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APPENDICE Á SESSÃO DE 4 DE JUNHO DE 1890 272-A

O sr. Barros Gomes: - Sr. presidente, o digno par e meu antigo collega, o sr. visconde de Moreira de Rey, referiu-se na sessão anterior a um acto da minha gerencia como ministro da fazenda, apressei me por isso a vir hoje a esta casa, não só para responder ao digno par, como tambem para dar explicações á camara sobre o assumpto a que s. exa. se referiu.

Não desejava, porém, referir-me ás censuras do digno par na sua ausencia, e por isso pareceu-me conveniente aguardar a chegada de s. exa.

A camara sabe que fiquei vergando sob o peso da pers pectiva de uma accusação criminal, que não podia deixar de inquietar gravemente a minha consciencia.

Desejo quanto antes que o facto se esclareça; que essa accusação, tendo de vir, appareça, seguindo os tramites legaes; que se faça luz sobre o assumpto e que se aprecie o crime até ao ponto de eu soffrer as suas consequencias, tornando-se isso necessario.

O digno par disse hontem que eu havia interpretado e executado de um modo menos regular a lei que aqui tinha sido votada o anno passado, no intuito de favorecer de um modo muito especial a agricultura do paiz, que desde ha muito se queixava da sua situação difficil.

Todos sabem em que condições foi então votada a lei dos cereaes.

A camara não póde ignorar que o meu illustre antecessor na pasta da fazenda, o sr. Marianno de Carvalho, já tinha procurado, com as largas faculdades de que é dotado e que caracterisam aquelle eminente homem d'estado, dar uma solução a essa questão, que desda ha muito tempo affectava tantos interesses.

A lei que s. exa. propoz teve largo debate nas duas casas do parlamento e não satisfazia ás aspirações da agricultura nacional.

Fixava uns certos direitos e consignava umas certas providencias, muitas das quaes dependiam de tempo, tal era a construcção de uma fabrica de moagem e panificação, que importaria em mais de 1.000:000$000 réis.

Esta providencia levava muito tempo a realisar-se e não accudia de prompto ás necessidades da agricultura.

O proprio ministro que apresentou ás côrtes a proposta d'esta lei viu-se obrigado á alteral-a em dictadura, porque as circumstancias eram taes, que não permittiam aguardar novamente a abertura do parlamento, e assim se fixaram, por mais de uma vez, direitos para o trigo e farinha, diversos dos que firmára a lei.

N'estas circumstancias gerindo eu, ainda que por pouco tempo, a pasta da fazenda, não pude deixar de me occupar d'este assumpto que era vital, e desde logo procurei reunir os representantes dos differentes interesses, quer da agricultura, quer do commercio de cereaes, e tendo-os ouvido a todos, trouxe ao parlamento uma nova lei, que representava de certo um esforço energico no sentido de assegurar á agricultura nacional aquellas vantagens, provenientes de se obter a venda certa do trigo nacional por um preço remunerador.

Essa proposta de lei, que theoricamente correspondia ao que d'ella se desejava, encontrava, é certo, na pratica largas difficuldades, e foi por isso objecto de impugnação, quer por parte dos interessados, quer no seio das commissões.

Deste- embate resultou uma especie de transacção entre o governo e os diversos interesses em lucta, e, com a cooperação de todos os partidos, conseguiu-se quasi no fim da sessão votar-se uma lei, que o digno par acceitou, mas que julga inutilisada pela maneira por que a executei.

Ora, sr. presidente, não trato agora de apreciar a lei, nem de discutir o seu regulamento.

O digno par disse que se reservava para mais tarde tratar do assumpto; e eu não quero por fórma alguma antecipar a questão, mas apenas explicar qual foi o meu procedimento.

Parece-me que a responsabilidade do ministro da fazenda anterior ficou completamente illibada, em presença das declarações aqui feitas pelo nobre ministro da fazenda actual; no entretanto, como não quero que alguem imagine que eu, avergando ao peso de uma accusação tremenda, não tive argumentos para replicar ou para mostrar a injustiça do labéu que me imputaram, vou apresentar as rasões que determinaram o meu procedimento; se bem que todos nós saibamos que o talento verdadeiramente notavel do nosso collega o sr. visconde de Moreira de Rey se compraz um tanto no paradoxo, nas affirmações audaciosas, como o proprio digno par muito espontaneamente nos confessou hontem.

Mas eu não quero classificar de audaciosa uma proposta, que tivesse por fim a instauração de um processo criminal contra a minha pessoa, e antes reputaria esse intento digno de louvor, se o digno par não matisasse os seus reptos audaciosos com algumas observações humoristas, as quaes, parecendo apparentemente representar um desenfado de espirito, são apenas o meio de occultar ou antes de não tornar muito saliente o verdadeiro pensamento que as inspira.

S. exa. tem sobre outros oradores uma grande vantagem, e direi até uma grande virtude, qual é a do sustentar hoje principios e idéas que o teem sempre acompanhado na sua carreira politica.

O digno par é, o honra lhe seja por isso, um dos poucos conservadores, que se confessam taes em Portugal.

Tem um certo numero de idéas assentes e de principios fixos, e, quando se trata de qualquer questão s. exa. ou sob a fórma humoristica, ou sob a fórma audaciosa, não perde nunca o ensejo de procurar introduzir no animo dos que o escutam, a convicção de que esses principios são excellentes e os que mais directamente conduzem ao bem estar social, e ainda que todos nós somos réus ou culpados, por nos termos afastado d'esse caminho, que s. exa. julga o melhor.

Os meus dignos collegas sabem perfeitamente a vehemencia com que s. exa. sustenta e defende taes principios, e são testemunhas de que o digno par, sempre que allude, por exemplo, a nova constituição d'esta camara, faz ver, ainda que muitas vezes sob a fórma da ironia, a necessidade que temos de voltar ao seu antigo regimen.

Pelo que respeita ás questões economicas, s. exa. estando ainda neste ponto de accordo com os mesmos principios conservadores, attende tambem quasi exclusivamente aos interesses de agricultura, subordinando-lhes toda e qualquer outra ordem de interesses, porque sabe que a influencia d'esses principios é tanto maior quanto mais seguro está o alargamento e prosperidade da propriedade, sobretudo da rural.

Entende que a protecção que se concede ou que se queira conceder á producção cerealifera do nosso paiz, é sempre pequena, e por consequencia redobra de exigencias e leva-as alem de todas as que propugnam pela mesma causa.

Eu sei que s. exa. é proprietario, mas não o e nas proporções em que o são alguns dos membros da commissão que nomeei para tratar d'este assumpto.

Elles por si satisfizeram-se, mas o digno par, mantendo-se nas suas idéas conservadoras, não só em politica, como em economia social e rural, pede a minha cabeça por eu ter accedido ao que se me afigurou justo e rasoavel.

Sei que s. exa., no seu intimo, não alberga sentimentos tão crueis, mas a verdade é que pede em phrases clamorosas a minha fulminação.

Conheço o digno par ha muitos annos, creio que entrámos na vida politica quasi parallelamente, e lembro-me ainda que festejou a minha estreia com palavras que attribuo mais á sua benevolencia que aos meus merecimentos.

No entanto, levado pelo seu explicavel fanatismo, s. exa. insinuou a idéa de se instaurar um processo criminal

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