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68 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

interpellação do sr. marquez de Vallada, pedi que em seguimento me fosse dada a palavra; estou, por consequencia, separado, nada tenho com o que se discute.

Eu preferia ouvir primeiramente o sr. conde do Casal Ribeiro, mas farei a diligencia para dizer em poucas palavras o que, se me permittem, tenho a expor.

Sr. presidente, no anno passado, no mez de março, estava n'aquellas cadeiras um digno caracter, e meu amigo, o sr. ministro da marinha de então; lembrei a s. exa. a execução da lei de 22 de fevereiro de 1876, que reforma o processo do recrutamento para a marinha, fazendo-o todo como se fosse para o exercito de terra, e tirando das praças escolhidas as que tivessem tendencias para a marinha, ou fossem educadas no litoral.

Lembrei mais ao sr. ministro que, visto não haver meio de se poder fazer um recrutamento sufficiente para a marinha, se chamassem dos corpos do exercito as praças que quizessem passar a servir ali.

Segundo me consta, appareceram talvez duzentas, e mais appareceriam se continuasse o mesmo systema.

Mas a questão não está só em termos guarnições de navios; está em saber se temos os navios de que precisâmos. Querer colonias sem marinha, é o mesmo que querer uma terra sem estradas, sem vapor, sem meio algum de communicação. Não póde ser.

Os unicos meios de conservarmos as nossas possessões, e de lhes darmos desenvolvimento, são tres: o primeiro, é ter juizo, e isto é preciso para tudo na vida; o segundo, é ter dinheiro; o terceiro, é ter marinha.

Juizo sobra em s. exas.; todos reconhecem a sua alta intelligencia; os srs. ministros são capacidades de primeira ordem, homens em tudo admiraveis, e tão admiraveis, que em todo o partido regenerador não ha outros. São seis esses homens, e d'aqui não passa o crisol quando se quer apurar o partido regenerador.

Acabem aquelles seis homens, e morre o partido regenerador.

Se esses seis homens, que eu respeito e de quem sou amigo, tiverem um dia a mania de não voltarem ao ministerio, morreria o partido regenerador, ou então mandarão chamar v. exa. para caír n'outra, em que talvez venha a caír (Riso.), e depois de o apoiarem e o serviço feito, v. exa. retira-se, e volta-se á primeira fórma.

Sr. presidente, agora, quanto ao dinheiro, come o ha de haver com um deficit permanente, que augmenta, e com 14:000 contos de réis de divida fluctuante de quatro em quatro annos!

Eu pergunto se este systema de governar não nos leva á bancarota?

Appliquem s. exas. este systema de administração a suas casas, vivam de emprestimos, paguem os juros d'elles com outros emprestimos, e digam me se não hão acabar por pedir esmola.

Por consequencia se não ha dinheiro, de que serve o illustre ministro estar a architectar grandes obras para as colonias, e imaginar a sua civilisação e engrandecimento?

Não serve de nada, desde o momento que não ha meios.

Supponhamos agora que temos os meios.

Onde está a marinha?

Pois um corpo de marinheiros, ao qual se deve cinco mil e tantas praças, póde funccionar?

Não póde, ou então ha de haver a crueldade de estarem perto de trezentas praças em serviço com o seu tempo vencido!...

Eu vou contar a este respeito um grande acto de barbaridade, que espero ha de commover o coração magnanimo do sr. ministro da marinha.

Mais de trezentas praças, que acabaram o seu tempo, estão cruelmente obrigadas a servir, estando quasi em carcere privado, emquanto que individuos poderosos fogem a pagar o tributo de sangue, livram os seus filhos do serviço militar, e ao passo que estes contam com a impunidade, está-se vendo, por outro lado, que os desgraçados marinheiros, que acabaram o tempo de serviço, são forçados a continuar n'elle, e se desertam, desesperados de verem tão grande injustiça, são condemnados.

Um marujo, que era voluntario, e que tinha acabado o seu tempo de serviço, desertou.

Sabe v. exa. o que lhe aconteceu?

Foi condemnado a quatro annos de trabalhos publicos para Moçambique! Trago aqui o nome d'elle, que vou dizer ao sr. ministro da marinha, esperando que s. exa. invocará a granda joia da prerogativa real, que é a faculdade de perdoar, porque se alguem merece perdão é este desgraçado. A justiça é bem manifesta. Ao passo que os soldados de um troço de tropa arrancaram das espadas sem ordem dos seus superiores para espancarem e acutilarem os cidadãos portuguezes, como eu referi ultimamente ao sr. ministro da guerra, quando alludi ao que aconteceu com os soldados da municipal que acutilaram o povo, e que ainda estão impunes, já lá vão onze mezes; o desgraçado marinheiro é condemnado a quatro annos de trabalhos publicos, porque acabado o seu tempo de serviço não póde supportar mais a oppressão que se lhe fazia, e desertou, embora até ali tivesse cumprido o seu dever. Não houve com elle misericordia. Se Deus não a tivesse mais comnosco, os homens publicos passavam todos pelo inferno.

«Gregorio do Nascimento, voluntario, e tendo acabado o tempo de serviço, foi condemnado como desertor a quatro annos de serviço em Moçambique.»

Voluntario, cumpriu o preceito da lei, pagou o tributo de sangue, serviu bem talvez, e porque n'um momento de allucinação fugiu é condemnado! Venha o poder moderador salvar as nossas faltas.

O nobre ministro sabe que ha mais de duzentos requerimentos, a pedir baixa, de homens que estão n'estas circumstancias.

Quem nos diz a nós que o desespero não levará mais algum a desertar? E quem será o culpado d'isto? Não sei. Só peço a s. exa. uma cousa, e peço-lh'a em honra dos seus collegas, em honra de si mesmo: - Ou a lei de 22 de fevereiro de 1876 é boa ou não é: se é, cumpram-n'a; se não é, venham pedir ao parlamento que a derrogue. Mas o que não se póde admittir é que o poder executivo derogue leis, que as esconda, que as supprima dois annos. Ha um regulamento feito, que me dizem que está embaraçado na engrenage das secretarias! Se o poder burocratico chega a ponto de prender a acção dos srs. ministros, escangalhem essa engrenage.

O sr. Mello Gouveia prometteu annuir a este meu pedido; infelizmente não póde cumprir; espero que não succederá agora o mesmo com o sr. Thomás Ribeiro.

Termino as minhs reflexões, porque não estou em estado de continuar.

O sr. Presidente: - Pouco falta para dar a hora; acham-se inscriptos os srs. conde do Casal Ribeiro e marquez de Sabugosa.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Tenho a dizer apenas duas palavras, e quas: só para dar rasão de mim e do impulso que me levou a pedir a palavra, começando por uma explicação ao digno par o sr. marquez de Vallada.

Pareceu suppor o digno par, que eu pretendia recusar-lhe licença para dirigir quaesquer perguntas ao governo. Não me pertence dar nem negar licença ao digno par para fazer as perguntas que quizer; se me pertencesse, dar-lh'a-ía amplissima; seria o caso de applicar o «hanc veniam petimusque damusque vicissim».

Se me pertencesse de certo a concedia sempre, para ter muitas vezes o gosto de ouvir discretear o digno par sobre todos os assumptos da administração, tratar da politica exterior e da politica interior; e, como actualmente, consumir duas largas sessões, tendo-nos sempre entretidos com a facundia e elegancia da sua palavra, fazendo-nos viajar pela