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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 145

cão de pares, em defeza da camara hereditaria, e sobre a maneira por que esta vae ficar reconstruida.

Ha muito que tenho desejado ter occasião de patentear a minha desapprovação ás loucas e exageradas idéas do falso progresso, geralmente apregoadas por individuos que, inculcando-se por verdadeiros liberaes, sem terem feito nunca serviço á nação, e que não combateram pela liberdade nessa famosa campanha, em que tão gloriosa parte coube a meu pae, o tenente general conde do Bomfim, como ajudante general e chefe do estado maior do immortal Duque de Bragança, o Senhor D. Pedro IV, de saudosa memoria, e na qual eu proprio tive occasião de prestar bastantes serviços até ao fim da lucta, como provam varias medalhas de distincção que muito me honro de haver merecido.

Com estes precedentes não receio, pois, ser taxado de retrogrado combatendo as erradas opiniões a que alludi, e começarei por aquellas que ha muito tempo se têem espalhado no publico contra a existencia da camara hereditaria, que, ao contrario das declamações de alguns oradores do novo progresso, é e tem sido sempre uma das mais livres e independentes garantias das nossas instituições constitucionaes.

Quando se tratou da ultima reforma desta camara, .que approvei bem contra minha vontade, eu disse que a hereditariedade dos pares, com as condições a que se acha sujeita, era ainda um formidavel escolho para as prepotencias dos governos, uma garantia de liberdade, e que o immortal dador da carta constitucional creara a camara hereditaria como mais livre e independente dos governos e dos tramas e abusos eleitoraes.

De facto, a camara dos senhores deputados, que deveria ser a expressão da maioria da nação, todos sabemos desgraçadamente que sempre tem sido neste paiz e em outras nações constitucionaes, não a expressão da opinião publica, mas sim a expressão da vontade dos governos, que têem sempre ao seu alcance muitos e poderosos meios para corromper é viciar as eleições e obter grandes maiorias a seu favor.

Uma camara de senadores ainda é de origem menos livre, porque, alem de ser eleita pela mesma fórma viciosa por que se elege a camara dos deputados, tem ainda o governo a faculdade de escolher de cada lista triplice ou quintupla os individuos que mais lhe agradem, isto é, o direito de apurar assim, por uma especie de prova real, a somma da eleição.

A camara hereditaria é pois sem duvida a que offerece mais garantia de independencia e de liberdade, porque os herdeiros, logo que tenham satisfeito ás condições da lei, tomam assento seja qual for a sua opinião politica, sem que o governo, ou qualquer poder do estado, possa oppor-se á sua entrada na camara.

Os argumentos que se invocam contra a camara hereditaria, de que é repugnante que haja uma classe privilegiada para legisladores e que seja a herança um titulo para isso, podendo o herdeiro ser idiota, são argumentos quasi contraproducentes, pois provam vantagem á independencia da camara, alem de que se desfazem e caem por terra desde que ha lei que exige aos herdeiros provas de rendimento, e de estudos, as quaes se não exigem aos deputados, nem aos senadores nem mesmo aos pares nomeados, que todos podem ficar assim em peiores circumstancias para legislar. Porém, sr. presidente, o maior de todos os erros constitucionaes fôra dar ao governo a faculdade de nomear em nome do chefe do estado os membros das duas camaras legislativas; e seria ainda grande erro e muito contrario á liberdade que uma das camaras fosse de simples nomeação.

Foi convencido disto que eu diligenciei que se não coarctasse demasiado o direito hereditario, offerecendo varias emendas ao projecto de reforma que foram acceitas, e disse por essa occasião que entendia que a medida mais precisa e judiciosa, seria nunca nomear mais de dez pares em cada legislatura, para que uma grande maioria da camara não podesse ser de repente abafada a capricho do governo, vindo a tornar-se por fim a camara de simples nomeação.

Pouco tardou que se verificassem as minhas previsões; e o actual ministerio, querendo supplantar a maioria da camara, que combatia as suas medidas financeiras, leis de tributos, caminho de ferro de Torres, etc., arranjou logo uma monstruosa nomeação de vinte e seis pares, e como alguns dos seus, cônscios da sua dignidade e independencia, votassem com a opposição, apresentou já outra grande nomeação de novos pares, para conseguir os seus fins.

Nada tenho contra os dignos cavalheiros nomeados tanto da primeira como da segunda vez, e fazendo justiça ás suas qualidades e independencia, conto desde já com o seu voto consciencioso contra quaesquer medidas que possam ser prejudiciaes para o paiz. Cumpre-me acatar e respeitar o acto da prerogativa de nomeação, exercido pelo augusto chefe do estado, mas não posso nem devo deixar de censurar o ministerio por haver exigido do soberano, pela segunda vez, este passo, quando depois de uma grande nomeação de pares, ao fechar-se a ultima sessão legislativa, continuou á frente dos negocios publicos por se julgar então habilitado com todos os elementos legaes para isso, e não se tendo dado desde então circumstancia alguma constitucional para esta medida, nada póde desculpar agora esta exigencia.

Argumenta-se que o ministerio regenerador fizera nomear grande numero de pares, mas alem de que foram ainda menos no espaço de oito annos, do que no presente ministerio em pouco mais de um anno, foram aquellas nomeações para preencher trinta e cinco vagas que se deram na camara durante aquelle longo praso, e foram n’ellas contemplados alguns distinctos cavalheiros de idéas oppostas, como os dignos pares duques de Loulé e de Palmella, conde de Valbom e outros, e não, como agora, todos da cor politica do governo.

Espero, pois, que os srs. ministros darão sobre este ponto explicações que já lhes foram pedidas pelo digno par visconde de Chancelleiros, e alguns membros desta e da outra casa do parlamento, sem obterem resposta clara e categorica. Devem ter havido tão fortes e poderosas rasões, para o governo insistir por esta nomeação, mesmo segundo consta, contra o voto do conselho d’estado, que em vista deste insolito passo, a camara de certo tem direito e urgente necessidade de ser informada a este respeito.

Por emquanto só uma explicação me occorre. Consta que no chamado programma da Granja entrava a reforma ou aniquilação da camara dos pares, que pela sua natureza independente podia contrariar os seus planos. Só havia dois meios de levar a effeito esta reforma. Dictadura ou côrtes constituintes, dictadura era impossivel, não só porque teriam de dissolver a camara dos senhores deputados que ultimamente elegeram e que tanto os tem apoiado, alem de que de certo este governo não tinha a força necessaria para esse arrojado golpe d’estado, pois que tem arrastado a sua existencia, transigindo sempre que encontra obstaculos, como na questão de Lourenço Marques, e ainda ha pouco na questão dos coroneis, etc., e quanto a côrtes constituintes, não podia pensar nisso, depois do imposto de rendimento, real de agua e outras leis que sem duvida enferrujaram a celebre machina eleitoral! Nestes termos só lhe restava o plano de encher tanto a camara, de pares, que rebentasse pelo excesso, e perdesse a sua importancia politica, tornando-se em camara de simples nomeação e dependente do governo.

Um facto tem já o paiz provado, e vem a ser, que nomeando-se assim successivamente pares, sempre que o governo quizer fazer passar alguma medida, nada representará d’aqui em diante a maioria desta camara, senão o re-