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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 77

Sabe v. exa. o que acontece com isto? Abyssus, abyssum invocat.

O sr. ministro da marinha que diz conservar estes homens no serviço para ter os navios armados, mal armados os tem.

Parte d'elles recusa-se a receber o fardamento, porque não quer concorrer para o pagar, tendo acabado o tempo de serviço; outra parto deserta; e os conselhos de investigação tem absolvido os accusados, porque não consideram o crime como militar; o promotor de justiça appella para o tribunal superior, e o supremo conselho de justiça militar tem condemnado os réus, não na pena indicada na lei, que é a de quatro annos de serviço em Africa, mas apenas em um anno, e recommenda-os ainda assim á clemencia do poder moderador.

Sr. presidente, não posso, nem devo de maneira nenhuma, censurar os tribunaes; sei muito bem que fazem parte do poder judicial, que é tão independente como o que nós aqui representamos; respeito, como não posso deixar de respeitar, o seu julgamento; mas, o acto do poder executivo, esse censuro eu, tenho direito de o censurar, porque levou as cousas a estas circumstancias.

Tem tido estes suppostos réus quem advogue com efficacia o seu direito perante os tribunaes?

Tem tido quem represente perante os mesmos tribunaes as circumstancias exactas em que se acham?

Não sei.

O que sei é que esses homens que reagiram contra um acto tyrannico, são condernnados, não á pena da deserção, mas a pena menor, e recommendados á clemencia regia.

Cabe aqui dizer que na ultima sessão pedi a palavra, na occasião em que o sr. conde de Cavalleiros recommendava ao sr. ministro da marinha, que apresentasse ao poder moderador a supplica para que fosse perdoado um individuo, que estava nas circumstancias d'aquelles a quem acabo de me referir.

Sou um dos admiradores do sr. conde de Cavalleiros, applaudo sempre os seus bons intuitos, e estou quasi sempre de accordo com as idéas de s. exa., se bem que não sejamos correligionarios em politica, pois s. exa. não pertence a nenhum partido, e eu pertenço a um dos partidos militantes; no entanto combatemos ambos no campo da opposicão, e inspiramo-nos na merecida desconfiança da politica do actual ministerio; comtudo, declaro francamente, que a recommendação, que s. exa. fez ao sr. ministro da marinha, não me agradou.

N'esta occasião não posso conformar-me com o modo de ver do digno par, por isso que entendo não dever um cidadão, no regimen liberal, pedir por graça aquillo a que tem direito por lei.

Os individuos que são abusivamente obrigados a servir na armada, tendo acabado o seu tempo de serviço, têem direito á sua liberdade, e não podem ser condemnados a servir contra a disposição da lei.

O sr. Ministro da Marinha: - Peço a palavra.

O Orador: - Pois esses individuos, que são victimas de uma grande illegalidade, devem ser punidos por quererem fugir a essa illegalidade?

Se a fórma do processo não permitte a annullação das sentenças que estão dadas contra elles, o que devemos pedir é, não uma graça especial do poder moderador, mas que se faça uma lei para que sejam annulladas ou revistas todas as sentenças condemnatorias de crimes militares com relação aos individuos que tenham acabado o seu tempo de serviço na armada e foram obrigados a continuar nesse serviço.

Sr. presidente, se esta camara tivesse iniciativa sobre materia de recrutamento, e eu não soubesse antecipadamente que a minha proposição seria rejeitada, concluiria as minhas considerações por um projecto de lei concebido pouco mais ou menos n'estes termos:

Artigo 1.° É o governo relevado de ter conservado em serviço contra lei as praças de pret da armada, e de ter assim atacado o artigo 145.° da constituição.

Art. 2.° Fica o governo auctorisado a dispender o que for necessario (e n'esta occasião dava prova de confiança ao governo) para engajar as praças de pret necessarias para poder licenciar essas outras que se acham já indevidamente fazendo serviço. E, finalmente, no caso da fórma do processo actual não o permittir, serão revistos todos os processos em que tenha havido condemnaçao por crimes militares, e contra individuos da armada que a esse tempo tivessem concluido o tempo legal do serviço.

Eu não dou conselhos ao sr. ministro da marinha, nem os posso dar, porque não tenho a auctoridade do sr. conde do Casal Ribeiro; mas o que entendo que o sr. ministro devia fazer era ir d'aqui para a outra camara apresentar uma proposta de lei n'este sentido, ou pelo menos ir para a secretaria licenciar desde já todas as praças que acabaram o seu tempo de serviço.

Sr. presidente, se o que ha de inviolavel na carta é assim menosprezado, se não só o seu espirito é sofismado para a acceitação de formar ministerio, mas até a sua letra é assim desprezada a respeito das garantias individuaes. Se a lei não vale nada, que systema é este que nos rege, e que exemplo estão os poderes publicos dando ao paiz? Para defendermos as instituições liberaes, para sustentarmos a independencia da nossa terra, é necessario que os poderes publicos sejam os verdadeiros defensores da constituição do estado, e que sejam os primeiros a dar o exemplo do respeito á lei.

Sr. presidente, eu acabo estas minhas considerações, fazendo um pedido a Deus, quasi identico áquelle que fez o digno par, o sr. conde de Cavalleiros, na sessão passada. O sr. conde de Cavalleiros disse: que para a boa administração das nossas colonias precisavamos de tres cousas: juizo, navios e dinheiro. Pois eu peço a Deus só uma d'estas cousas, mas tres vezes, e vem a ser: juizo, juizo e juizo; se tivermos juizo, teremos dinheiro e navios.

O sr. Presidente: - Está tambem inscripto o digno par, o sr. Carlos Bento, mas como o sr. ministro da marinha tambem pediu a palavra, vou dal-a primeiro a s. exa.

Tem o sr. ministro da marinha a palavra.

O sr. Ministro da Marinha: - Eu quando pedi a palavra não suppuz que fosse anticipar-me ao digno par o sr. Carlos Bento; se s. exa. quizer fallar antes de mim abstenho-me eu de usar da palavra.

(Pausa.)

Se acaso, porém, s. exa. me dá licença, o que me parece pela sua obsequiosa reserva, fallarei antes.

Sr. presidente, para fallar pela ordem que me parece mais natural, devo primeiro que tudo dizer ao digno par, o sr. conde de Cavalleiros, que tendo s. exa., inspirado pelo seu nobre coração, formulado um pedido, a que não podia por mim satisfazer, tomei comtudo a deliberação de ser seu intermediario para com o poder moderador.

Sem julgar que o ministro da marinha actual, assim como todos os que o antecederam, e que muitissimo bem geriram a pasta que eu não sei se poderei sustentar na altura em que s. exas. a sustentaram; sem julgar, digo, que commettessem os crimes terriveis do que o sr. marquez de Sabugosa acabou de os accusar, na minha pessoa, entendo comtudo, que é obrigação do governo tratar quanto antes de pôr cobro a irregularidades que não podem facilmente
desculpar-se quando a machina administrativa funcciona em condições normaes. Entendo que devemos sem demora proporcionar as baixas a todos os marinheiros que estão servindo já fóra do tempo que a lei lhes determina e marca.

Esse é o meu maior desejo.

Manifestei-o no primeiro dia em que tive a honra de fallar n'esta assembléa: então declarei que fôra meu primeiro cuidado pedir ao sr. ministro do reino, que me habilitasse o mais depressa possivel para eu poder fazer justiça na minha repartição; portanto, não só demonstrei assim o res-