvo.

É indispensavel que se apure, se o Governo Portuguez ficou silencioso, perante tão insolita provocação, da iniciativa de quem nos deve respeito como alliados, que nos prezamos de ser dignos, satisfazendo integralmente os preceitos derivantes d'essa nossa situação.

(O Digno Par não revia)

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão): - Pedi a palavra simplesmente para assegurar ao Digno Par, com respeito á primeira parte das suas considerações e que é uma petição de Luciano Moreira para que lhe seja paga uma quantia que se lhe deve pelo cofre do governo civil d'esta cidade, que tenho o convencimento de que ha de ser paga. Com respeito ao pedido de documentos, transmittirei ao meu collega os desejos de S. Exa.

Com referencia ao outro ponto que S. Exa. tratou, permitta-me V. Exa. que, á boa paz, lhe diga que em assumptos tão delicados, que contendem com interesses de caracter internacional, não seria inconveniente esperar por uma versão, com mais segurança de veracidade, do que uma simples noticia telegraphica de um jornal, que porventura poderá ser destituida de fundamento.

Transmittirei as suas observações, a que prestei a devida attenção, ao Sr. Ministro dos Negocios, Estrangeiros, e posso assegurar ao Digno Par que empregaremos os nossos maiores esforços para que se garanta a nossa independencia e respeito perante todas as nações.

(S. Exa. não reviu).

O Si. João Arroyo: - O assumpto obre a qual fui levado a pedir a palavra, refere-se a um facto tratado pelo 3igno Par e meu amigo o Sr. Baracho, e ao qual acaba de referir-se tambem o Sr. Ministro das Obras Publicas.

É evidente que eu não entendo dever referir-me a este assumpto simplesmente porque não nos foram fornecidas pelo Governo explicações categoricas e peremptorias; mas não posso deixar de me referir a elle, tão grande me parece ser o incidente ao qual fez referencia o Digno Par o Sr. Baracho.

O Sr. Ministro das Obras Publicas apenas se inclinou para a possibilidade lê que o telegramma inserto nos jornaes da noite de hontem não contenha a versão fiel do que se passou em Inglaterra, na Camara dos Communs.

Mas confesso que são poucos a ter esperança nessa possibilidade de adulteração do texto, porque, ha alguns dias, eu, e creio que alguns collegas meus, entre elles o meu amigo Sr. Baracho, fizemos menção do que se passou na Camara dos Communs, e o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros não trouxe a esta casa nenhuma contradição do que eu então disse.

Por certo que este assumpto não passou despercebido ao Governo.

S. Exa. tratou em devido tempo de se esclarecer a este respeito, e se nada nos disse sobre o assumpto, é porque sobre a versão fundamental da accusação e do texto elle não tinha nenhuma attenuante.

Estes factos assumem grande gravidade, sobre a qual é necessario, desde á, que nós tomemos uma attitude clara e precisa.

Todas as declarações officiaes feitas pelo Secretariado de Estado dos Negocios Estrangeiros, perante a Camara dos Communs, assumem um caracter de imposição.

O Sr. Sebastião Baracho: - Apoiado.

O Orador: - Imposições que attingem aquillo que, em linguagem diplomatica, se chama as fronteiras da impertinencia.

As obrigações são irmãs para os dois paises. Portugal tem religiosamente cumprido as suas.

A alliança inglesa não tem influido no desenvolvimento de Portugal pela forma como o devia fazer, mas ainda (referindo-me sempre ao aspecto polititico da questão) se apresenta desagradavel para nós.

Não ha declaração alguma do Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros da Inglaterra que não nos seja cruel.

Entre países amigos, cujas relações de politica intima são reguladas por allianças, quando um país qualquer

tem duvidas sobre a forma como noutro se realiza determinado serviço, não encarrega um funccionario seu de receber provas da lisura de procedimento, e satisfaz-se com as declarações d'esse país amigo. (Apoiados).

O Secretario de Estado Inglês não devia dizer o que se contem no texto do telegramma.

(Leu).

Lança-se aqui uma duvida sobre a forma como o serviço se realiza, e diz-se que o Secretario de Estado da Inglaterra procurará orientar-se junto do nosso Governo para, por sua vez, orientar a Camara dos Communs. Serve-se d'esta phrase.

(Leu).

Esta não é a forma correcta de um Governo se referir a uma nação autónoma e amiga; esta é a forma ousada, autoritaria e inadmissivel com que um paiz protector se poderia referirão paiz sobre o qual exerce protectorado, esta é a forma com que a França se poderia referir ao bey de Tunis. (Apoiados).

Estou absolutamente certo de que a Camara faz justiça á maneira profundamente ardente com que pergunto, na consciencia do meu direito de homem de Estado, pondo de parte agora a incorrecção a que me tenho reportado: - em que titulo ou diploma se fundão Governo Inglez para proceder comnosco d'esta forma, unica e sem precedente?

Onde está a conferencia anti-esclavagista, ou a resolução da Europa que deu á Inglaterra direito de se dirigir a um paiz independente e autónomo, para lhe dizer secamente que tome providencias?

Isto, Sr. Presidente, é um caso unico.

É possivel que o natural melindre das relações internacionaes portuguesas leve o Governo de Sua Majestade a julgar conveniente que as minucias, os pormenores d'esta questão, sejam tratados e analysados em sessão secreta.

Se porventura é esse o desejo do Governe, eu, por minha parte, quer em sessão secreta, quer em sessão publica, estou decidido a sustentar os principios que, na min ha opinião, devem levar todo o estadista português, que tenha de referir-se a esta materia, a declarar que a alliança anglo-lusa não é uma alliança de Corôas. (Apoiados).

A alliança anglo portuguesa não é unicamente um facto de commodismo colonial, revertendo d'elle unicamente vantagem para qualquer das duas familias alliadas.

Não é isso.

Não é um arranjo de vida, de variedade que se limite a ajustar um passeio a Cowes.

É muito mais do que isso.

São relações que prendem dois povos livres; é uma entente de dois paises que ajustam uma união intima para

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a satisfação reciproca dos seus interesses.

É um facto que representa as obrigações de dois povos.

Eu estou decidido a reunir todos os elementos que a historia, o exame dos factos e o conhecimento do assumpto me possam fornecer, para mostrar que essa alliança é alguma cousa mais do que muita gente pensa.

Eu estou convencido que nenhum homem publico português poderá nunca consentir que o principio da alliança ingleza seja interpretada como um facto de subserviencia nacional. (Apoiados).

Devemos, Sr. Presidente., mostrar que fomos, que somos e que estamos dispostos a continuar a ser os mais devotados amigos de Inglaterra; mas nunca poderemos permittir, sejam quaes forem as consequencias que d'ahi nos possam resultar, seja qual for o sacrificio que isso represente para Portugal, nunca poderemos permittir que um Governo Portuguez, este que actualmente está á frente dos destinos do paiz, ou outro qualquer, seja tratado em condições de desigualdade e de tratamento que firam e maculem a nossa autonomia ou a nossa independencia. (Apoiados).

Eu não peço resposta ao Sr. Ministro das Obras Publicas. S. Exa. já disse ao Sr. Baracho que faria a fineza de communicar ao seu collega dos Estrangeiros as considerações do Digno Par, mas o que eu peço ao Sr. Ministro das Obras Publicas é que exponha aos seus collegas a necessidade de, sobre este assumpto, se fazer a mais completa luz, a necessidade que ha de que o Governo se não acolha ás costumadas e prudentes reservas diplomaticas, á absoluta necessidade que o Governo tem de vir a esta Camara dizer a attitude que assumiu, diante de uma situação que offende os brios nacionaes e o pundonor de todos os portuguezes.

Sr. Presidente: nós temos o legitimo direito a ser considerados aos olhos da Europa como alguma cousa mais do que uma entidade servil, subserviente e obediente a quaesquer ordens que dimanem de Gabinetes estrangeiros.

Tenho dito.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia, e tem a palavra o Digno Par Sr. Sebastião Baracho.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão da proposição de lei n.° 2, relativa ao inquerito para se averiguar quaes as quantidades de vinho generoso, destinadas ao commercio e exportação pela barra do Douro.

O Sr. Visconde de Monte-São (interrompendo): - Sr. Presidente: V. Exa. não me dá a palavra?

O Sr. Presidente: - Eu já disse que se tinha passado á ordem do dia; o Digno Par pediu a palavra antes da ordem do dia, e eu não lh'a posso conceder agora.

O Sr. Sebastião Baracho: - Eu, pela minha parte, cedo a palavra ao Digno Par Sr. Visconde de Monte-São. E V. Exa. podia consultar a Camara sobre se permitte que S. Exa. use da palavra, falando eu em seguida.

O Sr. Presidente: - Eu podia consultar a Camara, mas entendo que, em conformidade com o regimento, já se passou á ordem do dia, e tem a palavra o Digno Par Sr. Dantas Baracho.

O Sr. Sebastião Baracho: - Rogo de novo ao Sr. Ministro das Obras Publicas que seja o meu interprete, junto do seu collega dos Estrangeiros, para me serem enviadas as informações constantes dos requerimentos a que ha pouco alludi. Disse e repito agora: - é indispensavel que este assumpto seja tratado a fundo no Parlamento. Não pode ficar sem accentuado protesto o procedimento incorrecto do Governo Britannico para comnosco.

Mais uma vez o affirmo: - alliados, sim; protegidos e subservientes, nunca.

E consignada por esta forma a minha opinião, que é antiga e premeditada, vou occupar-me do projecto em debate.

Os varios oradores que o teem discutido, ou se teem apresentado como não tendo interesses na questão do Douro, ou como não sendo vinhateiros, o que os colloca, em tal caso, fora do alcance dos effeitos perniciosos da crise duriense.

Pela minha parte, direi que não cultivo a materia prima de que se faz o vinho ; que não o loto; que não o vendo ; que não o bebo, e que nem sequer o provo, nem a outras bebidas alcoolicas, desde 30 de janeiro de 1894. Vão, pois, decorridos mais de doze annos de absoluta abstenção.

Em taes circumstancias, creio que ninguem se apresentará em attitude mais neutral para versar este assumpto. N'essa orientação, consignarei desde já as minhas, sympathias pela região duriense, cujos attribulados habitantes são dignos de ser attendidos nas suas justissimas reivindicações. Pela minha parte podem contar, para attingirem o seu objectivo, com o apoio que me é licito offerecer-lhes.

Em lucta renhida, encontram-se a producção e o commercio, pretendendo este intervir onde não é chamado, nem onde pode legitimamente ter voz.

Ao commercio cumpre ser o intermediario entre o productor e o consumidor. Sobre todos impende a necessidade de procederem honestamente, fora do emprego das adulterações, e, pelo contrario, no exercicio de processos limpos e honrados.

O projecto em discussão é, indevidamente, denominado de cadeado, que mais aberto não poderia ter-se mantido.

A par d'isto, contem duas auctorizações, o que obsta a que eu lhe possa dar o meu voto.

Em condições algumas concorro para diminuir o Parlamento, a quem compete exclusivamente fazer leis. Deixá-las incompletas, delegando no poder executivo para as completar, ou investindo-o na faculdade de lhes dar ou não cumprimento, não deve ser. Não será pelo menos com o meu assentimento.

Esta mesma doutrina, que para mim é immutavel, puz eu em relevo por occasião da proposta de lei relativa aos tabacos.

Não quero dizer que as auctorizações de agora tenham a mesma importancia e significação da que figurava no projecto acêrca dos tabacos. Mas nem por isso podem ser concedidas, por quem aspire a que se respeitem e acatem as impolutas regalias parlamentares.

Se se tivesse seguido a minha maneira de ver, se tivessem sido acceites as 14 propostas que apresentei, durante a discussão da questão dos tabacos, não assistiriamos á chicana que se está tristemente evidenciando, com protelação da assignatura legal do respectivo contrato definitivo.

Não era acceito pelo concessionario, o contrato amoldado pelas minhas propostas? Melhor para o paiz. Passar-se-hia para a régie.

Conformava-se com ellas o concessionario?

O contrato já estaria firmado, e não presenceariamos o nada edificante emprego de tretas varias, para espaçar a sua ratificação e correspondente assignatura.

No presente parecer - § unico do artigo 3.°- estabelece-se que os productores e commerciantes de vinhos generosos serão obrigados a declarar as quantidades que possuem dos mesmos vinhos, no prazo de 30 dias para as ilhas adjacentes.

Ao que parece, trata-se do vinho da Ilha da Madeira, por isso que não é acceitavel suppor que outro vinho, o de origem continental, lá possa existir.

Afigura-se-me conveniente que o Sr. Ministro das Obras Publicas se digne explicar-se a este respeito, e bem assim, concernentemente ao artigo 2.° e artigo 7.°, em que tambem noto omissões, em prejuizo dos vinhos generosos da Madeira, de Carcavellos e de Setubal.

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O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão): - O arrolamento comprehende todos os vinhos generosos, e diz no artigo 2.°; "qualquer que seja o ponto do paiz".

O Orador: - Mas o artigo 7.°...

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão):- O artigo 7.° só respeita ao arrolamento dos vinhos generosos que devem sair pela barra do Porto. Para a Madeira não ha necessidade de providencia similar, porque não vão para lá vinhos do sul, a fim de adquirirem fama de generosos.

O Orador: - Em presença da resposta do Sr. Ministro, fica esclarecida a questão. No meu conceito, teria, porem, sido preferivel citar especialmente no artigo 3.° e seu paragrapho, as outras procedencias, alem do Porto, dos restantes vinhos generosos, isto é, a Madeira, Carcavellos e Setubal.

Consignado este meu parecer, seja-me licito referir-me agora ao decreto dictatorial de 30 de julho, que á semelhança de outros diplomas de data anterior, não resolveu e nem sequer attenuou sensivelmente a crise vinhateira do Douro. Quem melhor o acolheu foi o commercio, que, pela respectiva associação de classe, do Porto, pede a prorogação das concessões n'elle estatuidas, por assim dizer, permanentemente.

Para mim, a questão que se debate, só é atacada a preceito, com a adopção da marca regional, gratuita e obrigatoria; e ainda com todos os outros expedientes legitimos que combatam persistente e efficazmente a fraude, em todas as suas variadas manifestações. A prohibição, por disposições adequadas, do uso do alcool industrial de origem nacional ou estrangeira, completaria as outras providencias que deixo indigitadas.

Nada mais seria necessario. Assim o julgo em minha consciencia.

Contra a marca regional insurge-se á ultima hora a Camara Municipal de Gaia, que chega a negar aos agricultores do Douro a propriedade da marca do producto, que a elles, em bom direito, exclusivamente pertence.

Outrora procedia-se por forma muito differente. Recordo-me ainda de a Camara Municipal do Porto", em cuja presidencia estava investido Pinto Bessa, reclamar precisamente contra as lotações agora preconizadas, e para que se mantivesse a genuinidade do producto. Em 1902, na sessão de 23 de abril, e discutindo-se o regimen alcoolico ultramarino, n'esta casa do Parlamento, propuz que se estabelecesse a marca obrigatoriamente official.

Não fui attendido; e d'essa recusa resultou terem de ser modificadas, pelo decreto de 30 de setembro de 1903, as condições anteriormente estabelecidas, como garantia da pureza do producto.

Pois se a emenda não foi peor do que o soneto, a verdade é que pouco ou nada se lucrou com as providencias adoptadas, que, sejam ellas quaes forem, nunca podem equiparar-se, em honesta segurança, á que fornece a marca official. Haja em vista a apprehensão que, em 1904, se fez no Rio de Janeiro, de 1:250 cascos de vinho, cuja procedencia era Valencia de Alcantara, e que fraudulentamente foram apresentados como portuguezes.

O Digno Par Sr. Wenceslau de Lima já se referiu a este assumpto e narrou á Camara como procedera para obter a reparação do crime commettido. Com o convenio de Madrid, affirmou S. Exa. que a fraude, se não praticava no vizinho reino. É possivel que assim succeda, referentemente aos vinhos communs. Mas, ali, como em Hamburgo, como em Cette, como no Natal, como em outros muitos pontos, o vinho do Porto é falsificado ás escancaras.

E como não quer V. Exa. que isto aconteça, se entre nós se procede por forma similar?

Exporte-se o vinho do Porto com a sua feição genuina, exclusivamente nesses termos, e as adulterações, quer estranhas, quer indigenas, deixarão de produzir o seu pernicioso effeito.

No cultivo de processos irregulares, ha a citar ainda os entrepostos da empresa Hersent. Por elles se nacionalizou, que se saiba sem a menor duvida, azeite de origem hespanhola. A Real Associação de Agricultura ainda no anno passado protestou contra semelhante feito.

Felizmente esta empresa está proximo a ter o seu termo; e, com elle, far-se-ha a regressão ao Estado da exploração e administração do porto da capital do reino, consoante a campanha parlamentar, que ha cêrca de cinco annos levo seguida para tal fim.

Um bom serviço presta o Sr. Ministro das Obras Publicas ao paiz, procedendo como procedeu n'esse digno e fundamentalmente util norteamento.

A S. Exa. presto da melhor vontade a homenagem a que teem jus os seus talentos e especiaes aptidões, que S. Exa. empregou, na questão sujeita, com indiscutivel interesse patrio.

Com a Inglaterra, segundo o juizo do Digno Par, o Sr. Wenceslau de Lima, muita vantagem haveria em negociar um convenio, em que, alem de ser considerada favoravelmente a escala alcoolica, se estatuisse por forma a punir as fraudes subsistentes.

Essa aspiração será, porventura, mais facil tornar actualmente em realidade, se se tiver presentes segundo escrevia hontem o Diario de Noticias, a existencia de uma circular dirigida ás alfandegas britannicas, e que determina que, no vinho do Porto artificial, a respectiva marca seja acompanhada da indicação da procedencia.

Em conclusão, eu mais uma vez me arvoro em paladino da marca official, para todos os vinhos que tenhamos de exportar, como passaporte autenticado da genuinidade do producto.

Quanto ao projecto que se discute, foi elle classificado pelo Digno Par Luciano Monteiro, relator da commissão, de lei adjectiva.

Seja-me, todavia, permittido observar que elle não merece adjectivação alguma. É, por assim dizer, um projecto de retrocesso, visto que, tendo a data de 20 do corrente, e devendo ter sido applicado immediatamente, ainda se encontra em discussão.

É caracteristicamente expressivo.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão): - Sr. Presidente: pedi a palavra para responder, concisa e rapidamente, ás observações do Digno Par o Sr. Baracho; mas, antes de entrar no assumpto de que S. Exa. se occupou na ordem do dia, eu peço desculpa a S. Exa. de me ter olvidado, quando lhe respondi, de lhe asseverar que recommendaria ao Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino que satisfizesse o pedido de documentos a que o Digno Par se referiu.

Com respeito ao Digno Par o Sr. Arroyo, tambem se eu tivesse podido usar da palavra antes da ordem do dia, era desejo meu significar a S. Exa. que transmittiria ao meu collega as ponderações do Digno Par, e assegurar mais uma vez que é resolução assente, não d'este Governo, mas de todos os Governos d'este país, não consentir invasões dos nossos direitos e independencia n'aquillo que nos pertence como nação autonoma, e que saberemos todos sustentar e defender o brio e independencia como nação autonoma que devemos ser.

Mas, Sr. Presidente, eu deploro que o Digno Par teime em não dar o seu voto muito auctorizado a este projecto, pela simples razão de que elle contém uma auctorização, e ser seu proposito não dar auctorizações ao Governo.

Sr. Presidente: por este projecto é o Governo auctorizado a fazer um inquerito, mas isto não é um auctorização no sentido ordinario parlamentar da palavra.

Sempre que em qualquer disposição legislativa se dá uma auctorização administrativa, a pessoa ou o funccionario a quem ella é concedida é auctorizado a praticar os actos que a lei estabelece e determina; por consequencia,

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longe de ser uma liberdade, uma faculdade extensa concedida ao Governo aqui é uma auctorização precisa, definida e limitada, que ao Governo se con cede.

Tem de se fazer um inquerito a qu se ha de proceder immediatamente, este mediatamente, que não escapou ás ironias do Digno Par, refere-se á publicação, á promulgação da lei, por que, emquanto não exista essa lei, não existe a auctorização, e não se pode proceder ao trabalho do arrolamento do inquerito que a mesma lei auctoriza.

Devo dizer a S. Exa., porque não sei disfarçar aquillo que sinto, qu estou de accordo em que este projecto devia ser discutido e approvado com maior rapidez, mas nem sempre é dada aos Governos fazer aquillo que desejam, por isso que muitas vezes a discussão dos projectos é demorada.

O Parlamento tem a sua acção, li herdade e regalias, e as suas discussões por vezes bastante demoradas.

Ora veja o Digno Par: todos nós estamos de accordo com o principio do projecto que está em discussão, mas ha já duas sessões nas quaes se tem tratado d'este assumpto para se chegar a esta agradavel conclusão.

Repito, Sr. Presidente, lamento profundamente, pela importancia que para mim tinha o voto do Digno Par, que S. Exa. só por esta razão se não digne dar o seu voto ao projecto.

Creio, Sr. Presidente, ter respondido ás duvidas apresentadas por S. Exa. a proposito dos artigos 2.° e 7.° do projecto em discussão.

A proposta apresentada á Camara, realmente, estabelece apenas um arrolamento dos vinhos destinados á exportação.

Na primeira proposta apresentada ao Parlamento visou-se apenas a que esses vinhos estranhos á região duriense não entrassem em armazens d'aquella região, porque n'isso estava uma concorrencia immediata, como a dos vinhos de Setubal e outras procedencias, apesar de terem uma producção relativamente pequena; mas, todos reunidos; produziam um avultado stock de vinhos assim preparados.

Sendo necessario tomarem-se estas providencias, conviria que se aproveitasse o ensejo para se fazer uma especie de observação e formação de estatistica dos vinhos d'esta natureza; e como assim o entendeu o Governo, accrescentaram-se ao projecto as disposições do artigo 2.°, que são claras, como entram tambem no artigo 1.° os vinhos generosos do Douro que forem encontrados em qualquer ponto do paiz. Posso assegurar ao Digno Par que este projecto terá effeito logo que se transforme em lei.

São estas as conclusões a que visa projecto, que, como o Digno Par reconheceu, é uma especie de preparação da resposta subsequente.

Creio com isto ter respondido com a possivel clareza ás ponderações qu o Digno Par fez a proposito do nosso trabalho, e da conveniencia e vantagem que ha das marcas regionaes.

Como V. Exa. sabe, no projecto d lei em discussão, por emquanto o qu está são as providencias para evitar entrada de outros vinhos na região do Douro: mas outro assumpto ha que o Governo pensa em attender, qual é das marcas regionaes.

Ha uma parte d'este projecto em que me encontro de accordo com o Digno Par: é que n'estas providenciai adoptadas a respeito de vinhos, desde que se trata de valer a uma ciasse essas providencias devem ser immediatas.

Ainda com respeito ás marcas regio naes, é um assumpto que merece ponderação e estudo.

Sobre elle hei de formular a minha opinião para quando começar a discussão da proposta referente a este as sumpto na Camara dos Deputados.

Parece-me poder asseverar ao Digno Par que esta lei será votada pela Camara dos Senhores Deputados tempo de acudir a todos os interesses e obstar a que entrem na região do Douro grandes quantidades de vinhos. O Digno Par referiu se ao decreto de 30 de julho.

Tive a honra de referendar esse decreto e francamente, entendi sempre não lhe dar outra significação que não fosse a de expediente de momento.

V. Exa. sabe que aquella medida aproveitou ao commercio, porque, embora receba uma quantidade de vinho por um preço diminuto, continua a vender por preço como se lhe tivesse custado mais caro.

O commercio aproveita d'estas disposições, mas faz as suas compras, e isto desenvolve um pouco as transacções, porque desembolsa dinheiro sobre uma região que está tão carecida d'elle.

Segundo as informações officiaes, durante a vigencia d'aquelle decreto entraram no Porto, se me não engano, 5:537 pipas de vinho, e V. Exa. comprehende que os preços subiram um pouco, não tanto como era para esperar, e este dinheiro foi arrecadado pelos lavradores mais necessitados e já lies serviu para beneficiar e aguardentar os vinhos, que os tinham na ;ua forma ordinaria de vinhos de consumo.

Pelas notas officiaes, comparado o movimento d'este anno com o do anno anterior, vê-se que ha uma differença consideravel, porquanto, durante este tempo, as entradas de vinho no Porto continuam a ser insignificantes; os preços, como disse, subiram um pouco, e houve relativamente uma melhoria.

Mas o Digno Par, que me fez a honra de ler o meu relatorio, havia de ver que isto é uma medida transitoria e de occasião.

O Sr. Sebastião Baracho: - Transitoria. .. Houve até quem a attribuisse a facilidade de transito.

O Orador: - N'este paiz não ha maneira de se fazer qualquer beneficio, que não haja logo quem malsine as intenções : mas eu devo dizer que não me preoccupo nada com isto, emquanto me acompanhar a consciencia de que procedi em harmonia com os principies de honestidade e o desejo de bem servir o meu paiz; não tenho medo, porque hei de saber sempre defender-me e dar ao desprezo essas atoardas com que quizerem vexar o meu nome.

O Sr. Sebastião Baracho: - V. Exa. não se refere seguramente a mim?

O Orador: - Não senhor, porque o Digno Par nunca suspeitou da probidade com que eu tenho procedido.

O Sr. Sebastião Baracho: - Esse decreto tinha varias vistas; não foi unicamente para satisfazer aos lavradores, mas tambem ao commercio.

O Orador: - O decreto era para satisfazer aos lavradores. Este decreto de diminuição do imposto do consumo, que já mais de uma vez tem sido decretado com o mesmo fim, manifestamente aproveita d'elle o commerciante, porque compra por um preço mais diminuto, e continua a vender pelo mesmo preço ao consumidor.

É mister que haja lucros e benefificios para o commercio, para que elle seja attrahido por este ganho, porque, desde que não haja lucros, o commercio não compra e as providencias são absolutamente inuteis.

Em todos os decretos d'esta ordem ha manifestamente o lucro para o commerciante; o retalhista que vender o vinho para o consumidor apparece a fazer as compras, para aproveitar o beneficio que transitoriamente lhe é facultado, e V. Exa. encontra nesta classe quasi o mesmo que se dá com as outras.

Quem não gosta de fazer o seu negocio, e tirar d'elle todas as vantagens?

Nós mesmo vemos como os proprietarios, que são feridos, como elles se defendem, suppondo que outros da mesma região estão importando vinhos de outras regiões, para depois os exportarem com nome de vinhos do Porto.

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Quanto á marca, com o titulo e o nome do vinho, entendo que é um direito de propriedade, para mim tão sagrado, como a terra onde se produz o vinho.

N'esta lucta da vida, mal anda quem se não defende.

Agora o que S. Exa. não pode com verdade dizer é que as vistas do Governo fossem dirigidas ao commerciante, nem elle nos pedia isso; e ninguem vae generosamente entregar aquillo que lhe não pedem.

Este projecto representa apenas um beneficio transitorio.

De resto, digo a V. Exa., e repito : é sempre proposito meu continuar a ouvir muito attentamente a minha consciencia, e resolver segundo os dictames da mesma consciencia.

Não sou capaz de ajudar interesses que não sejam legitimos e confessaveis.

Foi assim que procurei acudir aos interesses legitimos do Douro com o decreto que actualmente se discute.

O Sr. Sebastião Baracho: - O que não obsta a que a Associação Commercial do Porto o desejasse permanente.

O Orador: - Lastimo, pelo muitissimo respeito que tenho por V. Exa., que V. Exa. não dê a sua approvação a este projecto; por todas as razões, e pela forma tão gentilmente deferente com que V. Exa. apreciou este projecto.

Teria muito prazer, pois, que V. Exa. tivesse dado o seu voto a este projecto ; e tenho muito prazer que V. Exa. com o seu trabalho infatigavel, e com as suas qualidades de luctador consciente, tivesse trazido a esta discussão a sua esclarecida palavra.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Francisco José Machado: - Sr. Presidente: eu tenho assistido, com a maxima attenção, aos discursos proferidos em defesa d'este projecto, que tem por fim autorizar o Governo a fazer um inquerito para saber a quantidade de vinhos licorosos que que ha no paiz. Tenho ouvido com a maxima consideração, que me merecem os illustres paladinos da região do Douro, as razoes que S. Exas. teem adduzido em defesa da sua causa, e vejo que o Douro está atravessando uma crise grave e seria.

Pintaram S. Exas. a crise do Douro com as cores mais ao vivo que lhes foi possivel, defenderam os interesses da sua provincia com o maior calor das suas convicções, e convenceram-nos a todos que o remedio não pode nem deve demorar-se.

Não serei eu, portanto, que vá pôr entraves á approvação d'este projecto, visto que S. Exas. julgara que elle pode attenuar as dores dos que tanto soffrem, mas não me parece que as medidas que se vão adoptar sejam de molde a conseguir o que tanto desejam e que ellas vão resolver a crise do Douro.

Todavia, não serei eu que vá lançar uma nota discordante n'esse côro de louvores que se levanta para poder resolver a crise do Douro.

Desejo muito enganar-me, mas, se não procurarem outros remedios, os que vejo annunciados de pouco ou nada servirão. Alem d'isso, se vão alliviar uma região, vão aggravar outras regiões cuja situação é tanto ou mais afflictiva do que a do Douro.

Lembro a V. Exa. um facto bastante elucidativo, e que nos devia servir de ensinamento.

Em 1893, ou em 1894, o anno não vem para o caso, o phylloxera atacou os vinhedos do sul do paiz com grande intensidade.

Muitos negociantes que queriam continuar mantendo o seu commercio com o Brasil, a Africa e outros pontos mandaram importar vinhos hespanhoes, visto que os vinhos nacionaes não chegaram, e alem d'isso tinham attingido taes preços que não era possivel competir com os vinhos estrangeiros.

Faziam os seus lotes e mantinham assim o seu commercio.

Os lavradores do sul, alarmados por este facto, que fazia desvalorizar os seus vinhos e baixar-lhes o preço, elevadissimo, que então tinham, levantaram-se em coro unanime e exigiram do Governo, que era então regenerador, presidido pelo Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro, que se prohibisse a importação de vinhos hespanhoes.

N'estas circumstancias o Governo cedeu, no que fez muito mal, contra minha opinião, porque entendo que os Governos não são para ceder a tudo que lhes é pedido.

Os Governos são para resistir, quando as exigencias são disparatadas, porque os que vêem pedir não vêem senão os interesses de momento e apaixonam-se, não os deixando medir o alcance futuro das suas exigencias.

Governar, cedendo, é muito facil, mas governar, resistindo, é difficil, mas muitas vezes conveniente.

Os lavradores pediram, solicitaram instaram com Governo, para que não consentisse na entrada de vinho hespanhol, e o Governo cedeu ás instancias dos lavradores, não calculando, nem um nem outros, as consequencias futuras de tal medida.

O que aconteceu?

Aconteceu que effectivamente não entraram mais vinhos hespanhoes, e o vinho que existia em Portugal manteve o preço elevado de doze, quatorze e quinze tostões o almude. E o nosso vinho, que ia abastecer os mercados do Brazil, foi substituido pelos vinhos hespanhol e italiano.

Os lavradores venderam o vinho caro, mas os nossos mercados perderam-se, e a nossa exportação diminuiu, e d'ahi a ruina futura da nossa industria vinicola.

Os viticultores só viram os seus interesses de momento, não mediram o alcance futuro das suas exigencias e o Governo ainda menos. Porem as consequencias fizeram-se sentir em pouco tempo.

Mas ha mais do que isso.

Os negociantes, não podendo conseguir a entrada do vinho hespanhol, levaram para Hespanha gente que sabia fabricar vinho e começou a fabricar vinho hespanhol como se fosse vinho portuguez e mais do que tudo falsificado, desacreditando a nossa mercadoria e o nosso nome.

O Digno Par Sr Baracho citou aqui, ha pouco, que no Brasil tinham sido aprehendidos 1:250 cascos de vinho, que para lá tinham ido de Hespanha em vasilhas com marca portugueza, que era adulterado.

Este vinho não era de procedencia portugueza, mas o nome portuguez ficou manchado e os que praticaram tão edificantes proezas nada soffreram ao que me consta.

N'essa occasião chamei variadissimas vezes a attenção do Governo para este assumpto, que eu reputava gravissimo.

Mas mais do que isso.

O nosso consul em Vigo, e outras entidades, participaram effectivamente ao Governo que por aquelle porto se tinham embarcado muitos barris de vinho para o Brasil com marca portuguesa.

Não me consta que providencias algumas fossem dadas, e se foram, não chegou isso ao conhecimento do publico e nenhum effeito surtiram.

Mas nenhumas ordens se deram, porque em geral os Governos do nosso paiz só se preoccupam com a politica, com as eleições e com arranjar empregos para os amigos.

Este problema é grave e serio, e eu receio muito que com a crise do Douro se dê o mesmo que acabo de relatar, e que as providencias que se vão adoptar prejudiquem, em vez de beneficiar, os viticultores d'aquella região.

Quando a França foi invadida pelo phylloxera, viu-se na necessidade, para manter os seus mercados, de vir até nós e outros paizes comprar grandes quantidades de vinhos, que lhe serviam para fazer as suas lotações e manter a sua freguesia.

Fiz estas declarações para dirimir as minhas responsabilidades.

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Mas, vae votar-se um projecto, que ha de resolver a crise do Douro?

Oxalá que assim seja, porque acima de tudo, sou muito patriota, muito portuguez e muito amigo do meu paiz. O meu coração soffre muito por ver uma região da minha patria a debater-se com a fome e com a desgraça.

Sr. Presidente: resolve isto a crise do Douro?

Duvido muito.

O que é facto é que, nos annos mais proximos, não pode o Douro produzir vinho para abastecer os mercados estrangeiros.

Ha ainda outro problema importante: a crise do sul é gravissima, como já vou mostrar. Não é menos grave do que a crise do Douro. Portanto, como se vae acudir a uma região, com prejuizo de outra que agoniza?

Como é que a crise do sul pode supportar um sotck de mais sessenta mil pipas de vinhos?

O sul já não pode obter consumo para a sua producção; como ha de collocar mais sessenta mil pipas de vinho que deixa de ir para o Porto?

Não sei, mas, emfim, diz-se aqui com toda a verdade, creio bem, que o norte está passando uma crise angustiosa e affirmo que a crise do sul não é menos angustiosa do que a crise do Douro, porque a maior parte das populações do sul, que teem vinho, os mais ricos proprietarios da região vinhateira estão absolutamente perdidos senão apparecer algum remedio que os salve.

Por isso eu disse hontem ao Digno Par Sr. Dantas Baracho, quando S. Exa. declarava que não tinha vinhas, que o felicitava por ter essa ventura.

Ha muito pouco tempo, conversando eu com um vinhateiro importante, este me dizia que reputava tanto mais pobre o proprietario, quanto mais vinhas , possuia.

É o que me acontece a mim, que quanto mais vinho vou tendo, mais. pobre vou sendo e maior é o deficit annual.

Appello para o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro, que é vice-governador do Credito Predial, que deve saber muito bem quantos juros e prestações se teem deixado de pagar áquelle estabelecimento devido á crise por que está passando a nossa victicultura.

Eu garanto a V. Exa. que conheço a região torreana, onde uma grande parte de vinhateiros naufragam por completo se não lhe acudirem com prompto remedio; muitos teem entregado as suas quintas ao Credito Predial onde estavam hypothecadas por não poderem satisfazer os seus compromissos, ou a particulares a quem estavam oneradas, pois que a receita não lhes chega para a despesa do grangeio.

O sul está n'uma situação verdadeiramente angustiosa, tanto ou mais do que o Douro.

Eu queria que, tratando-se de uma providencia para acudir ao Douro, se tratasse de outra para acudir ao sul, que não é menos digno de consideração, porque é tambem terra portugueza.

A agricultura é a primeira fonte de riqueza do paiz.

Eu vejo que se estão a proteger industrias que não teem facil acclimatação entre nós e a abandonar ou deixar de proteger convenientemente a principal fonte de producção nacional.

As diversas industrias que teem tido uma protecção desmedida, e que só á custa d'essa protecção podem viver, teem de importar as machinas, o carvão, a materia prima e até o pessoal dirigente; encontram no paiz só a mão de obra.

A agricultura tem tudo em si e se quizerem salvar o paiz é principalmente com a agricultura que se poderá conseguir.

O commercio, a industria e a agricultura são as tres fontes de riqueza nacional que precisam ser amparadas e protegidas no seu justo equilibrio.

Mal se comprehende que tenham tido uma desmedida protecção o commercio e a industria e que essa protecção tenha faltado á agricultura.

Tenho visto que a agricultura tem estado absolutamente abandonada, absolutamente desprotegida, e mal se comprehende que a nossa primeira industria, leve uma vida cheia de quasi invenciveis difficuldades, sem encontrar nos poderes publicos a iniciativa e a protecção a que tem incontestavel direito.

Todos sabem, quando veio o phylloxera que devastou os nossos vinhedos, a situação em que ficaram os viticultores que viram as suas fortunas anniquiladas. Tiveram antes d'isso uma situação prospera, mas essa mesma prosperidade foi a desgraça de muitos.

N'essa epoca a maior parte dos proprietarios já estavam empenhados.

A região do sul teve um periodo de prosperidade quando os francezes vieram aqui comprar vinhos de 1882 e de 1886, em que a nossa exportação attingiu a importante verba de 15:000 a 17:000 contos de réis. Foi o periodo áureo, da viticultura portugueza em que os vinhos tiveram um grande valor.

Havia uma grande abundancia e os lavradores encheram-se de dinheiro, gastaram á larga e foram pouco previdentes.

Pensavam que era eterna aquella situação.

Quando veio a crise, viram-se perdidos e vou dizer porquê!

N'aquelle periodo, nas regiões que eu conheço, compravam-se propridades para plantar vinhas com uma loucura extraordinaria. Compraram-se propriedades por tal preço que cobertas a moedas de 500 réis ainda sobrava dinheiro. Fizeram-se grandes plantações e espaçosas adegas, muitas vasilhas, compraram-se muitas prensas modernas, etc., etc.

Para isto muitos se empenharam hypothecando as suas propriedades, pagando juros exagerados. O vinho dava para tudo.

Arrancaram-se muitos pomares, muitos olivedos, arrotearam-se charnecas para plantar vinha. N'esta altura vem á região do sul o phylloxera que devastou todas as vinhas salvando-se apenas as que puderam ser inundadadas. O desanimo e a tristeza substituiram a alegria que então reinava.

Appareceu n'esse occasião o bacello americano, resistente ao terrivel micróbio. Nova lucta, mais empenho dos proprietarios para restaurar as suas vinhas.

Lançaram-se febrilmente em novas plantações com dinheiro a juros. O Governo incitava, alem dos justos limites, a iniciativa dos proprietarios, fornecendo-lhes bacellos que mandava vir do estrangeiro, e, quanto mais vinha se plantava, mais os compellia a continuarem.

Disse-se n'um documento official que podiamos ter vinho que produziria 150:000 contos de réis, mas que, ainda que os calculos falhassem metade d'esta verba, os 75:000 contos de réis eram certos e que dois terços d'esta quantia, ou 50:000 contos de réis, seriam consumidos nas nossas provincias ultramarinas.

Appareceu isto n'um documento official, n'um Boletim da Camara do Commercio, de 1895, a pag. 78, que foi enviado pelo Ministerio da Marinha e da lavra da Junta Consultiva do Ultramar, em que dizia que se podiam collocar em Africa 50:000 contos de réis de vinhos!

O Sr. Teixeira de Sousa: - Não fui eu que disse isso.

O Orador: - Não foi S. Exa. está claro, nem lhe imputo a responsabilidade.

Eu tenho sempre por costume fazer justiça a quem a merece.

Mas, como eu ia dizendo, muitos lavradores, n'uma loucura demasiada, e em vista de tão mirabolante perspectiva, foram pedir dinheiro emprestado a juros elevados para plantar vinhas. Chegavam a plantá-las de noite á luz de archotes. Chegou-se a arrancar magnificas arvores fructiferas e magnificas oliveiras para plantar vinhas.

Quando veio o phyloxera, encontrou a maior parte dos lavradores empenha-

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dos, como já disse, e depois empenharam-se ainda mais para replantar novamente as suas torras e nunca mais tiveram um anno em que vendessem o vinho por um preço remunerador, a não ser n'um anno de grande escacez como foi em 1904 em que a colheita de 1903 foi de um terço da producção normal em vista do forte ataque de mildium que no mez de junho d'esse anno, atacou as vinhas.

Sr. Presidente: está provadissimo hoje que o lavrador que mandar fazer todos os serviços :á custa de dinheiro, está cavando a sua ruina. O lavrador pequeno que faz todos os serviços, por sua mão, coadjuvado pela mulher e filhos, ainda se poderá manter, mas quem não estiver n'estes casos, e pagar com o seu dinheiro todos os serviços, não tem meio de salvar-se a não ser que tenha, outros recursos que, resolva ir empregando na terra, na esperança de melhores dias.

Diga-me, Sr. Presidente, como é possivel vender-se vinho a 300 réis por cada 20 litros com as enormes despezas que hoje se faz para colher este producto?,

Eu tenho aqui uma representação do Algarve que foi enviada a nós todos em que expõe as suas condições angustiosas. N'um periodo d'essa representação diz-se o seguinte:

"Pelo que respeita aos vinhos do Algarve, o mal é intoleravel. Os depositos estão cheios dos productos da colheita passada, por falta de procura, e o preço das uvas da nova colheita regula por tostão a arroba, ou menos de 7 réis ,o kilo. Parte d'estes vinhos tinham a sua natural extracção em geropigas e vinhos fortes. Se a medida proposta passasse em Côrtes perder-se-hiam bastas fortunas empregadas em vinha".

Eu peço ao Governo providencias, porque isto é muito grave, que não só salve o Douro, mas que attenda tambem, as precarias circumstancias da crise vinicola do sul e que não sejam só attinentes a melhorar as do Douro.

No Algarve, como a camara viu, este anno chegou a vender-se magnifica uva, para vinho, a 100 réis a arroba.

Arroba e meia, ou quando muito 2 arrobas de uva produz 1 almude dê vinho. Vender um almude do primo roso vinho do Algarve a 200 réis é mais do que a miseria, é a verdadeira ruina.

Na região torreana muitos individuos, por falta de vasilhame,, foram- vender os seus mostos por 160 réis os 22 litros.

Já o anno passado succedeu outro tanto.

Tenho pena que não estejam presentes alguns Dignos Pares d'aquella região, como por exemplo, o Sr. Conde de Tarouca, que é ali um. dos grandes proprietarios viticolas, que confirmaria o que eu acabo de expor.

Para a crise que atravessa a região do sul, que eu considero do Porto para baixo, devia o Governo voltar toda. a sua attenção. Não vá o Sr. Ministro das Obras Publicas, com a boa vontade que todos lhe conhecemos e patriotismo que lhe é inherente, salvar o Dou-o, sacrificando o sul.

Acuda-se ao Douro, que bem o merece, mas não esqueça o sul que é tambem terra portugueza.

O stock de vinhos do sul é muito grande, mas não é o que muita gente suppõe.

Se não fossem as falsificações, que por toda a parte se teem feito, com a
complacencia das diversas auctoridades, não estariamos atravessando tão temerosa crise.

No relatorio da Real Associação de Agricultura, de dezembro de 1904, pag. 472, diz o Sr. Cincinato da Costa que a producção de vinho da colheita; de 1904 devia andar por 6.000:000 a a 6.500:000 hectolitro, o que dá 1.300:000 pipas de 500 litros. Parte d'este vinho sae pela barra do Porto como vinho com esta denominação:

Em 1900 exportou-se pela barra do Douro:

Litros Pipas

Vinho do Porto 55:062

De todo o paiz, em 1902:

Vinho commum

Branco 4.856:150

Vinho tinto 48.431:630

Vinhos licorosos, mão mencionados 635:050

Total da exportação 53.922:830

Ou pipas de 500 litros 107:845

Somma da exportação total 162:907

Paira preparar 55:000 pipas de vinho chamado do Porto é necessario a sexta, parte de aguardente.

Portanto, são necessarias, proximamente, 9:000 pipas de aguardente. para fabricar estas 9:000.pipas de aguardente são indispensaveis sete vezes mais vinho.

Portanto:

9:000X7 = 63:000 pipas

Acrescentando a exportação, temos 162:9074 + 63:000 = 225:907 pipas

Se agora subtrahirmos da producção total, temos:

1.300:000 pipas, menos 225:907 = pipas = 1.074:093

É quanto nos fica para o consumo de todo o paiz.

E ainda não deduzimos o vinho que i transformado em aguardente para tempero dos outros vinhos, como o que ;e exporta para a Africa, Brasil, etc.

Está calculado que Lisboa já consome hoje proximamente 120:000 pipas de vinho, e mais se consumirá se se evitarem as falsificações que todos sabem que se fazem por todos os cantos ia cidade.

Tendo Lisboa 400:000 habitantes e o paiz 5.000:000, vê-se que:

400:000: 120.000 : : 5:000:000: x x = 1.500:000 pipas

Se o paiz consumisse vinho na proporção da capital, já não chegava a nossa producção se não fosse permitti-lo para o tempero dos vinhos senão aguardente de vinho e prohibida completamente a falsificação.

Vê-se, portanto, que a situação afflictiva em que se encontra a nossa viticultura tem remedio: a questão é que o Governo exerça uma acção energica perseguindo os falsificadores e prohibindo o tempero dos vinhos com alcool industrial, permittindo o só com aguarnente de vinho e adoptando outras medidas complementares que espero indicar á Camara.

Ha muitos, annos, Sr. Presidente, que eu lucto em favor da viticultura nacional.

Já em 1899 tanto eu, como o Sr. Conselheiro Campos Henriques, meu illustre amigo, a quem presto a homenagem da minha maior consideração, mostrámos na Camara dos Senhores Deputados a crise, que já então estava atravessando a nossa viticultura, e tanto S. Exa. como eu instámos com o Governo, que era então o progressista, para que não descurasse tão momentoso assumpto, que tendia a aggravar-se cada vez mais.

O Sr. Conselheiro Campos Henriques, que conhecia a região do, Minho, já previa, como eu, como toda a gente, que não se podia perder um momento, e que era necessario acudir com prompto remedio ao mal que se approximava a passos agigantados.

S. Exa., com aquelle conhecimento e fino tacto que todos lhe reconhecem, bem demonstrou por essa occasião a crise que já estava atravessando a provincia do Minho. Teem-se passado annos e annos sem se ouvirem as vozes dos que tão patrioticamente teem da-

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vertido os Governos da crise que se avizinhava.

Não é possivel venderem-se vinhos por um preço tão Diminuto; é uma triste miseria e uma verdadeira desolação para os proprietarios, para os trabalhadores, para todas as artes e officios e para o commercio, pois todas estas classes vivem da viticultura.

E a este respeito eu vou contar a V. Exa. e á Camara um caso occorrido commigo o anno passado.

Eu estava resolvido a vender immediatamente o vinho, que então ;me pagavam pelo insignificante preço de 420 réis os 20 litros.

Toda a gente me disse e me aconselhou que não fizesse tal, que não .tivesse pressa em vender, pois que nada lucraria com isso, porque o vinho mais tarde havia de augmentar de valor.

Pois, Sr. Presidente, ouvi estes conselhos e vendi mais tarde, ahi pelo mez de junho, os 20 litros, a 340 réis o vinho tinto, e a 350 réis o vinho branco!

E ainda me disseram que era por muito favor.

Veja V. Exa. Sr. Presidente, se é possivel continuar com este estado de cousas, sem que o Governo se convença que urge apresentar qualquer providencia tendente a proteger e valer a uma região que tão digna é da consideração dos poderes publicos, porque sustenta uma população enorme, que á custa das canceiras, dos cuidados e das afflicções dos proprietarios que muitas vezes se vêem afflictissimos para arranjar pinheiro com que pagar aos trabalhadores. E eu ainda não fui dos que tiveram peor ;sorte, muitos tiveram de vender o vinho ainda mais barato, a 300 réis cada 20 litros, vinho do melhor, já preparado, com muitas despesas de tranafego, e aguardentação, etc., etc. Eu não exagero, Sr. Presidente, o que exponho á Camara é um pallido reflexo das angustias e dos soffrimentos d'aquella classe.

Sr. Presidente: as causas primordiaes d'esta grave crise provêem das falsificações que . de largos annos se teem consentido, e da introducção do alcool estrangeiro em 1904. Eu e muita gente clamámos em altos gritos contra as falsificações que estavam arruinando a nossa viticultura. Não nos ouviram, e d'ahi este estado de miseria.

Na sessão de 13 de fevereiro de 1903 disse, entre outras cousas, o seguinte:

"Sr. Presidente: ,a agricultura do paiz é a nossa primeira e principal industria, e não tem recebido dos Governos protecção correspondente aos sacrificios que faz e aos enormes serviços que presta".

Referindo-me ao vinho disse:

"Está-se falsificando vinho por esse paiz fora, como se estão falsificando muitos generos alimenticios, e eu não vejo que da parte do Governo se tenham empregado os meios para reprimir tão grande attentado".

Pois, Sr. Presidente, foi o mesmo que bradar no deserto. Mas o que eu quero é que fique bem patente que, n'essa occasião e em diversas occasiões, me occupei d'este assumpto com o maior interesse, sem que as minhas palavras tivessem echo, sem serem ouvidas por quem as devia ouvir, sem se darem as providencias que o caso requeria.

E não fui eu o unico a dizê-lo, tanto em 1899, como em todos os annos seguintes.

N'essa sessão disse eu:

"É preciso que o Parlamento se não feche sem que o Governo fique habilitado a negociar tratados de commercio, de modo a conseguir uma reducção nos direitos de importação dos nossos vinhos".

Mas, Sr. Presidente, fechou-se o Parlamento e nenhuma providencia se adoptou e a crise foi-se alastrando.

O Sr. Elvino de Brito, que era meu amigo pessoal e politico, disse que, como eu, comprehendia que a sessão d'esse anno não se devia encerrar sem adoptar qualquer providencia no mentido de regularizar a crise vinicola do sul. Mas infelizmente nada "e fez, e para isso contribuiram factos alheios á vontade do Sr. Elvino de Brito, então Ministro das Obras Publicas.

Em 1900 o Sr. Elvino de Brito apresentou ao Parlamento uma proposta da tentativa de resolver a desgraçada crise vinicola do sul.

Essa proposta foi muito cuidadosa e conscienciosamente estudada por uma commissão a que eu tive a honra de pertencer.

Apresentada ao Parlamento pelo Sr. Elvino de Brito, esperava S. Exa. e toda a commissão que ella tivesse inteira acceitação. Não succedeu porem assim.

O illustrado partido regenerador entendeu que era questão de somenos importancia discutir aquelle projecto. Empregou todos os esforços para derrubar o Governo, porque pretendia reformar alguns artigos da Carta Constitucional, servindo-se do pretexto de que se não tinham observado restrictamente n'esses prazos de tempo marcados na Constituição, porque se tinha faltado a uns principios que a Carta determina, ou por outras quaesquer circunstancias.

A queda do Gabinete progressista foi inevitavel, e a proposta ficou sem effeito. Esta proposta foi posta de parte, não se póde discutir, e assim ficou o paiz privado de uma das medidas de um grande alcance que devia resolver a crise ou pelo menos attenual-a.

Ora, Sr. Presidente, era facil de suppor, quando o partido regenerador subiu ao poder, e tendo conhecimento completo da crise que estava atravessando a nossa viticultura; sabendo da situação angustiosa ,em que se encontravam os lavradores d'aquelle producto agricola e o estado desgraçado a que ellas tinham chegado, que olhasse um pouco para este assumpto, propondo medidas que remediassem tão afflictiva situação, uma vez ,que pela sua ansia de escalar o poder tinha impedido a approvação da proposta do Sr. Elvino de Brito.

Pois não aconteceu assim.

O Gabinete formado pelo partido regenerador não fez nada, absolutamente nada, deixou aggravar a crise sem que o preocupasse o mais grave problema que affectava a economia da nação.

Em 1903, na sessão de 13 de fevereiro, chamava eu a attenção do Sr. Affonso Vargas, então Ministro das Obras Publicas, para a forma por que eram falsificados, os vinhos, falsificação que então tinha attingido o seu maior grau de desenvolvimento, pois que o alto preço d'este genero devido á escassez da colheita incitava a cubica dos falsificadores.

Pedi-lhe instantemente para que adoptasse quaesques providencias energicas, a fim de evitar este grande crime tão prejudicial, a tantos milhares de pessoas e á primeira industria do paiz. Por essa occasião eu até indiquei alguns concelhos onde os principaes proprietarios eram precisamente 04 primeiros falsificadores.

Nomeou-se ha annos uma commissão de vigilancia nos diversos concelhos viticolas para fiscalizar e evitar as falsificações, mas d'essa medida não se tirou resultado algum, porque em muitos d'esses concelhos faziam parte d'essas commissões, onde tinham a maior preponderancia, individuos a quem a opinião publica apontava como os primeiros falsificadores.

O facto da falsificação era já tão conhecido de todos, que até se indicavam varias casas, varias terras e varios locaes onde se falsificava o vinho.

Eu na sessão de 13 ide fevereiro de 1903 disse:

"Para cumulo de tudo, alguns lavradores e negociantes começaram a falsificar o vinho, não sendo possivel os productores serios e honrados luctar com elles.

O Governo perante este enorme crime cruza os braços e parece que até

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se consola que os falsificadores triumphem.

Tenho informações muito seguras de que ha concelhos, no Alemtejo que consomem cinco ou seis vezes mais vinho do que aquelle que é ali produzido e comtudo não importam vinho nenhum.

Seria facil ao Governo depois d'estas indicações verificar o que deixo exposto".

Mas, Sr. Presidente, não obstante estas indicações, que eram afinal as de toda a gente, nada se fez.

Os falsificadores ainda ficaram mais á vontade por verem que o Governo nenhum caso fazia do que era dito.

Todos sabem que o alcool industrial era empregado na sua maior parte em falsificar vinho, que até se falsificava com aguardente do figo.

Tudo isto já eu disse na outra Camara e não fui eu o unico a dizê-lo. Os clamores eram geraes, mas tambem a complacencia do Governo era absoluta.

Para cumulo criou-se outra fiscalisação que deitou tudo a perder. Em 25 de dezembro de 1903 foi publicado no Diario ao Governo o decreto de 17 do mesmo mez, que entregou a inspecção sanitaria á fiscalização dos vinhos na venda a retalho. Então é que foram ellas.

A falsificação parece que se viu á vontade e não encontrou peias á sua criminosa industria.

Peço desculpa para dizer a V. Exa., Sr. Presidente, mas a falsificação foi então medonha, extraordinaria! Nunca se viu tão á vontade!

Em vez de uma fiscalização no Ministerio das Obras Publicas, criou-se outra no Ministerio de Reino para fazer a vontade ao inspector sanitario, que queria mais attribuições e mais importancia.

Um mez depois o commercio da venda por grosso procurava a direcção da Real Associação de Agricultura para protestar e pedir providencias contra a falsificação dos vinhos em Lisboa.

Tendo o Sr. Dr. Feijão, director d'aquella associação, procurado o Sr. Ministro do Reino para lhe expor o que se passava, S. Exa. respondeu-lhe que isso era com o Sr. Ministro das Obras Publicas.

S. Exa. não se lembrava que tinha entregado a fiscalização do vinho dos vendedores a retalho á inspecção sanitaria.

Mas não pára aqui.

D'ahi a pouco uma commissão de negociantes do Poço do Bispo procurou o Sr. Ministro do Reino, queixando-se de que não vendiam vinho para Lisboa, porque a falsificação tomava o logar dos vinhos naturaes, desde que a fiscalização tinha deixado de ser exercida pela Inspecção Geral dos Vinhos e Azeites.

Em fevereiro de 1904 a Administração Geral das Alfandegas tambem pedia providencias contra a falsificação dos vinhos, porquanto, apesar de ter augmentado a area da cidade, o imposto do consumo diminuia extraordinariamente.

Reune-se a assembleia geral da Real Associação de Agricultura e ahi se protesta energicamente contra as falsificações, e novamente a direcção procura o Governo para lhe apresentar as reclamações dos viticultores.

Na imprensa do paiz levantou-se um protesto unanime contra os falsificado rés, e o Governo cerra os ouvidos e não toma providencias algumas.

Finalmente o Conselho Superior de Agricultura lavra nas actas das suas sessões protestos contra tão deploravel estado de cousas e procura o Sr. Ministro para lhe pedir providencias.

A nada se attendeu, Sr. Presidente, os preços dos vinhos desceram de dia para dia, as adegas ficaram sem procura, os armazens não puderam receber mais vinho, os prejuizos accentuaram-se e d'ahi veio o desastre e a ruina para muitos viticultores e commerciantes.

Chega a colheita seguinte e o stock dos vinhos velhos era enorme, mas o alcool dos Açores tinha desaparecido!

Não obstante estes clamores de toda a gente, não obstante ter-se provado á evidencia que a viticultura estava passando por um periodo muito agudo, ainda se deixou importar alcool havendo no paiz muita aguardente de vinho mais do que a necessaria para as necessidades do momento.

A desolação é enorme, todos perguntam o que se ha de fazer ao vinho e como hão de obter dinheiro para pagar as contribuições e sustentar uma grande população de trabalhadores! Mas não é só o vinho que se falsifica.

Dá-se o mesmo com todos ou quasi todos os generos alimenticios.

Ainda ha poucos dias os jornaes annunciavam que umas poucas de familias moradoras na Rua dos Mastros se sentiram violentamente incommodadas com todos os symptomas de envenenamento em virtude de terem ingerido na comida azeite falsificado vendido numa mercearia d'aquella rua.

Uma outra familia, moradora na Rua Renato Baptista, comprara azeite para temperar os seus alimentos a um vendedor ambulante e tambem foi envenenada, tendo que recolher ao hospital, a fim de se tratar.

Como já disse, não é só o vinho que está sendo hoje falsificado. Acontece o mesmo com o pão, com a farinha, com a manteiga, com o assucar, com o café, com o vinagre, com o alcool, com a manteiga de vaca, com a manteiga de porco, com os chouriços, com os queijos, com o leite, com a pimenta, com a massa de tomate e até com os tecidos para o fardamento das tropas, etc.

Tudo falsificado!

Vi ha tempo n'um jornal que os pobres soldados foram defraudados, em 8 annos, em 2:000 contos de réis, em virtude da falsificação dos pannos.

Vi tambem n'outro jornal que uma fabrica de assucar tinha importado umas poucas de toneladas de gêsso!

Até os medicamentos são hoje falsificados !

Toda a gente com certeza perguntará para que é que uma fabrica de assucar precisa de gesso.

Eu hei de mais tarde tratar d'este assumpto, mais larga e desenvolvidamente, porque não quero dar agora uma grande extensão ao meu discurso, mas desde já digo a V. Exa. que é preciso adoptar providencias sobre este assumpto, principalmente prohibindo a falsificação e castigando com penas severas os falsificadores.

Sr. Presidente: estudando as estatisticas observo o seguinte:

Em 1904:

Importação:

Inglaterra 18.148:800$000

Allemanha 10:454:900$000

França 6.000:100$000

Exportação:

Inglaterra 6.994:400$000

Allemanha 2.421:000$000

França 838:300$000

Differença contra nós:

Inglaterra 11.154:400$000

Allemanha 8.033:900$000

França 5.162:800$000

Fundado n'estes factos não seria possivel fazer um tratado de commercio com estes paizes para lá consumirem os nossos vinhos?

Pois nós recebemos d'aquelles paizes tantos dos seus productos, que o desequilibrio contra nós é enorme, e não será possivel obter alguma vantagem, ou, ao menos, tratamento igual ao das outras nações, para o consumo do nosso vinho?

São interrogações que deixo formuladas e que só o Governo poderá responder depois de maduro estudo.

A França tem muito vinho, não ha duvida, mas são vinhos fracos, de pouca força alcoolica, muito delgados não podendo exportar se tal e qual são colhidos.

Necessita para serem exportados lotá-los com vinhos de maior graduação

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alcoolica e tanto que importa muito de Hespanha, de Italia, etc., etc. Não vem comprar os nossos pela differença de direitos.

Não sou eu só d'esta opinião.

O Sr. Jayme Seguier, nosso cônsul em Bordéus, diz no seu relatorio publicado no Boletim Commercial de janeiro de 1900, pag. 61, exactamente a mesma cousa:

"É um erro, pois, o affirmar, como tantas vezes leio, mesmo em certos orgãos exclusivamente vinicolas, que a França já vive sobre si e prescinde de vinhos estrangeiros.

A França precisa e precisará sempre de vinhos robustos de elevado grau alcoolico e cor sanguinea para com elles avigorar, colorir e tonificar os vinhos fracos e pallidos que produz em quantidade sempre crescente e que sem esse tratamento, nem são vendaveis, nem se podem conservar. Esses vinhos, de forte compleição, teem de se pedir ao estrangeiro. O seu solo não os dá".

No Boletim Commercial de fevereiro de 1902, pag. 94 e trasladado do Figaro de 31 de dezembro de 1901, diz ainda o Sr. Jayme Seguier o seguinte:

"Aconteceu que os vinhos francezes - é sobretudo dos vinhos do meio dia que pretendo falar - deixaram de se vender de todo e que longe de realizarem os lucros esperados os viticultores se vêem ameaçados de ruina certa e profunda.

Mas porque houve esta interrupção imprevista na venda? Porque esses vinhos, geralmente fracos, sem grau e carecendo de corpo, eram facilmente melhorados e fortalecidos pelos vinhos hespanhoes, o que permittia aos negociantes francezes que possuiam uma grande freguesia na America do Sul expedi-los para lá. E não podem hoje fazê-lo, porque, segundo o parecer de todos os homens competentes, os vinhos do sul da França não podem supportar tão longa viagem".

Sr. Presidente: parece-me que me baseio em factos e auctoridades conhecidas para fundamentar as minhas asserções.

A França necessita e necessitará ainda dos nossos vinhos, o caso era que nós tivéssemos um tratamento igual ao das outras nações.

Não poderiamos fazer um tratado de commercio com a França, de forma a estabelecer um regimen semelhante ao de outras nações mais favorecidas ?

Creio que sim.

Nós ainda consumimos á França muitos productos; mandamos para lá mais 5:000 contos de réis em dinheiro do que ella nos manda para cá. Alem d'isso podia diminuir-se os direitos de muitos outros que não se fabricam entre nós, e de outros que teem tido um pequeno desenvolvimento.

Ninguem poderá contestar que a industria agricola é a primeira do paiz; ha de então ser esta industria que se ha de sacrificar para salvação das outras?

Deixo á consciencia publica a resposta.

Mas não só a industria agricola não tem tido a protecção condigna e muito principalmente a industria vinicola, como tem sido immensamente prejudicada por diversas medidas do Governo.

Muitas e diversas teem sido as causas da crise que a viticultura está atravessando.

Uma d'ellas é a falsificação e outra foi derivada de se ter permittido a entrada no Porto de 1.500:000 litros de alcool estrangeiro, em 1904, havendo em Portugal quantidades sufficientes de aguardente, para as necessidades do consumo.

O decreto de 6 de agosto de 1904, que permittiu a entrada do alcool estrangeiro no paiz, foi a causa primordial da crise que atravessa tanto o sul como o Douro. Este facto conjugado com as falsificações é a origem do estado em que nos encontramos.

Do sul, porque deixou de se consumir a aguardente que então existia, representada na grande parte ainda em vinho.

Do Douro porque, fornecendo-se aos negociantes alcool muito barato, levou-os e aos viticultores do Douro a fabricarem muito mais vinho licoroso do que aquelle que lhe era necessario para a sua exportação.

Quando se abriu o inquerito para saber a quantidade de aguardente de vinho que havia no paiz occorreram ao manifesto cerca de 5.000:000 de litros; isto é, mais de tres vezes do que a quantidade necessaria para as necessidades da colheita do Douro.

Mas isto não convinha porque já estavam na barra do Douro navios carregados de alcool mandados vir pelos negociantes a quem se tinha promettido que seria auctorizada a importação do alcool.

Deixou-se então despachar 1.500:000 litros de alcool correspondente a mais de 30:000 pipas de vinho, que teria tido uma natural e justa applicação.

Como não conviesse a quantidade de aguardente de vinho que veio ao primeiro inquerito, porque isso impossibilitava a entrada do alcool estrangeiro, mandou-se fazer segundo inquerito determinando um preço tão baixo e vil pelo qual os viticultores não podiam vender a aguardente ao preço que o Governo queria; pois que n'essa occasião o vinho estava por um preço mais elevado.

Em vista d'esta manobra não appareceu aguardente nenhuma a este segundo manifesto.

O prejuizo que d'isto resultou para a viticultura nacional foi enorme, incalculavel; tão grande que ainda hoje se faz sentir e pode ainda fazer-se sentir por muito tempo.

Houve um viticultor que por virtude d'essa medida perdeu logo 160 contos de réis, pois tinha contratos feitos para vender o vinho por um determinado preço que os compradores não puderam manter, porque os vinhos e as aguardentes começaram logo a descer.

Alem dos prejuizos dos viticultores, veio tambem o prejuizo dos negociantes, muitos dos quaes tiveram de suspender pagamentos e outros mais pequenos ficaram arruinados para sempre.

Vem a colheita d'esse anno de 1904 e como os negociantes do Porto tinham alcool em superabundancia, não necessitavam de aguardente e o vinho desvalorizou-se.

Para confirmar o que deixo exposto basta ler o que vem relatado no Boletim, da Real Associação de Agricultura, do mez de janeiro d'este anno, a pag. 10 e seguintes:

"A crise vinicola, que ha annos se vem accentuando, attingiu em 1904 e 1905 um tal grau de agudeza que era facil de prever, mas que só se devia patentear mais tarde, se não fosse a desgraçada lei de 6 de agosto de 1904.

Dissemos ao Governo de então que a consequencia de tal decreto seria a desvalorização do vinho e da aguardente e que ia fazer perder milhares de contos de réis á vinicultura.

Os acontecimentos posteriores mostraram que era verdadeira a nossa previsão, pois que infelizmente ella se tornou uma realidade.

Já em 1904 o vinho desceu ao preço de 20 réis por litro e em 1905 e até o momento actual raro tem attingido aquelle preço, tendo-se já vendido vinho por 8$000 réis e mesmo por 7 $000 réis a pipa e ainda por menos.

E, o que é peor, as adegas estão cheias de vinho e os compradores, os negociantes não querem adquiri-lo a não ser por preços arrastadissimos".

Aqui está, Sr. Presidente, a confirmação do que acabo de expor e por uma autoridade insuspeita como é a Real Associação de Agricultura.

Eu não invento: traduzo simplesmente os factos que conheço e as angustias e afflicções de proprietarios viticolas que atravessam uma verdadeira e temerosa crise.

Por aqui se vê que foi um erro

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enorme o consentir-se a importação do alcool estrangeiro depois de se ter reconhecido que era desnecessaria e que havia no paiz aguardente suficiente, e até em superabundancia, para as necessidades de occasião.

Houve um viticultor, como já disse, que perdeu 160 contos de réis, porque, em virtude dos contratos que tinha feito por um certo preço, quando o vinho estava carissimo, depois- se viu constrangido a diminuir esse preço, para não quebrarem as casas com quem tinha fechado os contratos, sem vantagem alguma para elle.

Causa-me dó ver este paiz tão mal administrado e tanta imprevidencia da parte dos governantes que não sabem prever as consequencias das suas medidas, não obstante serem advertidos do mal que causam.

Varias tentativas, Sr. Presidente, se teem feito para melhorar a situação vinicola do sul, e houve quem se lembrasse de estabelecer uma medida que devia certamente attenuar a medonha crise que nos assoberba, mas parece que a fatalidade pesa sobre o desgraçado viticultor, que, quando apparece uma medida que pode attenuar o mal, logo apparecem mil causas que difficultam a sua execução.

Por fins de 1904 appareceu um grupo de negociantes que foi propor ao Governo uma medida que então se me afigurou, e ainda hoje se me afigura, que teria attenuado sensivelmente o mal da nossa viticultura.

O auctor d'essa medida foi o Sr. D. Manoel de Noronha, que reuniu um grupo de capitalistas que se propunham valorizar o nosso vinho.

Tambem eu collaborei n'essa proposta com o fim unico de suavizar a situação afflictiva dos nossos viticultores.

Estava convencido e ainda hoje estou de que essa providencia satisfazia em parte as reclamações dos lavradores, e por isso pugnei por ella com toda a minha convicção. Essa medida foi chamada Fusão Vinicola, que tinha por fim e por obrigação comprar todos os pelo menos 80:000 pipas de vinho, que então se reputava ser o consumo de Lisboa, ao preço minimo entre 600 e 700 réis os 17 litros de vinho tinto, e 500 réis e 600 réis os 17 litros de vinho branco, garantindo ao Estado o maximo rendimento que se tinha obtido pelo imposto do consumo d'este genero em Lisboa.

Alem d'isso obrigava-se mais a pagar um addicional de 5 por cento sobre a referida quantia com a applicação exclusiva de criar uma agencia official de propaganda e estudo commercial e instituir uma exposição annexa permanente dos productos agricolas que mais convem fabricar conforme as exigencias e necessidades do consumo universal.

Esta medida teve grandes adeptos e bastou ser annunciada para subir logo o preço do vinho e da aguardente. Parece, porem, que um mau sestro persegue a nossa viticultura, que mal a proposta foi apresentada ao Sr. Ministro das Obras Publicas, que então era o Sr. Conselheiro Eduardo José Coelho, começou a levantar-se contra ella grande celeuma, para não dizer grandes invejas.

A Real Associação de Agricultura, composta de cavalheiros respeitabilissimos, a quem presto a homenagem da minha maior consideração, deixou-se embair de taes preoccupacões que moveu uma guerra sem tréguas á Fusão Vinicola, que para a occasião teria sido a salvação do viticultor nacional.

Assumiu aquella illustre corporação uma grande responsabilidade, oppondo-se á realização de tão importante medida. Aquella corporação, não tem feito absolutamente nada em favor da agricultura nacional, triste é dizê-lo; pelo contrario, só tem servido, muitas vezes, para entravar a execução de diversas providencias de utilidade nacional como succedeu, oppondo-se á realização e adopção de medida tão proveitosa.

Por aquella forma, que se propunha, podia vender-se o vinho branco entre 500 e 600 réis os 17 litros e o tinto entre 600 e 700 réis os mesmos 17 litros. Pois, Sr. Presidente, como esta medida não foi por deante vendeu-se o vinho a 300 réis, não os 17 litros, mas sim os 20 litros.

Um distincto membro d'aquella illustre corporação, que eu muito considero, disse na sessão extraordinaria de 1 de dezembro de 1904 o seguinte, que vem a paginas 471 do Boletim do mez de dezembro:

"N'estas circumstancias, a direcção, procurando estudar a proposta, viu que o grupo financeiro, que se apresentava a comprar o vinho para o fornecer á cidade de Lisboa, apresenta-se com o fito n'um lucro certo, garantindo aos viticultores a compra de 80:000 pipas por um preço marcado que pouco mais é do que um preço de miseria".

Sr. Presidente: 500 ou 600 réis por 17 litros de vinho branco e 600 e 700 réis pelo tinto é considerado um preço de miseria; como classificará então a Real Associação o preço de 300 réis por 20 litros por que se vendeu n'esse mesmo anno?

Não encontro expressões para verberar este facto!

A Real Associação não quiz acceitar a proposta da fusão vinicola, levantou-lhe todas as difficuldades preoccupan-do-se com a ideia de que a tal empresa ia ganhar muito! Que me importava a mim e aos viticultores que ganhassem muito se repartiam os seus ganhos por todos os que produzem vinho?

Que desgraçada situação em que se collocou a Real Associação, impedindo a realização de uma medida tão util e que valorizava o mais importante producto da nossa agricultura.

A Real Associação fez á proposta da fusão uma guerra systematica; disse-se n'essa occasião que era o despeito por não ter sido da sua iniciativa.

Não sei pelo que foi; o caso é que prejudicou enormemente a viticultura e não teve cousa melhor para substituir a medida que condemnava. No meio d'aquelle coro de reprovações, appareceu um homem dos mais distinctos, dos mais conhecedores dos assumptos viticolas, dos mais ricos proprietarios de Torres Vedras, dos que melhor amanham as suas vinhas, dos que melhor preparam os seus vinhos, um espirito dos mais esclarecidos e um medico distinctissimo e tambem director da Real Associação - quero referir-me ao Sr. Dr. Justino Freire - que discordou dos seus collegas.

Pois não obstante aquella auctorizadissima opinião a Associação não recuou.

Parecia haver o proposito firme de rejeitar a proposta, quer fosse boa, quer fosse má, uma vez que não partia da Associação.

É o que resulta da discussão ali havida, e o que conclue quem ler o relato dos discursos ali proferidos.

O grupo financeiro ganhava muito e o preço era um preço de miseria e em torno d'estes principios girou toda a argumentação.

O Sr. Dr. Justino Freire deitou por terra todo este castello de cartas, mas infelizmente não logrou fazer mudar de orientação os seus collegas.

A fusão ficou enterrada, mas o vinho ficou desvalorizado e sem comprador.

É o bello serviço que a viticultura ficou devendo á Real Associação.

O Sr. Dr. Justino Freire, com o bom criterio que o caracteriza e o conhecimento pratico que tem do assumpto, disse, entre outras cousas sensatas, o seguinte:

"Agora, porem, a direcção achou a proposta de tal maneira má que entendeu que a assembleia não devia acceitá-la. Por sua parte, por mais que tenha lido os jornaes que teem tratado o assumpto, por maior attenção que prestasse ao que foi dito pelo Sr. Cincinato da Costa e Oliveira Feijão, ainda não encontrou um argumento de valor que o obrigasse a pôr de parte a referida proposta. Devia reformar-se de maneira que apresente as maiores vantagens para a viticultura sem lesar o Thesouro; pô-la, porem, completa-

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mente de parte, na triste situação em que se encontram os viticultor es j julga ser isso uma questão de leso-patriotismo".

E continua:

"Pois os vinicultores, nas angustiosas difficuldades em que se encontram não tendo a quem vender um almude de vinho, por mais de 300 réis, hão de recusar uma proposta que offerece a compra de 80:000 pipas?!

Um dos argumentos apresentados é a insignificancia da compra. O que são 80:000 pipas? pergunta-se. Responde a isto com o seguinte facto: apenas se falou em que se ia fazer a fusão os viticultores da sua região que estavam vendendo vinho a 30 réis cada grau em 20 litros passaram a pedir 40 réis.

Em Gaia, por exemplo, não se vendia uma pipa de aguardente por mais de 75$000 réis, mas, quando chegou a noticia da fusão, subiu logo a 85$000 réis".

Era d'este modo que falava um dos homens de mais auctoridade no assumpto, mas isto não demoveu a Real Associação, que cerrou os ouvidos a todos os argumentos. Pois se a proposta não era da sua iniciativa!

E continuava o Sr. Dr. Justino Freire:

"A fusão, ainda que outro beneficio não trouxesse, fazia a de forçar a cotação do preço do vinho. Com a compra de 20:000 pipas de dois em dois meses, pelo preço de 500 a 700 réis, não se conservaria a baixa actual.

É facto que se marcou o limite de 80:000 pipas, mas se a fusão precisar de maior quantidade ha de comprá-la e pelo mesmo preço.

Um dos argumentos que tem sido apresentado contra a fusão é o de que ella ha de tirar grandes lucros".

E por esta forma continuava o distincto viticultor, apresentando sempre argumentos poderosos que deviam levar a Real Associação a ponderar no passo que ia dar, rejeitando a fusão. Este admiravel discurso devia ser enviado a todos os viticultores para que vissem os serviços que lhe fez a Real Associação, que tem a veleidade de ser unica e exclusivamente a inspiradora de todas as ideias respeitantes á agricultura.

Mas a Real Associação, vendo-se entalada por ter rejeitado a fusão, teve de apresentar propostas que todas eram inexequiveis, pelo menos para o momento que era grave e não admittia delongas ; propostas que podiam coexistir com a fusão, sem se prejudicarem e sem serem antagonicas.

Entre as oito propostas apresentadas figura a da fundação de uma companhia entre os viticultores. Assim, disse o Sr. Cincinnato da Costa, que, repito, muito considero, mas não posso concordar com o seu modo de ver n'esta questão, o seguinte:

"Entende porem a direcção, porque o assumpto é momentoso, que deve expor, embora muito succintamente á assembleia, quaes são as reclamações que, em seu entender, devem ser dirigidas immediatamente ao Governo a fim de beneficiar a viticultura".

Foram 8 as propostas, e entre ellas a 4.ª:

"Garantia de juros de 5 por cento ao capital que se offerecer para a fundação de uma ou mais companhias vinicolas de capital não inferior a 2:000 contos de réis!"

Mas o mais notavel é que esta companhia, ou companhias, deviam ser formadas com o capital dos viticultores, que não tinham vintem e estavam atravessando uma temerosa crise.

Sr. Presidente: via-se logo ao primeiro exame que era impossivel fundar se uma companhia com dinheiro dos viticultores, porque o não tinham.

E mesmo quando isso fosse possivel não era para logo, levaria muito tempo ã organizar-se, a fazer as suas installações, etc., etc.

O mesmo das outras propostas, que todas ellas, repito, podiam co-existir com a fusão sem se prejudicarem umas ás outras.

A crise era grave, não admittia delongas, e a Real Associação vinha com paliativos, com propostas, umas inexquiveis, outras de demorada e de difficil execução.

A este respeito diz ainda o Sr. Justino Freire no seu sensatissimo discurso :

"Applaude a criação de companhias vinicolas, mas não pela forma por que se pretende organizá-las.

Alem d'isso, o que se fizer não dará resultados immediatos, e a crise vinicola continuará na mesma situação.

Para resumir, entende que a ideia da fusão vinicola não deve ser posta de parte; que deve ser estudada, reformada, emendada de maneira que possa trazer beneficios á viticultura. Todas as medidas apresentadas pela direcção merecem apoio geral, mas não podem ter applicação immediata.

A ideia das fusões, bem estudada, poderia dar resultados de grande valor e modificar favoravelmente a actual situação desgraçada do mercado interno dos vinhos".

A Real Associação a nada se moveu* A fusão estava antecedentemente condemnada, mas a viticultura soffreu prejuizos de milhares de contos de réis. Assim mostrou aquella illustre corporação o interesse que lhe merecem os interesses agricolas.

Sr. Presidente: tinha ainda muito que dizer, porque o assumpto é dos mais momentosos que podiam vir ao Parlamento, mas não quero embaraçar a approvação do projecto nem assumir á responsabilidade que hontem assumiu o partido regenerador não consentindo que elle se votasse, por uma larga discussão que fizeram os seus oradores, quasi todos da região do Douro, que fizeram que um dia só que se demorasse a approvação, acarretaria prejuizos incalculaveis aquella região.

Não serei eu, portanto, que impeça que hoje seja approvado este projecto. Disse hontem o Sr. José de Azevedo que se não acudirem ao Douro com o remedio de que elle tanto precisa, pode levantar-se n'um impulso revolucionario que nenhuma força poderá conter.

Não digo o mesmo da região do sul, que não é tão belicosa como o Sr. José de Azevedo diz que é a gente da sua provincia.

Quando vieram a Lisboa, haverá uns tres annos, os agricultores da região do sul eu, recommendei-lhes com toda a instancia que procedessem com socego, com ordem, com moderação e cordura, e isto, Sr. Presidente, porque fui sempre respeitador da ordem e legalidade e das auctoridades legalmente constituidas. Fica para outra vez o mais que tenho a dizer sobre o assumpto visto que a hora está a acabar.

Tenho dito.

O Sr. Pedro de Araujo: - O Sr. Wenceslau de Lima dissera no final da sessão de hontem, a proposito de ter elle, orador, declarado que nenhum interesse material o movia no projecto em discussão, que se julgava dispensado de fazer declarações n'esse sentido. Está S. Exa. no direito de proceder como entender.

Elle, orador, porem, dava parabens á sua fortuna por as ter feito, visto não ter illusões sobre a forma por que seria acolhida pela Camara, como effectivamente foi, a sua attitude na questão que se debatia. Mas, atrás de tempo, tempo vinha, e os factos diriam opportunamente de que lado estava a razão.

O Sr. Wenceslau de Lima manifestou hontem a sua estranheza por ver que em uma reunião recente da assembleia geral da Associação Commercial do Porto fossem as medidas governativas sobre vinhos generosos defendidas por commerciantes de vinhos e impu-

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gnadas por commerciantes que não pertenciam áquelle ramo de commercio, e leu o extracto d'essa sessão publicado pelo Commercio do Porto, mostrando que um dos oradores propuzera em seu nome, e no de um collega, o adiamento d'aquella sessão, visto acharem-se em numero insufficiente os representantes dos commerciantes de vinhos.

Julga ter sido isto rigorosamente o que se passou, e muito folga por ver que S. Exa. o confirma.

Já hontem dissera á Camara que não assistira áquella assembleia, nem tinha presente o respectivo relato, mas que lhe parecia que, pelo menos, um orador pertencente á classe dos commerciantes de vinho se pronunciara abertamente contra as referidas medidas, e que lhe parecia tambem que áquella classe estava ali numerosamente representada. Tinha presente um exemplar do jornal hontem lido pelo Digno Par, e com muita satisfação podia dizer á Camara que a sua reminiscencia não o atraiçoara.

(Leu o respectivo extracto).

Já o mesmo não succedera ao Sr. Wenceslau de Lima, que, involuntariamente por certo, não leu a noticia completa do que ali se passou, sem o que evidentemente não faria as allegações que hontem fez. De resto, parecia-lhe que esses pequenos detalhes pouco in teresse podiam ter para a Camara, que apenas tinha a apreciar, como julgasse conveniente, a representação que áquella corporação lhe dirigira por seu intermedio, mas, se estava em erro, que lhe servisse de attenuante o seu desconhecimento das praxes parlamentares.

Dissera hontem o mesmo Digno Par que se consentissemos que a marca de Porto se transformasse em marca de um processo de fabrico tudo se perderia. Mas quem é que pretende isso ? Então o vinho de Bordéus, por exemplo, deixa de ser considerado como tal pelo facto de nas respectivas balisas de vinificação entrarem vinhos, não só procedentes de differentes regiões da França, mas até de producção estrangeira, como a Hespanha, Italia, etc.?

Lê um trecho da representação da Associação Commercial do Porto a esse proposito.

É evidente que não podia produzir-se vinho do Porto sem vinho do Douro, mas isso não quer dizer que todo o vinho do Porto seja exclusivamente do Douro.

E-o certamente nas qualidades finas, que só teriam a perder com a lotação de vinhos de outras regiões por mais preciosos que fossem; mas não succede o mesmo aos vinhos de segunda e terceira categorias, que tudo teem a lucrar com a lotação com vinhos escolhidos de outras regiões que vão beneficiá-los tanto em preço como em qualidade. E, se assim não fosse, não iria o commercio portuense adquiri-los em diversas regiões do paiz quando os tinha, a bem dizer em casa.

Mas essas lotações sempre se fizeram, se desenvolveram, desde que se deu a invasão phylloxerica. Todos sabiam que a companhia de vinhos fundada em 1756 pelo Marquês de Pombal foi instituida para pôr termo, segundo então se disse, á cubica dos commerciantes exportadores, que destruiam a pureza, a grande reputação e credito de que os vinhos do Alto Douro gozavam em Inglaterra.

Já então foi a lavoura do Douro que pediu a criação da companhia para bater os exportadores estrangeiros; mas, volvido precisamente seculo e meio, a exportação continua, a bem dizer, nas mesmas mãos e a que áquella companhia faz é verdadeiramente insignificante, o que não obsta a que ella seja uma das empresas mais prosperas do paiz. Pois não é porque se ponha em duvida a generosidade e pureza dos seus vinhos, porquanto todos sabem, aqui como em Inglaterra, e em outros paizes consumidores, serem adquiridos exclusivamente no Douro e das melhores qualidades ali produzidas.

Pretendia-se que a marca de vinho do Porto pertencesse exclusivamente ao Douro. Ô que acaba de referir e que todos conhecem fala mais alto do que qualquer allegação. Mas vae referir um facto recente á Camara. Presentemente fez-se em Londres um leilão de 1:192 pipas de vinho do Porto com a declaração expressa de serem consignadas por lavradores dó Douro.

O resultado d'esse leilão foi um desastre, liquidando-se apenas alguns mil réis por pipa.

Leu á Camara a nota detalhada da venda e o calculo da respectiva liquidação. Assim ficava demonstrado, por forma inilludivel, o valor que o vinho do Douro tinha n'aquelle mercado, que absorve a maior parte da nossa exportação de vinhos generosos, quando não seja acompanhado das marcas das casas exportadoras.

Faz depois largas considerações sobre as relações do commercio exportador com a região duriense, e por ultimo troca varias explicações com o relator do projecto, a proposito das perguntas que hontem lhe fizera.

(S. Exa. não reviu este extracto).

O Sr. Francisco José Machado: - Pedi a palavra para requerer a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que seja prorogada a sessão até se votar o projecto em discussão.

(Foi approvado).

O Sr. José Maria de Alpoim: - Sr. Presidente: são 5 horas e um quarto, a sessão está prorogada, eu conheço bastante os habitos parlamentares para saber que os Dignos Pares estão ansiosos por ver terminar este debate.

Sr. Presidente: não venho fazer um discurso; serei breve nas minhas considerações, mas não posso deixar de fundamentar o meu voto em vista da situação em que me encontro.

Como V. Exa. sabe, eu nasci no Douro, sou filho d'essa região, a que consagro o meu mais entranhado amor, e quanto maiores são as desgraças, as desventuras, as tristezas d'esses povos, quanto maior é o meu amor.

Hontem o Digno Par Sr. Luciano Monteiro, com a eloquencia da sua palavra, fez passar deante dos nossos olhos o quadro negro d'essas montanhas aridas, sem uma folha de verdura.

Eu conheci essas montanhas absolutamente diversas de agora; conheci-as enredadas de vinhas, cheias de alegrias e fulgores, tendo ao fundo as suas pequenas leiras de terra plantadas de pomares; era uma região alegre e cheia de vida, e que está agora reduzida á miseria, e é por isso que eu mais soffre quanto maiores são as suas desgraças.

Hontem o Sr. Luciano Monteiro respondeu a algumas observações que fizeram os Dignos Pares que entraram n'este debate, sobre a conveniencia ou inconveniencia, sobre a opportunidade ou inopportunidade do projecto que se está discutindo.

Não trato de insistir agora n'este ponto; resumo as minhas considerações a quatro palavras.

Este projecto não é prejudicial; pode ser importante, porque é o vestibulo de um outro que ha de ser presente á Camara. O que eu deploro é que se não tenha começado mais cedo a tratar d'este assumpto, que é dos mais graves do paiz, quando o Sr. Hintze Ribeiro, e todos os chefes de partidos, declararam que não faziam op-posição systematica n'este assumpto e que collaborariam com o Governo na resolução d'este problema.

Portanto, em meu nome e em nome de alguns milhares de pessoas que me pediram para instar por que este projecto viesse á discussão, eu endereço os meus rogos n'este sentido ao Sr. Ministro das Obras Publicas.

Este projecto é, ou muito bom, ou de beneficios reduzidos, ou não é nem uma cousa nem outra.

Voto-o porque, se é bom, as suas bondades vão reflectir-se no Douro. Se não tem esse lado inteiramente benéfico, e representa apenas um beneficio reduzido, voto-o tambem, pela simples razão de que na mesa dos pobres todas as migalhas são riqueza. Se não tem nenhum d'estes beneficios, voto-o ainda porque representa uma esperança.

Voto como filho do Douro o projecto

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208 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

em discussão, e n'isto limito as minhas considerações.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Wenceslau de Lima: - Procurára responder n'um aparte ao Sr. Conselheiro Pedro de Araujo, para não ter de pedir novamente a palavra e fatigar a Camara n'esta altura da sessão com novas e bem inuteis explicações. O Sr. Conselheiro Pedro de Araujo tão insistente e persistentemente se lhe dirigira, que se viu forçado a tomar novamente a palavra. Ia ser muito breve. O Digno Par Araujo modestamente afirmara não conhecer as praxes parlamentares e provou-o. Estranhara que elle venha discutir ali no Parlamento o que se passava na Associação Commercial, porque esta era uma associação particular. Não era assim. As associações commerciaes teem estatutos legalmente approvados e funcções publicas a desempenhar. No exercicio d'estas funcções representara a Associação do Porto ao Parlamento. Pela muita consideração que lhe mereceu essa corporação, julgou do seu dever informar-se do que se passara na assembleia geral que resolvera se representasse, e apurou pela leitura do Commercio do Porto, que effectivamente essa assembleia fora pouco concorrida de negociantes de vinhos, que em vista d'isso se chegara a propor o adiamento, que um representante das mais importantes companhias exportadoras se manifestara favoravelmente ao pensamento fundamental da proposta em discussão. Isto dissera na sessão de hontem e isto ia - confirmar pela leitura da noticia do Commercio do Porto sobre essa reunião.

Diz esse jornal:

"O Sr. Manoel Pestana declara que o Sr. Theysey, representante de uma das mais importantes casas estrangeiras exportadoras de vinhos e que ali se encontrava a seu lado, lhe ponderara que na assembleia estava insuficientemente representada a classe interessada na questão. O mesmo commerciante pedira-lhe que propuzesse o adiamento da reunião por dois dias, etc."

Mais adeante diz:

"O Sr. Theysey reforça a opinião do Sr. Pestana e pede o adiamento da sessão".

Fica assim demonstrada a sua asserção de que se propuzesse o adiamento da sessão pela insufficiencia da representação dos principaes interessados, o que aliás se confirmou n'outro ponto do mesmo jornal, onde se lê que o presidente da assembleia geral dissera: "que não tem culpa de que os interessados não comparecessem e que entende que se deve andar para deante e depressa, etc."

Quanto á approvação dada por um dos representantes das companhias exportadoras ao pensamento fundamental da proposta leu tambem o que disse o Sr. Pestana:

"Applaude o pensamento que presidiu á apresentação das propostas, mas reprova as medidas que o Governo pretende adoptar"..

Isto dissera e isto confirmava, o que aliás está tambem em absoluta concordancia com o extracto da sessão de hontem, que leu.

(S. Exa. não reviu este extracto).

O Sr. Teixeira de Sousa: - V. Exa. comprehende que eu não me levanto para dar testemunho ás afirmações feitas pelo Digno Par Sr. Wenceslau de Lima.

S. Exa., pelas suas qualidades pessoaes, pela sua carreira parlamentar, pela correcção com que se conduz em todos os actos da sua vida, quer particular quer publica, tem a garantia segura de quem o conhece não poder pôr em duvida nenhuma das suas affirmações.

O Digno Par Srs Pedro de Araujo não está bem na cruzada que se propoz debater, pois vae contra os interesses e bem do Estado.

O Digno Par Sr. Pedro de Araujo veio com dois argumentos que podem seduzir.

O primeiro era a excepção que se pretendia dar ao Douro.

O segundo era que o Douro não produzia quantidade de vinho suficiente para abastecer os mercados de vinhos do Porto.

V. Exa. comprehende que se isto fosse exacto, se não pudesse soffrer contestação, dava um profundo golpe nas intenções do Governo.

Mas a verdade é que isto não é exacto.

O commerciante de vinhos do Porto, aquelle que commercia com o genero produzido no Douro, e que é empenhado em que a qualidade seja de primeira ordem; esse está ao lado do Douro.

Quem está contra o Douro é o negociante de vinhos do Porto, que despreza a qualidade dos vinhos do Douro.

E, francamente, n'esta questão mais vale a opinião d'aquelles que conhecem os ramos especiaes do commercio, do que d'aquelles que não teem nada com esse commercio.

Com relação ao segundo ponto, é absolutamente inexacto.

Eu já tinha contraditado a afirmação que o Digno Par Sr. Pedro de Araujo fez, mas S. Exa. hoje voltou novamente ao assumpto, e afirmo a S. Exa. que a informação do Digno Par é inexacta.

Que me importa que qualquer individuo se dirigisse á associação ou ao Sr. Pedro de Araujo com uma informação menos exacta?

Eu dizia hontem, que o Douro produzia os vinhos do Porto de primeira qualidade e produzia os vinhos de segunda qualidade necessario para entreter o commercio de exportação de vinhos do Porto baratos.

É o que diz o telegramma que S. Exa. aqui referiu.

Eu observava hontem, aqui, que aparte a quantidade de vinhos licorosos comprados no Douro, para com os do sul constituirem a exportação de vinhos do Porto, havia quantidade grande de vinhos que ficavam em vinho de pasto, por não poderem ser considerados vinhos licorosos e havia uma quantidade muito superior á de vinhos do sul.

Não é uma afirmação gratuita; a Companhia dos Vinhos do Alto Douro costuma abrir as suas compras no principio do anno, compras que effectua no concelho da Régua e immediações; pois ainda nos ultimos annos ella recebeu amostras de offertas de vinho, superiores a quinze mil pipas.

Mais do que isso, Sr. Presidente, na região do Alto Douro fabricaram-se centenares de pipas de aguardente com vinho que produz muitas das qualidades do vinho do Douro, que grangeou a fama de ser o vinho licoroso mais fino do mundo.

Milhares de pipas foram transformadas em aguardente, milhares de pipas existem da colheita de 1904.

E o proprio Sr. Ministro das Obras Publicas entendeu, visto que n'aquella região havia um stock tão consideravel de vinho de pasto, que convinha favorecer a sua entrada na barreira do Porto, reduzindo o imposto do real de agua.

Sr. Presidente: o peor para aquella região é que, se 30 ou 40 mil pipas ficavam para se transformar em aguardente e vinho de pasto, ficaram para se vender por preço vil.

O Digno Par Sr. Francisco José Machado dava-nos informações acêrca do vinho do sul.

Pois, Sr. Presidente, afirmo a V. Exa. que em muitos logares da região do Douro vendeu se o vinho a 10$000 réis e 12$000 réis.

Sr. Presidente: não é esta a opportunidade para discutir este assumpto; o que não quero é deixar passar em julgado estas affirmações.

Mas a verdade é que o Douro produz mais do que a quantidade necessaria para entreter toda a exportação de vinhos do Porto.

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E agora uma ligeira rectificação a outra affirmação feita pelo Sr. Pedro j de Araujo.

Eu tinha dito hontem que lamentava profundamente que a cidade do Porto, n'uma occasião em que o Douro atravessa uma crise angustiosissima, se se não collocasse ao seu lado, manifestando lhe a sua gratidão por ter sido á custa do Douro que enriquecera o commercio d'aquella cidade.

O Digno Par Sr. Pedro Araujo, que não quer favorecer o Douro com o seu voto, com o seu apoio, com o seu applauso ás reivindicações d'essa região, dirige-lhe ainda uma pungentissima ironia, a qual consiste em affirmar que não foi o Douro que enriqueceu o commercio do Porto, mas que foi este que enriqueceu o Douro.

Olhe V. .Exa., Sr. Presidente, para o commercio do Porto ; percorra as principaes casas commerciaes d'essa cidade muitas são geralmente conhecidas, e veja V. Exa. como ellas se ostentam e como os seus filhos occupam altos Io gares na sociedade portugueza; e considere depois a situação difficilima em que se encontram os lavradores do Douro.

Affirmo a V. Exa. que aquelles que nasceram ali na opulencia e viveram em condições regulares de abastança, se em pouco tempo não lhes acudirem á sua situação, decerto não apparecem nas estações do caminho de ferro de mão estendida a pedir esmola, não, porque isso é incompativel com o caracter levantado dos habitantes de aquella região, mas seguirão o caminho que trilharam em 1870 e 1872, emigrando em massa para as terras do Brasil, cujo solo hão de ir regar com as suas lagrimas.

Dizer-se que o commercio do Porto fez a riqueza do Douro é tão verdade como se o Digno Par Sr. Pedro de Araujo dissesse que Cecil Rhodes fez a riqueza da Africa do Sul, como se dissesse que Parker fez a riqueza do Transvaal.

V. Exa. sabe que, um dia, um homem em más condições economicas e sociaes, e que mais tarde teve o nome de Parker, appareceu no Transvaal, e a tal ponto adquiriu fortuna que até nos fandangas populares se contava que esse homem encontrara nas minas do Transvaal uma riqueza colossal.

Seria justo que se dissesse que foi Parker que enriqueceu o Transvaal?

Eu não queria tomar tempo á Camara; mas o Sr. Pedro de Araujo collocou-me na necessidade de rebater para a esta questão, porque as circumstancias da região do Douro são cada vez mais graves, cada vez mais angustiosas e cada vez exigem mais uma intervenção decisiva, que significará um acto de justiça e que poderá evitar graves perturbações de ordem publica.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Pedro de Araujo: - Estava adeantada a hora e, comquanto a sessão estivesse prorogada, não desejava abusar da benevolencia da Camara, nem da Presidencia. Seria, pois, muito preciso nas suas considerações.

Respondendo ás considerações do Sr. Teixeira de Sousa, relativas ao projecto, accentuou novamente que não tinha procuração nem do Porto, nem da sua classe commercial para as representar.

O Sr. Teixeira de Sousa dissera que o commercio de vinhos ou se tinha pronunciado favoravelmente, ou, pelo menos, se não tinha manifestado contra as propostas ministeriaes relativas aos vinhos generosos. Nenhuma resposta mais cabal podia ser dada a semelhante asserção, pelo menos até ao presente momento, do que a moção votada na ultima assembleia geral da Associação Commercial do Porto, da qual resultara a representação que ha dias tive a honra de mandar para a mesa.

Pouco importa que ali houvesse quem entendesse que o commercio de vinhos estava insuficientemente representado e quem dissesse precisamente o contrario. O facto positivo era a moção que leu á Camara e que foi approvada plenamente pela assembleia, como se viu no jornal que o Sr. Wenceslau de Lima tomou a iniciativa de ler á Camara. E não viesse dizer-se que não houvera tempo para estudar as propostas governativas, porquanto mediaram duas semanas entre a sua apresentação ao Parlamento e a reunião da Associação Commercial do Porto. E não se viesse argumentar com a falta de tempo que os commerciantes de vinhos tiveram para apreciar as propostas ministeriaes, porquanto mediaram quinze dias entre a sua apresentação ao Parlamento e a referida assembleia geral.

Contestara o mesmo Digno Par a sua opinião de que no Douro apenas houvesse uma producção relativamente pequena de vinhos generosos. A esse proposito tinha mais uma vez a lamentar que, em vez do arrolamento aos vinhos licoresos determinado no projecto, arrolamento contra o qual mais uma vez se insurgiu, se não procedesse a um inquerito na região duriense, a fim de se poder determinar com segurança a qualidade de vinhos finos, bem como a dos de segunda e terceira categoria, ali produzidos. Não podia, pois, deixar de fazer obra pelo officio datado de 20 do corrente e publicado na imprensa, do presidente da classe commercial da Régua ao presidente da Associação Commercial do Porto, dizendo que o Douro possuia uma pequena zona de vinhos finos, cuja producção era muito restricta e que os restantes eram vinhos generosos de segunda e terceira qualidades e vinhos de pasto, acerescentando o mesmo officio que o commercio lotava esses vinhos de segunda e terceira qualidades com vinhos do sul e que os exportava como vinhos do Douro.

Ora, assim como havia casas que apenas negociavam o vinho do Douro, havia outras que tambem negociavam n'aquelles vinhos lotados com os do sul; mas o que nenhuma casa exportadora que prezasse o seu nome e a sua marca fazia era illudir a sua clientela, que aliás sabia bem o genero que comprava, vendendo-lhe como vinho do Douro d'esta região lotado com vinho do sul, por melhor que fosse a qualidade d'este.

Por ultimo disse que mais uma vez protestava contra a insinuação de que o commercio e a cidade do Porto pretendessem hostilizar o Douro. Muito pelo contrario, estavam seguramente dispostos a prestar-lhe a mais dedicada cooperação, comtanto que se tratasse de providencias realmente proveitosas e efficazes e não de medidas iniquas e vexatorias, que iriam affectar profundamente os interesses do Porto e Gaia, sem proveito, antes com manifesto prejuizo para e Douro e para a economia geral do paiz.

(S. Exa. não reviu este extracto).

O Sr. Francisco José Machado: - Eu não quero assumir a responsabilidade de tomar mais tempo á Camara, e, portanto, desisto da palavra.

O Sr. Presidente: - Vão ler-se uns telegrammas que chegaram á mesa. Foram lidos e são do teor seguinte:

Salvaterra, 29.

Exmo. Sr. Presidente da Camara dos Dignos Pares do Reino - Lisboa.

A Camara Municipal e os viticultores do concelho de Salvaterra de Magos, reunidos em assembleia geral, pedem não sejam postos em discussão os projectos sobre a crise duriense emquanto na reunião magna promovida pelas camaras municipaes não sejam deliberadas as medidas que serão apresentadas ao Parlamento tendentes a debellar a crise vinicola.

Almada, 30.

Exmo. Sr. Presidente da Camara dos Dignos Pares do Reino - Lisboa.

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210 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

A Camara Municipal de Almada solicita de S. Exa. a sua valiosa protecção em favor da viticultura do sul, que se julga arruinada quando seja approvado o projecto de lei apresentado ás Côrtes fechando a barra do Douro á exportação do vinho do sul. = O presidente da Camara, Manoel Luiz Fernandes.

(Esgotada a inscripção foi o projecto aprovado, tanto na generalidade como na especialidade}.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Pedi a palavra para dirigir umas perguntas ao Governo representado pelo Sr. Ministro das Obras Publicas.

V. Exa. sabe que, por portaria de 6 de abril ultimo, o Governo mandou abrir concurso para a adjudicação da renovação do monopolio dos tabacos, e essa portaria foi publicada no Diario do Governo no dia seguinte.

O concurso teve logar no dia 7 de maio.

Por virtude d'esse concurso, o Governo considerou acceitavel uma das propostas apresentadas, mas a Companhia dos Tabacos usou do direito de opção e nestes termos assignou um contrato provisorio.

N'esse contrato transcreveu-se uma das clausulas da portaria de 6 de abril.

N'esse contrato estabeleceu-se o seguinte:

(Leu).

Sr. Presidente: eu dirijo ao Sr. Ministro das Obras Publicas as seguintes perguntas:

Primeira: o contrato foi hoje assignado ?

Segunda: se o contrato não foi assignado é ainda assignado hoje?

Sr. Presidente: a resposta que o Sr. Ministro me der não a discuto nem a commento, deixo ao Governo toda a liberdade de proceder n'esta questão, mas tambem lhe deixo inteira a responsabilidade do que porventura possa acontecer.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão): - Sr. Presidente: como o Digno Par comprehende, eu não posso responder ás perguntas que S. Exa. fez.

A lei que ha pouco foi votada pelo Parlamento corre pela pasta da Fazenda, e eu ainda hoje não me encontrei com o meu collega e mesmo haja muitos dias que temos estado separados um em cada Camara, e, portanto, não sei se o contrato foi assignado hoje ou será amanhã, mas pode o Digno Par estar certo que eu prevenirei o meu collega e S. Exa. virá opportunamente responder ao Digno Par.

Parece-me, porem, que, tendo de ser modificado o contrato em virtude de alterações que lhe foram introduzidas, não admira que não tenha sido ainda assignado.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a relação dos Dignos Pares que hão de apresentar a Sua Majestade El-Rei o autographo do projecto que acaba de ser votado.

A commissão é composta dos seguintes Dignos Pares:

Conde de Arnoso.
Sebastião Telles.
Marquez de Pombal.
Wenceslau de Lima.
Conde de Figueiró.
Conde do Cartaxo.

A proximo sessão é na segunda feira, 5 de novembro, e a ordem do dia é a discussão da resposta ao Discurso da Corôa.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 55 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 31 de outubro de 1906

Exmos. Srs. Augusto José da Cunha; Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Gouveia, de Pombal; Condes: de Arnoso, do Cartaxo, de Figueiró, de Villar Sêcco; Viscondes: de Monte-São, de Tinalhas; Antonio de Azevedo, Costa e Silva, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Vellez Caldeira, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco Machado, Tavares Proença, Ressano Garcia, Gama Barros, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Gusmão, Mello e Sousa, Avellar Machado, José de Azevedo, José Dias Ferreira, José Lobo do Amaral, José de Alpoim, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Pedro de Araujo, Sebastião Dantas Baracho e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

ALBEETO BRAMÃO.

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