O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 213

CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 17

EM 6 DE NOVEMBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO.-Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Digno Par Sr. Sebastião Baracho envia para a mesa uma representação dos adventicios aduaneiros do Porto, pedindo que lhes sejam applicadas as vantagens reclamadas pelos seus collegas de Lisboa. Requer que este documento seja publicado no Diario do Governo Em seguida o Digno Par occupa-se do que a nosso respeito se disse na Camara dos Communs em Inglaterra nas sessões de 5 de, julho e 30 de outubro e allude depois a boatos que tratam da remodelação das actuaes allianças. Lamenta que a nossa marinha de guerra se não foça representar no acto da posse do novo Presidente da Republica Brasileira, e, por ultimo, dirige perguntas acêrca da assignatura do contrato dos tabacos. Responde ao Digno Par o Sr. Presidente do Conselho de Ministros.

Primeira parte da ordem do dia - Eleição de commissões. São eleitas as commissões de guerra e de legislação.

Segunda parte da ordem do dia - Discussão do projecto da resposta ao Discurso da Coroa. Usa da palavra o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro.- Dada a palavra ao Digno Par Sr. Francisco José Machado, pede que lhe seja permittido usar d'ella aã sessão seguinte. - Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 40 minutos da tarde o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 37 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Em seguida deu-se conta do seguinte expediente:

Officio do Ministerio da Marinha com uma rectificação ao de 29 de outubro, em satisfação do n.° 5 do requerimento n.° 19 de 1 de outubro de 1906 do Digno Par Sr. Sebastião Baracho.

Idem do mesmo Ministerio satisfazendo o requerimento do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa.

O Sr. Sebastião Baracho: - Não vejo presente nenhum dos membros do Governo; e em taes condições, protesto conta esta irregularidade, e declaro. ..

O Sr. Presidente: - Se V. Exa. quer reservo-lhe a palavra para guando o Governo esteja representado.

O Orador: - Agradeço a V. Exa. a sua offerta; mas ella em nada remedeia a falta do Governo. . .

(Entra na sala o Sr. Ministro da Fazenda).

Visto o Governo estar já aqui representado, mando para a mesa uma representação dos adventicios aduaneiros do Porto, pedindo para que lhes sejam applicadas as mesmas vantagens que solicitaram, em seu proveito, os adventicios alfandegarios de Lisboa.

Como eu, por essa occasião, fundamentei a pretensão a que se alude, dispenso-me n'este momento de repetir as asseverações que então formulei. Limito-me, portanto, a pedir a V. Exa. que se digne consultar a Camara, a fim de que a representação, que eu reputa em bons termos, seja publicada no Diario do Governo.

Dito isto, e a despeito de não ver presente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, vou-me referir a assumptos concernentes á sua pasta, pedindo a qualquer dos seus collegas, que estão presentes, que se digne informá-lo das considerações que vou explanar.

Na sessão anterior notei que S. Exa. não tivesse respondido ainda aos requerimentos em que eu pedia informações sobre se o Governo tinha intervindo, ou não, junto do Gabinete Saint James, em consequencia dos factos, deprimentes da nossa dignidade, decorridos nas sessões de 5 de julho e de 30 de outubro, na Camara dos Communs.

Segundo o meu criterio, fomos tratados injustamente na questão da mão de obra africana, e este aggravo mais é para sentir por partir de uma nação nossa alliada, para com quem nunca temos praticado acto algum menos correcto, ou de duvidosa amizade.

Na presente conjuntura, insisto em affirmar este meu sentir, e não será, por certo, o occorrido na conferencia de Bruxellas que me desviará d'este proposito.

É fora de duvida que os nossos delegados ali se conduziram por modo a merecerem os nossos louvores. Isto, porém, não obstou a que se mantivesse a taxa, esmagadora para a agricultura angolense, de 70 francos por hectolitro de aguardente.

Ainda mais, a taxa foi elevada para todos a 100 francos, que os productores de Angola terão tambem de satisfazer, para só mais tarde serem reembolsados, em circumstancias especiaes, dos 30 francos excedentes.

Ninguem dirá, em boa verdade, que este expediente favoreça, ou sequer facilite, o viver commercial dos cultivadores de canna, n'aquella provincia. A outra allegação dos officiosos, referente aos nossos nacionaes gozarem de vantagens relativas, attenta a ser menos pesada a sua taxa, comparativamente com a que teem de satisfazer os outros paizes signatarios da conferencia de

Página 214

214 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Bruxellas, afigura-se-me que tambem pouco ou nada vale.

Mas não é exclusivamente sobre estes pontos que eu chamo a terreno o Governo.

A imprensa europeia occupa-se insistemente da remodelação das actuaes allianças, fazendo figurar a Inglaterra como alliada com a França, em intelligencia commercial com a Russia, mais ou menos entendida com a Italia. A França, cuja alliança com a Russia é já antiga, é demais apresentada como alliada com a Inglaterra.

N'estas circumstancias, accrescentam os orgãos de grande informação europeia, que a Allemanha ficaria pouco menos de isolada, porque a Hespanha e Portugal estão entendidos com a Inglaterra.

Em presença do que fica exposto desejo saber se o nosso paiz figura em tal combinação, por accordo previo com a nossa alliada, ou por irmos exclusivamente a seu reboque.

Entendo, em interesse geral, que este assumpto deve ser nitidamente esclarecido.

Por ultimo, e relativamente a questões de caracter internacional, seja-me licito manifestar o meu sentimento por a marinha de guerra portugueza não ser representada na proximo inaugura cão da presidencia de Affonso Penna.

Creio que nunca se deu semelhante falta, e que é indesculpavel o que sue cede agora, para com uma nação, como o Brasil, que nos deve merecer affecto especiaes, por todos os motivos.

Concluidas as minhas reflexões, cuja transmissão de novo peço que seja feita ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, vou succintamente occupar-me da interminavel questão dos tabacos.

Noticiam os jornaes que o contrato definitivo ainda não foi assignado, e que a chicana se ostenta, com toda a sua exuberancia, por parte do concessionario.

Até já dá que falar, o que não admira, o comité de Paris, cuja extincção eu fundamentei, n'uma das minhas propostas para melhorar o contrato.

Se ella tivesse sido approvada, não continuariamos a ser importunados por aquella agremiação cosmopolita, que é fertil em promover-nos dissabores.

Mas o mal está feito, sem que eu possa dar-lhe remedio, e, por isso, vou formular perguntas que esclareçam o estranho caso de ainda não ter sido assignado o contrato definitivo, cujo termo, para tal fim, era o dia 31 de outubro.

É certo que os defensores da empresa concessionaria se acobertam com o artigo 8.° da portaria de 6 de abril preterito.. .

O Sr. Teixeira de Sousa: - Não ha razão para tal.

O Orador: - É o Sr. Teixeira de Sousa, autor da portaria invocada, que contradita a pretensão dos que advogam o alongamento do prazo para a assignatura, o que não obsta a que o facto se dê indiscutivelmente.

Perante a sua existencia pergunto:

1.° Em ,que dia intimou o Governo a companhia concessionaria para assignar o contrato definitivo?

2.° Que objecção ou objecções ella oppoz para o contrato ainda não estar assignado?

3.° Que fez e que tenciona fazer o Governo em presença da relutancia patenteada pela companhia, na conclusão do ultimo acto contratual?

Sr. Presidente: aguardo ás respostas do Governo, relativamente ás perguntas que lhe dirigi, e peço a V. Exa. que se digne inscrever-me, a fim de que, a seu tempo, eu possa tratar de novo das questões agora versadas, se o julgar conveniente.

C(. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: o Sr. Ministro, dos Negocios Estrangeiros não se acha presente por um motivo de serviço publico; é hoje dia de recepção do corpo diplomatico.

No entanto, os assumptos a que o Digno Par, p Sr. Baracho, se referiu, são do meu conhecimento, como chefe do Governo, e, assim, nenhuma difficuldade tenho em satisfazer S. Exa. na sua legitima curiosidade.

Em primeiro logar deseja o Digno Par saber como é que o Governo procedeu em relação a palavras ou declarações produzidas no Parlamento Inglez acêrca dos pretos em S. Thomé.

O Sr. Sebastião Baracho: - Da mão de obra africana.

O Orador: - Perfeitamente. Disse o Digno Par que, em presença das referencias feitas ao nosso paiz, julgava necessario que o Governo Portuguez interviesse, pedindo explicações do facto.

Sr. Presidente: não consta, nem é do conhecimento do Governo, que no Parlamento inglez, por parte do Ministro dos Negocios Estrangeiros, nem por parte de nenhum funccionario d'aquelle Ministerio com funcções paramentares, se tenham proferido quaesquer declarações que pudessem melindrar a nossa dignidade e os nossos direitos de nação independente e autonoma.

V. Exa. sabe que este assumpto tem tomado um caracter verdadeiramente internacional; não é dos que prendem só a attenção dos Governos no que pertence ao territorio de cada nação.

Pela marcha dos acontecimentos, pela interesse da causa, pelo caracter verdadeiramente mundial que esta questão assumiu, todas as nações se interessam por elle e isto é mais uma razão para se crer que ellas desejam, marchar de harmonia com as mesmas ideias, com os mesmos principios de humanidade.

Sr. Presidente: não é para estranhar que o Governo Inglez encarregasse um funccionario seu de fazer quaesquer indagações acêrca da maneira como o trabalho ou mão de obra dos pretos tem sido regulado em qualquer dos pontos das nossas colonias.

Se amanhã, por uma circumstancia qualquer, entendermos conveniente proceder por identica forma, procederemos sem que ninguem possa reclamar por invasão de direitos alheios.

Com relação ás declarações feitas a esse respeito, e que são do conhecimento de todos, o que se affirmou foi que os pretos em S. Thomé eram bem tratados.

Referentemente á repatriação, o Governo Inglez não tinha informações bastantes para poder julgar se os regulamentos do Governo Portuguez estavam ou não em execução.

Sendo esta a questão, que offensa pode haver para nós nas declarações feitas no Parlamento Inglez? Eu não vejo n'isto tudo senão vantagens para Portugal.

Não é de hoje nem de hontem a campanha contra Portugal, quer sob o ponto de vista de mão de obra, quer sob o ponto de vista do tratamento ou da forma como são engajados os trabalhadores para a provincia de S. Thomé. A imprensa de alguns paizes, especialmente d'aquelles que lidam mais com os nossos interesses, tem-se referidos a nós por uma forma insistente e malevola; todavia, o que se passou no Parlamento Inglez não desabona a nossa auctoridade, nem a nossa administração colonial.

Todas as nações actualmente se consideram no direito de fazerem umas ás outras as indicações e communicações que julgam convenientes e proprias para o estabelecimento de principios tendentes ao aperfeiçoamento e desenvolvimento economico de Africa, a Sm ds que a raça preta não venha a desapparecer abandonada aos vicios, ás más tendencias e á exploração commercial, que só olha ao lucro.

É certo que as nações pequenas, como a nossa, devem ser mais melindrosas e susceptiveis nas suas relações internacionaes do que as nações grandes e poderosas.

Estas podem passar de leve por fac-

Página 215

SESSÃO N.° 17 DE 6 DE NOVEMBRO DE 1906 215

tos de pequena importancia, porque a força, de que dispõem, é garantia contra a offensa; ao passo que, nas nações pequenas, o melindre e a susceptibilidade teem razão de ser, porque um facto de pequena importancia pode facilmente, para estas, ser origem de outro pelo qual seja offendida a dignidade nacional. É necessario, porem, não exaggerarmos a susceptibilidade, até o ponto de nos collocarmos em situação de que as nossas reclamações, possam ser ridiculas ou injustificadas, o que, de futuro, nos tirana o direito de pedir qualquer satisfação, ou a esperança de sermos bem succedidos em casos graves e importantes.

Se ha nação a quem nós não possamos, accusar - a não ser n'um attrito bem conhecido de ha dezaseis annos- de ter menoscabado os nossos direitos ou offendido os nossos melindres, é a Inglaterra.

Eu conheço muitos acontecimentos e factos da historia do nosso paiz, em que as demonstrações da nossa alliada nos teem sido proveitosas e uteis era mais de uma circumstancia.

Ainda ultimamente, Sr. Presidente, n'este incidente da conferencia de Bruxellas, em que os resultados obtidos tão pouco valor parece terem merecido ao Sr. Baracho...

O Sr. Sebastião Baracho: - Eu fiz justiça aos esforços dos nossos delegados.

O Orador: - Mas deu pouco apreço aos resultados obtidos, quando eu entendo que elles foram da maior importancia e valor, porque é necessario attender não só ás circumstancias em que a conferencia se fez, mas tambem ao procedimento havido em outras conferencias, aos compromissos já estabelecidos e ao movimento operado no sentido de ir gradualmente procurando fazer a extirpação do vicio da embriaguez entre os pretos, o que hoje não é aspiração de um só paiz, mas de todos os paizes. Muito mal iria a Portugal , se quizesse contrariar este principio.

Sr. Presidente: as relações internacionaes teem marchado e continuam a marchar, desenvolvendo-se e multiplicando-se cada vez mais.

Ninguem tem hoje o direito de se fechar em sua casa, sem ter em attenção a corrente de civilização e de humanidade que se vae derramando pelo mundo inteiro.

Não é de hoje o facto a que vou referir-me e que prova que não é só ás nações pequenas, como a nossa, que pode succeder apresentarem-se-lhe considerações e reparos estranhos; as nações grandes podem tambem ser alvo d'aquelle procedimento da parte de outras.

Á Russia, Sr. Presidente, não só por iniciativa da Inglaterra, mas pela de outras nações, foram em tempo dirigidas observações pela forma por que era tratada a Polonia.

Não é de hoje o facto, é de dezenas de annos; mas o que eu desejo accentuar é que isso não deu motivo a conflicto armado, nem suscitou da parte da Russia resentimentos ou manifestações de represalia.

É um facto bem historico, bem conhecido; é um acontecimento verdadeiro. Já então se começava a pugnar por este sentimento de altruismo ou de humanitarismo para todos, sem barreiras apertadas, sem muralha da China, atrás da qual se abrigavam os principio mais retrogrados, e porventura mais tyrannos. Ora, Sr. Presidente, sendo estes, como são, os principios que dominam hoje, não é uma nação como a nossa, que pelas suas tradições, pelas suas circunstancias e pelas demonstrações da generosidade, da humanidade com que sempre tem procedido, ha de deixar de se collocar ao lado das outras potencias neste movimento que se realiza em Africa.

Sr. Presidente: o Governo não viu, nem vê motivos para que se peçam explicações acêrca de quaesquer palavras proferidas no Parlamento Inglez, nem vê razão para se apoucarem, ou amesquinharem os resultados a que chegou Portugal na conferencia de Bruxellas, em que se conseguiu para o nosso paiz uma situação excepcional, em virtude da qual se permitte, durante um periodo largo, a transformação da industria de distillação do alcool em outra mais conveniente para a raça preta e com mais vantagens para o desenvolvimento da nossa riqueza colonial; refiro-me á industria do assucar.

É necessario que os agricultores de Angola se convençam de que é indispensavel operar a transformação d'estas industrias, de modo que a canna do assucar não seja empregada no alcool.

A este respeito permitta-me o Digno Par que lhe declare que se illude, quando diz que é preciso cobrar primeiro os cem francos para depois se fazer o abatimento dos 30 por cento.

Isto não foi regulado pela conferencia: ha de sê-lo pelo Governo Portuguez.

Não vejo razão para se pedirem explicações acêrca de quaesquer palavras proferidas no Parlamento inglez, nem tão pouco para apoucar ou amesquinhar os resultados a que se chegou na conferencia de Bruxellas; pois nunca, nos ultimos tempos, Portugal saiu de assembleias d'esta natureza por uma forma em que tão bem se destacasse, como agora, o respeito e a consideração de que fomos cercados.

N'essa conferencia criou-se para o nosso paiz uma situação privilegiada, que lhe permitte com vantagem transformar a industria da distillação do alcool situação que nem para a Allemanha nem para a França ficou estabelecida em iguaes condições.

Isto é grato para os nossos corações de portuguezes.

Se o Digno Par ou a Camara pensam por uma maneira diversa, manifestem-se por forma que não deixem duvidas, que eu e os meus collegas sabemos muito bem o caminho que devemos tomar.

A opinião do Governo é só uma.

O Sr. Sebastião Baracho: - V. Exa. esqueceu-se de se referir á remodelação de allianças, e á representação de Portugal no acto da posse do novo Presidente da Republica Brasileira.

O Orador: - Agradeço a V. Exa. o ter-me lembrado esses pontos de que me tinha esquecido.

Em primeiro logar, relativamente á remodelação de allianças, com tudo o que os jornaes disseram, absolutamente nada tem o Governo Portuguez, nem sabe cousa alguma a tal respeito.

Pelo que toca ao outro ponto, a que o Digno Par se referiu, seria mais do que uma falta, seria um crime, a ausencia de representação nossa; pois tendo-se o Governo sempre representado por uma forma festiva e digna do acto que se realiza, não podia deixar de proceder agora em harmonia com o que em situações identicas se tem feito, e que por todos os motivos justo é que se faça, tratando-se de uma nação a que estamos unidos por estreitos laços de sangue.

Esteve ha pouco em Portugal o nosso representante no Brasil, onde goza dos maiores affectos por parte das estancias officiaes.

Foi com S. Exa. que se concertou, que, em vez de mandarmos um navio de guerra, por occasião da posse do novo Presidente da Republica do Brasil, ao nosso ministro se desse a categoria de embaixador, ficando a legação constituida em embaixada, a fim de adquirir maior luzimento a nossa representação official.

Assim mostraremos quanto nos associamos ás manifestações de regozijo que se fizerem, ao novo Chefe de Estado do Brasil. Aquelle foi o meio que se julgou mais adequado ás circunstancias.

Já vê o Digno Par que o Governo não faltou ao seu dever e que está disposto a mostrar ao Brasil que deseja que o Governo do seu novo Presidente seja coberto de fortuna e felicidade.

Com relação á questão dos tabacos está presente o Sr. Ministro da Fazenda, que poderá dar explicações. Como,

Página 216

216 ANNAES DA CAMAEA DOS DIGNOS PARES DO REINO

porém, estou com a palavra, direi ao Digno Par que, no dia 27 do mez passado, foi publicada, em supplemento da Folha Official, a lei que auctoriza o Governo a fazer o contrato.

Tendo sido santificado o dia 28, a 29 mandámos á Companhia um officio convidando-a a assignar o contrato, empregando n'esse officio os mesmos termos da portaria de 6 de abril. A Companhia respondeu, accusando a recepção do nosso officio e pedindo a minuta do contrato definitivo. Mandámo-la, e agora, como tem o prazo de 10 dias para assignar, espera o Governo que, dentro d'esse prazo, ella se apresente a assignar o contrato. Se for assignado, o Governo o fará constar ao paiz; se o não for, o Governo dará d'isso conhecimento ao Parlamento.

O Governo continuará a manter-se dentro dos precisos termos da lei e em harmonia com a auctorização que lhe foi dada.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a representação apresentada pelo Digno Par Sr. Baracho.

Leu-se na mesa.

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que approvam que seja publicada no Diario do Governo tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

ORDEM DO DIA.

PRIMEIRA PARTE

Eleição de commissões

O Sr. Presidente: - Deu a hora de passarmos á ordem do dia.

Vae proceder-se á eleição simultanea das commissões de legislação e de guerra.

Feita a chamada e corrido o escrutinio e tendo servido de escrutinadores, os Dignos Pares Srs. Conde de Tarouca e Correia Caldeira, apurou-se o seguinte resultado:

Para a commissão de guerra:

Francisco Maria da Cunha.
Carlos Augusto Palmeirim.
José Estevam de Moraes Sarmento.
Sebastião Custodio de Sousa Telles.
Francisco Felisberto Dias Costa.
Marino João Franzini.
Conde de Tarouca.
Luiz de Mello Bandeira Coelho.
Francisco José Machado.
José Alves Pimenta de Avellar Machado.
Luiz Augusto Pimentel Pinto.
Sebastião de Sousa Dantas Baracho.

Para a commissão de legislação:

Antonio Emilio Correia de Sá Brandão.
Antonio Candido Ribeiro da Costa.
Francisco Antonio da Veiga Beirão.
José Estevam de Moraes Sarmento.
Luciano Affonso da Silva Monteiro.
Carlos Augusto Vellez Caldeira Castel-Branco.
D. João de Alarcão Vellasques Sarmento Osorio.
Eduardo José Coelho.
Henrique de Gania Barros.
Arthur Alberto de Campos Henriques.
Jacinto Candido da Silva.
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.

SEGUNDA PAETE

Discussão do projecto de resposta ao Discurso da Corôa

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á segunda parte da ordem do dia, a discussão do projecto de resposta ao Discurso da Corôa.

Vae ler-se.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Senhor. - A Camara dos Pares congratula-se não só por Vossa Majestade, no cumprimento de um dever constitucional, ter, vindo inaugurar uma nova epoca legislativa, mas tambem por haver podido consignar perante os representantes da nação a cordialidade das relações de Portugal com todas as outras potencias.

A Camara folgará se puder dar a sua approvação ás convenções e accordos internacionaes sobre que houver de deliberar, e faz votos para que em virtude das negociações pendentes se possam levar a effeito, e no interesse do país, tratados de commercio.

Havendo a dissolução da Camara electiva dado logar a uma eleição geral, muito estima esta Camara que o respectivo acto houvesse corrido com toda a regularidade.

A Camara dedicará toda a attenção ao estudo das propostas de lei de caracter politico e administrativo que o Governo de Vossa Majestade submetter á sua deliberação, taes como a que approva o contrato provisorio celebrado com a Companhia dos Tabacos de Portugal, e as relativas á responsabilidade ministerial e á reforma de contabilidade, reconhecendo que entre ellas bem merece a prioridade, pela urgencia do assumpto, a primeira das que ficam indicadas.

Igual empenho porá a Camara em apreciar as outras propostas que pelos differentes Ministerios lhe forem submettidas. Sem as particularizar bastará notar que essas providencias se referem em grande parte á constituição politica, ao systema eleitoral, ao juizo criminal, á instrucção publica, ao exercicio de direitos individuaes, á organização militar, e á administração ultramarina para se lhes avaliar a importancia.

Estimará a Camara que essas propostas, convertidas em lei, possam contribuir para o bem da nação.

Um relatorio economico, comprehensivo de valiosos elementos de informação, em que, aliás, se procure, embora por forma geral, estudar e definir a respectiva força do paiz, precisar a influencia da acção do Estado e formular as consequentes conclusões, afigura se a esta Camara documento em tanta maneira valioso que fica esperando, com justa ansiedade, a sua apresentação, bem como a das propostas que forem seu complemento e corollario.

Na mesma ordem de ideias a Camara examinará, e com a devida urgencia, as propostas regulando a, exportação e commercio dos vinhos generosos do Douro, a exploração e administração do porto de Lisboa, e a classificação, conservação e reparação de estradas, pois todas representam, de facto, satisfação immediata a instantes razões de conveniencia publica.

Felicita-se a Camara por o Governo de Vossa Majestade, seguindo na esteira das reformas sociaes já iniciadas neutros paizes, se achar no proposito de apresentar ás Côrtes uma proposta para a criação de uma caixa de aposentações para as classes operarias e trabalhadoras, e a esse importante assumpto dedicará o seu melhor cuidado.

A melhor remuneração dos servidores do Estado, no intuito de lhes facilitar as condições de decorosa manutenção, e de se lhes poder exigir o correspondente serviço, é assumpto que a todos interessa, e por isso a Camara examinará desveladamente as propostas que a tal respeito lhe forem submettidas.

A Camara dos Pares, no exercicio de um dos mais importantes direitos das Côrtes, examinará o orçamento que o Governo lhe apresentar; e, no cumprimento do seu dever, apreciará as propostas que, para a solução dos problemas de caracter financeiro e economico, o Governo de Vossa Majestade submetter ao seu exame.

É grande na verdade, Senhor, a tarefa que os trabalhos e problemas enunciados impõe. A Camara dos Pares, porém, conscia das suas responsabilidades, espera, com o auxilio de Deus, poder cumprir é dever constitucional e patriotico que as circunstancias lhe exigem.

Augusto José da Cunha = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro (com declarações) = Francisco Antonio da Veiga Beirão, relator.

Página 217

SESSÃO N.° 17 DE 6 DE NOVEMBRO DE 1906 217

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Sr. Presidente: chegou o momento de eu dar explicações á camara e ao paiz. Aqui estou. Com bem magna minha as não pude dar em junho, quando o Governo se apresentou n'esta casa do Parlamento. Dou as agora, na discussão da resposta ao Discurso da Corôa; porque foi no primeiro Discurso da Coroa da responsabilidade d'este Governo que se deu conta da substituição do Ministerio, a que tive a honra de presidir, por aquelle que poz na bocca do Chefe do Estado o programma politico do Sr. Presidente do Conselho.

Não vou atacar propositadamente os meus antecessores, nem os meus successores. Aquelles combati, com os meus amigos politicos, nos seus actos de Governo, como o partido regenerador sabe e usa fazê lo: com energia e vehemencia, mas sem doestos ou investidas rudes, em que fosse esquecida a estima pessoal, que tenho pelo seu chefe, embora discorde dos seus principios e dos seus processos. A este Governo hei de combater, tambem, com os meus correligionarios politicos, intransigente, serena e irreductivelmente, defendendo os actos e responsabilidades dos Ministerios a que presidi, sustentando os nossos principios; mas espero nunca esquecer que do Sr. Presidente do Conselho fui camarada leal e amigo.

Sei bem que a explicação das razões que levaram o Governo, a que presidi, a demittir-se, poderia fazer-se em simples e breves palavras. Mas ha factos que eu não provoquei, circumstancias que n'esta Camara se teem dado, que me obrigam, no cumprimento de um dever indeclinavel, não só para com o paiz e para com a Camara, mas para com o meu proprio partido - ao qual tanto devo - a dar completa conta dos meus actos e das minhas responsabilidades, ao mesmo tempo que tenho de as tomar igualmente ao Governo, que vejo ali sentado.

Chamado em março, pelo Chefe do Estado, a organizar um Ministerio, e habituado á confiança da Corôa em outros Ministerios de que fiz parte, acceitei franca e abertamente a missão que se me confiava; e desde logo, e para logo, constitui Governo com alguns dos meus amigos politicos mais graduados, começando a trabalhar nas questões, arduas e difficeis, que impendiam sobre nós.

Era a primeira, a mais instante, a questão dos tabacos.

V. Exa. viu que no decorrer do debate, que aqui se travou ha pouco, sobre a proposta de lei apresentada ao Parlamento, eu nem sequer entrei no assumpto.

Não quiz que alguem suppuzesse, por qualquer forma, que eu procurava empecer o que julgava ser de alta conveniencia para o paiz: a approvação do contrato dos tabacos.

Agora, Sr. Presidente, que eu tenho de dar conta dos actos do Governo a que presidi, não posso eximir-me a fazer algumas considerações, a respeito dos antecedentes e dos consequentes d'este contrato.

E, para que se possam apreciar bem, é bom que volvamos os olhos ao que e passou.

Para que se faça justiça aos homens, é preciso avaliarmos a situação que lies encontraram, sem retaliações, sem propositos de aggravo, seja para quem for, quasi sem commentarios; os factos, só os factos, pois elles dizem bem alto.

Sr. Presidente: passou-se, em 1887, da liberdade do fabrico dos tabacos para o gremio. Passou-se, em 1888, do gremio para a régie.

Foi o Sr. João Franco, o actual Presidente do Conselho, que primeiro assentou no restabelecimento do monopolio dos tabacos entre nós.

A lei de 1890. foi da iniciativa e da assignatura de S. Exa.

Por essa lei, abriu-se concurso, por 16 annos, para a arrematação do exclusivo do fabrico dos tabacos, mediante o pagamento de 7:200 contos de réis, de indemnização ás fabricas existentes, e mediante uma renda fixa, base da licitação, de 4:250 contos de réis.

Já então, n'essa lei, se estabelecia a partilha de lucros, como depois se veio a fazer, approximadamente, no contra to de 1891, descontando-se, aliás, a annuidade destinada a amortizar aquella indemnização; já então se criava um comité estrangeiro; e já então se irrogava o preceito, que eu, ha dias, ouvi apregoar como sendo uma novidade, o da obrigação, para o Estado, de ter 4:500 homens de fiscalização, ao serviço tambem da Companhia.

A lei de 1890 não vigorou.

Veio depois o contrato de 1891, que foi para nós, e para V. Exa., mais ainda do que para qualquer outro, uma pagina dolorosa.

Votámo-lo forçados, porque as circumstancias da occasião no-lo impuzeram.

É o contrato que ainda hoje subsiste.

Não quero agora entrar em largas explicações acêrca d'elle; e apenas, ao de leve, me referirei á proposta de lei que, em 1898, foi apresentada ao Parlamento pelo Ministerio progressista, em virtude da qual, sobre a base de um rendimento liquido então contestado, e que depois foi assumpto de exame de peritos, e debatido perante um tribunal arbitral, se garantia ao Estado mais 1:670 contos de réis sobre a renda existente, mas sujeitos a deducções e compensações, que cerceavam em muito o que se pretendia obter para o Thesouro. A troco d'isso renunciava-se ao direito, que o Governo tinha, de, no fim dos primeiros dezaseis annos, se denunciar o contrato.

No Ministerio a que eu tive a honra de presidir, de 1900 a 1904, diligencias reiteradas e successivas empregaram os Ministros da Fazenda de então, os Srs. Anselmo de Andrade, Mattozo Santos e Teixeira de Sousa, para se separar as duas operações, a do exclusivo e a da conversão, e separadamente poder o Governo contratar, sobre ellas, o que mais ajustado fosse aos interesses do paiz.

Não se conseguiu tal intento, e isso quero rememorar, porque é um facto importante da nossa historia financeira.

Os esforços empregados pelo Sr. Anselmo de Andrade, como Ministro da Fazenda, para alcançar um contrato de conversão das obrigações dos tabacos, que deixasse o Governo á vontade, para, no tocante ao regimen da industria, propor e preceituar o que melhor fosse para o paiz, traduziram-se em uma negociação, que decorreu com uma das casas mais importantes da America, a casa Morgan, cuja resposta final foi a seguinte, em 2 de outubro de 1900:

Achamos que será absolutamente necessario, para o bom êxito da operação, que o Governo tome as medidas necessarias para que, antes de 1 de abril, possa passar uma lei autorizando a prorogação do monopolio dos tabacos por tudo o periodo durante o qual as novas obrigações de 4 por cento deverão correr, depois da terminação do actual monopolio, em 1906.

Devemos repetir que, se essa lei não passar, a projectada operação não poderá ser levada a effeito.

Esta foi então a resposta de uma das casas bancarias mais consideraveis, mais auctorizadas no mundo financeiro, com a qual o Governo se propoz ajustar a operação referida.

Mais tarde, procurou o Sr. Teixeira de Sousa, em negociação com a casa Baring, assentar em principios e em ajustes, que nos deixassem livre a nossa acção no tocante ao regimen a escolher para a industria dos tabacos.

Propunha, para isso, que, qualquer que fosse esse regimen, o producto liquido annual, do Estado, entrasse na Junta do Credito Publico, e se effectuasse a operação da conversão com a garantia assim dada.

Foi absolutamente impossivel; em 12 de agosto de 1903, a casa Baring respondia ao Governo n'estes termos:

Donc nous nous sommes permis de vous soummettre notre opinion, que toute conversion des obligations dans des condi-

Página 218

218 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

tions avantageuses pour le Gouvernement étant si intimement liée avec la question du Monopole des tabacs, il fallait considerar ces deux questions comme inséparables, et que lês délais restant pour traiter cette affaire étaient déjà assez restreints.

Isto até 1903.

Diligencias reiteradas, constantes, foram feitas por parte do Governo a que eu tive a honra de presidir, por parte dos meus collegas no Ministerio da Fazenda, para separar as duas operações; o resultado foi julgar-se tal intento absolutamente impossivel então, em presença das declarações que fizeram as casas bancarias mais importantes, a que acabo de me referir.

Dissolvidas as Côrtes em abril de 1904, aprazada a sua nova reunião para outubro, o Governo, que já em 1902 tinha realizado uma das operações mais avantajadas que financeiramente se teem levado a effeito no nosso paiz, e de mais largo alcance economico, qual foi a do convenio com os nossos credores externos, entendeu que devia aproveitar o intervallo parlamentar para conseguir uma solução na questão dos tabacos.

Abriram-se novas negociações.

Existia já uma proposta da Companhir dos Phosphoros, que se considerava vantajosa. Perguntou-se-lhe se a mantinha; respondeu que sim.

Ao mesmo tempo, apresentou-se o outro grupo, chamado dos tabacos, para, por sua parte, tambem fazer propostas ao Governo, propostas que ligavam as duas operações, declarando que sem uma era impossivel a outra, por causa da cotação das obrigações a emittir.

Circumscripta a questão a esses dois concorrentes, o Governo entrou deliberadamente na negociação; e entrou imparcialissimamente, sem por forma alguma pender para um ou outro lado, tendo só em vista os interesses do paiz.

Negociou com uns e outros, e só fechou a negociação quando, de um lado, a Companhia dos Phosphoros lhe respondeu que nada mais tinha a dizer, documento que está publicado; e quando, do outro lado, lhe foi entregue uma proposta que, nas circumstancias de momento, traduzia uma vantagem real e effectiva para o Thesouro. O Governo entendeu, isentamente, que, acceitando essa proposta, praticava um acto de boa administração, e celebrou o contrato de 16 de julho de 1904.

Trouxo-o ás Côrtes, e trouxe-o abertamente.

Surgiu, porem, uma nova proposta da Companhia dos Phosphoros; e, como era natural, preoccupou se o Parlamento com o melhor resultado que podia ter a questão que se apresentava.

No interesse exclusivo do paiz, jamais um Governo deu prova de maior isenção; desprendendo-se de quaesquer considerações politicas, para só olhar ao bem da nação, deu o Ministerio, a que eu presidia, a sua demissão collectiva.

Havia possibilidade de melhor solução?

Preso estava o Governo ao contrato que celebrara, pela responsabilidade da sua assignatura; deixou o campo livre a quem livre de compromissos estivesse.

Veio o Ministerio progressista.

O que foi esse Ministerio, com a questão dos tabacos em aberto?

Melhor do que ninguem o poderia hoje dizer o illustre chefe d'aquelle partido. Foi para elle um periodo de agruras, de contrariedades de toda a ordem, de embates de toda a natureza, de esforços impotentes até o final da sua campanha

O lemma, com que esse Ministerio entrou para o poder, era o da separação das duas operações.

A poucos passos, abria, porem, um concurso, que eu não quero apreciar nem recordar.

D'esse concurso veio o contrato de 4 de abril; e com esse contrato se apresentou o Governo de então ao Parlamento.

V. Exa., Sr. Presidente, e a Camara toda, se lembram da celeuma que se levantou acêrca d'esse contrato. Manifestou-se uma dissidencia na commissão de fazenda. Atacou-se, na imprensa, a hombridade e a isenção do partido progressista. Saiu do Ministerio um dos membros mais conceituados que n'elle estava, o Sr. Alpoim; e saíu até por uma formula desusada, qual foi a do Chefe do Estado conceder a demissão de um Ministro, que a não tinha solicitado, dizendo-lhe, aliás, que elle tinha servido muito a seu contento. E, sobre isso, foi adiado o Parlamento ; adiado para se poder acalmar as paixões, que tinham irrompido em volta d'essa dissidencia; adiado porque, reconhecendo se pontos vulneraveis no contrato que tinha sido ajustado, necessario se tornava entrar num terreno de modificações, que melhor preparassem a resolução do assumpto.

Foram adiadas as Côrtes, em 11 de maio, para 16 de agosto, no anno passado.

Reabriram-se, de facto, em agosto, com uma das mais accentuadas e vehementes opposições, a que tenho assistido no Parlamento.

N'essa apertada conjuntura, fez o Chefe do Governo declarações formaes o terminantes.

Procurando explicar o procedimento adoptado pelo Governo, declarou na Camara dos Senhores Deputados, na propria sessão de 16 de agosto:

"Quando elle, orador, entrou no Governo, confessa que a sua ideia era da separação d'essas operações, e isto porque sabia, que o Governo não podia adquirir a liberdade de contratar como entendesse o exclusivo do tabaco, sem que tivesse reembolsado o emprestimo de 1891; mas ao cabo de muitas diligencias convenceu-se de que isso, como já disse, só seria prejudical aos interesses do Estado".

Gravem bem estas palavras: -a separação das duas operações só seria prejudicial aos interesses do Estado.

Era não só a defesa, mas, mais do que isso, o panegyrico da conjugação das duas operações.

Então, vieram as tempestades parlamentares; os embates mais accesos surgiram todos os dias, em uma e outra cana do Parlamento.

O Chefe do Governo, cônscio das suas responsabilidade", e confiando na sua força politica, expressou-se por esta fórma:

"Foi precisamente para responder ao argumento, que lá fora se tem formulado na imprensa, contra a supposta dissolução das Côrtes, que eu disse que para resolver a questão dos tabacos não precisava recorrer senão ao voto dos meus antigos.

Não preciso e não ha de ser a Coroa que ha de resolver a questão dos tabacos, nem preciso propor a dissolução".

Pois, em 10 de setembro, era dictatorialmente encerrada a sessão legislativa, e aprazava-se a nova reunião das Côrtes para 2 de janeiro do anno seguinte.

O contrato de 4 de abril não foi votado, esse contrato que se apregoava como sendo de suprema vantagem para os interesses do paiz.

Assim, a situação progressista começou por pôr de parte o que anteriormente tinha preconizado como indispensavel, isto é a separação das duas operações; o que prova quantas vezes os homens publicos se enganam e illudem.

O Chefe do Gabinete suppunha, e assim o affirmava, que só com os seus amigos politicos podia arcar com todas as difficuldades e realizar os seus compromissos.

A poucos passos, porém, encerrava dictatorialmente as Côrtes, para só se reabrirem em 2 de janeiro. . . quando nem mesmo o contrato de 4 de abril teria já validade!

Mas nem em 2 de janeiro d'este anno se abriu o Parlamento.

Em 30 de dezembro do anno passado, foram as Côrtes adiadas, abandonando-se o contrato de 4 de abril. . . e voltando-se ao lemma da separação das duas operações - que se declarara

Página 219

SESSÃO N.° 17 DE 6 DE NOVEMBRO DE 1906 219

prejudicial aos interesses do Estado - som se ter encontrado uma solução qualquer ás dificuldades que se apresentavam.

Durante o adiamento fez-se ainda uma tentativa; abriu-se um novo concurso, por meio de uma circular, para a conversão das obrigações, independentemente do regimen da industria, mas com absoluto insucesso.

Quando as Côrtes se reuniram em 1 de fevereiro, o Governo não tinha nada, absolutamente nada, resolvido a tal respeito. Tudo estava por fazer.

Comprehende-se a impressão que isso produziu.

Não quero pôr o dedo na ferida, nem aggravá-la; mas desde que, reabertas as Côrtes, o Governo compareceu perante o Parlamento sem uma solução, sem um alvitre, sem um resultado qualquer, a que houvesse chegado na questão mais grave da administração financeira do paiz, o embate era inevitavel.

Todavia, Sr. Presidente, em 10 de fevereiro, não foi o Governo que pediu a sua demissão; as Côrtes é que foram dissolvidas!

Foi este, Sr. Presidente, o estado de cousas que viemos encontrar em 21 do março.

Pois, em 6 de abril, o Governo da minha presidencia tinha já concertado o andamento dos seus trabalhos e assentado nas condições em que se podia realizar a concessão do exclusivo dos tabacos, independente da conversão, sem obrigar sequer ao reembolso das obrigações em circulação.

Em 6 de abril, publicava-se uma portaria em que se abria concurso, largo e patente a todos, para o exclusivo do fabrico dos tabacos, em condições incontestavelmente superiores a tudo o que até então se tinha produzido, e por forma que qualquer pudesse concorrer á licitação, apresentar as suas 'propostas e contribuir para o bem do paiz.

Ah! Sr. Presidente, se na nossa historia politica ha horas amargas, igualmente ha compensações grandes. (Apoiados}.

Em quinze dias, o Ministerio regenerador fez mais do que, em dezoito mezes, havia feito o Ministerio progressista (Apoiados}, apesar, por certo, dos seus melhores esforços, da sua dedicação e inteireza de intenções.

Ao passo que, publicada a nossa resolução, do norte ao sul se ouviu um côro de applausos, aos nossos antecessores acontecera verem naufragar successivamente todos os planos e alvitres, com que procuraram pôr termo á questão.

Em tudo isto, Sr. Presidente, como V. Exa. vê, eu quiz apenas narrar e accentuar os factos, sem commentarios, sem ferir ninguem. Os factos falam por si, n'esta questão que se converteu n'um verdadeiro pesadelo para o paiz, e que, parallelamente, absorveu os impulsos de uns e despertou as desconfianças de outros, a tal ponto que nem já se antevia a que extremo se iria chegar.

Chegámos nós, felizmente á abertura e encerramento de um concurso regular, de onde saiu. um contrato, que o actual Governo, que nos succedeu - constituido por aquelles que mais nos teem atacado, arguindo-nos de graves erros commettidos no passado, de cuja cumplicidade, contrictos, se declararam arrependidos - acceitou por completo, firmou e chancellou com os seus nomes, e trouxe ao Parlamento. E esse contrato foi aqui votado não só pelos meus amigos politicos, mas pelos adeptos do partido progressista, pelos dissidentes d'esse partido, pelos parciaes do grupo do Sr. Presidente do Conselho, e até pelos que não militam em campo politico definido, por todos, emfim, com excepção apenas de dois, que eu respeito, os Srs. Baracho e Dias Ferreira, porque esses são irreductiveis no tocante ao regimen adoptado, prestando, aliás, como não podiam deixar de prestar, o seu preito ao processo regular por que esta questão foi resolvida.

Sr. Presidente: grande é a minha satisfação como Presidente do Conselho, que fui j n'esses cincoenta a, oito dias de Governo, tão attribulados, e grande é, por certo, a satisfação dos que foram meus collegas e companheiros de trabalhos, ao vermos que o resultado dos nossos devotados esforços veio a esta Camara - aqui onde os debates mais accesos se feriram, onde as recriminações mais vivas se produziram, onde as palavras e as investidas mais ásperas, de que eu conservo memoria, se trocaram - e que regeneradores, progressistas, dissidentes, franquistas, independentes, votaram o contrato que assentou no concurso que nós abrimos.

É certo, e a minha memoria vae longe, porque já vou envelhecendo, é certo que o partido regenerador tem sido alvo - de ha muito que não só de agora - de accusações tão frementes quanto injustas; mas é tambem certo que, nos lances mais difficeis do paiz, para a resolução das questões mais arduas, dos problemas financeiros mais importantes, nenhum partido tem contribuido tanto como o nosso. (Apoiados}.

Desde 1851, desde a origem do par tido regenerador, foi elle que atalhou os embaraços mais apertados, as dificuldades mais instantes com que luctavamos, quando tudo nos faltava, quando era enorme o atraso do paiz, sem estradas, sem caminhos de ferro, sem se pagar em dia aos servidores do Estado, com uma instrucção primaria deficientissima, uma educação technica por fazer, do tudo carecendo para podermos caminhar e progredir. Foi a conversão de 1852 que abriu a porta á nossa regeneração economica, que nos deu annos successivos de paz, de desenvolvimento de forças e de riqueza.

Tivemos, sem duvida, um momento doloroso: foi quando, em 1892, se declarou a fallencia do paiz. Mas, como nas fallencias dos particulares, ha tambem, para os paizes que trabalham, concordatas e rehabilitações. A concordata fê-la o primeiro Ministerio a que eu presidi, em 1893. A rehabilitação fez-se pelo convenio de 1902, no segundo Ministerio da minha presidencia.

Agora, a questão dos tabacos resolvemo-la nós, n'este ultimo Ministerio a que tive a honra de presidir.

Mas nem só essa foi a questão que encontrámos pendente, em março d'este anno.

Quando, em 5 de abril de 1903, se discutiu n'esta Camara uma proposta relativa aos meios de occorrer ao tratamento da tuberculose, foi apresentada, não pelo Governo, mas por dois Dignos Pares, pertencentes aos dois partidos oppostos, uma proposta concebida n'estes termos:

"Propomos que o artigo 5.° do projecto passe a artigo 6.°, e que se insira, n'estes termos, um novo:

"Art. 5.° As empresas particulares que fundarem sanatorios para tuberculosos, obrigando-se a tratamento gratuito de doentes pobres, poderá o Governo conceder as vantagens mencionadas nos artigos 2.°, 3.° e 4,° d'esta lei, precedendo parecer afirmativo do conselho da Assistencia Nacional aos Tuberculosos.

§ unico. Os projectos d'estes sanatorios, ou das suas dependencias, serão approvados pelo Governo, que poderá declarar de utilidade publica e urgente a expropriação dos predios necessarios para a sua installação".

Sala das sessões da Camara dos Pares, 5 de abril de 1903. = Bandeira Coelho = Moraes Carvalho".

Esta proposta, Sr. Presidente, teve a votação unanime d'esta Casa do Parlamento, e, transitando para a Camara dos Senhores Deputados, unanimemente foi ali approvada, e inserida na lei de 5 de junho de 1903.

Em consequencia d'isso, foi feita a concessão de sanatorios para tuberculosos, na ilha da Madeira, ao Principe de Hohenlohe.

O meu despacho, de 9 de junho de 1903, aqui está, absolutamente irreprehensivel, moldado sobre o parecer da

Página 220

220 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Direcção da Assistencia Nacional aos Tuberculosos, nos seguintes termos:

"Deferido nos termos do presente parecer (o da Assistencia) e nos da carta de lei de 5 do corrente, ficando, todavia a concessão definitiva dependente da apresentação por parte dos requerentes, e approvação por parte do Governo, dos projectos e planos dos estabelecimentos a fundar, bem como da realização do deposito offerecido".

Depois, foi uma commissão technica á ilha da Madeira. Examinou o local, os terrenos, já para os sanatorios da beira-mar, já para os da encosta, já para os de altura; trouxe um plano; e esse plano approvei-o n'estes termos, fundado nos pareceres, que pedi, da Assistencia Nacional aos Tuberculos e do Conselho Superior de Saude:

"Approvo, nos termos da lei de 5 de junho ultimo, e mediante as condições indicadas pelo Conselho Superior de Saude, e pela Commissão Executiva da Assistencia Nacional aos Tuberculosos, o projecto geral para construcção de sanatorios na Ilha da Madeira, apresentado pelo Principe de Hohenlohe, devendo este entrar com o deposito de £ 10:000, ficando auctorizado a proceder aos projectos definitivos das construcções a realizar dentro das zonas indicadas, a fim de serem submettidos a ulterior approvação do Governo e de fé poder depois seguir os termos regulares e legaes das expropriações a fazer para esse effeitos).

A minha responsabilidade está bem nitida e definida; n'esta questão, absolutamente nada fiz, sem ser de inteira concordancia com a lei, já na concessão, já na approvação do plano geral, que ficou dependente da approvação especial dos projectos, sem a qual nenhum terreno poderia ser expropriado.

N'esta altura da questão saiu o Ministerio regenerador em 1904.

Voltou em 1906, e encontrou uma grave pendencia, um conflicto agudo de interesses inglezes e aliem aes, respectivamente apoiados pelos seus Governos, e envolvendo o pedido de uma indemnização de 600:000 libras.

A poucos passos, vinha a Lisboa o advogado, Dr. Zembler, secundar essa reclamação.

Não entro, não devo, nem quero entrar, na referencia ou na apreciação pormenorizada do que se passou durante o tempo em que fui Ministro; disse como deixei a questão em 1904, e como a encontrei em 1906; accrescentarei, somente, como ella ficou, cerca de dois mezes depois.

Ficou a caminho de uma resolução conveniente, que nos não obrigava a qualquer indemnização, que permittia fazer-se, na Ilha da Madeira, melhoramentos que servissem ao desenvolvimento da riqueza d'essa nossa ilha tão formosa, porventura a mais bella das nossas ilhas adjacentes; e sem jogo illicito, que nunca tal jogo me foi proposto.

Mas, Sr. Presidente, não foi só a questão dos tabacos, nem só a questão dos sanatorios, que se nos deparou; uma outra estava em aberto, a que era urgente acudir com providencias precisas e terminantes: a da projectada expedição ao sul de Angola.

Para dar ideia a V. Exa. do que essa expedição representava -eu cito factos-direi que as forças da me tropole, requisitadas ao Ministerio da Guerra, eram as seguintes:

1 companhia de engenharia;

1 bateria de artilharia de montanha;

1 esquadrão de cavallaria;

1 companhia de metralhadoras;

1 batalhão de infantaria a 4 companhias;

Serviços auxiliares, de saude, administração e comboio.

Com estas forças deviam cooperar as seguintes, da provincia de Angola:

2 secções de artilharia de montanha;

1 esquadrão de dragões;

1 companhia europeia de infantaria;

4 companhias indigenas de infantaria de Angola;

1 companhia indigena de infantaria de Moçambique.

Depois, por se julgar que as forças de Angola não estavam em condições sufficientes, requisitou-se mais ao Ministerio da Guerra:

1 batalhão de infantaria a 4 companhias;

O augmento de praças da bateria de artilharia.

A par d'isto requisitou-se: artilharia, armamento, cartuchame, material de guerra, fornecimentos, comestiveis.

Das forças, que especifico, já algumas, de serviços especiaes, haviam partido, quando se constituiu o Ministerio regenerador. Para esta expedição, tinha-se aberto creditos extraordinarios: de 103:369$941 réis e de l.146:630$059 réis, respectivamente, nos exercicios de 1904-1905 e de 1905-1906; ao todo, 1:250 contos de réis.

Ainda o grosso da expedição não partira, e já, d'esses creditos, estavam despendidos 677:782$860 réis.

Não eram só as despesas e os encargos para o Thesouro, que havia a considerar; era tambem a aventura em que nos lançavamos.

E o tempo apertava.

As ordens de embarque estavam dadas. Nós entrámos em 21 de março; em 1 de abril devia partir o primeiro contingente regular de tropas; os demais partiriam em 25 de abril, em 1 e 10 de maio.

Estavam as cousas assim talhadas.

Ponderando attentamente as circumstancias todas, o plano traçado, as informações recebidas, o parecer de pessoas auctorizadas e competentes, as largas despesas a fazer, os riscos, as contingencias e os duvidosos resultados de uma expedição, assim constituida e enviada, resolveu o Governo sobreestar n'esse plano, aproveitar do que estava feito e gasto tudo o que fosse possivel, e ordenar, bem mais economica e seguramente, a successiva occupação do sul de Angola, na região que nos pertence. Para isso se reconheceu bastar, alem das forças que estavam disponiveis na provincia de Angola, a criação de uma companhia de guerra, europeia; e mais um esquadrão de dragões.

A projectada expedição não partiu.

E porque o commandante, que havia sido nomeado, pediu a sua demissão, que lhe foi concedida, mandámos para Angola um funccionario experimentado, militar distincto, e tanto mais insuspeito de parcialidade nossa, que nunca militara no nosso partido.

Isto prova que, na escolha que fizemos, nos não prendemos a considerações politicas e só tivemos em vista os interesses do paiz..

Com a nova orientação, assim traçada, poupámos ao exercito portuguez, porventura, muitas vidas, e ao Thesouro, seguramente, largas despesas, ao mesmo tempo que roteámos caminho para uma occupação, ponderada e firme, no sul de Angola.

Está V. Exa. vendo, e a Camara, o que foi a vida do ultimo Ministerio regenerador, nas questões com que se viu a braços, e que só cuidou de resolver a bem.

Mas, pouco depois da nossa organização ministerial, factos profundamente dolorosos sobrevieram - as insubordinações em dois navios de guerra nossos- factos que nos surprehenderam, e maguaram, como de certo a todos os portuguezes, que vêem na disciplina e no luzimento da nossa armada uma das tradições mais bellas da nossa historia.

Para taes factos, em nada contribui-mos.

Esse vento de insania, não o assoprámos nós; vinha de trás. Encontra-mo lo; explodiu quando estavamos no Ministerio, é certo; mas explodiu, quando precisamente, em todo o paiz, só havia louvores para nós na resolução da questão dos tabacos; e quando nenhum acto do Governo provocara dissentimentos, quanto menos in-

Página 221

SESSÃO N.° 17 DE 6 DE NOVEMBRO DE 1906 221

subordinações, ou sequer descontentamentos, quanto menos revoltas.

Atalhámos o mal com promptidão, com vigor e firmeza; em poucos dias, estava debellada a desordem, restabelecida a disciplina; os implicados na rebellião foram presos e entregues aos tribunaes competentes; e assegurada ficou assim a tranquillidade publica.

Mas para isso, Sr. Presidente, vimo-nos sós. Ninguem de fora nos auxiliou. Nem foram só os adversarios das instituições que nos combateram, quando cumpriamos o nosso dever; foram os monarchicos dos outros partidos, tambem. Triste é dizê-lo.

Encontramo-nos sós, com a energia que dá a propria consciencia a quem procede integramente, com a auctoridade que dá o desassombro de quem em nada contribuiu para o mal, que remedeia.

A imprensa de todos os matizes, a dos que nos tinham antecedido no Governo, a dos que depois nos haviam de succeder, todos os dias levantavam atoardas violentas, objurgatorias nocivas e injustas, como se nós tivessemos culpa ou responsabilidade nos acontecimentos occorridos; e isto no proprio momento em que procuravamos, deliberadamente, vencer insubordinações, que affectavam o prestigio da nossa armada.

Vão idos os tempos, com magua o digo, em que, nas questões de ordem publica, não havia differenças entre Governo e opposição.

Quando a ordem social era alterada, quando se apresentava algum caso grave de indisciplina, os que estavam na opposição eram os primeiros a sustar os seus embates, e a darem ao Governo a cooperação de que elle necessitasse para, no interesse de todos, se restabelecer a normalidade do viver commum.

Depois se discriminavam e liquidavam as responsabilidades; na conjuntura de momento, todos os partidos ensarilhavam armas, e só tinham em vista o bem do paiz.

Foi assim que eu e os meus collegas procedemos na revolta de 31 de janeiro de 1891.

V. Exa., Sr. Presidente, de certo se recorda de como então estavam accesas as pugnas politicas.

Era ainda recente o ultimatum da Inglaterra; houvera depois o apaixonado debate, que se suscitou sobre o tratado de 20 de agosto de 1890.

Deu-se então no Porto, na segunda cidade do reino, uma manifestação bem desagradavel e hostil ás instituições do paiz.

Eu militava na opposição; mas, tanto eu como os meus amigos politicos, correctamente, serenamente, encarámos os acontecimentos que se deram, as difficuldades que d'elles emergiram, e procedemos por forma a dar força ao Governo, que tanto d'ella precisava.

Fui eu um dos primeiros a dirigir-me ao Paço e a procurar o Chefe de Estado, não só para lhe apresentar a minha homenagem, como para lhe dizer que, se Sua Majestade quizesse ir ao Porto, eu e os meus amigos do melhor grado o acompanhariamos.

Sr. Presidente.: mal vae ao paiz, quando se não considera como condição indispensavel, essencial, do regimen em que vivemos, a manutenção do principio da auctoridade, a disciplina e a ordem publica.

Mal vae aos quê não pensam que é d'esta maneira que melhor se pode defender a dynastia e as instituições.

Mas eu, Sr. Presidente, tenho ainda de narrar á Camara outros factos da nossa vida de Governo.

Tornei, em 1904, a responsabilidade de declarar que concordava em que se realizasse o Congresso Medico em Lisboa, no mez de abril d'este anno.

Felizmente, Sr. Presidente, esse congresso realizou-se por modo a dar brilho, lustre e honra á sciencia medica do paiz; devido isto aos esforços de todos, mas, principalmente, á actividade, ao trabalho e intelligencia de dois vultos notaveis da medicina, os Srs. Drs. Costa Allemão e Bombarda. Agora, outro assumpto. Tenho ouvido dizer, não só ao Governo, mas aos seus adeptos, que está finalmente organizado um Gabinete que veio restaurar o systema parlamentar entre nós.

Não sei a quem esta flecha é dirigida.

A mim, não; porque, de todos os Ministerios a que tenho presidido, o unico em que o regimen parlamentar porventura se abalou, foi exactamente aquelle em que o actual Sr. Presidente do Conselho me deu a honra de ser Ministro do Reino. (Apoiados).

Então, sim. S. Exa. de certo se recorda de que, tendo nós entrado no Ministerio em 22 de fevereiro de 1893, logo depois adiámos as Côrtes para 15 de maio, a fim de termos tempo de concertar uma solução, de momento, na instante questão dos credores externos.

Fomos, de 15 de maio a 15 de junho, com o Parlamento aberto; e parece que tão acertados foram os nossos actos, que o proprio chefe da opposição declarou que o seu partido não faria mais nem melhor.

Mas, em 7 de dezembro de 1893 dissolvemos as Côrtes. Depois, por decreto de 19 de dezembro, marcámos, é certo, a eleição de Deputados e de Pares electivos para 11 de fevereiro de 1894. Surgiram, porém, acontecimentos graves, discussões sem fim na Associação Commercial, na Associação Industrial e na dos Lojistas; e o Sr. Presidente do Conselho de hoje, então Ministro do Reino, que não estava tão arraigado nos principios liberaes, julgou, como eu, que era necessario, primeiro do que tudo, assegurar o respeito devido á auctoridade e ao Governo constituido. E dissolvemos aquellas associações.

Foi, talvez, um golpe vigoroso dado no regimen parlamentar; mas dado tambem pela mão do actual Sr. Presidente do Conselho.

Em decreto de 31 de janeiro de 1894, publicamos o seguinte:

"Attendendo ao que me representaram os Ministros e Secretarios de Estado de todas as repartições: hei por bem decretar que fiquem adiadas para os dias que opportunamente serão designados, as eleições geraes de Deputados da nação e de Pares do Reino electivos, a que se mandou proceder por decreto de 19 de dezembro ultimo, e a reunião das Camaras Legislativas que foram convocadas para o dia 7 do proximo mez de março por decreto de 7 de dezembro de 1893.

O Presidente do Conselho de Ministros e Secretarios de Estado de todas as repartições assim o tenham entendido e façam executar. Paço, em 31 de janeiro de 1894.= REI. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Antonio de Azevedo Castello Branco = Luis Augusto Pimentel Pinto = João Antonio Brissac das Neves Ferreira = Frederico de Gusmão Correia Arouca = Carlos Lobo de Avila".

Foi um adiamento sine die, adiamento em nome da auctoridade, que convinha e que se devia manter na administração, e a bem do Estado e do prestigio, que todo o Governo deve merecer ao seu paiz.

Não foi um adiamento de alguns dias apenas, não foi um adiamento com previa consulta do Conselho de Estado, foi um adiamento da exclusiva responsabilidade do Governo d'aquella epoca, feito a prazo largo e indefinido. Bem differente do que eu ha pouco solicitei em maio.

Mas não foi só este o nosso peccado; desde que estamos em maré de confissões, bom é que accusemos todo o mal praticado.

Por decreto de 15 de março de 1894, foram fixadas as eleições de Deputados e Pares Electivos para 15 de abril; por decreto de 4 de maio seguinte, fez-se a convocação das Côrtes para 1 de outubro. Abriram-se então; mas após uma discussão vehemente, que aliás por certo não excedeu os limites de outras que temos presenceado,

Página 222

222 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

veio o decreto de 28 de novembro de 1894, que encerrou de vez a sessão legislativa; o Parlamento esteve fechado desde esse dia, e só se abriu em 2 de janeiro de 1896.

No entretanto, publicámos, dictatorialmente: por decreto de 28 de março 1895, a reforma da lei eleitoral da Camara dos Deputados; por decreto de 25 de setembro de 1895, uma reforma da Constituição, especialmente na parte referente á Camara dos Pares.

Esses annos foram aquelles, em que a minha memoria me accusa de ter faltado ao regimen parlamentar; foi quando tive ao meu lado o actual Sr. Presidente do Conselho. Depois não, nem antes.

Mas, cousa singular, d'essa epoca nefanda, d'esses attentados crueis, o Sr. Presidente do Conselho mostra-se arrependido, e apresenta-se perante o paiz fazendo profissão de fé liberalista.

Eu, pelo contrario, entendo, ainda hoje, que cumprimos o nosso dever, porque acima de tudo estava o assegurar a ordem e a auctoridade no paiz; e considero que não pode haver maior mal, nem mais prejudicial descalabro, do que deixar de respeitar, e fazer respeitar, o que é garantia, interesse e salvaguarda da nação.

O Sr. João Franco, contricto e arrependido, de sacola ao pescoço; eu de pé, com a firme consciencia dos meus actos, e por isso mesmo impenitente

Errei em alguma cousa? Sim, talvez.

Creio que foi um erro termos supprimido o elemento electivo da Camara dos Pares; e outro erro foi termos decretado a eleição de Deputados por circunscrições districtaes, sem representação de minorias. (Apoiados). Esses sim; mas no que toca á defesa do que eu reputo essencial num paiz, como é o respeito pela auctoridade que um Governo representa, não tenho de que me arrepender; esse principio imprescindivel deixemol-o intacto; uma vez perdido, tudo cahe por terra, até a propria monarchia.

Sr. Presidente: um dos homens mais eminentes da França, sem duvida um dos de mais larga esphera intellectual, Waldeck Rousseau, accusado no Parlamento, n'uma occasião em que firmemente tinha mantido a ordem publica - Waldeck Rousseau, Ministro de um paiz republicano, uma das maiores capacidades politicas da França, e um dos seus oradores mais fluentes - não hesitou em se justificar dizendo: "a obrigação de um Governo é manter a ordem, à tort et à travers."

Se alguem no nosso paiz, se algum Ministro aqui, se lembrasse de vir á estacada, e de fazer no Parlamento uma affirmação semelhante, quão differente seria a apreciação no regimen monarchico em que vivemos.

De resto, os factos faliam por mim.

Eu já não tinha por collaborador o Sr. João Franco no meu Ministerio de 1900 a 1904; vivia então já desajudado da potencia viril do seu espirito de homem publico. Talvez que por isso mesmo, em todos esses quatro annos, foram as Côrtes regularmente abertas, e regularmente funccionaram: - em 1901, de 2 de janeiro até 27 de maio; em 1902, até 12 de maio; em 1903, até 23 de junho; em 1904, até 19 de abril, e, depois, de 30 de setembro até que demos a nossa demissão.

Em todo esse periodo, em anno algum deixei de prestar preito ao regimen parlamentar.

Mas então a quem vibra o Sr. Presidente do Conselho aquella seta aguda, tão apregoada pelos seus adeptos politicos, ufanando-se de que este Governo veio restabelecer o regimen parlamentar, tão obliterado no nosso paiz, e que deve ser considerado como a melhor garantia das instituições entre nós?

Sobre quem S. Exa. quiz desfechar o dardo não sei. O que eu sei é que depois da saida do Ministerio, a que eu tive a honra de presidir, veio outro, a que presidiu o nobre chefe do partido progressista; e esse, encontrando as Côrtes abertas em outubro de 1904, as fechou em 10 de novembro d'esse anno.

Depois, só as reuniu em 4 de abril de 1905; por decreto de 11 de maio, as adiou para 16 de agosto; e por decreto de 10 de setembro encerrou, dictatorialmente, uma sessão legislativa, que, ao todo, contava somente 2 mezes e 2 dias.

Isto, em 1895.

Quanto a 1896, as Côrtes, que deviam abrir-se em 2 de janeiro, foram, por decreto de 30 de dezembro anterior, adiadas para 1 de fevereiro; e logo dissolvidas, por decreto de 9 de fevereiro. No dia 20 de março caiu esse Ministerio.

Em cêrca de dezoito mezes, que durou, só teve, pois, o Parlamento em funcção, pelo curto e interpolado espaço de 2 mezes e 12 dias.

A não ser que a este Ministerio visasse a flecha despedida pelo Sr. Presidente do Conselho não sei a quem pudesse ella visar.

Mas, se tal foi o intuito do Sr. Presidente do Conselho, francamente digo: que se fosse a mim-que estou na opposição e que combato o Governo energica e intransigentemente - que S. Exa. quizesse ferir tão duramente, ainda eu comprehendia; mas atacar e ferir, por esta forma, a quem hoje é o seu fiel alliado, o seu sustentaculo politico, sem o qual S. Exa. não poderia, nem pode, governar... coisa é que se não comprehende, tão extraordinario o caso se revela. Singular alliança, essa!

Agora, as eleições feitas em abril, quando eu estava no Governo.

Sr. Presidente: entrando no Ministerio em 21 de março d'este anno, encontrei o periodo eleitoral aberto, e as Côrtes convocadas para 1 de junho.

Se então tivesse pedido o adiamento das Côrtes, ser-me-hia recusado?

Não creio.

Se o pedisse com o fundamento de que os novos Ministros precisavam de attentar nas questões das suas pastas, tenho por certo que o adiamento me seria concedido. Mas todos os Ministros, que fizeram parte do Gabinete a que eu presidi, tinham perfeito conhecimento dos assumptos respeitantes ás suas pastas; todos tinham, a experiencia dos negocios publicos; e havia problemas instantes a tratar.

Declaro a V. Exa. que nem sequer pensei, então, no adiamento das Côrtes.

Estavam convocadas para 1 de junho; mandei fazer as eleições em 29 de abril. Dei n'isto prova cabal de que era desejo e intenção do Governo collaborar com o Parlamento; ao mesmo tempo, mostrei a força e a vitalidade do meu partido, que não receava a lucta eleitoral, embora em curto espaço de tempo.

Como estava preparado o terreno eleitoral?

Ainda uma vez, não quero revolver feridas, não quero discutir actos de antecessores meus.

Não desejo molestar ninguem; mas tenho de expor os factos como elles se passaram.

A dissolução das Côrtes, em 9 de fevereiro, provocou uma celeuma enorme, em todo o paiz. Então, reuni os membros da camara dos Pares e da Camara dos Deputados,, que pertencem ao meu partido. Resolvemos luctar intransigentemente. Resolvemos, mais, que, perante o que reputavamos ser uma affronta a todos, a todos se abrisse campo onde pudéssemos, juntos, terçar armas; declarando eu, n'essa occasião, que, na opposição em que estava, com todos os monarchicos estava prompto a entender-me, eleitoralmente, para combater o Governo.

Não me liguei acintosamente com os dissidentes do partido progressista. Não. Abri terreno a todos os monarchicos que, estando na opposição, quizessem batalhar juntamente commigo. Vieram os dissidentes progressistas, como vieram os nacionalistas, como até vieram os que tão respeitaveis são pela firmeza e constancia do seu credo politico através dos tempos, os miguelistas.

Só não vieram os amigos do Sr. João Franco, porque não quizeram; não porque eu lhes não abrisse a porta.

Página 223

SESSÃO N.° 17 DE 6 DE NOVEMBRO DE 1906 223

Mas essa ligação foi puramente eleitoral; compromissos politicos não tive, não tenho, senão com o meu partido.

Declarei que o partido regenerador ia á uma em todos os districtos do paiz, som excepção do de Lisboa.

Ao passo que eu e os meus amigos faziamos isto, o grupo politico do Sr. João Franco entregava a eleição das minorias, por Lisboa, aos adversarios das instituições; e entregava-a com palavras que ficaram memoraveis, de alguns dos mais graduados d'esse grupo.

Em 23 de fevereiro, dizia um dos amigos mais considerados do Sr. Presidente do Conselho:

"O partido regenerador-liberal só pode ter colligação com o paiz, por isso que todos os outros estio contra elle, vivendo de cientellas e de expedientes. Com os partidos rotativos, nem colligações nem submissões. Seria absurdo colligarem-se e seria indecoroso submetterem-se".

Note V. Exa., Sr. Presidente, que isto foi dito e proclamado, como dogma franquista, em 23 de fevereiro d'este armo; um mez depois. .. estava feita a colligação liberal com um partido rotativo, o progressista!

E os amigos do Sr. João Franco, todos applaudiram!

Mas, continuava, em 23 de fevereiro, o illustre orador franquista, a que me refiro:

"Vota pela abstenção em Lisboa. Ir á uma n'esta occasião seria contrariar a opinião publica. É necessario dar uma lição a quem precisa d'ella. É essa lição deve ser dada por quem a pode dar.

Soffrerá alguem com ella?

Não quer saber. No que agora se deve pensar é no paiz".

O Sr. João Franco e eu militavamos ambos na opposição.

Eu dizia aos meus amigos politicos: a lucta a todo o transe, em todos os districtos, em toda a parte; firmes e irreductiveis na nossa fé monarchica.

O Sr. João Franco, hoje investido na confiança da Coroa, dizia aos seus parciaes: nos circulos de Lisboa a eleição é para os republicanos!

Sossobrou o Ministerio progressista; e, durante o intervallo parlamentar, quando já aberta a lucta eleitoral, fui eu chamado aos Conselhos da Corôa. Mantive, por minha parte, os compromissos que tinha tomado com os que, na opposição, se haviam acercado de mim; o Sr. Presidente do Conselho, chefe de um agrupamento politico que se jactanciava de representar a opinião do paiz.. . caia nos braços do partido, que elle mais do que nós combatera, que elle mais do que ninguem invectivara!

Lançados uns nos braços dos outros, fizeram a colligação liberal; uns mal feridos ao sairem do poder, outros levados de impaciencia por se verem no Governo.

Uma alliança tal não a fiz eu.

Em semelhantes compromissos não entrei, franca e abertamente o declaro. Declarei-me, sim, prompto a ligar-me com outros agrupamentos monarchicos para o que interessava a todos. Mas nunca usei invectivar n'um dia, para esquecer no seguinte. Não investia hontem para me abraçar amanhã, sem explicações sequer.

Assim, pois, se abriu a luta eleitoral: de um lado o partido regenerador, que fora chamado ao Governo, mantendo os compromissos que tomara na opposição; por outro lado, a chamada colligação liberal.

Qual foi o primeiro acto d'essa colligação liberal, composta de um partido, que, deixara o poder, pouco antes, e de outro que o ambicionava?

O primeiro acto foi entregar as minorias dos circulos de Lisboa ao partido republicano!

N'isso conveio o partido progressista, um partido com largas raizes em toda a nação, que acabava de estar nos Conselhos da Coroa e d'ella tinha recebido, não só provas de confiança, mas favores politicos, como talvez nenhum outro Governo os tivesse recebido!

Na vespera, estando no Governo, dispunha-se a vencer as maiorias nos dois circulos de Lisboa; depois, passando para a opposição, esse partido, nem colligado com outro grupo politico, se abalançava a disputar as minorias!

Por seu lado, o Sr. João Franco, que dizia ter a opinião publica por si, que se vangloriava da propaganda que havia feito, e das adhesões que tinha colhido, nem de mãos dadas com todo um outro partido, se resolvia a luctar em Lisboa! Abstinha-se; elle, porque, dos seus adeptos, muitos - é voz sabida- foram votar com os republicanos.

Era necessario dar uma lição ao Rei!

O que fez, em vista d'isso, o partido regenerador? Desdobrou em Lisboa.

Porque não? Então era licito e curial desdobrar, n'outros circulos do paiz contra monarchicos, e não era justificado desdobrar, nos de Lisboa, contra republicanos? São estes para nós mais privilegiados do que aquelles, que pertencem á nossa grei, que commungam na mesma fé de soberania politica?

Mas fizemo-lo declaradamente; fizemo-lo sem fraudes nem artificios; fizemo-lo com votações effectivas, porque tinhamos votos que nos asseguravam o resultado.

Perdemos em tres bairros de Lisboa? Não é para admirar, dada a abstenção, declarada, dos dois agrupamentos, o dos progressistas e o dos amigos do Sr. João Franco. Esse afastamento da urna, assim annunciado, deu larga copia de votos aos inimigos da Monarchia. Alem de que os recenseamentos - por culpa dos monarchicos, em verdade seja dito - são, relativamente, muito parciaes do partido republicano.

Mas vencemos n'um e n'outro circulo da capital; vencemos por largas maiorias, nos concelhos que fazem parte d'esses circulos; e tão portuguezes são os eleitores dos concelhos ruraes como os da capital.

Vencemos com inteira ordem e regularidade. Não sou eu só que o digo; é o Sr. Presidente do Conselho que o declara, em testemunho insuspeito, no Discurso da Coroa, lido, em 1 de junho, pelo Chefe do Estado. Ahi, as seguintes palavras, referentes ás eleições de 29 de abril:

"Tendo pedido a demissão o Ministerio presidido pelo Conselheiro de Estado José Luciano de Castro, foi encarregado de constituir novo Governo o Conselheiro de Estado Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro. Durante a sua gerencia realizaram-se as eleições geraes de Deputados, sem alteração da ordem e tranquillidade publica".

Pois até fui accusado, Sr. Presidente, de ter ordenado, na assembleia do Peral, o que vulgarmente se chama uma chapelada.

Ora isto não é exacto.

É certo que muitos eleitores votaram ali, incluindo nas suas listas o nome de um candidato republicano.

Quem lhes pode levar isso a mal?

É o Sr. Presidente do Conselho, com os seus amigos politicos, são os seus fieis alliados, os progressistas, que podem lançar a alguem em rosto o ter votado em um candidato republicano, quando as eleições dos monarchicos estavam asseguradas? Elles, que entregaram, por completo, as minorias aos candidatos republicanos?!

E são, ainda, elles que accusam o partido regenerador de ter desdobrado a sua votação nos circulos de Lisboa!

Pois que outra cousa se tem feito, nas ultimas leis eleitoraes, senão acautelar e defender as eleições monarchicas na capital?

Vem de longe.

Vem já do tempo em que o Sr. João Franco era Ministro do Reino.

Da Camara dos Deputados, que se retiniu na Academia Real das Sciencias, e que teve um nome que não

Página 224

224 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

quero repetir aqui, saiu o projecto que se converteu na lei eleitoral de 18UG. Voltou-se, é verdade, com magua o digo, aos circulos uninominaes; mas deixou-se, no Porto e em Lisboa, circulos plurinominaes; e no da Lisboa se encorporou o concelho de Cascaes, comprehendendo o extincto concelho de Oeiras.

Para quê?

Para defender a causa monarchica. Nem o Sr. Presidente do Conselho é capaz de o negar. Para que n'esses circulos pudessem mais facilmente vencer candidatos, que defendessem a monarchia.

O mesmo na lei eleitoral de 1899, quando era Ministro do Reino o chefe do partido progressista.

Depois, em 1901-era eu então Ministro do Reino, e acabava de ser decretada uma nova reforma eleitoral - foram as eleições em Lisboa feitas, por parte dos monarchicos, com listas que juntamente continham nomes de candidatos regeneradores e de candidatos progressistas, apesar da profunda separação politica que entre uns e outros existis. Porque esse era o meie de mais facilmente se vencer maiorias e minorias, e porque os dois partidos comprehenderam que, acima de tudo, estava o interesse e o prestigio da Monarchia.

Do mesmo modo se procedeu em 1904, sendo eu, tambem, Ministro do Reino.

Em 1905, estando no poder o partido progressista, venceram ainda os candidatos monarchicos, em Lisboa, pela maioria e pela minoria, porque os dois partidos se combinaram, embora não fizessem listas communs.

Nas eleições de abril d'este anno, perante a abstenção da colligação liberal, foi o partido regenerador que defendeu, nas urnas, a causa da monarchia, desdobrando no circulo occidental, e sendo apenas eleito um candidato republicano no circulo oriental.

Se, nas ultimas eleições, de ha pouco, venceram os republicanos as minorias de Lisboa, não foi porque eu e os meus amigos politicos deixassemos de apresentar candidatos nossos e de trabalhar por elles; foi porque o actual Governo pesou, com força, contra nós, favorecendo os republicanos.

O que é certo é que o partido regenerador luctou em toda a parte, com vigor e decisão. E o resultado foi que, apesar da guerra feroz que nos moveu a colligação liberal-feita de dois partidos, o antigo partido progressista, e o novo agrupamento, que se acha representado no Governo - nós, sós, trouxemos ao Parlamento vinte e quatro Deputados regeneradores; tantos quantos os progressistas e franquistas, juntos, haviam alcançado nas eleições precedente.

Por isso, mercê de Deus, nós não temos de declarar, como o Sr. Presidente do Conselho, em 1905, que o Parlamento está falsificado e que os Deputados da nossa grei estão n'elle por favor de Governo. Não, nós podemos dizer, bem alto, que os nossos estão ali por direito proprio, pela nossa força de vontade e da acção. (Apoiados).

As ultimas eleições, Sr. Presidente, foram uma manifestação de força e de vitalidade por parte do partido regenerador, de que legitimamente me ufano e orgulho.

Não tenho de que me arrepender. Defendi, com os meus collegas e amigos, a nossa causa politica, com energia, e deliberação, sem transigencias, nem fraquezas.

Sr. Presidente: como V. Exa. vê, não tenho tido difficuldade em justificar os actos do Governo, a que presidi. O que nós fizemos, em dois mezes, prova bem quanto nós curámos dos interesses do paiz: como resolvemos a questão dos tabacos; como puzemos em caminho de boa resolução a questão dos sanatorios da Madeira; como providenciámos, com acerto e segurança, acêrca da expedição ao sul de Angola; como pudemos debelar, prompta e firmemente, factos graves de insubordinação militar; como as eleições do nosso tempo, ordeiras e tranquillas, se inspiraram n'um devotado sentimento monarchico.

Isto mostra bem o que foi a nossa vida de Governo.

Posso dizer, com verdade e sem rebuço, que dei ao meu paiz, n'esse tempo, tudo quanto podia dar da minha intelligencia, da minha actividade, com sacrificio meu, com absoluto desprendimento de tudo, até da minha propria saude. (Apoiados).

Todavia, foi larga a celeuma que, propositadamente, se levantou contra nós.

Comprehende-se que, por um lado, estava o partido progressista despeitado, tendo saido do poder mal ferido, após campanhas violentas, após insuccessos ruidosos, após amarguras que chegaram a ser cruciantes. Por outro lado, estavam os amigos do Sr. João Franco impacientes, nada poupando, de tudo se servindo, para lograrem as suas aspirações de Governo.

Quando isso acontece, quando os monarchicos assim ferozmente se digladiam, Sr. Presidente, são os republicanos que aproveitam: e então vêem as investidas violentas, que primeiro visam o Governo, e depois, mais alto do que o Governo, a Corôa.

Criou isto uma situação anormal. O Governo entendeu que devia proceder com firmeza, e sem hesitação. Esse foi o nosso impulso. Por isso, Sr. Presidente, me doeu uma phrase, que ha aias soltou o Sr. Presidente do Conselho. S. Exa., referindo-se aos homens que tão integra e desassombradamente labutaram no ultimo Ministerio, falou... de uma crise de pavor! Felizmente, explicou S. Exa. essa phrase, dizendo que se não referia a nós. Ainda bem.

Pavor, não. Na minha vida publica, nem na particular, nunca o tive; nunca me arreceei, nunca fugi ás pugnas parlamentares, nem ás minhas responsabilidades, politicas ou de qualquer ordem, qualquer que fosse o risco ou a consequencia, o embate ou o resultado. Politicamente pode-se morrer, tambem physicamente se morre; mas que se morra com honra, porque é essa a imposição da nossa consciencia.

Pavor, não. Pelo contrario, se em alguma occasião, eu e os meus collegas, no mais seguro e deliberado criterio, na irais absoluta comprehensão das circumstancias de momento, nos sentimos dispostos a arcar com as difficuldades todas, e a cumprir o nosso dever através de tudo, foi então.

E não faziamos mais do que nos cumpria. Em todo o regimen nacional, a obrigação de um Governo é defender esse regimen. Defende-se um paiz que é monarchico, como se defende um paiz que é republicano.

A França, depois de Sédan, passou pela Communa e proclamou a republica. Não surgiu logo uma republica; fez-se uma republica. Pela constancia inalteravel dos seus actos, pela propaganda intemerata das suas ideias, pela imposição firme da sua auctoridade. governativa, republicanizou se, em todas as classes, em todas as funcções? com energia, com decisão, por vezes com menos sentimento humanitario. Mas, acima do sentimento individual, está o sentimento da patria. (Vozes: - Muito bem).

Como procede o Governo da França?

V. Exa. comprehende bem que, tratando-se da França, onde tenho sido tão benevolamente recebido, eu não iria fazer ao seu Governo, que muito respeito, uma referencia que pudesse ser menos attenciosa, uma apreciação de que pudesse resaltar menoscabo.

É ver a decisão com que o Governo francez sustentou, defendeu, e faz executar, a lei da separação da Igreja e do Estado, por cima de tudo, através de tudo. Foi isso o que os representantes da nação resolveram; é isso o que se faz. E mantem-se a ordem, cohibe-se a resistencia; mantem-se a auctoridade, reprime-se o disturbio; ainda mesmo que na refrega fiquem ensanguentadas as ruas.

Aquelle Governo não recua, perante

Página 225

SESSÃO N.° 17 DE 6 DE NOVEMBRO DE 1906 225

meios alguns de defesa, de que legalmente possa usar. Até ao ponto de que, na propria vespera das ultimas eleições, as auctoridades entraram pelas casas dentro dos que lhes eram suspeitos de agitação monarchica, de attentarem contra a ordem de cousas existentes; e tudo revolveram, papeis e documentos, até se certificarem do que queriam averiguar.

Quando chegou o dia 1 de maio, porque se dizia que na capital da França haveria uma perturbação profunda, que poria em risco a ordem, a tranquillidade d'aquelle grande nucleo, d'aquella grande força de expansão de civilização mundial, o Governo metteu em Paris 50:000 homens de força armada, e teve a cidade, nesse dia, em estado de sitio, perseguindo quem de prompto se não submettia aos preceitos policiaes. Com tal rigor que, quando, á tarde, os operarios saiam da Bolsa, do Trabalho, entoando simplesmente a Internacional, a policia e os gendarmes lhes cairam em cima, e ficaram estiradas, nas ruas, não poucas victimas de tamanha severidade.

Nem ficou, por isso, abalada a situação do Ministerio; antes, porque manteve a ordem, a auctoridade e o prestigio do Governo na França, mais se consolidou o fortaleceu.

O Ministro do Interior, Clémenceau, é hoje o Presidente do Conselho, com geral consagração e applauso.

Ah! Sr. Presidente, se nós fizesse-mos isto! Se procedessemos assim, na defesa do nosso regimen constituido, quando se dão vivas á republica e morras á policia!

Fossem, na França, dar vivas á Monarchia ou ao Imperio!

Se na França, em qualquer estação de caminhos de ferro, se pretendesse acolher um vulto, conhecido pela sua crença monarchica ou imperialista, com manifestações de desagrado pelo regimen republicano, como a auctoridade procederia na defesa das instituições!

Liberdade sim, mas liberdade sem ordem e respeito, não se comprehende.

Pois entre nós o direito é o mesmo, os regimens é que são differentes.

Entre nós, o regimen è monarchico, a obrigação do Governo é sustentá-lo. Sr. Presidente: eu vou sendo velho, e os velhos teem mais liberdade de palavra e de apreciação. Tolera-se e respeita-se o que elles dizem, mais do que a outros, que são novos.

Ora eu tenho a hombridade, o desassombro, de dizer aqui, na minha Camara, onde estou ha mais de vinte annos:-que são os embates, as fraquezas, as transigencias dos monarchicos, que deixam galgar a onda revolucionaria.

As luctas intransigentes, crueis, mais do que politicas, pessoaes, que por
vezes se travam nos partidos monarchicos, dão força e alento aos inimigos das instituições.

Nas questões mais graves entre o Governo e as opposições, vae-se tão longe, que aquelles que não teem responsabilidades de hoje nem de hontem, que nunca as tiveram, porque nunca, foram poder, as aproveitam em detrimento da causa publica e dos interesses da Monarchia.

São esses embates que mais teem contribuido para fortalecer as phalanges do partido republicano.

Fraquezas, não pode haver na defesa do nosso regimen constitucional; a pu-silanimidade dos monarchicos é que prepara a derruição do systema, que lhes está confiado.

Transigencias com republicanos são actos de abdicação perigosa; obtem-se a calma de um momento, a troco de um pedaço de auctoridade que se rasga.

Tenho ouvido falar, nestes ultimos tempos, em governar á ingleza. Mas, Sr. Presidente, na Inglaterra quasi não ha republicanos. O meio é muito differente. A Inglaterra é um paiz essencialmente monarchico, aristocratico, onde o Chefe do Estado, com o seu finissimo trato, com a sua inigualavel affabilidade para com todos, governos e opposições, attrae e attende por forma que a todos captiva.

Na Inglaterra, tudo é de Sua Majestade: -- desde os navios de guerra, His Majesty's ships, até as opposições parlamentares, que tambem são de Sua Majestade.

Já V. Exa. vê quanto é falaz, para nós, o parallelo que se pretende fazer.

Reflicta quem conhece as cousas do nosso paiz: se a monarchia desapparecesse de entre nós e se proclamasse uma republica - eu pergunto sem querer a resposta-duvida alguem de que o regimen republicano, que se estabelecesse, se defenderia com energia, com decisão e com coragem, fazendo respeitar o principio da sua auctoridade?

Seria tão tolerante, como hoje é a Monarchia, que temos?

Não. Havia de pôr os olhos na Franca. E estamos vendo como ali são respeitadas as instituições pelos seus defensores mais estrenuos, pelos seus campeões mais decididos.

Sou insuspeito, dizendo isto, porque ninguem pode pôr em duvida que eu seja monarchico: - o peor de todos os regimens é o que se não defende; é o que não tem força, energia e resolução, para se defender; é o que não sabe, não pode, ou não quer defender-se.

Esse é um regimen em que todos se sentem mal; em que uma nação cae, e se perde, porque as energias desfallecem, e os enthusiasmos se alquebram.

Sr. Presidente: o tempo passa e eu! não quero levar a palavra para casa; mas a Camara comprehende que eu não posso deixar de me referir, ainda, a determinados assumptos, em que tenho responsabilidades a dirimir.

Não discuto as cartas do Chefe do Estado; só lamento que o Sr. Presidente do Conselho tivesse tomado sobre si o aconselhar á Coroa que lhes desse publicidade.

A minha opinião era absolutamente contraria a que se publicassem essas cartas ; ou outra qualquer, que não fosse desde logo destinada a publicar-se. E é evidente que as cartas, de mim aqui reclamadas, não foram escriptas para serem publicadas.

Não se publicam as cartas trocadas entre o Chefe do Estado e os seus Presidentes do Conselho; isto no interesse da propria Monarchia. (Apoiados).

O Sr. Francisco José Machado: - Tenho muito prazer em dar um caloroso apoiado a V. Exa.

O Orador: - É mau maguar, Sr. Presidente, os mais dedicados defensores da Monarchia, quando o seu passado reflecte uma larga folha de serviços publicos, e quando as suas aspirações se limitam unicamente a bem servir a causa e os interesses do paiz e da Corôa.

Ponderem V. Exas. a inconveniencia de se publicarem as cartas do Chefe do Estado.

Consultem V. Exas., a este respeite, não o actual Sr. Presidente do Conselho - porque esse pela primeira vez o é, e ainda não foi demittido do seu alio cargo - mas os que teem sido Presidentes do Conselho até agora. Se quizerem dizer a verdade, se não duvidarem confessar os seus sentimentos mais Íntimos, se trouxerem a lume as diversas phases da sua historia politica, terão de concluir que a publicação de cartas taes não significa lealdade para com o Rei, nem importa á defesa das instituições.

Mas, Sr. Presidente, se eu não venho discutir as cartas de El-Rei, todavia V. Exa. e a Camara comprehendem que eu não posso deixar de expor considerações que me impendem.

SE eu não discuto as cartas de El-Rei, porque acima de tudo acato e respeito a pessoa e os actos do Soberano, tenho, não obstante, o dever de referir os factos que me justificam perante a nação, a cujos representantes assiste o direito de me pedirem contas do modo por que exerci as funcções ministeriaes.

Como lambem tenho deveres a cumprir para com o meu partido, pois que no meu partido, politicamente, nasci e me tenho feito. A elle devo muito do que sou; é elle a minha força; dirigi-lo, a bem, tem sido para mim um cuidado constante; nunca servi em outro partido; e, emquanto puder, lhe hei de

Página 226

226 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

consagrar o meu culto de acrisolada dedicação.

Vou, pois, dar as explicações que posso e devo, para que se não pense que eu haja procedido de forma que pudesse, justamente, incorrer na censura do Chefe do Estado.

Sr. Presidente: a crise não se abriu sobre qualquer acto propriamente do Governo. Não recorri á Corôa para cobrir uma qualquer medida ministerial, que tivesse impressionado mal a opinião publica, concitado o desfavor do paiz, ou provocado a animadversão dos que prezam a nossa patria.

Não, Sr. Presidente. Conforme mostrei: a questão dos tabacos estava felizmente resolvida; a dos sanatorios da Madeira em caminho de conveniente resolução; a occupação do sul de Angola fora, avisada e prudentemente, acautelada; as insubordinações na armada, promptamente debelladas; as eleições já feitas, com ordem e tranquillidade no paiz, e com lustre para o meu partido; os acontecimentos de 4 de maio iam já passados; sobre elles dei amplas explicações á Camara.

Depois de tudo isso, o proprio Sr. Presidente do Conselho, o Sr. João Franco, nos veio aqui dizer que, na conferencia que teve com o Chefe do Estado, em 8 de maio, saira do paço com a convicção de que elle e os seus estavam ainda muito longe do poder. Entre 8 e 15 de maio, data esta em que se abriu a crise, absolutamente nenhum facto importante se deu que, revertendo em desfavor do Governo, pudesse justificar a falta de confiança por parte do Chefe do Estado.

Não foi, portanto, sobre qualquer acto do Governo que a crise se abriu. Isto deixo claramente accentuado.

O que fui eu expor ao Soberano?

O que devia.

Fui referir que o despeito e o descontentamento de uns, a ambição e a impaciencia de outros, na opposição, animavam as investidas dos adversarios das instituições, criando uma situação anormal e perigosa, que visava mais á Monarchia do que ao Governo, e á qual impendia prover de remedio, sem violencias, mas com firmeza.

Feita a exposição dos factos e das circumstancias de momento, o que pedi eu á Corôa, de pleno accordo com os meus collegas?

Tão só o adiamento das Côrtes, por um prazo que não poderia ser. longo; visto que, para se resolver a questão dos tabacos, abriramos concurso, recebendo propostas só validas e garantidas até 31 de outubro, devendo o Parlamento, até essa data, reunir-se, discutir e deliberar definitivamente sobre o assumpto. E V. Exa. comprehende que, para nós, a approvação do contrato dos tabacos demandaria mais tempo do que para o actual Governo; pois que nós teriamos de defrontar nos com a colligação liberal, que ha pouco, por estar no Governo, votou, com simples declarações, o contrato que se fez.

Pedimos o adiamento sob a directa e immediata responsabilidade do Ministerio; porque queriamos toda a responsabilidade d'esse acto para o proprio Ministerio, poupando á Corôa a repercussão de qualquer debate no Conselho do Estado.

Assim procedera, em 1895, o Governo de que eu fiz parte com o actual Sr. Presidente do Conselho. Então nos não arreceámos d'essa responsabilidade; nem de tal me arrependo, coherente nas minhas ideias e nos meus actos.

Da propria carta do Chefe do Estado se vê que nada mais pedi do que o simples adiamento das Côrtes.

Não pedi medidas de violencia e de terror; nem d'isso precisava.

Precisava somente de algum tempo para dispor as cousas, pela exclusiva acção do Governo, dentro dos seus meios de proceder, de harmonia com as leis que regem o paiz. Não carecia de mais.

Se errei, errei como erra todo o homem publico de boa fé, com intenções alevantadas e sinceras.

Em todo o caso, o que eu quero frisar bem é que nós não puzemos uma questão á Corôa para para cobrir defecções nossas, actos nossos que nos tivessem collocado mal perante a opinião do paiz.

Não.

Nunca tão convencida e isentamente falei ao Chefe do Estado como n'aquella occasião, em que lhe expuz uma questão que reputava grave e importante, não para interesses mal feridos do Governo, mas para os interesses supremos da Monarchia em Portugal.

Fiz mal?

Recordo-me de que, um dia, ha mais de vinte annos, conversando eu com El-Rei D. Luiz, elle me disse, com aquella fina bonhomia que o caracterizava: que eu era mais monarchico de que elle proprio.

Não era assim; a phrase traduzia apenas um testemunho de affectuosa gentileza do Soberano para commigo, que então bem novo e inexperiente estava. Todavia, no decorrer da minha vida, já longa, por vezes accidentada, e com alguns serviços - posso dizê lo em sã consciencia - que, embora sejam diversamente apreciados sob o ponto de vista politico, teem sido leaes, firmes e dedicados..., não raro me tem açu dido á lembrança a phrase de El-Rei D. Luiz.

Mas, Sr. Presidente, das cousas, dizia Fontes que "são o que são"; dos homens se pode dizer que cada um é o que é.

Eu, já agora, morrerei como tenho vivido.

Discordou o Chefe do Estado do seu Governo, em maio d'este anno?

Estava no seu direito; e, desde que a discordancia se manifestou, o Governo deu promptamente a sua demissão.

Foi constitucional a solução da crise aberta?

Em absoluto, ninguem o pode contestar.

É faculdade do Rei nomear e demittir livremente os seus Ministros; é missão sua, absolutamente constitucional.

Não foi o facto, em si, que ha dias provocou aqui um incidente, em que o Sr. Presidente do Conselho me foi especialmente desagradavel.

Certamente que eu reconheço ao Sr. Presidente do Conselho o direito de considerar constitucional ou inconstitucional a solução da crise que se deu. Quero crer que S. Exa., na affirmação que fez, não teve o intuito de me maguar. Mas ha modos de dizer as cousas; e, quantas vezes, o aggravo está, não nas palavras, mas no modo de as proferir.

A forma por que o Sr. Presidente do Conselho se expressou parecia significar não, somente, que nunca a demissão de um Governo fora mais constitucional do que a do nosso Ministerio; mas que nunca um Governo tinha sido mais justificadamente demittido, posto fora do poder, do que o nosso.

Ora, isso não.

Eu tenho a consciencia dos meus actos, sei o que fiz, como trabalhei, como me sacrifiquei até.

Pode ser-se apreciado, por uns ou por outros, consoante o criterio de cada qual. O que se não pode, sem grave injustiça, é molestar, com desprimor, homens que de longa data vêem servindo o seu paiz, com inexcedivel hombridade e dedicação.

Seria mais do que injusta uma manifestação de desagrado para com homens como nós; constituiria um aggravo que nenhum deixaria passar em silencio, por maior que fosse o respeito tributado á pessoa que o fizesse.

Sr. Presidente: pouco mais direi sobre o assumpto.

Quaes foram as consequencias da crise?

Em primeiro logar, a dissolução de uma Camara, que acabava de ser eleita; depois, um adiamento ainda mais longo do que eu solicitara.

O que eu pedi, não o concedeu o Chefe do Estado; acato o uso do seu direito. Mas, logo após, dissolvendo as Côrtes, implicitamente, e por mais tempo ainda, o outorgou ao novo Ministerio.

Página 227

SESSÃO N.° 17 DE 6 DE NOVEMBRO DE 1906 227

É possivel que isso contentasse os monarchicos que não estavam commigo.

Mas, evidentemente, descontentou muitos, que são sempre firmes, e teem sido sempre absolutamente devotados, em todas as conjunturas da nossa vida politica, á causa das instituições. Verdade é que d'esses não ha que recear. Mercê de Deus, os que estão commigo podem descontentar-se, mas não se revoltam.

O Sr. Pimentel Pinto: - Apoiado.

O Orador: - Podem sentir-se magoados; nunca desfallecidos na sua dedicação.

Comigo estão, e comigo ficam; para tudo, e sempre, fieis á Monarchia.

E tudo eu levaria a bem, se visse que era em proveito das instituições.

Tal não acontece, infelizmente.

É á Camara e ao Governo que me dirijo. E aqui, no Parlamento a que pertenço, onde, ha muitos annos, tenho o meu logar assente, onde tenho sido um luctador indefesso e constante, que me assiste o direito de perguntar, a todos os que me escutam, pondo cada um a mão na sua consciencia e respondendo imparcialmente: - se porventura cessaram, pela saida do Ministerio a que tive a honra de presidir e pela constituição do actual Gabinete, os ataques á Monarchia;- se o Rei deixou de ser o homem mais discutido do seu paiz; - se a sua presença na capital é mais festejada do que era; - e se a nação está hoje mais monarchica do que estava.

A resposta a estas perguntas deixo-a á observação e ao criterio de cada um.

Agora algumas palavras, apenas, de apreciação acêrca do novo Gabinete.

O que determinou a formação do actual Governo?

A opinião publica?

O Sr. Presidente do Conselho sabe que eu lido em campo opposto, que lhe sou um adversario intransigente. O que me não impede de considerar as suas qualidades pessoaes, de energia, de iniciativa e de acção, auxiliadas por uma palavra suggestiva e elo quente. Tudo isso lhe reconheço; e ainda bem, porque não estimaria defrontar-me com quem não tivesse esses predicados.

Mas não foi a opinião publica que o trouxe aos Conselhos da Coroa. Não. O que o trouxe aos Conselhos da Coroa foi a colligação liberal; que lhe deu os elementos de Governo, que S. Exa. não tinha; que o habilitou a occupar esse logar, quando o Chefe do Estado o julgou conveniente.

O Sr. Presidente do Conselho referiu-nos que, da sua conferencia com El-Rei no dia 8 de maio, trouxera a impressão de que os seus dias de Governo estavam ainda muito longe.

Não contesto; não assisti a essa conferencia, nem d'ella inquiri.

Mas eu vou já caminhando para a velhice; tenho vinte e seis annos de Parlamento, cerca de quinze como Ministro, mais de oito como Presidente do Conselho. Posso, portanto, formar o meu juizo.

Vou, Sr. Presidente, recordar algumas paginas de historia contemporanea, historia do meu tempo.

Eu entrei na Camara dos Senhores Deputados, pela primeira vez, em 1879. Estavam, então, os dois partidos, o partido regenerador e o partido progressista, fortemente constituidos, com dois chefes por todos respeitados e estimados, Fontes e Braamcamp.

N'esse mesmo anno, caiu o Ministerio presidido por Fontes, em cuja maioria parlamentar eu me enfileirara, tendo ahi o meu baptismo politico.

Succedeu o Ministerio Braamcamp; governou até 1881.

Voltou de novo o partido regenerador, e durante annos se manteve; foi esse o primeiro Ministerio a que pertenci.

Assim se foram os dois partidos alternando no poder, com os seus chefes respectivos, que punham todo o seu esforço em bem os dirigirem.

Mas morreu Braamcamp em novembro de 1885. A sua morte produziu, como era de ver, profunda commoção no seu acampamento politico. Dividiram se, de começo, os partidarios, na escolha do novo chefe, inclinando-se uns ao Sr. José Luciano de Castro, voltando-se outros para o Sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa. É o que, em taes casos, não raro acontece, dentro do mesmo partido politico. Foi, a final, proclamado chefe o Sr. José Luciano de Castro. Pouco depois, dava-se uma vaga no Conselho de Estado. Estavamos nós ainda no Ministerio. O Rei desejou, todavia, que, para essa vaga, fosse nomeado o novo chefe do partido progressista. Consagrado ficava. A poucos passos, escorregava o Ministerio regenerador n'uma casca de laranja - uma questão entre Braga e Guimarães. Era chamado ao poder o partido progressista.

A indicação havia sido clara; talhada fôra a successão para breve prazo.

Sossobrou o Ministerio progressista em 1890, com o ultimatum da Inglaterra.

Reinava já, então, o actual Soberano.

Por sua vez, tinha o partido regenerador passado por transes dolorosos e difficeis. Morrera Fontes, em 1887. E, dos seus adeptos, uns se haviam afastado, como Thomaz Ribeiro, outros se extremaram, ficando propriamente o partido sob a presidencia de Antonio de Serpa, e formando-se a chamada esquerda dynastica, sob a direcção de Barjona de Freitas.

Quando veio o ultimatum da Inglaterra, era o partido regenerador mais forte. Por isso foi Antonio de Serpa chamado a constituir Governo. Barjona de Freitas foi, como Ministro, para Londres; a esquerda dynastica dissolveu-se.

Mezes depois, a apaixonada celeuma, e bem injusta, que se suscitou em volta do tratado de 20 de agosto, precipitou a queda do Ministerio regenerador.

Dois Governos extra-partidarios se formaram, successivamente; ambos presididos por João Chrysostomo de Abreu e Sousa. N'elles entraram homens de alto valor. No segundo foram Ministros o Conde de Valbom e Lopo Vaz. Qualquer d'elles podia ter a aspiração de succeder na Presidencia do Conselho. Mas o momento era grave, angustiosas as circumstancias financeiras. Para resolver as difficuldades do thesouro, era Oliveira Martins inculcado como o mais competente. Com elle se entendeu o Sr. Dias Ferreira, que, havia muitos annos estava fora do poder e de cuja energia e prompta deliberação muito se esperava.

Foi o Sr. Dias Ferreira o chamado, em 1892.

Complicou-se, em 1893, a questão dos credores, por forma que o Ministerio Dias Ferreira teve de dar a sua demissão.

Aconteceu que, por esse tempo, estando já Antonio de Serpa ferido da doença que mais tarde o prostrou, e tendo-se sanado divergencias que havia entre mim e o Sr. João Franco, o partido regenerador uniu fileiras, mostrando-se apto a governar, com o assentimento do seu chefe, sob a minha presidencia. Era a solução achada.

Constituiu-se o primeiro Ministerio a que eu tive a honra de presidir.

E restabeleceu-se a rotação dos dois partidos.

Governou o partido regenerador, durante quatro annos, até 1897. Depois, o partido progressista, até maio de

1900. Então, organizou-se o segundo Ministerio regenerador, da minha presidencia. Com magua minha vi, em 1901, separar-se do partido, retirando, com amigos seus, o apoio ao Gabinete, o Sr. João Franco, que tinha sido meu companheiro de trabalhos, e de quem eu era amigo dedicado.

Profundamente lamentei esse facto. Mas cumpria-me defender o meu partido, o partido regenerador.

Nós estavamos fortes no Governo; os progressistas estavam unidos na opposição.

As Côrtes foram dissolvidas.

O Ministerio manteve-se até outubro de 1904.

Página 228

228 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Veio, seguidamente, o partido progressista ao Governo; deu-se uma dissidencia na questão dos Tabacos; o grosso do partido ficou, porem, com o Sr. José Luciano de Castro; o Governo continuou.

Demittiu-se, nas condições que já referi, em março d'este anno.

Eu tinha commigo o partido regenerador; o Sr. João Franco não tinha ainda por si a colligação liberal; estava só, com o seu grupo politico.

Fui eu chamado a constituir Governo.

Só depois é que se effeituou a colligação liberal, entre progressistas e parciaes do Sr. João Franco, dando uns o que faltava aos outros.

Os progressistas deram ao Sr. João Franco condições de governar, não só administrativamente, mas parlamentarmente, em todo o paiz, n'esta Camara, como na dos Senhores Deputados.

O Sr. João Franco deu, a par da sua iniciativa, da sua energia e decisão, os elementos que colligira na sua propaganda.

Isto foi o Sr. João Franco - natural é presumi-lo, - communicar a El-Rei, na sua conferencia de 8 de maio. Ou o Chefe de Estado o soube e comprehendeu por si.

Poderia mesmo suppôr-se que, na colligação-liberal, assentassem as bases da formação de um solido partido de Governo. O pacto da Granja fez, dos historicos e dos reformistas, o partido progressista.

E no Governo, era geral, mais se consolidam os partidos.

O partido regenerador, esse era, e é, bastante unido e firme, para se manter através de tudo, ainda mesmo passando para a opposição, após um curto tempo de Ministerio.

Em 15 de maio, discordou o Chefe do Estado do que eu lhe fui expor, por parte do Governo a que presidia.

Foi chamado ao poder o Sr. João Franco.

Tudo o que acabo de referir prova, Sr. Presidente, o alto criterio em que se inspira o Chefe do Estado, procurando, em todas as conjuncturas politicas, acercar-se de elementos partidarios bastante fortes, para que possam sustentar, no Governo, a causa suprema do paiz e da Corôa.

Até aqui, a exposição dos factos, consoante a minha observação politica. Agora a minha apreciação, como homem publico.

Depois do que tenho narrado, cabe-me o direito de perguntar: Que representa a colligação liberal?

É uma sociedade com firma, de responsabilidade illimitada? Ou é uma simples parceria, em que cada um entra e sae com a parte que lhe pertence?

Fundem-se, consubstanciam-se, os dois agrupamentos- o partido progressista e os amigos do Sr. João Franco? Ou juntam-se só, eventualmente, determinadas forças politicas, para um momento de acção governativa?

Os effeitos e as consequencias politicas são essencialmente differentes.

O que se vê não representa uma fusão.

Quando este Ministerio aqui se apresentou em junho, declarou o Sr. José Luciano de Castro que cada um dos grupos politicos ficava sobre si, independente, apoiando-se um ao outro, mas sem compromissos, de presente ou de futuro.

Assim, quando este Governo se gastar, e gasta-se por si mesmo, em que situação ficam, na politica portugueza, os elementos da colligação liberal?

O partido progressista, que se distende por todo o país, tem vida propria. Um partido, tradicional e antigo, tem sempre uma grande acção.

E o neo-partido do Sr. João Franco, em que fica?

Hoje, a sua força, os elementos de que dispõe, vêem lhe do partido progressista. Sem a colligação liberal, o Sr. João Franco sae, tendo gasto o melhor da sua boa vontade nas lides do Governo - quero crer - mas sem ter conseguido firmar elementos solidos para o futuro.

O seu advento ao poder terá sido um incidente; boa ou má, uma aventura politica.

O que não fica é um novo, forte e grande partido liberal; isso só poderia resultar da fusão de todos os que, hoje, representam a colligação liberal.

E quanto mais attento no que ouço e vejo, menos disposições encontro para que tal se se realize.

Pelo contrario, á medida que os actos do Governo se accentuam, e que as suas propostas vão sendo apresentadas ás Côrtes, noto, cada vez mais, um movimento de concentração do partido progressista, procurando a sua autonomia, em volta do Sr. José Luciano de Castro.

O Governo, no momento em que o Sr. José Luciano lhe retirar a sua mão protectora, cae desamparado, não tem, por si, força para resistir e viver.

Agora, as minhas impressões sobre o que Sr. Presidente do Conselho está fazendo.

O Sr. Presidente do Conselho e o seu Governo, no caminho em que vão, descontentam os conservadores e não satisfazem os avançados.

O Sr. Presidente do Conselho suppoz que podia prestar largos serviços ao paiz, acompanhando a opinião publica mais avançada, apresentando propostas de lei inspiradas n'um rasgado programma liberal.

Imaginou que uma verdadeira conversão se operava no nosso paiz, que radicalmente se transformavam os nossos costumes, o nosso systema parlamentar; e que, á sua parte, acalmava os animos, tranquillizava os espiritos, punha cobro ás paixões mais irritantes, desde que trouxesse ás Côrtes propostas de lei, como a da responsabilidade ministerial, a da remodelação da contabilidade publica, a suppressão das garantias dos funccionarios administrativos, a reforma do Juizo de Instrucção Criminal, a revogação parcial da lei de 13 de fevereiro, uma lei de imprensa, e, emfim, uma nova lei eleitoral.

Que extraordinaria illusão, a do Sr. Presidente do Conselho!

D'isso tudo, absolutamente nada aproveita; e, o que é mais notavel, absolutamente ninguem convence e satisfaz.

Propostas de lei de responsabilidade ministerial, muitas teem já sido apresentadas.

Pelo Ministerio regenerador, a que ambos pertencemos, foi, em 1893, apresentada uma pelo nosso collega, o Sr. Antonio de Azevedo Castello Branco.

Raro o Ministerio que não tem formulado uma proposta em tal assumpto.

Por mim - devo dizê-lo a V. Exa. e á camara com inteiro desafogo - entendo que a responsabilidade dos Ministros não depende, essencialmente, de uma lei especial; está consignada na Carta Constitucional e no Codigo Penal; e, e desde que estabelecido está, tambem, o processo para julgamento dos Pares e Deputados, pode esse processo servir para se tornarem effectivas as responsabilidades que a qualquer Ministro pertençam; porque, só excepcionalmente, se dará o caso de não ser, esse Ministro, Deputado ou Par.

Imaginar o Sr. Presidente do Conselho que acalma as paixões dos conservadores e dos avançados com a medida que já propoz, é de assombrar!

Sabe V. Exa. o que, segundo essa proposta, é preciso para accusar um Ministro?

Antes de tudo, dois contos de réis, de caução! Depois, dirige-se o queixoso á commissão de infracções da camara dos Senhores Deputados.

O que faz a commissão de infracções?

Ou rejeita, ou dá parecer sobre a accusação.

Se rejeita, ha recurso para a camara; se dá parecer favoravel ao accusador, sobe o processo, desde logo, á resolução da Camara.

Mas, em um e outro caso, quem resolve a questão, assim posta na camara dos Srs. Deputados?

Página 229

SESSÃO N.° l7 DE 6 DE NOYSMBRO DE 1906 229

A maioria.

Com quem está a maioria?

A maioria - está com o Governo; e portanto - com o Ministro accusado!

Mas, suppunhamos que, n'essa Camara, se decreta a accusação.

A accusação vae para onde?

Para a Camara dos Pares, que se constitue em tribunal de justiça.

Quem predomina ahi no voto e julgamento dó assumpto?

A maioria, - que tambem ali está com o Governo.

Suppõe o Sr. Presidente do Conselho contentar os liberaes avançados, dando-lhes esse processo de responsabilidade ministerial, - que começa por exigir 2 contos de réis, de caução, a quem tiver a velleidade de accusar um Ministro! - e acaba por entregar o accusador-num assumpto de caracter politico - aos amigos politicos do accusado?!

assemos á proposta que se refere á contabilidade publica.

Lei de contabilidade publica temos nós, ha muito tempo, desde 1881.

Onde está o ciou d'essa proposta?

Está,. . . em que vamos ter um director geral de contabilidade publica!

Mas isso já temos!

Sim... mas este é differente. Tem muito mais attribuições,. . . e um vencimento largo, superior até aos dos Ministros de Estado! - sem, aliás, ser obrigado a carruagem, nem a despesas de representação.

É bom, sem duvida.

E... quem nomeia esse privilegiado funccionario?

Quem o nomeia... é o Ministro que faz passar a lei; -neste caso, é o Sr. João Franco.

Mas, tambem, é justo dizer: -o novo director geral tem largas responsabilidades; tantas, pelo seu. visto, que. .. até responde por peculato e concussão... o que aliás succede a todo o funccionario publico!

São mesmo de tal ordem as responsabilidades que vae ter o director geral da contabilidade publica, que até responderá. . . por aquillo que não é da sua responsabilidade!

Assim o diz o relatorio da proposta, firmada por todos os Srs. Ministros:

"Os proprios ordenamentos por operações de thesouraria ficarão sujeitos ao visto do director geral da contabilidade, sendo porem da exclusiva responsabilidade do director geral da thesouraria."

"Todo o visto apposto pelo director geral da contabilidade publica em ordens irregulares sujeita-o a responsabilidade civil e criminal. . . "!

Tambem pode ser accusado por erros do officio, ou por abusos de confiança; e pode ser demittido ou suspenso.

Mas, quem aprecia esses erros de officio ou abusos de confiança?

A commissão de contas.

E como é composta essa commissão?

A commissão é presidida pelo Presidente da Camara dos Pares, que escolhe, para ella, cinco membros d'essa Camara, sendo tres da minoria; o Presidente da outra Camara nomeia igual numero de Deputados, sendo tambem tres da opposição.

N'este caso,... as minorias é que são as maiorias!

E se o Governo cae, e vem outro de politica opposta?

Deixam as maiorias de ser minorias!

Se a Camara é dissolvida?

Continua a commissão de contas, até que se eleja uma nova Camara.

E, durante esse tempo,... que faz a commissão de contas?

Faz.. . o processo do Governo que saiu!

O Sr. Presidente do Conselho quer ser liberal nas suas propostas. Traz ao Parlamento uma proposta, annullando a chamada garantia dos funccionarios administrativos.

A Camara sabe que, por uma disposição de lei, não podem, actualmente, esses funccionarios ser processados sem autorização do Governo.

O Governo supprime essa garantia.

Mas perguntam os mais avançados:

A suppressão é absoluta, é integra?

Ah, isso não; ha... recursos!

Assim,, os magistrados administrativos ou policiaes, os commissarios e os chefes superiores da policia em Lisboa e Porto, não podem ser levados a juizo, sem que o despacho de pronuncia, ou outro equivalente,. . . haja passado em julgado.

Até então,... os recursos, de instancia em instancia,. . . que levam mezes, anãos até;. . . no entanto, esquecem os casos.

A final... ha de ser o mesmo que tem sido até agora.

Passemos adeante.

O Sr. Presidente do Conselho diz, que vae reformar a lei de 13 de fevereiro.

o que lhe pedem os partidos avançados, os politicos mais radicaes,- e que eu, aliás, lhe não peço, - não é a reforma d'essa lei. É a sua revogação, completa e absoluta.

Diz ainda o Sr. Presidente do Conselho que vae remodelar o Juizo de Instrucção Criminal.

Mas ouça S. Exa. o Digno Par Sr. Dantas Baracho, e veja se elle se satisfaz com uma simples reforma d'essa instituição. Responde-lhe que não, que o que quer é o desmoronamento completo do que elle chama. . . a Bastilha da Calçada da Estrella.

O Sr. Sebastião Baracho: - Apoiado.

O Orador: - O Sr. Presidente do Conselho, hontem, annunciou uma nova lei eleitoral.

Mas uma lei eleitoral, em que termos? Com circulos uninominaes?

Pois não se lembra S. Exa. de que os circulos uninominaes foram uma origem constante de pressões e violencias, em virtude das quaes a custo traziam as opposições alguns representantes seus ao Parlamento; muito menos do que pelo negregado decreto que eu publiquei?

Se formos á historia dos factos, teremos de reconhecer que nunca os partidos politicos, da opposição, estiveram mais largamente representados na Camara dos Deputados, e nunca as eleições se fizeram com tanta ordem e regularidade como de 1901 até hoje.

Acaso o Sr. Presidente do Conselho não sabe, ou não se recorda, do que succedeu, em 1879 ao partido regenerador?

Tambem S. Exa. deitou pregão de uma nova lei de imprensa.

Mas que proposta de lei de imprensa quer o Sr. Presidente do Conselho trazer-nos aqui?

Tudo quanto S. Exa. trouxer, de restrictivo, lhe será vivamente impugnado.

E, por certo, é impossivel... ir-se alem do regimen que, de facto, se está praticando,... de cada qual fazer o o que lhe convem, dizer o que entende, escrever o que quer,... e até desenhar o que lhe apraz!

Sm verdade, Sr. Presidente, é necessario não olhar só ao liberalismo; é indispensavel attentar na situação que se está criando.

Não é uma situação fagueira a que se vae preparando com este Governo de ideias liberaes, e propagandas avançadas, que tanto descura as questões economicas e de fazenda. E não é com programmas liberaes e com alarde de principios avançados que ellas se resolvem.

S. Exa. não encontrou, felizmente, nenhuma questão de fazenda, apertada e aguda, e nenhuma questão internacional grave, que de momento nos opprima; se as tivesse encontrado, não poderia occupar se tanto da proclamação das suas ideias e principios liberaes; forçoso lhe seria attender, de prompto, aos interesses mais urgentes do paiz.

Mas veja a Camara, e veja o Governo, que impreterivel é, todavia, cuidar a serio da questão de Fazenda.

E tudo o que o Governo nos traz é de molde a aggravar o Thesouro, que não a alliviá-lo.

O Orçamento Geral do Estado apresenta um deficit de 2:846 contos. Por outro lado, o orçamento colonial accuza

Página 230

230 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

um deficit de 561 contos. Ao todo, 3:4.07 contos de deficit.

Para obviar a esse deficit, só vejo uma receita nova, valiosa: a do novo contrato dos tabacos. Essa receita é ainda devida ao ultimo Ministerio regenerador; não é d'este Governo. Mas essa mesma, importando em 2:020 contos, não chega para saldar o deficit. E ainda este Governo a diminue, destinando 10 contos para reformas de operarios, e 200 contos para uma caixa de aposentações.

Não vejo, em todas as propostas do Governo, senão uma, em cujo relatorio se diz haver redacção de despesas. É a da marinha colonial. Mas, quem conhece o estado da nossa marinha de guerra, e sabe o que ella é,-n'uma nação pequena, com colonias vastas, como a nossa, - difficilmente comprehende que se restrinjam serviços e diminuam despesas, quando todos sabem que precisamos de despender centenares de contos, para dotar a nossa marinha de guerra com os elementos que mais indispensaveis lhe são.

Das restantes propostas do Governo, quasi todas, se não todas, importam augmento de despesa, ou diminuição de receitas.

O Sr. Ministro das Obras Publicas propõe-se attender ás circumstancias difficeis em que se encontra a região do Douro; e é bem. Mas verá que ha de ter de dar compensações ás outras regiões do paiz, o que diminuirá receitas ou augmentará encargos.

Propõe tambem providencias referentes á construcção e grandes reparações de estradas, designando para isso verbas que representam centenares de contos de réis.

Para as obras do porto de Lisboa, um novo systema de administração, e um emprestimo de 1:500 contos de réis.

A pensões para alumnos e professores portuguezes, no estrangeiro, alvitra o Sr. Ministro do Reino que se averbem 100 contos de réis.

O Sr. Ministro dá Guerra, por sua parte, pede a approvação de projectos que avolumam a despesa em cêrca de 500 contos de réis.

E o Sr. Ministro da Fazenda lhe vae no encalço, propondo reducções no imposto de rendimento, que tambem ascendem a, proximamente, 500 contos de réis.

Augmentos de receita é que S. Exa. não promove. Francamente, assim não se governa uma nação. Assim - para onde vamos nós?!

Sr. Presidente: vou terminar. Estou cansado, e por de mais tenho abusado da paciencia da Camara. Mas permitta-me V. Exa. que, na sincera verdade com que tenho apreciado os factos e as circumstancias actuaes, eu diga á Camara e ao paiz:-olhem que o momento é grave e perigoso. Attentem n'elle os monarchicos, se querem conservar a Monarchia em Portugal.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Francisco José Machado, que a pediu para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Francisco José Machado: - Comprehende V. Exa. que a esta hora não devo abusar da paciencia da Camara.

Peço, pois, que me fique reservada a palavra para a sessão seguinte, antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e 10 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 6 de novembro de 1906

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha; Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Gouveia, de Penafiel, de Pombal, do Soveral; Arcebispo de Calcedonia; Condes: do Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Figueiró, de Sabugosa, de Tarouca, de Valenças, de Villar Sêco; Visconde de Monte-São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Eduardo Villaça, D. Antonio de Lencastre, Costa e Silva, Santos Viegas, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Barjona de Freitas, Palmeirim, Vellez Caldeira, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Mattoso Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, Mello e Sousa, José de Azevedo, José Dias Ferreira, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José Alpoim, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda. Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Raphael Gorjão, Sebastião Dantas Baracho, Deslandes Correia Caldeira e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

F. ALVES PEREIRA.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×