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N.º 17

SESSÃO DE 28 DE FEVEREIRO

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios — os

Visconde de Athougoia
Arthur Hintze Ribeiro

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. — Não houve correspondencia. — O digno par Francisco Simões Margiochi participa que a deputação d’esta camara, encarregada de assistir ás solemnidades religiosas em Santarem, suffragando as almas das victimas do incendio do club artistico, desempenhou a sua missão como lhe cumpria. — O digno par conde de Lagoaça dirige perguntas ao governo sobre a prisão dos auctores do attentado contra o dr. Joyce, e allude por ultimo aos acontecimentos da India. Responde ao digno par o sr. ministro do reino.— O digno par conde de Macedo participa que o digno par visconde da Silva Carvalho não tem comparecido ás sessões, e continuará a faltar, por incommodo de saude.

Ordem do dia: continuação da discussão do parecer n.° 5, sobre o projecto de lei n.° 8. — O digno par conde de Lagoaça conclue o seu discurso começado na sessão antecedente, e apresenta e justifica duas propostas. Lidas na mesa estas propostas, e a que s. exa. apresentou na sessão anterior, foram admittidas e ficaram em discussão conjunctamente com o projecto.— O digno par Cypriano Jardim participa a constituição da commissão de guerra. — Responde ao digno par conde de Lagoaça o digno par Francisco Costa. — O digno par conde do Bomfim apresenta considerações sobre o assumpto em ordem do dia, e termina apresentando uma proposta. — O sr. ministro do reino rectifica algumas asserções produzidas pelo digno par conde de Lagoaça.—Levanta-se a sessão, designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 19 dignos pares.

Foi lida e approvada sem discussão a acta da sessão anterior.

(Assistiu ao começo da sessão o sr. ministro do reino e entrou durante dia, o sr. ministro dos negocios estrangeiros.)

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Simões Margiochi.

O sr. Francisco Simões Margiochi: — Pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara que a deputação nomeada para assistir ás solemnidades, que hontem se realisaram em Santarem, cumpriu a sua missão.

A deputação d’esta camara assistiu á solemnidade religiosa no templo da Graça e acompanhou o cortejo, que se dirigiu ao cemiterio onde repousam as victimas da catastrophe do club artistico.

O sr. Presidente: — A camara fica inteirada. Tem a palavra o digno par conde de Lagoaça.

O sr. Conde de Lagoaça: — (Logo que s. exa. restitua as provas impressas do seu discurso, será este publicado em appendice.)

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): — Sr. presidente, se eu comprehendi bem as perguntas do digno par conde de Lagoaça, parece-me que s. exa. deseja saber se os individuos aos quaes noutro dia me referi, como sendo, pela investigação judiciaria, os auctores do attentado da rua do Duque de Bragança, eram ou não os mesmos a que se referiu o sr. presidente do conselho.

Não estava presente á sessão em que o sr. presidente do conselho se referiu a este assumpto, mas o que posso dizer é que, se não todos, pelo menos a maioria dos individuos que foram, pela investigação judiciaria, classificados como auctores d’esse attentado, já estavam presos ao tempo em que o mesmo sr. presidente do conselho alludiu ao facto; creio ter sido n’uma das sessões em que esta camara se occupou do projecto de lei relativo aos anarchistas.

Não sei se o sr. presidente do conselho os individualisou, nem eu posso tambem individualisal-os. S. exa. comprehende que a investigação policial não é feita por mim j em todo o caso posso afirmar, como já tive occasião de dizer, que a cumplicidade, a responsabilidade d’esses individuos, está demonstrada na investigação judiciaria, por uma fórma excepcionalmente clara, positiva e manifesta. Não posso entrar em mais minudencias, desde que se trata de um processo preparatorio, em que ha segredo de justiça, inclusivamente para o parlamento.

Com relação á India, vou tambem responder precisamente áquillo que s. exa. perguntou, e ao que a camara naturalmente tem desejos de saber.

Posso dizer ao digno par que não me consta que na India se tenha dado nos ultimos dias, ou mesmo mezes facto algum, nem de caracter alarmante, nem inquietador. Isto não é dizer que a situação na India esteja completamente liquidada, no sentido de já não haver ali absolutamente elemento algum ou indicio, que não recommende ao governo toda a attenção e cuidado, não só para impedir que se possa praticar qualquer acto de violencia, para com pessoas ou propriedades, mas sobretudo para que a pacificação material, que, por assim dizer, foi operada desde logo, pela chegada da expedição, seja seguida da pacificação moral, do inicio de uma constituição regular, e da tranquillidade e socego dos espiritos.

Os dignos pares, que são muito illustrados, sabem muitissimo bem que em factos d’esta natureza, ha, em geral, duas forças distinctas: a do restabelecimento material da ordem publica, e depois a conservação d’essa ordem publica sob o ponto de vista moral, entrando n’esta combinação os elementos a que já me referi.

Posso tranquillisar o digno par sr. conde de Lagoaça, affirmando que na India nenhum facto recente se tem dado, de caracter alarmante ou inquietador.

Com relação á noticia que appareceu em um jornal da tarde, o que posso dizer é que ao governo não chegou pedido algum de exoneração, por parte do governador da India.

Como essa noticia chegou ao jornal, e como foi publicada, o jornal o dirá, pois o digno par comprehende que não é essa a minha missão.

Relativamente ao cuidado, que muito justificadamente ao digno par possa merecer a honra e dignidade do exercito portuguez, esteja s. exa. inteiramente tranquillo.

As forcas pertencentes ao exercito, que operaram na India, souberam proceder com a maior coragem, brio e abnegação; e nenhum acto se deu que podesse, sequer ser menos airoso para aquellas forças.

Ali, como ultimamente em toda a parte, o exercito por-

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tuguez tom feito affirmações brilhantes das qualidades tradicionaes e historicas que sempre possuiu.

Era o que tinha a dizer.

S. exa. não reviu.

O sr. Conde de S. Macedo: — Sr. presidente, o digno par sr. visconde da Silva Carvalho incumbiu-me de participar a v. exa. e á camara que por incommodo de saude não tem podido comparecer ás ultimas sessões.

O sr. Presidente: — Lançar-se-ha na acta a participação do digno par.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 5, sobre o projecto de lei n.° 8

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. conde de Lagoaça para continuar o seu discurso.

O sr. Conde de Lagoaça: — (Logo que s. exa. se digne restituir as provas impressas do seu discurso, será este publicado em appendice.)

O sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta que o digno par o sr. conde de Lagoaça mandou para a mesa na sessão passada, e mais duas que s. exa. mandou agora.

Leram-se na mesa, foram admittidas e ficaram em discussão conjunctamente com o projecto as seguintes

Propostas

Proponho que no § 2.° do artigo 1.° do projecto de lei em discussão, se substituam as palavras: «mas não se comprehendem os»,.pelas seguintes: «e os actuaes».

Sala das sessões, em 26 de fevereiro de 189o. = O par do reino, Conde de Lagoaça.

Proponho que no artigo 2.e do projecto de lei em discussão, em seguida ás palavras: «nomeados pares do reino», se acrescentem as seguintes: «os ministros d’estado em exercicio».

Sala das sessões, em 26 de fevereiro de 1896. = O par do reino, Conde de Lagoaça.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par o sr. Cypriano Jardim.

O sr. Cypriano Jardim: — Por parte da commissão de guerra, sr. presidente, participo a v. exa. que esta commissão só acha constituida, tendo escolhido para seu presidente o digno par o sr. Antonio de Serpa, e a mim para secretario.

O sr. Presidente: — Queira v. exa. mandar essa participação, por escripto, para a mesa.

Foi lida a seguinte

Communicação

Declaro a v. exa. e á camara, que se .constituiu hoje a commissão de guerra, tendo eleito presidente o digno par Antonio de Serpa e a mim para secretario.

Sala das sessões, 28 de fevereiro de 1896. = Cypriano Jardim, par do reino.

O sr. Francisco Costa (relator): — Sr. presidente, depois do eloquente e aprimorado discurso proferido n’esta gamara pelo illustre ministro do reino, devia eu dispensar-me de usar da palavra, que v. exa. me concedeu, sobre a generalidade do projecto da reforma da camara dos pares.

S. exa. fez uma critica perfeita, a historia exacta da dictadura; fel-o da melhor forma, especialmente na parte sobre que recáe o projecto que se discute, ou n’aquella que com elle tem relação mais intima e directa.

Como, porém, eu tenho o encargo de relator da commissão, que approvou este projecto, entendo que tambem devo dizer o que se me offerecer sobre o que elle estabelece quanto mais não seja pela deferencia que devo ao digno par, o sr. conde de Lagoaça, a quem me cabe responder.

Mas, note-se que n’essa resposta só defenderei o projecto de lei, e, nem perfunctoriamente me referirei aos ataques e allusões que s. exa. fez ao nobre ministro.

A camara viu que s. exa. chegou a accusar o illustre ministro do reino de pouco exacto e de incoherente com o seu proprio relatorio; mas nem por isso tratarei de pôr em relevo as intenções, o patriotismo e o trabalho do nobre ministro. Os quilates do seu talento não os desconhece a camara nem o paiz, embora seja ainda cedo para s. exa. ser avaliado como deve ser. Para isso só fará luz a historia, e justiça a posteridade.

Ainda está na memoria de todos quanto foi em vida violentamente aggredido e injustamente accusado o eminente estadista Fontes Pereira de Mello; e ninguem hoje, depois da sua morte, deixa de altear as suas qualidades de homem d’estado, de lamentar a falta que fez á politica portugueza, de fazer, emfim, toda a justiça aos seus serviços e superiores meritos.

Pois o sr. João Franco Castello Branco, digo-o na minha consciencia e sem o menor vislumbre de adulação, que a não usa o meu caracter, é um dos homens que ainda não foi condignamente apreciado, mas que ha de deixar rasto brilhantissimo na historia do paiz.

É cedo ainda para justiça se lhe fazer.

Eu queria responder largamente ás observações que acaba de fazer o digno par, sr. conde de Lagoaça, mas na verdade não vejo que s. exa. apresentasse argumentos que não estejam já respondidos no relatorio que precede o decreto dictatorial, relativamente á reforma da camara dos dignos pares, e na larga exposição, lucida, franca e sincera que n’esta casa pronunciou o sr. ministro do reino, que fez a critica geral do systema eleitoral que regia entre nós, e por isso julgo desnecessario estar a repetir os argumentos que s. exa. apresentou. Seria vaidosa pretensão minha.

O sr. ministro do reino, nas considerações que fez respondendo ao sr. conde de Thomar, não quiz desconhecer de forma alguma os serviços de todos os homens que tendo exercido as funcções de deputados da nação, foram julgados agora inelegiveis para taes funcções.

Faço justiça a s. exa. Estou certo de que presta a todos esses homens a homenagem da sua consideração e até do seu reconhecimento. (Apoiado do sr. ministro do reino.)

O que s. exa. quiz foi proporcionar ao eleitor meio de escolher os seus eleitos, por fórma que se não repetisse a accusação de produzir a uma sempre camaras subservientes por serem compostas, na sua maioria, de funccionarios publicos.

Se depois da reforma eleitoral da dictadura não houver sido bem feita a escolha do eleitor, o mal será sem remedio, talvez.

Não sei se me faço comprehender pelo digno par.

O que o governo quiz foi chegar a um mechanismo politico differente do anterior, mas que, diga-se a verdade, não é nada consentaneo com a auctoridade e influencia do governo, se o eleitor comprehender a sua funcção e mandar á camara deputados á altura da sua missão.

Sr. presidente, v. exa. recorda-se sem duvida do que a imprensa dizia sobre a constituição da camara dos senhores deputados. V. exa. de certo se lembra de que a opinião publica se pronunciava abertamente contra o systema de haver um grande numero de funccionarios publicos na camara dos senhores deputados.

Eu não quero dizer que esses funccionarios não tivessem muito merecimento, e não estivessem nas circumstancias de bem desempenhar a sua missão; o que eu quero affirmar é que a opinião publica accusava os governos de fazer eleger de preferencia os individuos pertencentes áquella classe, e suppunha, de certo injusta e falsamente, que esses individuos não tinham a devida independencia para votar contra os governos quando entendessem que o deviam fazer.

Sr. presidente, honro-me de ser funccionario publico, e,

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comtudo, como deputado successivas legislaturas, votei contra alguns governos sempre que a minha consciencia me impunha a obrigação de assim proceder.

N’esta mesma casa eu tenho votado contra os governos sempre que assim o entendo.

Ora, isto que succede commigo, tem acontecido com todos os dignos pares e deputados que estão nas circumstancias em que eu me encontro.

Nunca de certo a sua posição de funccionarios publicos influiu para deixarem de votar com a independencia do seu caracter e de accordo com o que a sua intelligencia lhes determinava por interesse do bem publico.

Mas se isto é verdade, é tambem certo que á opinião publica não agradava o antigo systema, e suppunha que elegendo-se individuos que não fossem funccionarios, mas sim estranhos na sua grande maioria ás funcções publicas retribuidas, individuos, emfim, de todas as outras classes, como commerciantes, industriaes, proprietarios, etc., etc., tinha a esperar mais, d’estes do que dos outros.

Em meu entender, e como estou demonstrando, isto não era assim; mas o certo é que os governos têem de obtemperar á opinião publica, porque é com ella que se governa, e decretou, como lhe pareceu melhor, a reforma eleitoral. Os factos passados na camara dos senhores deputados nas ultimas sessões da legislatura de 1894 contribuiram poderosamente para que o governo se visse obrigado a sair de uma situação difficil; e a fórma por que a opinião publica apreciou esses successos, que eu agora não quero rememorar, e que, estou persuadido, se não repetirão, fez-lhe ver que era preciso mudar o systema.

E o governo mudou-o, e muito bem, a meu ver, como experiencia e com os melhores intuitos.

O digno par notou o ter-se substituido no artigo 5.° do projecto a interferencia do poder moderador no conflicto das resoluções das duas camaras.

Pois eu, sr. presidente, folguei com a alteração inserida no projecto e applaudi que com ella o governo houvesse concordado, porque a funcção do poder moderador n’aquella interferencia seria assas difficil.

Entendo não dever demorar-me mais sobre este assumpto, acrescentando sómente que pertenço á camara dos pares ha muito tempo, e posso dizer que sou velho liberal, porque são essas as minhas idéas sempre demonstradas, e como tal tive baptismo assistindo ao cerco do Porto onde corajosamente se defendeu a liberdade.

Ora, como se póde ser monarchico e liberal ao mesmo tempo, pôr isso digo que prefiro o systema adoptado pela camara dos senhores deputados, que livra o Rei de situações difficeis.

Escusado é dizer á camara que, como relator e em nome da commissão, não acceito as emendas apresentadas pelo sr. conde de Lagoaça ao projecto em discussão.

Uma d’ellas, por certo, o destruiria pela base. E a que se refere ao numero de pares do reino marcado no projecto.

E a proposito disse o digno par, e já o tinha tambem dito um outro nosso illustrado collega, o sr. conde de Thomar, que a camara dos pares organisada como estava no projecto seria uma camara fechada.

S. exas. esqueceram-se de que é constante a renovação dos pares nomeados e por direito proprio.

Faltam, infelizmente, muitos dos nossos illustres collegas depois da ultima sessão legislativa a que assistimos. Desde que a renovação é um facto certo e indubitavel, e depois que o nobre ministro nos assegurou com a sua palavra honrada que na nomeação de novos pares haverá toda a prudencia e bom criterio, entendo que a camara deve ter como garantida a boa execução da doutrina do projecto.

Sinto muito não ser da opinião do digno par, mas a força da verdade convence-me de que penso justamente como interessa mais ao paiz.

Não posso assegurar que se este projecto for convertido em lei essa lei seja perduravel, porque a ninguem é dado confiar na incerteza das cousas humanas.

Não posso affirmar que não venha a soffrer qualquer alteração. O que reconheço é que o governo pensou maduramente no assumpto, como mostra exuberantemente o relatorio que precede a reforma que estamos discutindo, e que a camara dos senhores deputados, que tanto estudou, discutiu e argumentou sobre o assumpto, taes condescendencias encontrou da parte do governo, que de certo o digno par póde fazer a justiça de suppor que a mudança do artigo 5.° do decreto, de accordo com o governo, só provem do desejo sincero de produzir obra consentanea aos interesses publicos.

Poderia ser mais longo, mas parece-me que seria da minha parte uma pretensão demasiada o repetir do eloquente discurso do nobre ministro do reino os conceitos e afirmações por s. exa. proferidos.

Sr. presidente, antes de terminar não posso deixar de me referir tambem a uma asserção do digno par o sr. conde de Thomar quando me arguiu de ligar pouca importancia a este projecto, estranhando que eu dissesse que elle era como qualquer outro projecto.

O que eu disse foi que o seu andamento era como o de qualquer outro projecto, e não me referi á sua importancia, não obstante o reconhecer, como não podia deixar de fazer.

O digno par fez injustiça ás minhas intenções, suppondo que eu tratava com grande sem ceremonia um projecto de tanta importancia.

Com isto, sr. presidente, parece-me ter respondido ás reflexões do sr. conde de Lagoaça, e nada mais tenho a dizer.

O sr. Conde do Bomfim: — Sr. presidente, vou declarar a rasão por que approvo o projecto de reforma da camara dos dignos pares do reino, na sua generalidade, embora eu possa divergir d’elle em pontos essenciaes, e deseje que lhe sejam introduzidas alterações que reputo proficuas, e vou tambem justificar agora por que, já anteriormente dei o meu assentimento ao bill que se relaciona com esta reforma por ser um dos actos da dictadura n’elle incluido.

E tanto mais necessario se torna que justifique o meu voto, n’este momento, porquanto, sendo eu defensor convicto no systema constitucional representativo, tendo pugnado contra a reforma da carta em 1885, poderia á primeira vista parecer um paradoxo que eu approvasse o bill que relevou o governo das responsabilidades da dictadura, principalmente quando ella atacou tão fundamente a constituição do estado, podendo-se até suppor ou fazer crer que eu acceito como bom principio de governo a dictadura, o que não acceito, mas apenas e tão sómente como um facto consumado, impossivel de obliterar, ao qual era preciso pôr termo.

Sr. presidente, todos sabem que os governos, em geral, ao constituidos por individuos dotados de alta capacidade com as melhores intenções de fazerem leis uteis e vontade de acertar, saídos das maiorias parlamentares e tendo ganho as suas esporas de oiro nas pugnas da tribuna ou na alta magistratura, aonde tiveram carreira brilhante, e por isso devem inspirar confiança; mas como entre as intenções e os actos, entre as medidas e os seus resultados práticos, entre o desejo de não atacar as liberdades publicas, o parlamento e as instituições, e a realidade dos factos por vezes medeiam grandes distancias, que vem desmentir tão sinceras aspirações, assim muito embora o procedimento dos governos possa ser pautado ou determinado Dor circumstancias de necessidades imperiosas e extraordinarias, d’aqui deriva comtudo o motivo para que as camaras devam intervir e pronunciar o seu veredictum, para decidirem se os governos devem ser ou não relevados das responsabilidades em que incorram pelos actos que prati-

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cam fóra das suas attribuições legaes. É preciso, é legitimo este correctivo ás invasões do poder executivo que podem ou não ser justificadas.

E difficil, porém, sr. presidente, dar a minha opinião na presente conjunctura, quando se não acham aqui presentes tantos é distinctos parlamentares que fazem parte d'esta camara, quando entre nós se não encontra já a sua parte electiva, quando não estão cá tambem os nossos collegas, a quem o decreto dictatorial tornou incompativeis as funcções legislativas com as dos seus respectivos cargos, e muitos outros ainda por diversos fundamentos.

Estes factos, sr. presidente, são dignos de serem apreciados e fazem enorme peso na minha consciencia.

Vejâmos, pois, como proceder ao seu exame para tirar as consequencias logicas que d'elles se derivem.

Eu posso presumir que tanto o elemento electivo como os que por incompatibilidades de funcções não estão presentes acataram o decreto dictatorial, e d'aqui um argumento para eu dar o meti voto. Mas olhando para a falta de tantos outros membros distinctos d'esta assembléa só devo pensar que a sua ausencia significa antes um protesto, e mesmo até que elles prefeririam uma convulsão social, energica e forte, que vencesse pela força, a forca da dictadura. Assim, pois, eu pesando todos estes factos, o de se terem feito as eleições geraes, e seguidamente nos acharmos tranquillamente n'este recinto, a conclusão a tirar é que nem pela ausencia de uns ou outros, nem pelos protestos, nem por quaesquer outros meios se obteve como resultado o travar as rodas do carro da dictadura, e que portanto bem se tornava preciso procurar um meio pratico, mais exequivel de o conseguir.

Eu entendi que era absolutamente necessario saír d'este estado anormal e irregular, e que bem pesados os inconvenientes de uma dictadura illimitada, era urgente oppor-lhe um dique.

E, sr. presidente, tendo eu um direito fixado na constituição que me permitte apreciar os actos do governo, direito que ninguem póde contestal-o, porque elle se deriva da soberania da nação, exercendo-se no seio da representação nacional e não noutro qualquer logar, entendi mais que no desempenho do meu mandato me corria o dever de os apreciar, e especialmente o de examinar como a constituição politica foi observada no interregno parlamentar, emittindo as minhas opiniões livremente, de accordo com os interesses publicos.

Assim, sr. presidente, no uso liberrimo do meu direito acceitar o bill, sob a condição de submetter todos os Cactos da dictadura á apreciação do parlamento, para que só depois da sua intervenção legitima possam ou não ser lei do estado, pareceu-me um meio acceitavel, uma formula legal, correctamente adoptada, que alem d'isso produziria as seguintes vantagens: primeira vantagem, evitar as consequencias de actos violentos e os ataques ás instituições vigentes; segunda, restaurar o regimen constitucional; terceira, preparar o advento ás administrações futuras, quando o bem publico assim o reclame, quando a situação actual, porque se tem esterilisado, não se deva manter e se haja de eclipsar.

E assim, sr. presidente, compenetrado d'estas vantagens e enfileirado no numero dos dezenove, a quem se podem chamar estóicos, espartanos, e que são necessarios para que esta camara possa deliberar, cônscio do meu dever, sabendo o fim a que me dirijo, vim aqui absolver o governo, não como o leigo a que o meu amigo o sr. conde de Bertiandos se referiu, que absolvera o peccador para o empurrar para dentro das portas do inferno, mas ao contrario com o fim de o impelir para um céu aberto, o do terreno legal, o que dispensa quem quer que seja de lhe abrir as portas.

Era forçoso proceder por fórma que os que possam succeder no poder, e subir a esse ponto culminante, que bem se póde chamar Calvario, a elle ascendam e possam conquistal-o dentro das normas regulares.

E, sr. presidente, se é necessario que o systema representativo reviva, se o meio de o conseguir era acceitar o bill; eu para salvar os sagrados direitas da representação nacional, suspensos, immolo a minha opinião, em these, adversa ás dictaduras, nas aras da patria, para que o regimen constitucional e o imperio da lei se restabeleçam. É preciso, sr. presidente, é mesmo urgente, eliminar essa planta venenosa,, a dictadura, que como parasita daninho e nocivo, ameaça corroer a velha e frondosa arvore da liberdade.

É portanto era necessario, para o conseguir que sob a fórma convencional do bill, adoptada para os casos excepcionaes que sáem fóra da orbita constitucional, relevar o governo da responsabilidade em que incorreu pelos actos de dictadura.

Em determinadas circumstancias, é este o processo seguido, hoje era de necessidade imperiosa e indiscutivel adoptal-o.

É minha convicção e expresso-a bem alto, desprendido de interesse vil, que era preciso quebrar as algemas, olhando apenas ao bem publico, ao interesse da nação.

Portanto, a camara conhece agora a proposito do acto da dictadura de que procede o projecto que se discute, as rasões porque dei o meu voto ao bill.

E se o bill abrange tambem, entre esses actos dictatoriaes, a reforma da camara dos pares, e esta lhe dá novamente o caracter de inamovibilidade, para mim, que sou partidario d'esta idéa, era mais um argumento de necessidade approval-o, porque a idéa prevalecendo á fórma, assim a justifica.

Mas o projecto do bill tinha duas partes, na primeira relevava-se o governo da responsabilidade em que incorrera saíndo fóra da constituição, e a segunda parte referia-se ás medidas promulgadas em dictadura, ácerca das quaes o governo declarou submettel-as á apreciação do parlamento, e que a camara na occasião de votar o bill se reservou o direito de as examinar, e é por isso que o actual projecto está sujeito ao nosso exame.

No uso pleno d'este direito hei de empenhar os meus esforços, cooperando para o bem da nação, e alterando, substituindo ou mesmo revogando algumas d'essas medidas.

Não me dispenso d'esse direito, e assim quando me dirigir ao sr. presidente do conselho, que sinto não ver n'esta assembléa, aparte o respeito que me mereça o seu caracter serio e honesto, reconhecido zêlo e infatigavel empenho, em arcar com a ardua questão financeira, hei de mais de uma vez insistir com s. exa. para que faça convergir a sua orientação sobre a questão colonial financeira, para que na organisação das finanças não esqueça um principio dos mais importantes, inscripto no programma do partido regenerador, por Fontes Pereira de Mello, e pelo distincto estadista, cuja alta competencia todos apreciamos, o sr. Antonio de. Serpa, o principio do fomento, de que fizeram largamente uso e com bastante proveito para a metropole, mas cujo pensamento se não completou ainda, ou não teve execução completa, nos nossos vastos dominios de alem mar.

Já na outra casa do parlamento eu sustentei sempre, e commigo o digno par que me ouve o sr. Thomás Ribeiro, que era dos dominios ultramarinos que nós devemos esperar ainda o progresso da nação, e a nossa prosperidade publica. (Apoiado do sr. Thomás Ribeiro.)

São aquelles uberrimos territorios tão cobiçados, as fontes de riqueza nacional. E ainda bem que hoje já ninguem o contesta.

Terei tambem occasião de chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para o corpo de engenheria de organisação mixta, civil e militar, a cargo do seu ministerio, que foi creado com o fim de satisfazer a interesses

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importantes do paiz, e em obediencia ás necessidades publicas, mas que tem sido alterado por inumeras vezes, por differentes leis, que muito prejudicam a sua natureza, e tornam inefficaz o seu complexo serviço, provocando justas reclamações.

É preciso pôr de harmonia pelo menos as reformas e aposentações dos seus funccionarios para que esse facto não sirva de argumento para a instabilidade das suas leis feriado lhe direitos adquiridos.

Com relação ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, que pela sua alta posição na carreira diplomatica conquistou o logar que hoje occupa, e cujo caracter é para mim bastante sympathico, hei de tambem chamar a sua attenção para as leis organicas do seu ministerio, e principalmente para as de 1891 e 1892.

Parece-me que esta segunda lei que não está em execução por falta de regulamento, tem determinadas vantagens sobre a lei de 1891, que a meu ver ataca fundamente e com grave injustiça os direitos de uma certa classe de funccionarios do seu ministerio.

Teremos occasião de conversar detidamente sobre este assumpto.

Ao sr. ministro da guerra, de quem fui condiscipulo e camarada por largos, annos, e cujo valor e qualidades pessoaes eu conheço, muito folgo de n'este logar, visto que noutro qualquer as leis da milicia mo vedam, lhe poder prestar a devida, homenagem a estas qualidades, que eu aprecio. E tanto mais que eu cumpro um gostoso dever de amisade ao reconhecer-lh'as.

Mas tambem a s. exa. não deixarei de chamar a sua attenção para negocios da sua pasta que são muitissimo importantes, e em que deve meditar e meditar muito. E principalmente sobre a necessidade de alterar as leis que dizem respeito ao limito da idade, á promoção, ás incompatibilidades militares e ao recrutamento.

Eu, sr. presidente, sou partidario do limite da idade, mas não approvo esse limite em diversas idades, o que atraiçoa o pensamento inicial d'esta medida, e póde affectar gravemente a carreira militar.

Convenci-me mais da necessidade d'este principio, que aqui já advoguei, em tempo, quando rapidamente percorri a Itália, a Franca e a Bélgica, e fallei com alguns officiaes d'aquelles exercitos, de reconhecida e comprovada competencia, e julgo que elle se defende principalmente com o argumento de que é necessario que esteja na lei esta disposição para que não se deixe ao mero arbitrio o direito illimitado de o ministro fazer sair da carreira militar os officiaes, sem disposição que auctorise o seu procedimento.

É necessario, pois, o limite da idade na carreira militar, mas n'um periodo unico, segundo a minha opinião, isto é, quando o official esteja em avançada idade, e não deve ser estabelecido, nos differentes graus de hierarchia militar. Existe este limite para as funcções civis, e está na lei penal commum, e a mesma rasão que ali o justifica, o defende, por este modo, na carreira das armas.

Tambem hei de chamar a sua attenção para a lei das promoções, porque entendo que ellas se podem e devem fazer n'um horisonte mais vasto, olhando-se esta questão por um ponto de vista mais largo, e tendo em attenção que todas as leis n'este sentido, devem evitar a preterição, que só tem logar por sentença, e com motivos muito justificados. A primeira deve ser feita por fórma que se respeitem os direitos adquiridos não só dos officiaes colloca dos no ministerio das obras publicas, nas escolas superiores, mas os direitos de outros, evitando-se sempre que a lei tenha effeitos retroactivos.

E precisa e póde justificar-se a selecção dos quadros, mas não á custa d'aquelles que possam satisfazer ás exigencias dos progressos militares, e por restricções mal definidas.

Hei de chamar a attenção de s. exa. para a organisação do nosso exercito, que muito essencial se torna que esteja em condições de acudir á defeza da metropole e do ultramar, por uma organisação adequada e com unidades homogeneas.

Para a lei do recrutamento, base de todo o organismo militar e social e importante n'um paiz pequeno como o nosso. E para a questão das incompatibilidades militares, porque eu entendo que é necessario que a propaganda militar se faça no nosso paiz com a maxima latitude, e por todos os modos com o fim de vencer as repugnancias ao alistamento, attrahir ás fileiras todas as classes, a levantar o nivel das instituições militares, acordando o espirito militar do nosso paiz, que com os estimules de toda a ordem sómente se despertará. O exercito é do paiz e a sua manutenção interessa á sua existencia.

Os livros, a imprensa e o parlamento, são os meios uteis para a propaganda militar. É preciso, porem, não os tolher com restricções menos liberaes e menos justas.

Ao sr. ministro da marinha, cuja palavra de orador prestimoso todos conhecem, hei de pedir que olhe para a questão dos prazos de Moçambique, para as conveniencias de mudar a sede do governo de Sena para a Maganja na outra margem do Zambeze, e para a organisação das forças coloniaes ultramarinas.

Ao sr. ministro do reino, a quem muito de proposito reservei dirigir-me só agora para entrar na apreciação do seu projecto, depois de primeiro lhe tributar o meu devido testemunho de consideração ao seu grande e brilhante talento, ao seu nevrosismo vigoroso, e cheio de energia, e ás suas valiosissimas qualidades pessoaes, endereço-lhe os meus sinceros encómios, pela iniciativa desassombrada de tomar sobre os seus hombros e com a maior coragem, a audaz empreza de reformar a camara dos pares, restituindo-lhe novamente a feição caracteristica que ella deve ter no equilibrio da balança politica ou no systema representativo.

Depois, sr. presidente, de tantas luctas que sustentámos contra a reforma de 1880, auxiliados pela palavra eloquente de muitos oradores que aqui se não acham, e entre esses conto esse grande vulto contemporaneo, orador consagrado na tribuna parlamentar de cuja palavra eu me recordo com saudade, o sr. conde do Casal Ribeiro; depois de não se ter conseguido evitar aquellas reformas politicas que se me afiguraram contrarias aos interesses do estado e á Índole de um paiz tradicionalmente monarchico por certo que é empreza audaz e que attesta a tenacidade de convicções do sr. ministro do reino, trazer ás camaras a actual reforma.

Ainda bem, sr. presidente, que os factos vem hoje confirmar completamente que eram bem justificadas as rasões que nós oppozemos á reforma d'esta camara em 1880.

Não me arrependo ao presente do pleito em que me empenhei então, a favor do senado vitalicio; a experiencia de 1838 bem nos devia ter desenganado das desvantagens do principio de eleição para esta camara; porque tendo sido muito debatido n'aquelle congresso esta questão, logo depois veiu a restauração da carta.

Já a lei das categorias que foi feita no intuito de evitar as reformas politicas e que o distincto parlamentar, José Estevão condemnára antes, dizendo que uma camara de funccionarios publicos, dependentes sempre do executivo, e não representando sequer a parte contribuinte, não podia dar garantias de independencia para uma segunda camara, porque esses funccionarios podiam ter empregos e não talentos, mais tarde lhe reconheceram os inconvenientes, que a pratica veiu demonstrar. As categorias estabeleceram quasi que direitos, e foram como pressão sobre os governos para immoderadas nomeações, e causa de desprestigio para o poder legislativo.

Foi, pois, condemnada a lei pelos seus resultados pela opinião publica do nosso paiz.

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O elemento electivo, que tem o grande inconveniente de ser uma duplicação da primeira camara, que representa como que mu pleonasmo em politica, o que fez dizer a Royer Collanl em França que para seguir um tal systema bastava separar os deputados dos pares por um tabique, era insustentavel no nosso paiz aonde o vicio da eleição tanto se faz sentir, e se duplicava para a segunda camara.

É certo que nós não temos que censurar nem a illustração, nem a seriedade dos membros electivos que têem feito parte d'esta camara, e muito ao contrario sempre que elles eram obrigados a deixar-nos lastimavamos a sua ausencia, porque muito nos honravamos com a sua companhia.

E tão justa é a consideração que elles mereciam que estes têem sido nomeados depois pares vitalicios, e até ainda ha pouco, por indicação do governo, foram nomeados alguns que tinham estado muito recentemente entre nós como pares electivos.

A questão não é essa, o que se trata é do vicio do systema.

A inamovibilidade dos membros d'esta camara, a sua dependencia de eleição é que lhe altera a feição caracteristica que deve ter, para ser moderadora da primeira camara, para manter o equilibrio do systema representativo.

E a condição amovivel d'esses membros era tão condemnada, que até dava origem a denominações bem conhecidas para designar os pares vitalicios e os electivos.

Era, pois, deprimente do systema, como das instituições, que carecem de ter alicerces solidos para se manterem.

As reformas politicas já quando se levaram a effeito, tinham perdido o opportunidade.

O sr. conde do Casal Ribeiro preconisava o senado italiano e o illustre chefe do partido progressista o sr. José Luciano de Castro, no seu programma politico, voltava-se para o senado brazileiro.

Ambos para o senado vitalicio.

Portanto, já ninguem então, como hoje, as defendia como boas e necessarias, e ninguem acreditava que a transformação do principio conservador para esta camara era conveniente.

A experiencia fez-se, e mesmo em menor escala que em 1838, e ainda assim a pratica não a acceitou, não lhe deu a consagração publica.

Hoje o desengano é completo.

É o caso de lhe apropriar o bello conceito de Alphonse Karr: "Que não se chega ao conhecimento da verdade, senão depois de muitos e repetidos erros".

O sr. ministro do reino que é accusado de partidario acerrimo da urna, por ter creado por sua iniciativa uma camara de eleição a que se dá o nome, em phrase pitoresca, de solar, não obstante, não se envaideceu tanto, que se apaixonasse loucamente por essa donzella, a uma, que,! não sendo sempre impeccavel, como dizia um distinctissimo parlamentar, porque muitas vezes lhe escorrega o pé, carece de uma duègne á virtude, e, pelo contrario, s. exa., entendendo ser necessario dar-lhe esse correctivo assim o fez no seu projecto dando natureza diversa a esta camara.

O principio de eleição é bom, mas não deve ser unico, e como para o poder judicial elle se não justificaria, tambem para outros cargos politicos, para esta camara que opera como moderadora, ou como correctivo das grandes demasias que possam vir da outra camara, ou da opinião publica desnorteada ou desvairada, elle não tem applicação proveitosa para a constituir.

Este é, portanto, o lado sympathico d'este projecto. Honra seja, pois, ao sr. ministro que o apresentou. Entretanto, porem, na sua analyse, tem elle realmente pontos que carecem de ser criticados, e ha um principalmente que para mim é muito importante, e que não me parece facil acceitar, pois até o julgo perigoso para as instituições, que eu desejo sempre protegidas. Vamos tocal-os todos de passagem. Um dos pontos que me merece reparo é o artigo 1.°, refere-se á nomeação de pares, e não posso deixar passar este artigo sem lhe fazer algumas reflexões.

A nomeação de pares vitalicios, que é feita exclusivamente pela coroa, podia ser feita por eleição recaindo sobre uma lista triplice, apresentada depois á corôa para fazer a sua escolha (systema de O'Conell).

Os publicistas defendem este systema na falta de um melhor principio de independencia, dizendo que por esta fórma o senador não depende nem exclusivamente do povo, nem da Corôa.

Nos paizes onde a hereditariedade tem por base a grande propriedade é certamente um bom principio admittil-a e interessal-a na composição da segunda camara.

N'aquelles onde, como no nosso, não foi a propriedade que a introduziu, mas onde ella já existia, dizem ainda alguns que não ha vantagem em a abolir, mas antes em a garantir por meio de leis uteis, accommodadas ao progresso das sociedades, e assim se fez entre nós, difficultando-a por tal fórma que muitos para terem entrada n'esta camara tiveram de recorrer á nomeação.

Por outro lado, porem, procurou-se depois facilital-a, já reduzindo-lhe o censo, já diminuindo-lhe as exigencias litterarias e as categorias, e isto deu logar á sua extincção.

Abolido, porem, esse principio não serei eu que o defenda, e louvando-me na opinião dos melhores, julgo difficil introduzil-o de novo depois de ter sido abolido.

É claro que com a camara vitalicia e de nomeação regia se póde dar o inconveniente de no começo, na occasião da nomeação, os pares dependerem da influencia dos governos mais tarde, porem, conforme é a opinião geral; a sua qualidade vitalicia offerece garantias reputadas sufficientes para a independencia do seu logar.

Portanto, o projecto póde satisfazer ás conveniencias do systema n'esta parte.

Ha ainda outro artigo, o que diz respeito ás incompatibilidades, que chama a minha attenção.

Creio que o principio introduzido no projecto, de que não têem entrada n'esta camara os absolutamente inelegiveis, visou essencialmente a que se cortassem os abusos que se davam com a accumulação de funcções, e principalmente para com os individuos que administrem companhias ou emprezas, que tenham contratos com o governo, o que por esta fórma era justo, que pela posição especialissima em que se achavam, se tornassem incompativeis com a sua qualidade de representantes da nação.

Este principio das incompatibilidades tem sido inserido nos codigos aperfeiçoados de diversos paizes, foi previsto no artigo 41.° da carta, e por tal fórma elle se impunha que um vulto venerando d'esta camara, cuja memoria se impõe a todos, o nobre duque de Palmella, ao assumir a presidencia da camara, levou tão longe os seus escrupulos, que pediu e obteve a demissão do seu posto de marechal de campo do exercito, acção digna de ser registada.

Mas eu julgo, sr. presidente, que este artigo do projecto não satisfaz n'esta parte á intenção do legislador. Com effeito, quando se diz que não são admittidos n'esta camara os absolutamente inelegiveis, não se determina qual a lei a que se refere o artigo, nem mesmo se é ao projecto que está ainda na camara dos senhores deputados para ser votado ou discutido.

Mas que o fôra, se elle soffrer modificações, ou se outro governo trouxer outra lei eleitoral, o. preceito constitucional, aqui inserido; fica sem objectivo definido e facilmente se póde illudir, não tornando absolutamente inelegiveis aquelles que se pretenderia, porventura, que o fossem. Portanto, parece-me que n'esta parte do projecto se de veria fazer qualquer rectificação, tendo-se em vista regular

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por um modo claro e positivo as incompatibilidades dos inelegiveis.

E tambem, visto que se seguiu esta orientação para os inelegiveis, parece que ella se deveria ter seguido com os incompativeis pelo exercicio do cargo. E n'esta parte não me parece justa a restricção estabelecida na lei eleitoral para os officiaes do exercito.

E muito menos que na lei eleitoral se determine que os officiaes militares não possam fazer parte da camara dos senhores deputados, sem que deixem de perceber o seu soldo!

Uma tal disposição parece-me que contraria o que a carta constitucional preceitua em materia de recompensas no artigo 145.°, quando trata dos direitos civis e politicos de todos os cidadãos portuguezes, ferindo pelos seus effeitos o direito adquirido, garantido na fórma das leis.

Não vejo rasão sufficiente mesmo para manter esse preceito para a camara dos senhores deputados sem o subsidio, não se tendo estabelecido para esta. Não vejo tambem, porque só os officiaes generaes têem logar na outra camara sem aquella restricção, e não officiaes de outra patente, e pelo contrario, os de patente inferior tenham, como parece, a preferencia na entrada para esta camara.

Eu, como membro da classe militar, da qual tenho a honra de ser no parlamento um dos seus representantes, desejava, pelo menos, saber por que a uma mesma disposição não preside a mesma rasão.

O exercito é uma classe importante, e deve ter no parlamento representação para advogar os seus interesses. Elle é tão necessario nas horas difficeis em que perigue a nossa nacionalidade, como o pára-raios na occasião das descargas de electricidade atmospherica.

O artigo 7.°, que se refere aos impostos e á fixação das forças navaes, tambem merece serios reparos.

Ao poder legislativo incumbe a denegação de recursos contrarios aos interesses publicos, porque os impostos poderão mesmo, trazer perigos para a ordem publica.

E é principio inserido em todas as constituições, de que os impostos se votem annualmente por iniciativa da camara de representação popular, e por isso que não devia ser alterado ou restringido.

Portanto, eu entendo que se a proposta do governo era inacceitavel n'este ponto, a alteração feita no parlamento ainda traz restricções que podem ser incommodas para o systema representativo.

Nem a segunda camara póde ter veto sobre o lançamento dos impostos de iniciativa da outra; parece-me, pois, que nenhuma restricção se lhe devia impor pelo poder executivo.

O projecto da constituição de 1838 ia tão longe, que prescrevia que os impostos não votados não obrigavam o seu pagamento.

Agora, pelo que diz respeito á doutrina do artigo 5.°, essa doutrina é mais grave, e poderá levar longe as suas consequencias funestas.

Esta questão interessa tanto á camara como ás instituições, e eu sinto que pelo limitado numero dos seus membros se não encontrem bastantes vozes auctorisadas para a esclarecer, e questão tão grave corra tão despreoccupadamente.

Vejo que todos os homens publicos ambicionam estes logares, e por isso lhe prestam consideração, o que seria mesmo uma rasão para n'ella intervir.

Eis o que diz o artigo 5.°

(Leu.)

Portanto o § 1.° exige a reunião das duas camaras, para no caso de empate da votação da commissão mixta, se decidir á pluralidade de votos o conflicto.

A proposta do governo estava redigida de um modo analoga, excepto na maneira de resolver o conflicto, que entregava ao poder moderador.

Comtudo tinha tambem esta parte:

(Leu.)

Isto é, a proposta do governo visava a revogar o artigo 54.° e disposições correlativas da carta constitucional.

Não era bem expresso que se pretendia revogar os artigos 52.° e 53.°, que não se referem a emendas, mas a rejeição dos projecsos por um dos ramos do poder legislativo.

A fórma por que está agora redigido o artigo n'este projecto de lei é ainda mais obscura, pois nem se refere á alteração de qualquer dos artigos da carta, nem mesmo ao artigo 54.° Passaria como desapercebido o seu alcance, pois só pela doutrina d'este com a do 8.°, em que se revoga a legislação contraria, é que se póde explicar o fim d'ella.

Não tem sido este o methodo seguido nas reformas constitucionaes, e não é o que mais se recommenda.

Se o governo tivesse simplesmente em vista regular o caso das emendas, se fosse esta a intenção do parlamento, poderia conseguir-se este fim, modificando apenas a redacção do artigo 1.°, que ficaria o mesmo com pequena alteração, transpondo-se "ao todo" ou "em parte", que se acha no seu começo, para depois das palavras aservirá" para "ser", e eliminando as primeiras premiadas no principio do artigo, e assina ficaria como eu leio:

"Quando alguma das camaras não approvar as emendas ou addições feitas pela outra camara sobre quaesquer projectos de lei, será nomeada uma commissão de igual numero de pares e deputados, etc., e o que a commissão resolver servirá para ser, no todo ou em parte, o projecto reduzido a decreto das côrtes, ou para ser rejeitado."

D'este modo os conflictos limitar-se-iam aos projectos que as camaras julgassem uteis, mas sobre os quaes recaíam emendas, addições ou alterações.

Mas o que diz o projecto não está, nem se encontra, nem se podia ou devia encontrar ou inserir em nenhuma constituição.

Não estava no senado brazileiro do tempo do imperio, que era tambem vitalicio e de numero fixo.

Este principio contraria o equilibrio do systema representativo.

Este systema da balança politica suppõe duas forças, equilibradas pela creação do poder moderador, como os .dois pratos se equilibram pelo seu regulador, o fiel da balança. E nisto está a belleza do systema.

Uma lei exige, pois, a intervenção dos tres ramos do poder legislativo - as duas camaras e o Rei. Não ha lei quando qualquer d'elles a rejeite, pois precisa o concurso de todos.

E assim estes artigos constitucionaes que permittem a rejeição de um qualquer projecto por qualquer dos ramos do poder legislativo existem em todos os codigos politicos.

No do Brazil nos artigos 59.°, 60.° e 64.° Na Italia no artigo 56.°, em Hespanha no artigo 44.° Na nossa carta tambem, como na constituição de 1838.

O principio importante que se tem em vista é que qualquer dos ramos do poder legislativo tem o seu veto a oppor a uma lei que póde ser contraria ao bem da nação.

Para esta segunda camara, cuja missão é ser moderadora, esse veto era essencial contra as idéas traduzidas em lei, que por demasiadamente avançadas poderiam, sem a sua intervenção, fazer periclitar o systema politico.

A proposta do governo não me satisfazia, porque collocava o poder moderador, chave da abpboda politica, muito em foco com as resoluções do parlamento. E eu desejo arredar do augusto chefe do estado todas as causas que enfraqueçam . as suas prerogativas, ou diminuam o seu alto prestigio. Mas a alteração feita na outra camara ainda menos me satisfaz.

O vicio principal existia já na proposta primitiva, que eliminava a intervenção legitima das camaras na confecção

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das leis, procurando não lhes admittir a rejeição de qualquer projecto. Esta idéa, repito, é nova, e nunca foi posta em execução, ainda mesmo que já podesse ter sido concebida. Nenhum paiz a acceitou. E confiando a resolução dos conflictos, depois do empate na commissão mixta, á resolução do congresso das duas camaras que 03 resolvem á pluralidade de votos, é o mesmo que pretender supprimir a intervenção da segunda camara, e que a lei só seja a que a primeira camara quizer, por isso que o maior numero de votos a ella pertence.

Como evitar que tal não succeda, sendo a camara dos senhores deputados de cento e vinte e esta de noventa membros?

Portanto, esta camara não fica sendo uma camara moderadora, sendo approvado o que se acha estabelecido no artigo 5.° do projecto. Fica como um pantheon de vivos, no qual os dignos pares do reino têem este titulo decorativo, mas não mais têem intervenção efficaz e legitima na confecção das leis, e não uma camara moderadora ou revisora. Como será revisora se não decide das nullidades do processo?

A necessidade dos corpos intermedios, mesmo na monarchia electiva, já era sustendada por Montesquieu. Benjamim Constant, o creador do poder moderador, julgava-os esseneiaes, para garantia das liberdades publicas. E já o abbade Gregoire, na convençcão, advogava a necessidade de uma segunda camará" Blakstone, commentando a Carta de Inglaterra, diz que cada ramo de systema politico representativo apoia os outros, d'elles recebe o seu apoio e lhes serve de regulador. E Mirabeau, o idolo da revolução franceza, affirmava que, sem esse equilibrio no systema representativo, sem esta linha divisoria ou esse correctivo, elle preferiria viver antes em Constantinopla.

Portanto, mal se comprehende a rasão por que se pretende romper este equilibrio, destruindo a intervenção efficaz da segunda camara, a sua acção ponderadora.

E, sr. presidente, alem dos inconvenientes que notei de se appellar para o congresso na resolução dos conflictos entre as duas camarás, destruindo pela base os principies do systema politico que nos rege, eu reputo este meio perigoso mesmo para as instituições, o que demonstrarei facilmente pelos exemplos que a historia nos aponta.

Com effeito, todos os que conhecem a revolução franceza, tiram d'ella argumento para se arreceiar de que duas camaras funccionem reunidas.

Depois da reunião dos estados geraes em maio de 1789, em França, compostos esses tres estados de seiscentos membros pelo povo, trezentos pela nobreza e trezentos pelo clero, na qual os deputados do povo se declararam em assembléa nacional, unido-se a elles os outros dois corpos para se decretar uma constituição, jurada pelo rei, resultando mais tarde a assembléa legislativa, origem a final da convenção nacional, que decretou a extincção da realeza em França e a decapitação do rei, seguindo-se-lhe a curto praso o periodo do terror; foi por tão lutuosos acontecimentos e tão duras provações, que a ninguem é dado desconhecer, que a França decretou, em 17 de setembro de 1790 uma nova constituição chamada do directorio.

E o facto que merece a nossa attenção, e de que poderemos tirar lição proveitosa, é o corollario que a França, victima de tantos horrores, tirou ao formular os artigos d'aquella constituição.

Assim, no seu artigo 44.° se encontra que o poder legislador era dividido em dois corpos, um composto do conselho de anciães, outro do conselho dos quinhentos.

E como se ainda não fosse segura a divisão do poder legislativo em dói" corpos, note-o bem, a camara, no seu artigo 60.°, estatuiu expressamente o seguinte: "Estes dois corpos (legislativos) nunca se podem reunir na mesma camara, isto é, funccionar juntos".

A constituição de Hespanha de Fernando VII tambem não tinha lá este artigo, nem cousa similhante; porém, se percorrermos os artigos da actual constituição, lá encontraremos o artigo 39.°, que é identico ao disposto no artigo 60.° da constituição do directorio, determinando que as duas assembléas legislativas nunca funccionem reunidas!

E não se diga, sr. presidente, que do artigo 5.° do projecto que dá o predominio absoluto á camara dos senhores deputados, na confecção das leis, e que, portanto, como que lhe dá a possibilidade de absorver as funcções da soberania, não resultarão estes perigos pelo modo por que se preceitua que se resolvam os conflictos - à pluralidade de votos - no congresso.

Pelo que se passou no longo parlamento em Inglaterra, todos que conhecem a sua historia politica não podem duvidar da possibilidade de se repetirem aqui factos analogos, extremamente perigosos para a corôa.

Foi com effeito esse parlamento, a segunda camara, que, quando a camara alta tinha rejeitado o bill que declarara criminoso de alta traição Carlos I, que, commettendo o seu assassinato juridico a um tribunal excepcional, estabeleceu o principio novo de que os communs de Inglaterra, reunidos em parlamento, tinham a suprema auctoridade da nação, e quanto por elles fosse julgado devia ter a força de lei.

E se este principio é contestado, como não póde deixar de o ser, embora já na outra casa do parlamento se affirmasse que a soberania reside ali, e não na nação, representada em côrtes, porque não haverá inconveniente e perigo nenhum em conceder-lhe pela lei um tão poderoso direito, que impede que esta segunda camara, como qualquer outro ramo do poder legislativo, possa rejeitar qualquer lei quando a julgue contraria aos interesses da nação que ella representa?

Sr. presidente, eu defendo idéas em harmonia com as rasões que tenho tido a honra de expor á camara, e por isso peço ao governo, peço á camara, que meditem e vejam os inconvenientes do principio contido n'este projecto de lei, e que o corrijam por qualquer fórma. Podem servir-se da eleição por escrutinio, como se pratica, creio eu, na constituição de Hamburgo, ou seguir os principies da nossa carta, ou o meu alvitre, tudo, emfim, que não seja a reunião das duas camarás, decidindo pela maioria dos votos.

Não vejo necessidade realmente que para a resolução dos conflictos se procure um meio de que possa resultar um novo conflicto, muito mais perigoso certamente, e que destroe o equilibrio dos poderes, confiado á prerogativa do poder moderador que sabiamente o exerce.

Que se faça o que em nenhuma constituição existe, cercear á segunda camara a faculdade de intervir nas leis rejeitando-as, e á corôa a faculdade de resolver os conflictos entre as duas casas do parlamento, porque vingando aquelle principio, o executivo não depende do poder moderador para a resolução dos conflictos parlamentares, mas tão sómente da camara electiva.

Não, sr. presidente, não voto medida que possa atraiçoar as prerogativas da coroa. Sei que não é essa a intenção do projecto, mas este meio póde conduzir-nos a estes resultados.

A camara dos pares tem pugnado, no largo periodo de tempo que ella tem funccionado, pelas liberdades publicas, e nenhum obstaculo tem posto até hoje a qualquer projecto de interesse para o paiz. A sua missão é moderadora, e por isso deve defender as invasões da constituição do estado, velando pela sua observancia.

Em França foi tambem a camara alta que moderou os caprichos anti-liberaes do ministerio Villele, quando elle pretendia atacar a liberdade de imprensa. E em todas as constituições, repito, a segunda camara tem o direito de se oppor, rejeitando a lei. Portanto, não ha rasão para arrebatar a esta camara um direito, que reputo sagrado, e uma garantia para as instituições,

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Para os projectos que qualquer das camaras julgue que podem ser convertidos em lei, mas aos quaes alguma dálias entende introduzir-lhe emendas ou addições, não me parece que para um caso tão limitado, tão excepcional e tão pouco importante, se careça de lançar mão de um meio tão pouco pratico e tão perigoso.

A maior parte das vezes as commissões mixtas resolvem o incidente, e quando não resolvam, ainda aconselharia para ellas o resolverem, que se seguisse o processo do collegio dos cardeaes para a eleição do Papa, ou outras quaesquer indicações. E parece-me que só numa renovação d'aquelle projecto se deveria adoptar qualquer resolução extrema.

Ha exemplo proficuo para seguir, no que succedeu em Inglaterra em 1830; não foi necessario mais do que consultar a vontade nacional para que o poder moderador podesse resolver o conflicto.

Sr. presidente, o alterar na essencia o nosso codigo fundamental, que, alem de conter os preceitos mais salutares da nossa legislação patria, encerra os principios mais liberaes, e por isso tem atravessado quasi incólume um largo periodo no nosso deleterio meio politico, é, alem de injustificado, perigoso, quando essas alterações não se apresentam como perduraveis.

E por isso que eu impugno a introducção de um principio novo, que espolia um dos ramos do poder legislativo do seu direito de intervir nas leis, e que se o artigo 5.° vigorasse já, poderia trazer como consequencia que nenhuma das medidas da dictadura deixasse de prevalecer ainda que esta camara a rejeitasse. Ter-se-ia, por este modo, a dictadura á sombra do parlamento. A minha questão é, pois, de principios, e d'aqui resultou a minha insistencia em pretender melhorar as disposições d'esta reforma. Expuz as minhas idéas, releve-me a camara o tempo que lhe tomei e termino aqui as minhas considerações.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Começou por dizer que não estava nos seus habitos parlamentares interromper os oradores; alem de que, esperava ter ensejo de fallar antes do encerramento da sessão, e por isso pedira a palavra.

Folgára de ouvir ao digno par o seu brilhante discurso, em que s. exa. revelara uma grande exuberancia de espirito, e tão grande, que não só tivera idéas para si, mas ainda para o orador, pois lhe attribuíra o que nem sequer tinha dito.

Eram liberdades oratorias. S. exa., manifestamente por um equivoco, imputára-lhe uma asserção que, a ser exacta, faria manifesto aggravo aos cavalheiros que compozeram a parte electiva da camara. O orador tributava a todos elles muito respeito; a alguns até contava em o numero de seus amigos pessoaes, e portanto não podia deixar de fazer uma rectificação ao que dissera o sr. conde de Lagoaça. Se o orador entendia que, eleitos os dignos pares pela fórma por que o eram, não se encontravam em circumstancias de poder usar, no exercicio das suas funcções, de inteira independencia, nunca dissera que

s. exas. deixavam de proceder em harmonia com os dictames da sua consciencia de homens de bem.

O digno par não esquecera o facto do proprio governo indicar á corôa a nomeação de cinco pares do reino, de entre os que haviam pertencido á parte electiva da camara.

Poderia o orador fazer, n'este assumpto, varias considerações tendentes a demonstrar que a reforma em discussão não vinha levantar suspeitas sobre o caracter de ninguem; preferia, porém, apresentar, como exemplo de comparação, o que acontece com a magistratura judicial.

Da mesma maneira que, quando affirmára, em virtude de factos demonstrados, que a parte electiva da camara dos dignos pares estava mais ou menos na dependencia dos governos, o orador não quizera nem podia fazer então aggravo ao caracter dos dignos pares eleitos; assim tambem o legislador não teve intenção de offender nem offendia o brio e melindres da magistratura judicial, quando a cercou de um certo numero de garantias que tinham por fim assegurar a maior independencia no exercicio das funcções de julgadores.

Estabelecendo a lei disposições adequadas áquelle fini, não quiz fazer suppor que os membros da magistratura fossem capazes de julgar com menos rectidão e justiça nos casos especiaes a que a lei se referia. Mas era tambem preciso que a opinião publica, e a isso attendeu a lei, não podesse attribuir a menos independencia e imparcialidade uma decisão que aliás só obedecesse ás indicações da mais rigorosa justiça.

Era esta a rectificação que o orador queria fazer ao discurso do digno par, antes de se encerrar a sessão.

Terminando, agradecia as boas referencias que o digno par lhe fizera, sem comtudo poder acceitar as intenções que lhe attribuíra.

(O discurso do sr. ministro publicar-se-ha na integra, revistas por s. exa. as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da que estava dada para hoje, mais o parecer da contribuição industrial e um parecer da commissão de verificação de poderes, relativo a um requerimento do sr. conde de Linhares.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes a sessão de 28 de fevereiro de 1896

Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquez das Minas; Condes, de Bertiandos, do Bomfim, de Carnide, de Gouveia, de Lagoaça, de Macedo, de Thomar; Visconde de Athouguia; Agostinho de Ornei-las, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Palmeirim, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Costa e Silva, Margiochi, Gomes Lages, Baptista de Andrade, José Maria dos Santos, Thomás Ribeiro.

O redactor = Alves Pereira.

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