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N.°18

SESSÃO DE 29 DE FEVEREIRO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Athouguia Arthur Hintze Ribeiro

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta.-Correspondencia. - O digno par conde de Bertiandos participa que o digno par Antonio Emilio Correia de Sá Brandão continua doente, portanto impossibilitado de assistir ás sessões. - O digno par conde de Lagoaça dirige perguntas ao governo ácerca das questões da India. Responde ao digno par o sr. ministro do reino. - O digno par conde da Azarujinha declara que tem faltado ás sessões por incommodo de saude. -O digno par conde de Lagoaça volta a tratar das questões da India -É lida na mesa uma carta do digno par Jeronymo da Cunha Pimentel, participando que, por incommodo de saude, tem sido obrigado a faltar ás ultimas sessões, e que, pelo mesmo motivo, e por estar de nojo pelo fallecimento de pessoa de familia, tem ainda de faltar a mais algumas.- O sr. ministro do reino responde ao digno par conde de Lagoaça.-O digno par Marçal Pacheco começa por declarar que tem faltado ás sessões por motivo justificado. Em seguida manda para a mesa um requerimento, pedindo alguns documentos do ministerio da marinha, e conclue perguntando se o governo pensa em modificar o actual regimen do alcool. O sr. ministro do reino promette transmittir ao sr. presidente do conselho a pergunta do digno par. É expedido o requerimento do digno par Marçal Pacheco.

Ordem do dia: continuação da discussão do parecer n.° 5, sobre o projecto de lei n.° 8. - São lidas na mesa, e admittidas á discussão, as propostas apresentadas pelo digno par conde do Bomfim ao terminar o discurso que proferiu na sessão antecedente.-Discursa largamente sobre o assumpto em ordem do dia o digno par conde de Thomar.- O digno par conde de Bertiandos manda para a mesa, e justifica, uma proposta. - O digno par conde da Azarujinha requer que seja prorogada a sessão até se votar o projecto em discussão. Este requerimento é approvado.-Apresentam considerações sobre o projecto os dignos pares conde de Lagoaça e Francisco Costa. - O digno par Marçal Pacheco manda para a mesa uma declaração de voto.-É approvado o projecto na generalidade, e considerada, portanto, prejudicada a moção do digno par conde de Lagoaça.-Entra-se na especialidade, e é lido o artigo 1.° Faliam sobre este artigo o sr. ministro do reino e depois o digno par conde de Lagoaça. - O digno par conde do Bomfim apresenta o parecer sobre o projecto que concede uma pensão á viuva e filhos do major Caldas Xavier. Vae a imprimir. - O digno par conde do Bomfim pede que lhe seja consentido retirar a segunda parte da sua proposta. A camara annue a este pedido, rejeita a proposta do digno par conde de Lagoaça e approva o artigo l.º e seus paragraphos. - É posto em discussão o artigo 2.° - O sr. ministro do reino declara que se conforma com qualquer decisão que a camara tome em relação ao additamento proposto pelo digno par conde de Lagoaça. - O digno par conde de Thomar manda para a mesa duas propostas. São lidas, e admittidas á discussão. - Apresentam algumas considerações sobre o artigo 2.° o digno par conde de Lagoaça e o sr. ministro do reino.-Posta á votação a primeira proposta do sr. conde de Thomar é rejeitada, depois do que s. exa. pede que lhe seja permittido retirar a sua segunda proposta, o que lhe é concedido, sendo depois approvado o artigo 2.° e seus paragraphos. - O sr. presidente declara que vae submetter á apreciação da camara o additamento proposto pelo digno par conde de Lagoaça, e este digno par requer votação nominal. Este requerimento é rejeitado, rejeitado tambem o additamento e approvados os artigos 3.° e 4.° do projecto e seus paragraphos. - É posto em discussão o artigo 5.° Fazem considerações sobre este artigo o sr. ministro do reino e os dignos pares conde de Bertiandos, conde do Bomfim e conde de Lagoaça, depois do que é approvado o artigo 5.°, e consideradas, portanto, prejudicadas a proposta do digno par conde de Bertiandos e a primeira parte da proposta do digno par conde do Bomfim. - São successivamente postos em discussão, e approvados, o artigo 6.° e seus paragraphos, e os artigos 7.° e 8.° - O sr. presidente diz que não póde dar a palavra ao digno par conde do Bomfim porque a sessão fôra prorogada, unica e exclusivamente, para se votar o projecto que fazia parte da ordem do dia. - Levanta-se a sessão, apraza-se a seguinte e designa-se a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão ás duas horas e meia da tarde, achando-se presentes 19 dignos pares.

Foi lida e approvada sem reclamação a acta da sessão anterior.

(Assistiu á sessão o sr. ministro do reino.}

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio do sr. ministro da guerra, declarando que na sua secretaria ainda não deram entrada os relatorios pedidos pelo digno par conde de Thomar.

Para o archivo.

O sr. Conde de Bertiandos: - Pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara que o sr. Antonio Emilio de Sá Brandão continua doente e que, por tal motivo, não póde assistir ás sessões d'esta camara.

O sr. Conde de Lagoaça: - Sr. presidente, pedi a palavra para me referir, ainda que de leve, á questão da India, sobre a qual dirigi hontem algumas perguntas ao sr. ministro do reino.

Eu não quero dizer que não acredite no que disse o sr. ministro do reino; mas, hontem, quando sai d'aqui, assegurou-me pessoa de todo o credito, tenho pena de não poder citar o nome d'essa pessoa, mas, repito, assegurou-me pessoa de todo o credito que o sr. Ferreira do Amaral tinha sido convidado pelo governo para ir governar a india, e que s. exa. não acceitára o convite, por motivos que não vem para aqui.

Ora., se isto é realmente verdade, mal se comprehende que o sr. ministro do reino dissesse hontem á camara que nenhumas circumstancias anormaes tinham occorrido na India e que, portanto, não havia rasão para que a opinião publica se inquietasse.

Insisto sobre este ponto e peço ao sr. ministro do reino que me diga se de hontem para hoje recebeu qualquer noticia, e digo de hontem para hoje, porque o facto que citei foi-me indicado ás seis horas da tarde, e a resposta do sr. ministro do reino ás minhas perguntas foi-me dada ás tres, pouco mais ou menos.

É possivel que s. exa. nessa occasião não soubesse ou não tivesse conhecimento de noticia grave, mas que mais tarde chegasse ao conhecimento do governo qualquer boato que o obrigasse a fazer o convite a que me refiro.

O que assevero á camara é que o sr. Ferreira do Amaral foi convidado pelo governo para ir governar a India.

Sobre este ponto não ha a minima duvida ou, pelo menos, eu não tenho duvidas a tal respeito, pois é grande a confiança que me inspira a categoria e a qualidade da pessoa que me fez uma tal affirmação.

Pergunto ao governo se sabe alguma cousa que não soubesse hontem, pois estou certo de que não deixaria de dizer o que soubesse a tal respeito.

Aguardo as explicações do sr. ministro.

(O orador não reviu.)

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O sr. Ministro do Reino (João Franco Castello Branco: - Sr. presidente, sei hoje o que sabia hontem o bastante para poder ratificar a declaração, que então fiz em resposta á pergunta do digno par.

Em primeiro logar o governador da India não pediu a sua exoneração; e, em segundo logar, recentemente, nenhum facto de gravidade, alarmante ou inquietante, se deu na India.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Conde da Azarujinha:-Pedi a palavra para participar a v. exa. é á camara que, por motivo de doença não me tem sido possivel comparecer ás ultimas sessões.

O sr. Conde de Lagoaça: - Eu não queria insistir muito sobre este ponto; mas, realmente, não me satisfez a resposta do sr. ministro do reino.

O que eu desejo saber é se effectivamente o sr. Ferreira do Amaral foi convidado para ir governar a India.

Desde que eu faço a affirmação terminante de que sr. Ferreira do Amaral foi convidado para ir governar a India, parece-me que outra deve ser a resposta do sr. ministro do reino.

O sr. ministro do reino não sabe?!

Pois não é esse o seu costume; no entretanto diga:

"É possivel que o digno par tenha rasão, mas eu não sei cousa nenhuma."

Diga-me ao menos isto.

Dizer-me, porem, que sabe hoje o que sabia hontem, não é resposta que satisfaça o paiz, nem a opinião publica justamente sobresaltada, pelo que se diz que existe na India.

Insisto, e não me cansarei de insistir sobre este facto, porque elle é de summa gravidade.

As declarações do sr. ministro não condizem com esta affirmação, que acabo de fazer á camara, e que se resume em ter sido convidado para governar a India o sr. Ferreira do Amaral.

Sinto até não poder dizer quaes as rasões que este cavalheiro apresentou, e em virtude das quaes declarou que não podia acceitar o convite que lhe era feito.

(O orador não reviu.)

O sr. Presidente: - Vae dar-se conta de uma participação que chegou á mesa.

É lida na mesa uma carta do digno par Jeronymo da Cunha Pimentel, participando que por incommodo de saude,, tem sido obrigado a faltar ás ultimas sessões e que, pôr este motivo e por estar de nojo pelo fallecimento de uma pessoa de familia, terá ainda de faltar a mais algumas.

A camara ficou inteirada.

O sr. Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Comprehendia muito bem não só o direito, mas até absolutamente a obrigação de s. exa., o sr., conde de Lagoaça, em querer que o paiz fosse tranquiliisado, a respeito da questão da india; mas, desde que dissera que não tinha conhecimento de que na India se tivesse passado algum facto de caracter inquietador e alarmante (haviam sido estas as suas palavras, proferidas na vespera), nada mais tinha a acrescentar.

O sr. Marçal Pacheco: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma declaração justificativa de que faltei a algumas sessões, e tambem o seguinte requerimento.

(Leu.)

Como estou com a palavra, permitta-me v. exa., sr. presidente, que eu peça ao sr. ministro do reino o favo de me dizer, se porventura o governo pensa actualmente em modificar o regimen do alcool.

Tenho visto, na imprensa, largamente publicada, a noticia de que varias commissões têem vindo, de diversos pontos do paiz. principalmente do norte, a Lisboa, para tratar- d'essa questão, em nome do interesse nacional.

Por isso, desejaria que s. exa. me dissesse se porventura o governo pensa em adoptar qualquer alteração no actual do alcool.

No caso de s. exa. não estar habilitado a responder-me, visto que o assumpto corre por outra pasta, peço a s. exa. a fineza de prevenir o sr. ministro da fazenda de que desejo conversar com s. exa. sobre esse assumpto.

(O orador não reviu.)

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Prevenirei o sr. presidente do conselho, e ministro da fazenda, dos desejos do digno par sr. Marçal Pacheco.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a declaração do digno par o sr. Marçal Pacheco.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Declaração

Declaro que faltei ás ultimas sessões por motivo justificado.

Sala das sessões, 29 de fevereiro de 1896. = O par do reino, Marçal Pacheco.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o requerimento do mesmo digno par.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio da marinha, me seja enviada, com a possivel brevidade, copia do contrato ultimamente celebrado entre o governo e o banco ultramarino.

Sala das sessões, 29 de fevereiro de 1896. = O par do reino, Marçal Pacheco.

O sr. Presidente: - Vae ser expedido.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 5 sobre o projecto de lei n.° 8

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia, que é a continuação da discussão do parecer sobre a reforma d'esta camara.

Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo digno par o sr. conde do Bomfim.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Moção

1.ª Parte

Artigo 5.° Quando alguma das camaras legislativas não approvar as emendas ou addições feitas pela outra camara sobre qualquer projecto de lei, será nomeada uma commissão mixta de igual numero de pares e deputados, logo que assim o resolva a camara recusante e o que a commissão decidir por pluralidade de votos, servirá para ser immediatamente reduzido todo ou parte do projecto a decreto das côrtes geraes, ou para ser rejeitado.

§ unico. Havendo empate será este decidido por arbitro eleito por cada uma das camarás, no principio da sessão, para presidir ás commissões mixtas, com o direito de intervenção nos projectos de iniciativa da respectiva camara.

2.ª parte

Continuam em vigor os artigos 39.º, 40.°, 52.º, 53.° e 54.° da carta constitucional, e correlativa disposição do § 2.° do artigo 6.° da lei de 24 de julho de 1885. E são eliminados os artigos 1.° e 5.° do projecto.

Sala das sessões, em 28 de fevereiro de 1896. = O par do reino, Conde do Bomfim.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão esta proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida e ficou em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. conde de Thomar.

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O sr. Conde de Thomar: - Proponho-me a responder ao sr. ministro do reino, ao digno relator da commissão, e acrescentar ligeiras palavras em resposta ao digno par sr. conde do Bomfim.

Não repare, pois, o illustre ministro do reino, se começo a responder aos meus collegas, por isso que tenho que demorar-me mais algum tempo na resposta a dar ao discurso de s. exa.

O digno par, sr. conde do Bomfim, começou o seu discurso referindo-se á dictadura, como sendo ella uma planta damninha da arvore frondosa da liberdade; e fiquei realmente surprehendido que s. exa. tirasse d'esta permissa conclusão tão diversa da que era de esperar.

Quando eu imaginava que s. exa. votava contra o governo, s. exa. falla na arvore frondosa da liberdade, e vota o bill que ataca todas as liberdades da constituição, o qual bill representa os ramos d'essa arvore frondosa; e não contente com isso, vae até aos fructos da dita arvore, que são os projectos que vamos discutir, a reforma da camara e a lei eleitoral.

É, realmente, extraordinaria a admiração de s. exa. pela arvore da liberdade!

Como o digno par fez outras divagações, nas quaes não entro agora, porque não se referem ao assumpto em discussão, passarei a responder ás considerações apresentadas pelo digno relator da commissão.

Concluiu s. exa. o seu discurso sentindo que nas palavras que eu proferira, em resposta a s. exa., tivesse apreciado por uma fórma menos lisonjeira o que s. exa. dissera.

Sr. presidente, realmente fiquei admirado de que o digno relator tivesse apreciado, por uma fórma tão meticulosa as minhas palavras.

Sabe s. exa. que, por Índole, eu sou incapaz de molestar qualquer dos meus dignos collegas, e muito menos s. exa.; porque, sem offensa para ninguem, se ha alguem n'esta camara que tenha as sympathias de todos, pelo seu trato e até pelo seu physico sympathico e pelos seus dotes, é, de certo, o digno par o sr. Francisco Costa.

Se quizesse ser tão meticuloso, como s. exa. foi, na apreciação das palavras que proferiu, pediria a s. exa. permissão para contar-lhe uma historia que se passou no meu tempo de Coimbra.

Esta historia passou-se entre o conselho dos decanos e o visconde de Castilho, na lusa Athenas.

O sr. visconde de Castilho foi a Coimbra para explicar o seu methodo de ensino, e pediu que lhe fosse concedida a sala dos capellos para fazer uma prelecção sobre o seu methodo.

Reuniu o conselho dos decanos e respondeu que tendo pensado maduramente sobre o pedido, tinha resolvido não conceder a sala.

Sabe v. exa. como o sr. visconde de Castilho explicava este maduramente na primeira prelecção que fez?

Dizia elle que este maduramente queria dizer que eram muito maduros os decanos, e o que era muito maduro estava sorvado, e que uma cousa sorvada estava podre e para nada prestava.

Era uma ironia pungente para aquelles sabios.

Se eu quizesse achar a intenção da parte de s. exa., de fazer uma censura ao governo, achava-a neste maduramente; mas a s. exa. não lhe passou pela idéa censurar o governo. Pelo contrario, acha os seus actos excellentes.

Queixa-se s. exa. que eu tivesse dito que s. exa. considerava este projecto como outro qualquer; foram as minhas palavras, se bem me recordo.

N'esta apreciação não tive a mais leve intenção de melindrar s. exa. e muito menos a sua intelligencia, mas, se entrou no animo de s. exa. alguma duvida com relação ás minhas palavras, appello para o nobre presidente d'esta camara para elle declarar se realmente pôde descobrir a mais pequena intenção por minha parte, de fazer da intelligencia do digno par Francisco Costa uma apreciação menos lisonjeira e menos agradavel.

Dadas estas explicações, passo a tratar do projecto em discussão.

Eu já expuz n'esta camara a minha opinião sobre o assumpto, e hoje cabe-me a honra de responder ou contradictar os argumentos apresentados pelo nobre ministro do reino n'esta camara, quando pronunciou o seu brilhante discurso; e se foi brilhante nas permissas, permitta-me s. exa. que diga que as consequencias não foram iguaes, e se fossem, eu não teria senão de applaudir o que s. exa. disse; mas infelizmente as permissas estão em completa opposição a todas as idéas que s. exa. deduziu sobre o assumpto.

Os pontos principaes que o nobre ministro tratou, e tratou com aquelle saber que s. exa. mostra em todos os assumptos que trata, principalmente para justificar as medidas de dictadura relativas á reforma da camara dos pares e reforma da lei eleitoral, foram a decadencia parlamentar, os tumultos na camara dos senhores deputados, e o vicio da origem eleitoral para a nomeação da parte electiva d'esta camara, e a decadencia do corpo eleitoral.

Foram estes, segundo as notas que tomei, os principaes pontos que s. exa. tocou.

Sobre todos, um dos mais importantes pontos tratados por s. exa., foi quando definiu a feição politica da camara e quando se referiu ao seu manifesto politico, ao qual o paiz respondeu pedindo em altas vozes a reforma da lei eleitoral e da camara dos pares.

São, pois, estes os pontos que me proponho tratar.

Sr. presidente, fallou s. exa. em decadencia parlamentar.

Eu nunca vi desauctorisor em publico, e por uma fórma tão extraordinaria e ao mesmo tempo tão vehemente as duas casas do parlamento, como o nobre ministro fez na sessão em que proferiu o seu notavel discurso.

Mas, sr. presidente, se s. exa. entende que a decadencia parlamentar tinha justificado plenamente os actos de dictadura e a reforma eleitoral, permitta-me que lhe diga d'este logar, que, se decadencia ha, não partiu do corpo eleitoral nem do parlamento; a decadencia partiu de cima partiu do governo, e o povo não é senão o espelho d'esse governo.

Se os governos fazem boa administração, o povo acceita a boa administração, se os governos são moraes, o povo é moral, se os governos são ordeiros o povo é ordeiro mas sempre que os governos saem dos caminhos legaes naturalmente o povo sáe d'esse caminho. Já vê v. exa. e a camara que a decadencia não parte do corpo eleitoral e eu demonstrarei, logo com exemplos bem frisantes se adecadencia vem de baixo ou de cima.

A decadencia parte do governo, quando nós vimos um ministro acceitar no parlamento um projecto, e passados dias vir a esse mesmo parlamento revogar o projecto apresentando rasões inadmissiveis. Esse projecto ha de vir á discussão, e n'essa occasião tratarei mais largamente d'elle. Pois póde admittir-se que venha um ministro ao parlamento, declarar que desiste d'esse projecto porque o coronel Galhardo declarou verbalmente que não acceitava o posto de accesso? Pois o sr. ministro da guerra, mantenedor da disciplina, acceita uma renuncia feita por um official, nas mãos do presidente do conselho, e vem declarar isto no parlamento? Onde está a desordem, é em cima ou em baixo? Aqui não é desordem mas sim anarchia.

Se isto fosse verdadeiro, o coronel Galhardo devia estar mettido em conselho de guerra por se ter dirigido a um ministro, que não era seu superior hierarchico a tratar de negocios militares.

Parece-me que a isto é que se chama actos de indisciplina, e que o sr. ministro da guerra é o primeiro a dar exemplos de verdadeira decadencia.

Sr. presidente, ha um assumpto, sobre o qual tenho grande repugnancia em fallar e citar n'esta casa, mas não

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estou aqui para fazer a côrte a ninguem; o nosso dever dizer o que pensamos sobre negocios publicos.

Sr. presidente, o nobre ministro da justiça deu um triste exemplo de decadencia bem frisante. (Apoiado do sr. condi de Lagoaça.) Pois que, consente-se que um réu condemnado pelos tribunaes do Lisboa, onde devia cumprir a sentença, fosse transferido para Braga, dando isto logar uma ridicula manifestação, que foi ao mesmo tempo um grave offensa para os tribunaes do paiz? Quando é que se viu isto?

E não pára aqui o escandalo: a auctoridade superior ecclesiastica consentiu a glorificação do réu celebrando-se um Te Deum.

Ignoro se o réu foi condemnado justa ou injustamente, o que sei é que houve processo, que foi condemnado em primeira e segunda instancia, e que o supremo tribunal de justiça ainda lhe aggravou a pena.

Está ahi o presidente da relação que póde comprovar isto, e sinto não ver presente o presidente do supremo tribunal de justiça para o confirmar.

Consente-se que se faça á saída da cadeia uma ovação ao réu, ovação que poderia ter provocado serios tumultos; pergunto, pois, de onde vem a decadencia, vem de baixo ou de cima?

Toda a gente sabe quaes são as minhas ide as politicas mas francamente custa muito ver tratar assumptos d'esta ordem com a maior indifferença e completo desprezo da lei.

O partido conservador, quando existia o verdadeiro partido conservador, era elle que mantia bem alto o prestigio da lei e as regalias da corôa. Posso dizel-o sem medo de ser desmentido.

Atacaram-se os homens mais notaveis do paiz, apodando-os de reaccionarios, e eram elles todavia que mantinham o prestigio da lei e as regalias da corôa. Os chamados patriotas (!) esses fizeram o que nós sabemos e o que se viu depois.

Decadencia parlamentar! Decadencia do governo, sim.

Pois não está na memoria de todos que, quando o paiz todo applaudia um dos nossos mais distinctos officiaes de marinha, o governo o mandava metter em conselho de guerra! E não é verdade que o conselho, por unanimidade, o absolveu, e que esse official está hoje exercendo funcções de confiança? (Apodados.)

Quem provocou o conflicto com a Franca? Quem fez com que nós fossemos completamente desautorados por Cazimiro Périer? Que triste lição levámos então. Nunca um presidente do conselho tratou assim um governo estrangeiro no parlamento.

Decadencia do parlamento! Incapacidade do eleitor!

Onde estará a nossa verdadeira decadencia?

Pois então não foi o governo que deu instrucções ao seu representante para assistir ao acto de se arriar a bandeira nacional em Kionga e ver arvorar a allemã?! (Apoiados.) Eu bem comprehendo que um paiz pequeno tem quasi sempre de ceder ante um governo mais poderoso: mas deve ceder com dignidade.

O proprio Papa Pio IX, cuja missão no mundo como chefe da Igreja era de paz, o que tez como soberano temporal, quando viu Roma cercada por um exercito numerosissimo? Capitulou; mas só depois de o inimigo ter aberto brecha em uma das portas de Roma! Tinha 12:000 homens promptos a todos os sacrificios, não quiz fazer victimas, cedeu á força e ao abandono das nações, mas salvou assim a honra da bandeira e do pequeno exercito dos estados pontificios.

Confronte-se isto com o que o nosso governo fez em Kionga.

E agora, sr. presidente, tambem pergunto o que fez o governo na vespera das eleições?

Recommendou aos inspectores do sêllo que procedessem de fórma a não molestar os que estavam incursos em multas e que por lei lhes deviam ser applicadas, e violando a lei assim póde conseguir vencer as eleições na cidade do Porto, que até então era um forte baluarte do partido progressista.

A corrupção parte de cima ou vem do eleitor. De certo que parte de cima.

Sr. presidente, creio- que não resta a menor duvida de que os missionarios que estavam nas vizinhanças de Lourenço Marques trabalharam muito contra nós de accordo com o Gungunhana, excitando os negros á revolta.

O que fez o governo?

Expulsou esses missionarios do nosso territorio, como era seu dever?

Não; elles ainda lá estão.

Eu não queria que os mandasse fuzilar, mas devia expulsal-os.

Segundo vejo nos jornaes, o governo confiou na promessa que elles fizeram, e nada fez.

Que medo é este?!

Não será isto decadencia e falta de patriotismo?

O sr. ministro do reino ainda ante-hontem nos disse que a India não estava pacificada, e que era necessario evitar todos os ataques n'aquella nossa possessão ás pessoas e á propriedade.

Mas como é que s. exa. harmonisa o que disse aqui com o que se le no relatorio enviado ao governo pelo governador da India?

O que é o relatorio do governador da India senão uma relação de todos os ataques, de todas as atrocidades, praticadas por aquella auctoridade ou pelos nossos soldados, e por ordem d'aquella auctoridade.

O relatorio consiste n'uma relação das aldeias que foram incendiadas, de todos os gados que mataram e das colheitas que destruiram.

Será isto evitar os ataques ás pessoas e á propriedade?

Eu imaginava que, depois das declarações do nobre ministro, o governo tivesse demittido esse funccionario, mandando-o em seguida responder a conselho de guerra.

Em vez d'isso, o nobre ministro do reino, na sua resposta, disse-nos que o governo não tem conhecimento de cousa alguma com relação ao governador da India.

Eu não sei se é verdade o que dizem os jornaes, referindo as palavras de uma conversa havida entre o sr. Ferreira do Amaral e o sr. ministro da marinha, com relação a um convite que foi feito ao sr. Amaral.

Não quero desmentir o nobre ministro, mas tenho fortes rasões para acreditar que o que dizem os jornaes é verdade.

É possivel que o seu collega da marinha não tivesse dado conhecimento a s. exa. desse facto, mas o que eu posso asseverar a s. exa. é que o facto, como vem narrado nos jornaes, tem todo o cunho de verdadeiro.

Desde o momento, porém, em que o nobre ministro não em conhecimento do facto referido, não quero insistir sobre este ponto.

Sr. presidente, decadencia e bem decadencia e o que o governo tem feito, alienando constantemente, por meio de concessões, os nossos territorios de alem-mar, dando gratuitamente a toda a especie de corretores, que outra cousa não são os concessionarios, os quaes, logo que obtêem as concessões, as passam a outras mãos por boas libras.

Eu creio, sr. presidente, que v. exa. e a camara não têem conhecimento de um edital publicado pela companhia franceza do planalto de Mossamedes.

Pois uma parte d'esse documento é o seguinte:

"Tolhe-se o direito commercial e a esphera de acção a commerciantes que ha longos annos permutam com o genio, em favor de uma companhia estrangeira, e obriga-se o indigena a negociar, não com quem elle entende, mas im a fazel-o com uns intrusos que elle não conhece, e que nada tem feito a bem do progresso, e nada tem concorrido para firmar os direitos de Portugal nos sertões de

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Africa. Cria o desanimo e a descrença em corações genuinamente portuguezes, que agora se acham preferidos; por estrangeiros, aventureiros e sedentos de trabalhos alheios!

«A companhia é tão manifestamente estrangeira que o gerente da feitoria do Humbe não teve receio em declarar em uma das casas commerciaes da Chibia, que a companhia de Mossamedes não era formada com um fim puramente commercial, mas sim politico, visto Portugal ser um grande devedor á França, constituindo esta concessão uma garantia da referida divida. A ser isto verdade, Real; Senhor, convencemo-nos que o ministro de Vossa Magestade, que deu os direitos e concessões a tal companhia,! pretendeu vender-nos e vender os nossos direitos!

«Consta-nos tambem que esta companhia entrou em negociações de trespasse dos direitos das suas concessões a uma outra que se formou em París com o capital de 7 milhões de francos, entrando n'esta transacção as minas de Cassinga, minas que a actual companhia ainda não póde chamar suas, visto não estar definitivamente tratado: este negocio com os interessados e descobridores das ditas minas, e que pelas leis das concessões a esta companhia, dadas pelo governo portuguez, não lhe é permittido fazel-o.»

Sr. presidente, isto é espantoso!

Pois então o governo portuguez dá uma concessão que os concessionarios passam, simulando uma direcção em Lisboa, mas o comité dirigente e verdadeiro dono está em Paris, e dá-se a isto o nome de concessão? Que decadencia, sr. presidente. Aqui o eleitor é quem paga.

Mas ha mais, ouça a camara o que diz ainda o edital:

«O litoral e as colonias do planalto não são pontos commerciaes, mas sim localidades onde os negociantes vem retemperar a sua saude deteriorada pelas lides nos sertões onde encontram o seu ganha pão. Actualmente as concessões tão latas dadas á companhia de Mossamedes, vem tolher por completo os negocios e os meios de subsistencia dos moradores d'este districto. Á colonia bóer, esta determinação da companhia, vem tambem trazer graves difficuldades, porque vivendo de transportes de cargas feitos em seus carros e estando actualmente o negocio frouxo, não encontrando cargas com facilidade, têem de lançar mão da caça para seu sustento, e para alcançarem algum dinheiro com o marfim obtido com a caça do elephante, o que quasi exclusivamente se encontra nos territorios da actual companhia. Os boers entendem justa uma lei da caça imposta pelo governo, mas não por uma companhia puramente particular, que mais tarde se póde tornar n'uma grande especuladora, levada a isso pela sua ambição commercial.

«Em vista de tudo o que fica exposto:

«Protestâmos contra as concessões tão amplas, dadas á companhia franceza de Mossamedes, que tanto vem prejudicar os interesses do districto e os da sua população.

«Protestâmos pela maneira imperiosa e pouco honrosa para nós, querendo lançar assim a população de um districto, já de si pouco rico, na miseria e pobreza.

«Finalmente, protestámos pela maneira ardilosa usada pelos representantes da companhia, a fim de annullarem os direitos de descoberta e de posse das minas de oiro até hoje descobertas ou encontradas por alguns moradores d'este districto, tendo os mesmos concorrido com o seu trabalho e capital para ver se assim poderiam dar mais desenvolvimento e riqueza a este districto, descobertas estas que foram feitas muitissimo antes da organisação d'esta celebre companhia e que com certeza deu origem á sua nascença.

«Senhor! Graves prejuizos acarreta ao commercio tão impensada concessão, e incalculaveis são as dificuldades que uma tal companhia levantará á vida politica e social do districto. E ninguem prevê onde levarão futuras potencias se as que actualmente tenta pôr em pratica passarem desapercebidas.

«Podem ellas levantar a revolta entre os indigenas pouco humildes d'este districto, e então Portugal ver-se-ha na dura necessidade de derramar o sangue de seus filhos, não na defeza da patria, mas sim na defeza dos interesses de aventureiros, cujo fim não póde ser o progresso da nossa terra.

«Senhor! Nós não deixaremos de protestar perante Vossa Magestade contra uma administração estrangeira.

«Plan'alto do districto de Mossamedes, em 27 de dezembro de 1895.

(Seguem, as assignaturas.)

«E assim, por uma coincidencia bem notavel, e bem triste, o commercio de Mossamedes solta aquelle mesmo grito que aqui, na metropole, ha tempo estamos soltando:

« - Nós não deixaremos de protestar contra uma administração estrangeira.»

O sr. Conde de Lagoaça: - Póde v. exa. insistir sobre esse ponto, de que eu tenho pleno conhecimento e de que tencionava tratar aqui.

O Orador: - Assim conclue a petição dirigida a El-Rei.

Aqui tem v. exa. o que se fez.

Fazem-se concessões e, quando os colonos já ali estabelecidos querem traficar, diz-se-lhes: fóra d'aqui, que isto é francez!

Aqui tem v. exa. os factos que não vem ao parlamento, e são, aliás, da sua exclusiva competencia e apreciação. Só somos consultados para sanccionar os erros do governo.

Quem faz as concessões?

É o parlamento? Não! São os governos decadentes e não o pobre eleitor.

Mas ha mais: um portuguez obtem uma concessão do governador de Moçambique; dizem-lhe d'aqui que não é legal.

O homem vem a Lisboa, obtem a concessão, esta é publicada no Diario do governo, é por conseguinte lei, vae para Moçambique e o commissario regio, segundo me dizem, informa para Lisboa, diz que não convem conceder tal concessão porque a concessão, apesar do homem ter gasto já uns 60 contos de réis, póde prejudicar os interesses de alguns estrangeiros.

Pois nós já não podemos legislar na nossa casa?!

Sr. presidente, eu vi hontem nos jornaes que no parlamento francez se apresentou um projecto sobre o emprestimo de D. Miguel, e que um senador pediu a intervenção do governo francez para que os possuidores dos titulos ainda não liquidados sejam indemnisados.

Ora, sr. presidente, este emprestimo de D. Miguel parece-se com os cogumellos na terra; quantos mais se tiram mais apparecem, quantos mais titulos se pagam tantas mais reclamações apparecem.

Pois isto é verdade? Esta questão foi já liquidada com o governo francez por uma vez; se ella revive não é culpa do parlamento, mas do governo ou da pouca previdencia da nossa diplomacia!

Eu não sei, mas é preciso que se pesem bem as responsabilidades e que alguem nos diga se isto é ou não verdade.

Disse o nobre ministro do reino que a sua larga dictadura fôra necessaria para restabelecer as forças vivas do paiz.

Ora, se as forças vivas do paiz é isto, não está vivo, está morto.

Para justificar a reforma da camara dos pares, referiu-se s. exa. largamente aos tumultos da camara dos senhores deputados antes da sua dissolução.

Sr. presidente, eu tenho bem presentes os factos, porque assisti casualmente a essa sessão. Perguntarei, quem foi que provocou esses tumultos, foi a opposição ou foi o

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governo? Foi evidentemente o governo. Se um membro da maioria não tivesse mandado no meio do tumulto para a mesa uma emenda ao regimento, se o presidente d'aquella camara, de perfeita connivencia, não tivesse dado por votada aquella proposta, aquellas scenas tumultuosas ter-se-íam evitado. Foi regular o procedimento da maioria, foi regular o procedimento do presidente dessa camara? De certo que o não foi. Portanto, foi o governo quem o provocou e parece que de proposito.

O governo quiz achar um pretexto para justificar junto do chefe do estado a questão da dissolução, para entrar no caminho da dictadura, foi inventada uma pavorosa parlamentar, e naturalmente o chefe do estado, que está fóra d'essas intrigas, viu que effectivamente era justificada a dissolução do parlamento e que os srs. deputados eram incorrigiveis. Foi o governo, quero dizer, o illustre ministro do reino, que armou o laço á opposição e ella caíu n'elle e s. exa. aproveitou-lhe as consequencias.

Pois, se em vez d'aquella emenda mandada para a mesa de surpreza, se propozesse abertamente o reformar-se o regimento d'aquella camara, como se fez agora, dando-se poderes ao presidente para evitar tumultos e carteiras partidas, não se teriam dado os factos que se deram, e não teria o governo pretexto para entrar no caminho da dictadura.

Eu tinha tambem tomado nota sobre uma apreciação do sr. ministro do reino, que já foi largamente exposta pelo sr. conde de Lagoaça; mas como o illustre ministro do reino declarou que nunca lhe tinha passado pelo espirito esta apreciação, que nunca fôra intuito seu ferir a parte electiva d'esta camara, desde que não era o seu pensamento a interpretação que o sr. conde da Lagoaça deu a uma parte do seu discurso, e que eu notei tambem, é evidente que devo passar sobre este ponto e sobre elle nada direi.

Sr. presidente, o sr. ministro do reino censurou asperamente os accordos, que os parlamentos não tinham vivido senão de accordos, que isto era inconstitucional, que não era pratico nem digno.

S exa., censurando os accordos, estava em contradicção comsigo mesmo, pois que nos disse que ainda tentara mais uma vez por intermedio do actual sr. ministro da marinha, um accordo com a opposição, pedindo ao seu collega que empregasse todos os seus esforços, a fim de ver se conseguia que a opposição entrasse na ordem, fazendo opposição, mas opposição ordeira.

Isto, sr. presidente, não se comprehende!

Pois o nobre ministro que nos veiu dizer que condemnava os accordos, confessa-nos em seguida que ainda propoz um outro accordo com a opposição?!

E ainda ha mais, sr. presidente, o illustre ministro referiu-se ás fornadas, e disse que uma das rasões que levara o sr. Fontes Pereira de Mello a crear a parte electiva d'esta camara foi para evitar que se fizessem continuadas fornadas, e depois diz-nos que a experiencia tinha demonstrado que as fornadas de pouco ou nada serviam, por isso que um governo que abusou das taes fornadas, mettendo de uma vez n'esta casa vinte e cinco ou vinte e seis pares, acabou por caír.

O que s. exa. não quiz dizer foi que esse governo tinha perdido a confiança da opinião publica e que os pares do reino nomeados, interpretando o sentir d'essa mesma opinião, embora nomeados pelo governo, votaram contra elle. Isto depõe a favor d'esta camara e prova que apesar do abuso a fornada era melhor que a camara electiva.

Já v. exa. vê que as taes fornadas não eram tão más nem tão nocivas como nos quiz fazer acreditar o nobre ministro.

Disse mais s. exa. que as fornadas tinham o inconveniente de não poder haver um numero de pares fixo e que a camara dos pares decidia sempre com numero muito superior de votos á camara dos senhores deputados.

Pois apesar d'essas fornadas, sr. presidente, a camara dos pares, passado pouco tempo, estava abaixo do numero da camara dos senhores deputados, e tanto isto é verdade, que a camara se viu obrigada a introduzir no seu regimento a disposição de poder funccionar com dezenove pares.

S. exa., fallando ainda na parte electiva, disse-nos que o eleito se deixava dominar, por que era ignorante, pois que para ser eleitor bastava ser chefe de familia ou pequeno contribuinte.

S. exa., no seu largo e eloquente discurso, contou-nos cousas extraordinarias sobre este ponto, mas não chegou a uma conclusão que nos lograsse convencer.

O nobre ministro, no seu discurso, até chegou a avançar que as gerações modernas estão decadentes, estão por assim dizer flaccidas!

Oh, sr. presidente, é profundamente lamentavel que o illustre ministro proferisse similhantes palavras n'uma occasião em que os nossos soldados acabam de levantar em Africa o prestigio do nome portuguez. Os nossos soldados, que nunca tinham entrado em fogo a valer, que apenas haviam assistido a manobras commandadas pelo sr. ministro da guerra, conduziram-se como é conhecido de todos.

Assim o disse aqui o sr. ministro da guerra. Uma cousa é combinar a campanha no gabinete, outra cousa é realisal-a no campa de batalha.

Os nossos soldados fizeram a admiração dos estrangeiros. Commandados por bons chefes, conduziram-se debaixo de fogo como se estivessem n'um exercicio.

E é o sr. ministro do reino que nos vem dizer que a nossa geração está decadente. Não insisto n'este ponto.

É extraordinario que esta sentença partisse das cadeiras dos srs. ministros.

Se isto fosse verdade deveriamos pedir aos estrangeiros para nos injectar sangue novo e nos ensinar o meio de levantar uma raça decaída; felizmente essa decadencia existe só no governo.

Disse mais s. exa. que as fornadas successivas justificavam um numero fixo.

Sobre este ponto expuz, na primeira vez que tomei a palavra, as minhas duvidas.

Ainda se não deu uma resposta satisfactoria, apenas o sr. relator baseou a sua argumentação na honradez do sr. ministro.

Eu confio na palavra honrada dos srs. ministros, mas as leis não podem fundamentar-se na sua palavra. Quem tem de interpretar as leis baseia-se na letra d'ellas e não na palavra dos srs. ministros. (Apoiados.)

Ninguem respeita mais do que eu a palavra do sr. ministro do reino, e se eu tivesse de fazer com s. exa. qualquer negocio particular, bastava-me a sua palavra, mas em negocios publicos ou politicos, não.

É extraordinario este argumento do sr. relator da commissão, de um homem que abriu os olhos ouvindo o sibilar das balas para implantar a liberdade no nosso paiz.

Sr. presidente, se amanhã o sr. ministro do reino sair d'aquellas cadeiras e o seu successor preencher as vagas de pares que houver disponiveis, qualquer governo que venha depois ha de pedir a reforma da camara, por que não poderá viver com uma camara cuja maioria lhe for hostil. Isto é fatal.

A isto ninguem me respondeu nem me responderá, porque contra factos não ha argumentos.

Pois uma lei que não se póde cumprir não se apresenta e não se vota.

Sr. presidente, o sr. ministro insistiu muito na nota das fornadas. Desde quando não se fazem fornadas? Desde as ultimas reformas politicas. Ha dez annos, então, para que defender o numero fixo como argumento contra as fornadas?

Eu que sou opposto ao principio electivo da camara, pergunto qual foi o facto que determinou a dissolução da

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parte electiva d'esta camara? Houve conflictos, o governo encontrou attritos na camara dos pares? Não. Então se os não encontrou porque a dissolveu? Para crear o numero fixo? Mas o numero fixo é um absurdo.

O sr. ministro do reino ameaçou-nos dizendo:

«Juizo, muito juizo, se não o governo sabe o que ha de fazer.»

Ainda n'este ponto, permitta-se-me que diga, s. exa. este vê em contradicção comsigo mesmo, pois disse muito claramente que esta camara não tinha feição politica, que devia ser Conservadora. Não é politica?

Pois não é exactamente s. exa. que nos dá a feição politica? (Apoiados.)

Pois a camara dos pares não é politica?

As duas camaras não funccionam conjunctamente?

Não é esta camara, para assim dizer, quem corrige as demasias da camara popular?

Pois não trouxe o governo a esta camara o bill de indemnidade? Não foi a proposta do bill, senão a primeira, uma das primeiras que submetteu ao exame e approvação d'este ramo do poder legislativo?

Pois não é o bill de indemnidade a absolvição politica de todos os actos que o governo praticou dictatorialmente?

Se esta camara não é politica, ou não tem feição politica, escusava o bill de vir aqui.

Esta theoria é nova!

Se esta camara não é uma assembléa politica, então o que é?

Somos apenas uma chancella?

Sr. presidente, ha todavia um ponto que não comprehendi, apasar de ter a s. exa. na conta de uma alta capacidade.

Creia o nobre ministro que isto não é um comprimento, é a expressão exacta do que sinto.

S. exa. parece-me que pretendeu vir aqui paraphrascar as palavras de Fontes.

Quando pediram a Fontes reformas politicas, isto é, quando o partido progressista lhe pedia as reformas politicas, respondia aquelle grandioso vulto da politica contemporanea:

«Tive de percorrer o paiz de norte a sul e ninguem me pediu reformas politicas. Fallaram-me em pontes, em estradas, em melhoramentos materiaes de toda a ordem, mas ninguem me fallou em reformas politicas.»

Sabe v. exa., sr. presidente, o que depois succedeu?

Pouco depois Fontes Pereira de Mello apresentava a sua proposta de reformas politicas.

Aquelle estadista incorrera n'uma contradicção enorme, praticara o erro mais capital de toda a sua vida publica. (Apoiados.)

O chefe do partido regenerador, que era quem representava as idéas conservadoras, não devia apresentar a proposta para as reformas politicas.

Essa missão pertencia ao chefe do partido progressista e, se fosse este quem tivesse tomado a iniciativa da apresentação de uma proposta para reformar alguns artigos da nossa constituição, seria muito possivel que essas reformas ainda hoje existissem. (Apoiados.)

O partido progressista não desapprovou por completo essas reformas, tolerou-as simplesmente, e o resultado é aquelle que estamos presenciando e ainda o que teremos de presenciar. (Apoiados.)

Creia o sr. ministro do reino que no dia em que o governo de que s. exa. actualmente, faz parte, abandonar essas cadeiras, o partido progressista ou qualquer outro, ha de reivindicar os seus direitos, ha de restabelecer as regalias que s. exas. tiraram, e o chefe do estado ha de conceder-lhas, porque não é chefe de um partido, porque não póde negar a uns aquillo que tão prodigamente dispensou a outros. (Apoiados.)

Quando o partido progressista ou outro qualquer, disser ao chefe do estado que é indispensavel proceder a certas reformas, decretar umas determinadas medidas, o soberano ha de concordar com os individuos que então formarem o governo, sejam elles quaes forem.

Fallou-nos o sr. ministro do reino no seu manifesto politico. Pois permitta-me s. exa. que eu diga que tal documento é que não está á altura da sua reconhecida capacidade.

Aqui está o confronto com Fontes.

Disse s. exa. que de todos os pontos do paiz lhe pediram a reforma da lei eleitoral, que exigiram que corrigisse os vicios d'esta lei,, e que lhe indicaram a necessidade da reforma da camara dos pares, e que ninguem fez; opposição aos intuitos que o governo manifestava.

Pois o partido progressista e os homens politicos não disseram alto e bom som que se tocassem na lei eleitoral e na reforma da camara dos pares, à sua abstenção seria plena e completa?

Pois se isto é uma verdade, não contrariou o governo, muito intencionalmente, o partido progressista?

Pois o procedimento do partido progressista não teve origem na declaração franca que elle apresentou? O que disse o partido progressista ao governo?

Disse-lhe que fizesse dictadura, muito embora, em questões de administração, mas que não tocassem em dictadura na reforma da lei eleitoral nem na reforma da camara dos pares, e pozeram logo, clara e nitida, a sua questão de abstenção.

Ouviu o governo estas advertencias?

Não ouviu nada, fechou os ouvidos; mas, se os fechou para não saber ou fingir não saber aquillo que lhe era ponderado, não venha agora dizer que ninguem fez opposição ás suas reformas.

Fizeram opposição, fizeram-n'a da maneira mais solemne, fizeram-na e chegaram a levar a sua abstenção até o conselho d'estado.

Sabe v. exa. qual é a minha opinião a este respeito?

As cousas são o que são.

Esse partido absteve-se, e com elle homens importantes na politica. Consequencia d'essa abstenção, a confusão e este espectaculo; por isso estas leis, que estão sendo votadas, hão de ser, fatalmente, revogadas. Não são os homens que se assentam hoje nas cadeiras do poder, não é o governo, quem soffre com isso; é o paiz quem ha de soffrer as consequencias d'estes desatinos politicos, permitta-se-me que o diga.

Sr. presidente, sinto-me cansado, por conseguinte, vou concluir, acrescentando apenas o seguinte:

O sr. ministro do reino, certamente por um lapso de memoria, disse que as revoluções n'este paiz tinham acabado em 1851. Ora, as revoluções não acabaram n'essa epocha. A ultima revolução foi aquella em que o marechal Saldanha se apresentava, de madrugada, no palacio da Ajuda, e quasi que intimava o rei a demittir o duque de Loulé. Todos sabem como então os factos se passaram, e, portanto, é inutil insistir sobre este ponto.

Ha revolução armada e revolução pacifica. Revolução pacifica é a que se está dando n'este momento por parte do governo.

Disse o sr. ministro do reino: «A opinião publica está comnosco». Ora, é preciso que s. exa. saiba, e isto era a opinião de um homem que n'esta mesma cadeira se assentava antes de mim, que n'este paiz nunca houve revolução que vingasse, sem ser secundada, pela força publica.

Desde que á força, publica não tomar parte, não ha revolução.

Portanto, os actuaes srs. ministros podem dormir socegados, escusam de augmentar a guarda municipal e o corpo de policia, porque, emquanto o exercito não quizer tomar parte em qualquer demonstração, nada haverá de revolução e s. exas. podem dormir descansados, evitando assim as grandes despezas com esse corpo de guardas, aliás bonito,

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mas que está custando muito dinheiro, sem vantagem alguma.

Escusam, portanto, repito, s. exas. de augmentar a força publica, emquanto o exercito entender que não deve tomar cesse feito, parte na politica, mas no dia em que elle a isso se resolver, nem guarda municipal, nem policia servirão de dique para salvar o governo e conserval-o nas cadeiras do poder. Disse.

O sr. Conde de Bertiandos: - Começo por mandar para a mesa a seguinte emenda ao artigo 5.° do projecto. (Leu.)

Pareceria talvez mais regular que eu enviasse esta emenda, quando se discutisse o proprio artigo 5.° Entendi, porem eu, que importava apresental-a agora, que se discute a generalidade do projecto, visto que o artigo 5.° constitue uma parte importantissima da economia do mesmo projecto.

Seguindo-me a fallar, depois do digno par sr. conde de Thomar, não tenho que responder a nenhum argumento de s. exa. por isso que s. exa. atacou o projecto, e eu não o defendo.

Tudo o que eu teria a dizer está dito e redito; e não desejo cansar a camara, que parece terá certamente já a sua opinião formada sobre o assumpto. Alem de que, os argumentos apresentados pela opposição, têem ficado sem resposta. Por isso, não cansarei a attenção da assembléa, lembrando-me de que nisi utileq uod facimus, stulta est gloria. Paraphraseando, direi que se a camara dos pares do reino não conseguir melhorar os projectos vindos da outra casa do parlamento - stulta est gloria - de nada servirá o seu trabalho, baldados serão os seus discursos, e todo o esforço inutil e de nenhum valor.

E n'esse caso não merece a pena que ninguem esteja a ser immolado n'essas aras do sacrificio a que se referiu o sr. conde do Bomfim no seu substancioso discurso.

E permitta-me o meu illustre collega e amigo um parenthesis para lhe dizer que me parece se enganou com relação á victima principal do sacrificio.

Se nos é dado comparar o que é immenso e infinito com o limitado e finito, direi ao digno par que n'essa occasião do seu discurso me lembrei d'aquella velha que ía de manhã muito cedo e com muito frio para a missa, e dizia: «bem se diz o santo sacrificio da missa». A mulher suppunha que se tratava do sacrificio dos ouvintes!

Se me é permittida a comparação, eu direi que não é o sr. conde do Bomfim que se sacrifica, nem somos nós os sacrificados, o que se sacrifica é a camara dos pares; e é isso o que eu não quero.

Sacrifica-se a camara dos pares, e n'esse caso sacrifica-se a monarchia, sacrifica-se a patria!

Sr. presidente, se somos monarchicos e queremos o bem do paiz, tratemos da dignidade d'esta camara, que é o baluarte das nossas instituições.

Por isso, eu mando para a mesa a emenda a que me referi.

Vou ser breve, analysando apenas as bases do projecto.

É a primeira a falta de eleitor; como não ha eleitor acabou a parte electiva d'esta camara. Não ha eleitor?!

O sr. ministro do reino mostrou-nos como outr'ora se faziam as eleições, inclusive as de accumulação, que se effctuavam no ministerio do reino.

Explicou-nos a falta de eleitor. Mas eu julgava que depois da dictadura tudo se remediára.

Nós hoje temos eleitor, um eleitor feito de novo, que saiu do espirito de s. exa. armado e prompto para a lucta, exactamente como aconteceu a Marte, que saiu da cabeça da deusa. Porque se não usa d'esse eleitor? Porque o não deixaram entrar em funcção nas ultimas eleições? Eu não o pude comprehender. Seria porque as urnas habituadas a todo o trabalho não deram logar a que o eleitor exercesse o seu officio?

As urnas portuguezas parecem-se então com um bule feito de barro tão especial e habituado a fazer chá, que bastava deitar-se-lhe agua quente para que o chá apparecesse feito.

Parece que nas ultima eleições as urnas tão ciosas foram do seu tradicional direito, que por mais que o eleitor quizesse intervir nada conseguiu. As urnas disseram-lhe: «isto é comnosco».

Ainda houve alguns eleitores no Porto que insistiram, mas não adiantaram nada.

As urnas fizeram tudo; eu a principio não comprehendi para1 que serviria o novo eleitor creado pelo governo com tanto esmero, mas de repente disse commigo: «Já sei, o eleitor está guardado para a eleição dos pares do reino; fica um eleitor novo em folha para essa occasião; tanto mais que o trabalho das urnas foi d'esta vez muito maior, vista a quantidade de nomes de cada lista».

Pois enganei-me. O governo fez desapparecer a parte electiva da nossa camara por não haver eleitor. Então para onde se sumiu esse eleitor, creado com tanto esmero pela dictadura?

Não sei, e faz-me isto grande confusão. Disse tambem o governo que formára a camara dos pares com numero limitado, porque os governos não sabem moderar os seus desejos illimitados, e d'ahi costumam provir as exageradas fornadas. De sorte que já temos explicados dois dos fundamentos deste projecto; o terceiro é a natural falta de prudencia dos pares do reino.

O governo recommenda-nos juizo, muito juizo. Isto de ter juizo, sr. presidente, é preciso saber-se o que significa; porque, para o dono do escravo, ter juizo, é andar sempre ás ordens do dono.

Será isto o que nos quer dizer o governo: tenham juizo! Ora, a mim dá-me vontade de dizer que a um paiz que fosse do modo por que o pintou o sr. ministro do reino, não se lhe devia dar uma constituição, mas sim uma camisa de forças.

Mas o governo quiz dar uma constituição ao paiz e reservou para nós a camisa de forças - o artigo 5.° do projecto.

E quando não houver juizo vem o artigo 5.° e diz-nos:

(Leu.)

«.....no todo.»

No todo; note bem a camara, quando algum projecto não passar integralmente na camara dos pares, volta á camara dos deputados; e, como lá tem sempre maioria o governo, se este não concordar com a alteração, tambem a camara não concordará. E o que se faz então?

Vamos para o congresso, e muito calados, porque no congresso não se discute.

Nós, os pares do reino, chegâmos ao congresso e damos o nosso voto, quer dizer, basta que a camara dos senhores deputados approve o projecto, porque nós não somos precisos para nada.

Se tivermos juizo, é claro que votamos tudo quanto o governo quizer.

As camisas de força são simplesmente para quando se precisar d'ellas, para quando não houver juizo.

Eu entendo, sr. presidente, que á dignidade da camara importa a eliminação do artigo 5.° do projecto.

Quer a camara que se modifique tambem o artigo 1.°, que a camara, em vez de ser uma camara fechada, passe a ser uma camara aberta?

Eu não mando emenda nenhuma para a mesa n'esse sentido, porque entendo que o que é necessario é haver tino nos altos poderes do estado.

Desde o momento em que não se exige um numero certo, determinado, de pares, tanto importa que a camara seja aberta como fechada. Em todo o caso eu não contrariarei que se modifique o artigo 1.° do projecto, comtanto que desappareça o artigo 5.°

Sr. presidente, n'estas minhas considerações, com rela-

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ção ao artigo 5.° do projecto, eu estou de accordo com a antiga opinião do governo.

O governo, muito melhor do que eu, defendeu o que estou dizendo no relatorio que precede o decreto dictatorial.

(Leu.)

Sr. presidente, fallou o sr. ministro do reino no que succedia no Brazil a este respeito.

No Brazil, porém, as cousas passam-se de uma maneira diversa.

Em primeiro logar, no congresso brazileiro falla-se, discute-se.

Portanto, póde haver da parte do senado esperança de modificar a opinião dos deputados; pelo presente projecto, não se discute, vota-se apenas.

Alem d'isso, pela constituição brazileira, só se reune o congresso quando se trata de emenda e não quando o projecto é rejeitado no todo, como vae succeder entre nós; assim, ficará completamente annullado todo o nosso valor.

Falla o governo em que a camara dos pares deve estar muito satisfeita pela situação esplendida, extraordinaria, com as grandes honras com que fica.

Somos unicos! Acabaram as fornadas!...

Tambem outr'ora a alguem se lhe poz uma coroa, mas essa corôa era de espinhos. Deram-lhe um sceptro, mas esse sceptro era uma canna. Pregaram-no depois n'um madeiro, e as multidões disseram-lhe: «Se és Deus, desprende-te d'essa cruz».

Sr. presidente, é alimentando vaidades que o governo quer tirar-nos toda a força e todo o poder? Mas isto é uma irrisão que a camara dos pares não deve consentir.

Eu creio, sr. presidente, que não está na mente de nenhum par entregar a camara sem nenhuma defeza.

Não creio, sr. presidente, e, se eu quizesse continuar a comparação, que de leve acabo de fazer, eu lembraria á camara que, se os nomes dos verdugos desappareceram da memoria dos povos, houve um nome que passou através dos seculos, um nome que escalda os labios de quem o pronuncia - o do apostolo que entregou o Mestre e a Igreja nascente!

Creio, sr. presidente, que a camara se ha de compenetrar de que é indispensavel salvaguardar a dignidade d'esta casa.

N'isto que eu digo não vae de fórma alguma offensa a ninguem, e vae até louvor e elogio á camara dos deputados, que defendeu os seus direitos na modificação que fez ao projecto do governo, que era diverso.

O governo consentiu n'isso, apesar de, no seu relatorio, mostrar que o seu parecer era contrario.

O que eu desejo saber agora é se o sr. ministro do reino, que tanto nos promettêra toda a benevolencia e concordancia do governo para com esta casa do parlamento, e que nunca faria pressão alguma sobre os seus amigos politicos, comece já a provar isso com factos, ou se vem fazer questão politica em assumpto tão grave para a dignidade da camara dos pares do reino.

Sr. presidente, fallo com toda a sinceridade. Poderia discutir o projecto em outros pontos, mas como eu comecei por dizer: Nec utile guod fiamos stult est gloria, e sei que não é natural que este projecto deixe de seguir, parece-me que não devo estar a cansar a camara com grande discurso, mas peço á assembléa que não repare em ser um membro da opposição quem apresenta esta emenda. A proposito, e para terminar, contarei uma breve historia da marqueza de Chaves. Quando principiou o regimen constitucional havia uma alcunha muito conhecida que os liberaes davam aos realistas. A sr. marqueza de Chaves, tendo ido procurar um juiz que teria de julgar um pleito que muito a interessava, a fim de lhe expor a justiça da sua causa, disse-lhe: «Sr. juiz, eu o que peço é que não olhe para as minhas orelhas, mas sim para a justiça da minha causa».

O sr. Presidente: - Vae ler-se o additamento mandado para a mesa pelo digno par o sr. conde de Bertiandos.

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão este additamento tenham a bondade de se levantar.

Foi admittido, e ficou em discussão, conjunctamente com o projecto o additamento, que é do teor seguinte:

Additamento

Proponho que seja eliminado o artigo 5.° e seus paragraphos, ficando em vigor o artigo 54.° da carta constitucional e carta de lei de 27 de julho de 1849.

Sala das sessões, 28 de fevereiro de 1896. = O par do reino, Conde de Bertiandos.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. conde da Azarujinha.

O sr. Conde da Azarujinha: - Peço a v. exa. consulte a camara sobre se consente que seja prorogada a sessão até se votar este projecto.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o requerimento do sr. conde da Azarujinha, para que se prorogue a sessão até se votar o projecto que está em discussão, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. conde de Lagoaça.

O sr. Conde de Lagoaça: - Estranha que não haja quem responda aos pares da opposição. O sr. ministro do reino limitara-se a um discurso estudado ha um anno...

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Apoiado.

O Orador: - Não era com apoiados que s. exa. devia responder ás accusações gravissimas que lhe faziam. Não havia quem lhe respondesse? Pois protestava.

O seu illustre amigo o sr. conde de Thomar, mostrára de uma maneira eloquentissima a maneira desastrosa como tem procedido o governo e as contradicções flagrantes em que tem incorrido. Pois o sr. ministro ficara sentado na sua cadeira, e da maioria não houvera uma unica voz que se levantasse para defender o governo.

Desde que estudava as questões e as expunha como entendia, respeitando as pessoas, ainda que atacando os principios e os actos do governo, assistia-lhe o direito de exigir que respondessem ás suas considerações, mas apenas o illustre relator do projecto, sabia Deus com que vontade, tomára a palavra para em breves reflexões lhe responder, o que aliás muito agradecia, se bem que o não satisfizessem, mesmo porque o seu discurso visára em cheio o governo.

O sr. conde de Thomar acabára de fallar, fazendo varias accusações ao governo e tambem não lograra ser ouvido pelo sr. ministro, que se deixára ficar impassivel e silencioso.

Isto não podia ser!

Era necessario que houvesse mais consideração para com os membros da camara. Era necessario que não se d'essa logar a que lá fóra os appellidassem com denominações burlescas.

Protestava contra ellas; mas era necessario não praticar actos que as corroborassem.

Estava prorogada a sessão; e a camara ia votar este projecto na passividade e silencio que incommodavam aquelles que lá fóra acompanhavam as questões da camara.

Não era só ao governo que fazia este appello; era tambem á maioria d'esta casa. Votassem o projecto, se entendiam que o deviam votar; mas fallassem, dissessem a rasão porque o votavam. Convencessem o paiz de que votavam a lei por estarem persuadidos de que ella era util ás insti-

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turções, á patria e á propria camara. Mostrassem que tinham uma opinião, fallando e expondo as suas idéas.

O sr. Presidente: - O digno par está, permitta-me que lhe diga, fóra da ordem. S. exa. não póde estar a censuara os seus collegas. (Apoiados.)

O Orador: - Pedia licença para dizer ao sr. presidente que tinha o maximo respeito e consideração por todos os membros da camara. Mas podia, porque estava, no uso pleno dos seus direitos, queixar-se de não lhe responderem ás suas accusações.

Podia censurar o governo por não estar aqui presente; pois quando se discutira a reforma de 1885, o sr. Fontes Pereira de Mello nunca deixara de comparecer n'esta casa. Todo o ministerio aqui estivera ouvindo e apreciando as. emendas que se apresentavam, procurando fazer o que fosse mais util para o paiz.

O actual governo só aqui se apresentara quando se discutiu a resposta ao discurso da corôa e o bill. Agora que1 se discutia uma reforma constitucional não estava presente.

O sr. ministro do reino, sosinho, não podia responder a todos os oradores; por isso era necessario que viesse o ministerio todo, como era sua obrigação, principalmente o sr. presidente do conselho, que era membro d'esta camara.

O seu fim, quando pediu a palavra, era lavrar este protesto solemne, porque entendia que este acto não podia passar sem reparo.

Embora os dignos pares que via presentes entendessem que deviam votar esta lei, votavam-n'a no uso pleno do seu direito, mas mostrassem não fazer outra cousa senão proceder em harmonia com a sua consciencia.

O sr. Presidente: - Advirto o digno par que não póde estar a discutir e a censurar qualquer resolução da camara. (Apoiados.)

O Orador: - Acatava a advertencia de s. exa. O sr. ministro do reino, para justificar a sua argumentação; citara o senado brazileiro.

Dizia que a constituição do senado brazileiro tornava-o muito diverso do nosso. O orador faz o confronto.

N'esse senado, ao discutir-se a lei que aboliu a escravatura, um estadista notavel, um cidadão prestante e illustrado, amigo do antigo presidente do conselho de ministros, fizera uma prophecia, que devia estar na memoria de todos, ou pelo menos na de alguns dos dignos pares que o escutavam. Não queria proferil-a.

Terminaria fazendo tambem uma prophecia e oxalá ella não se realisasse como a do barão de Cotegipe.

A sua prophecia era que esta camara, votando tal como estava, o projecto que se discutia, cavava pelas suas mãos a propria sepultura e decretava n'um futuro mais ou menos proximo, a sua morte.

(O discurso do digno par será publicado na integra, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Francisco Costa: - Sr. presidente, tem sido sempre pratica n'esta casa do parlamento sermos quanto possivel corteses com os nossos collegas, e, por isso não posso deixar passar sem reparo algumas palavras proferidas pelo meu collega o sr. conde de Lagoaça, é que me decido a fazer uso da palavra; mas primeiro cumpre-me agradecer ao digno par o sr. conde de Thomar as cavalheirosas declarações que espontaneamente fez com respeito ao modo como interpretei as palavras que s. exa. pronunciou sobre a importancia que eu tinha retribuido ao projecto que está em discussão.

Dito isto, sr. presidente, confesso que não estou habituado a ouvir n'esta casa do parlamento discursos tão acrimoniosos como aquelle que acaba de proferir o digno par o sr. conde de Lagoaça, e sinto muito que s. exa. fosse, principalmente commigo, tão acerbo nas suas apreciações relativamente ao modo por que tem corrido a discussão. Ora, da minha justiça fallo eu.

S. exa. foi injusto, injustissimo, quando disse á camara que ninguem respondia aos discursos feitos pelos dignos pares da opposição. Não ha motivo para tal asserção.

Quando eu fallei como relator d'este projecto em resposta ao sr. conde de Lagoaça, disse que não tinha nada a acrescentar ás considerações produzidas no habil discurso do illustre ministro do reino, mas que me levantava para fallar sómente por deferencia para com o digno par.

S. exa. não correspondeu a esta minha attenciosa cordialidade de bom collega.

Se s. exa. tivesse produzido agora alguns argumentos novos, ter-lhe-ía respondido, como fiz ao seu discurso primitivo, o mais correcto que s. exa. fez sobre o assumpto em discussão, mas o proferido ultimamente pelo digno par não foi senão uma acre declamação contra o illustre ministro do reino e contra a maioria que está discutindo o parecer. A verdade, porém, é a seguinte: ao sr. conde de Thomar, que fallou com a delicadeza que o caracterisa, e que sempre usa quando tem a palavra, respondeu o sr. ministro do reino.

O sr. conde de Thomar ainda usou, depois, da palavra, mas para uma replica ás considerações apresentadas pelo illustre ministro. Seguiu-se o sr. conde de Lagoaça e a este digno par respondi eu. Quem falta, pois, a ser respondido é o sr. conde de Bertiandos. Este digno par não foi tão azedo na discussão, nem aggressivo para com os collegas como o foi o sr. conde de Lagoaça.

Eu, como velho, e peço me desculpem o que vou dizer, relevo o nosso collega conde de Lagoaça das accusações injustas que fez ao modo por que corre esta discussão. S. exa. é ainda muito novo e julgou-se mais na camara dos senhores deputados onde é naturalmente mais viva a linguagem do que na camara dos pares, onde as cabeças de quasi todos alvejam já. Se s. exa. pensasse um pouco na injustiça que estava commettendo, de certo não se exaltaria tanto e teria sido mais prudente.

O sr. Conde de Lagoaça: - Peço a palavra para explicações.

O Orador: - Peço ao digno par que reconsidere não só nas palavras que proferiu, mas na injustiça com que tratou os seus collegas.

Não tenho mais nada a dizer.

O sr. Presidente: - Fica inscripto para explicações o sr. conde de Lagoaça.

Tem a palavra o sr. Marçal Pacheco.

O sr. Marçal Pacheco: - Eu tencionava dizer algumas palavras sobre este importante e gravissimo projecto de lei; mas infelizmente não pude comparecer ás ultimas sessões, e n'esta altura do debate, com a sessão prorogada e por os motivos que estão patentes e são obvios, francamente não tenho muito desejo de o fazer.

O assumpto está esgotado por um e outro lado da camara; tem-se dito com larga proficiencia tudo o que havia a dizer sobre o assumpto; o debate tem sido até acirradissimo, os diversos credos politicos têem sido debatidos largamente, todas as opiniões dos differentes tratadistas de direito publico têem sido commentadas. Por outro lado a camara está representada em tão grande numero, as galerias populares tão apinhadas de gente, anciosa de ver o destino que tem este projecto de lei, que eu, sr. presidente, seria inconveniente se tivesse de dizer n'este momento palavras que viessem suspender ajusta anciedade da camara e de todo o publico. Limito-me, pois, a mandar para a mesa uma declaração de voto, a qual passo a ler, unicamente para deixar registado o meu voto sobre este projecto.

A minha declaração é a seguinte:

Declaração de voto

Declaro que voto contra o projecto que se discute. Primo, porque, quanto á constituição d'esta camara, o projecto contem disposições tão absurdas, que o governo

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para ás defender, carece de affirmar, a cada momento, que em caso algum lhes dará execução integral. Uma lei cuja principal defeza consiste na promessa de que não serei executada, contém em si propria a sua mais formal condemnação.

Secundo, porque, quanto ás incompatibilidades, ellas são de tal ordem e por tal maneira definidas que, sendo destinadas a assegurar a independencia do voto d'esta camara, permittem, comtudo, que exerçam a funcção do pariato quaesquer funccionarios dependentes do poder executivo, e excluem d'essa funcção individuos que por nenhum titulo, em vigor, têem essa dependencia. A fórma por que as incompatibilidades estão estabelecidas no projecto, obrigando unicamente ao perdimento do exercicio da funcção, offerece ainda o inconveniente irremediavel de tornar possivel que esta camara não possa funccionar por abundancia de pares incompativeis, sem que, em taes circumstancias, haja meio de providenciar-se regular e legalmente, sem novas reformas constitucionaes.

Mais declaro que, concordando inteiramente com a suppressão dos pares electivos, que convertiam esta camara n'uma duplicação da dos senhores deputados e, portanto, n'um instrumento docil nas mãos dos governos que os mandava eleger, eu dispensaria o meu voto sómente a uma reforma de regressão ao puro regimen da carta constitucional, eliminando-se o principio da hereditariedade, por incompativel com o espirito e a sciencia dos tempos actuaes, e revogadas tambem as leis das categorias, de nomeação, por inconstitucionaes e attentatorias da liberdade da prerogativa regia, absolutamente indispensavel para a divisão e harmonia dos poderes politicos, que, no conceituoso dizer da mesma carta, é o principio conservador dos direitos dos cidadãos, e o mais seguro meio de fazer effectivas as garantias que a constituição offerece.

Sala das sessões, 29 de fevereiro de 1896. = O par do reino, Marçal Pacheco.

O sr. Presidente: - A declaração de v. exa. vae para o archivo da camara, na fórma do artigo 84.° do regimento.

Como não ha mais nenhum digno par inscripto, vae ler-se o projecto para se votar na generalidade.

Sobre a mesa ha differentes propostas relativas á especialidade do projecto. Serão discutidas e votadas com os respectivos artigos.

Ha uma do sr. conde de Lagoaça que tem relação com a generalidade do projecto.

Esta moção significa e importa uma substituição ao projecto. Se este for approvado fica prejudicada a moção.

O sr. Conde de Lagoaça: - Sr. presidente, v. exa. entende-o assim, e, naturalmente, muito bem, segundo as indicações do regimento; mas como o verdadeiro interprete de um papel é o seu auctor, eu declaro a v. exa. que essa moção é de censura, e nada mais.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto para se votar na generalidade.

Leu-se na mesa e foi em seguida approvado na generalidade, ficando prejudicada a moção do sr. conde de Lagoaça.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 1.°

Leu-se na mesa.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Peço a v. exa. que faca ler na mesa as substituições que foram propostas e enviadas para este artigo, e que ellas fiquem em discussão conjunctamente com o artigo 1.° na especialidade.

O sr. Presidente: - Com relação ao artigo 1.° só ha na mesa uma proposta do sr. conde de Lagoaça, que vae ser lida, e a segunda parte da moção do sr. conde do Bomfim.

Vão ler-se.

Leram-se na mesa.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Antes de entrar nas considerações que tinha de apresentar á camara, sobre o que ajuizava de uma das propostas enviadas para a mesa, julgava-se obrigado, pelo seu dever de respeito e cortezia para com todos os membros d'esta casa, a dizer algumas palavras.

Era completamente incapaz de faltar á cortezia e aos seus deveres parlamentares para com qualquer membro das duas casas do parlamento.

Se não respondêra ao digno par o sr. conde de Lagoaça, e isto lhe fôra objecto para censura, é porque, fazendo muito intencionalmente uso da palavra na discussão da generalidade do projecto, e desde logo pedira desculpa á camara de levar mais tempo, porque entendêra que era do seu dever dizer tudo, não só pela importancia do projecto, mas para não cansar a camara com novos discursos.

O digno par o sr. conde de Thomar entendêra que devia replicar ás suas considerações, mas não lhe parecia que fosse obrigação sua nem defeza ter de responder outra vez ao digno par.

O que não sabia era que não tinha satisfeito o digno par. Mas podia s. exa. estar certo de que dissera tudo o que tinha a dizer á camara, com referencia á questão eleitoral, á maioria do governo e á sua vida administrativa.

Se por acaso o digno par quizesse em qualquer outra occasião tratar minuciosamente dos variados assumptos a que se referiu a proposito da reforma da camara dos pares, o governo declarar-se-ia prompto para responder-lhe e dar-lhe todas as explicações, desejando que ellas podessem satisfazel-o.

Em seguida fizera uso da palavra o digno par sr. conde de Bertiandos.

S. exa. apresentara considerações absolutamente restrictas ao artigo 5.° do projecto e fizera mais do que isso, mandára para a mesa uma substituição a esse artigo.

Evidentemente, que as palavras do digno par, auctorisadas, conceituosas e dignas de produzir impressão na camara, não podiam deixar de ter resposta; mas parecia-lhe e parecêra tambem ao illustre relator da commissão que essa resposta tinha perfeito cabimento quando chegassem ao artigo 5.°

Quando, pois, essa discussão começasse daria essa resposta para esclarecer a camara.

Fallaria quando fosse preciso; mas fallar só por fallar, era preoccupação que já não tinha.

Fallava como sabia e como podia; e aqui cabia-lhe agradecer ao digno par o sr. conde de Lagoaça o dizer que o seu primeiro discurso ácerca do projecto em discussão estava estudado ha um anno.

S. exa. quizera de certo referir-se aos seus humildes dotes oratorios de fórma nenhuma comparaveis aos que possuia o digno par; mas a verdade era que tinha sido larga e seriamente meditada a resolução do governo e que pensara e reflexionára muito antes de praticar o acto que praticou.

O governo não procedera impensadamente, e fôra exactamente ha um anno que tomára a deliberação de apresentar a proposta que estava na téla do debate; fôra exactamente ha um anno que o governo se assegurara ou se convencera das rasões que lhe assistiam para propor a reforma que estava actualmente submettida á apreciação d'esta camara.

Fazia esta declaração, e era dever seu fazel-a, independentemente de qualquer censura com que o digno par entendesse dever mimoseal-o.

Antes de se referir ás emendas ou alterações feitas ao artigo 1.°, entendia que era necessario dar estas explicações, que julgava convenceriam aquelles que quizessem ser convencidos ou que quizessem recusar-se absolutamente ao convencimento da verdade.

Passava a referir-se ás duas alterações ou emendas ao artigo 1,°

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O digno par conde de Lagoaça, no final do seu discurso, mandára duas alterações, e uma outra em virtude da qual os ministros não podiam ser nomeados pares do reino.

O sr. Presidente: - Essa proposta refere-se ao artigo 2.°

O Orador: - Tinha s. exa. muita rasão. A emenda do digno par conde de Lagoaça era evidentemente toda contraria á economia e ao espirito do projecto.

Evidentemente a hereditariedade do pariato acabára.

Não fôra abolida pelo projecto que estava em discussão.

Isto já estava designado nas leis anteriores; mas por uma especie de respeito a direitos adquiridos tinham-se feito algumas restricções.

A camara, porém, tinha outra auctoridade superior á do governo para acabar com essas restricções, ou antes para não attender ou fazer caso d'esses direitos adquiridos.

O governo entendera que não devia atacar esses direitos adquiridos, mas a camara poderia pensar de modo contrario.

Se a camara entendesse que era necessario acabar desde já com a hereditariedade, mesmo depois do que se estatuíra na lei de 1885, não tinha duvida em acceitar qualquer proposta n'esse sentido; mas a verdade era que, em attenção a direitos adquiridos, o projecto não tocara n'esse ponto.

Não podia fallar com mais sinceridade; e a camara resolveria na sua alta sabedoria aquillo que tivesse por mais conveniente.

Em relação á outra alteração, proposta ao artigo 1.°, mandada para a mesa pelo digno par sr. conde do Bomfim, escusava de alargar-se em considerações para declarar que não podia estar de accordo com ella, visto que tendia a organisar esta camara com pares vitalicios, de numero illimitado. O orador já declarára qual a ordem de rasões por que lhe parecia pão ser isso conveniente. Sobre este ponto já não havia só argumentos, mas tambem a experiencia dos abusos e vicios que d'ahi se originaram.

Resurgir as antigas praticas que já foram objecto de uma reformação, em parte, do parlamento, não lhe parecia de bom conselho nem de bom criterio. Portanto, não podia estar de accordo com a proposta do digno par, porque ella era contraria á economia do projecto.

Nos outros artigos, e á proporção que fosssem lidos, o orador teria occasião de pedir a palavra; e sobre todos elles, acreditasse o digno par sr. conde de Lagoaça o governo não se furtaria a dar as necessarias explicações.

O discurso do nobre ministro do reino será publicado na integra,, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.

O sr. Conde de Lagoaça: - Começou por declarar que lhe parecia escusado affirmar mais uma vez o respeito que tributava ao sr. presidente, á camara e ás pessoas dos srs. ministros. Se por acaso algumas palavras que proferiu, em virtude da indignação de que se achava possuido, podessem parecer a alguem envolver offensa, estava prompto a retirai-as. Fallára segundo os dictames da sua consciencia; e por isso dissera, e repetia agora, que não lhe parecia bem que, n'um assumpto d'esta ordem, que tanto interessava á reorganisação d'esta camara, poucos fossem os que usavam da palavra. N'esta ordem de idéas, quem menos censura merecia era o sr. ministro do reino. S. exa. fallára largamente. Quando o orador insinuara que esse discurso estava estudado ha mais de um anno, fizera-o no sentido das palavras que a este respeito o sr. ministro do reino acabára de proferir.

Em seguida, o orador, replicando aos argumentos do sr. ministro, sustenta que a sua emenda não altera a economia do projecto.

(O discurso do digno par será publicado na integra quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde do Bomfim (sobre a ordem): - Sr. presidente, mando para a mesa o parecer que approva o projecto que concede uma pensão á viuva do major Caldas Xavier.

E peço a v. exa. que me inscreva para antes de se encerrar a sessão.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer mandado para a mesa pelo digno par o sr. conde do Bomfim.

Leu-se na mesa, e foi a imprimir.

O sr. Presidente: - Vae votar-se a emenda do sr. conde do Bomfim.

O sr. Conde do Bomfim: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que eu a retire, vista a declaração de que não é acceita.

Assim se resolveu.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a emenda do sr. conde de Lagoaça ao § 2.° do artigo 1.° Consultada a camara, rejeitou-a.

Posto o artigo á votação, foi approvado.

Leu-se o artigo 2.° e o additamento proposto pelo digno, par conde de Lagoaça.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Sr. presidente, em vista da proposta do sr. conde de Lagoaça, só tenho a declarar que me conformo com a resolução da camara, qualquer que ella seja.

O sr. Conde de Thomar: - É para mandar para a mesa as seguintes propostas.

(Leu.)

Sr. presidente, como a media. da vida é de trinta é cinco annos, parece-me que a minha proposta tem rasão de ser.

Não me parece que a lei deva estabelecer dois principios, um para os pares de direito hereditario e outro para os de nomeação regia ou de direito proprio.

Alem d'isso, este limite não se impõe aos ecclesiasticos nomeados bispos.

É muito possivel que a nomeação de um bispo recaia n'um ecclesiastico que não tenha ainda quarenta annos de idade, mas pelo facto de nomeado par, tome logo assento, emquanto que qualquer individuo não póde ser nomeado sem ter quarenta annos.

Por outro lado o par hereditario entra sendo maior de vinte e cinco annos. Ainda mais esta desigualdade.

Portanto, parece-me que a minha emenda é logica, e que o governo não póde ter duvida em a acceitar.

A segunda parte da minha proposta é para que se elliminem os n.ºs 1.°, 2.° e 3.° do § 1.° do artigo 2.°

Parece-me que é tambem perfeitamente logico o que eu proponho.

O que diz o § 1.° do artigo em discussão?

Diz o seguinte:

(Leu.)

Quem são os chefes de missões diplomaticas que têem aqui assento?

São os pares, e esses podem funccionar logo que a camara esteja aberta.

Por exemplo, o nosso collega o sr. governador da provincia de S. Thomé preveniu o governo de que vinha tomar assento na camara dos pares, metteu-se n'um paquete e aqui tem assistido ás sessões.

Por consequencia, parece-me inutil o que se quer consignar no projecto.

O mesmo digo em relação aos commissarios regios nas provincias ultramarinas, e aos empregados superiores da casa real.

Não precisam pedir licença ao governo.

Só não vem aqui tomar assento os que pertencem a algumas companhias; é porque não querem perder os seus logares, o que é differente.

Por consequencia, parece-me que esta disposição do projecto é desnecessaria.

Por consequencia, peço a attenção do governo para as considerações que acabo de fazer, e terminando, mando para a mesa a minha proposta.

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O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta que acaba de mandar para a mesa o digno par o sr. conde de Thomar.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Proposta

Artigo 2.° Não podem ser nomeados pares do reino os cidadãos que tiverem menos de trinta annos de idade, ou os que forem absolutamente inelegiveis para deputados.

Sala das sessões, em 29 de janeiro de 1896. = O par do reino, Conde de Thomar.

Proponho a eliminação dos n.ºs 1.°, 2.° e 3.° do § 1.° do artigo 2.°

Sala das sessões, em 29 de fevereiro de 1896. = O par do reino, Conde de Thomar.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão esta proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida e ficou em discussão conjunctamente com o artigo 2.° do projecto.

O sr. Conde de Lagoaça: - Sr. presidente, pedi a palavra para dizer, o que aliás era desnecessario, que é habil a resposta do sr. ministro do reino relativamente á proposta que mandei para a mesa.

V. exa. e a camara comprehendem que o paiz inteiro percebe bem o que está por detrás da declaração que s. exa. fez.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - V. exa. dá-me licença; vota-se primeiro a moção apresentada pelo sr. conde de Lagoaça e depois a do sr. conde de Thomar?

O sr. Presidente: - O que se vae votar em primeiro logar é a moção do sr. conde de Thomar.

Depois de votado o artigo 2.° é que se vota a moção do sr. conde de Lagoaça, que é um additamento ao mesmo artigo.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Ía dizer quaes as rasões por que não estava de accordo com o digno par sr. conde de Thomar em relação á primeira parte da sua alteração, porque em relação á segunda parte parecia-lhe que s. exa. elaborara n'um equivoco.

A doutrina do artigo 2.° e seus paragraphos não se referia aos actuaes pares.

Não era d'estes que se tratava.

A rasão do § 1.° dizer que não ficam comprehendidos na ultima parte d'este artigo os chefes das missões diplomaticas, os commissarios regios das provincias ultramarinas, os governadores das mesmas provincias e os empregados da casa real, era porque no decreto da lei eleitoral tinham sido declarados ineligiveis.

Ora, parecia-me convir a esta camara, pelo seu caracter ponderador, que n'ella tivessem entrada individuos que, pela sua larga experiencia em assumptos tão concretos e especiaes, podessem, em discussões apropriadas, prestar auxilio aos negocios publicos.

Com relação aos empregados da casa real parecia-lhe natural a sua entrada n'esta camara.

Os dignos pares de certo assim o julgavam.

Com relação á alteração do limite de idade, a fixação de quarenta annos não fôra feita ao acaso.

Estava estabelecido na organisação de quasi todos os senados e camaras dos pares dos differentes paizes.

O orador concilie, justificando as vantagens do limite de idade.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra quando haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção.

Vae ler-se a emenda do sr. conde de Thomar.

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam esta emenda tenham a bondade de se levantar.

Foi rejeitada.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar: - Peço a v. exa. para consultar a camara, se permitte que eu retire a minha segunda proposta que mandei para a mesa.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam que o sr. conde de Thomar retire a sua segunda proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 2.°

Leu-se na mesa

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam este artigo tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o additamento mandado para a mesa pelo digno par sr. conde de Lagoaça.

O sr. Conde de Lagoaça: - Peço a v. exa. para consultar a camara sobre se quer que haja votação nominal sobre o meu additamento.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que entendem que haja votação nominal sobre o additamento apresentado pelo sr. conde de Lagoaça tenham a bondade de se levantar.

Foi rejeitado.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o additamento tenham a bondade de se levantar.

Foi rejeitado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 3.°

Leu-se na mesa, e, posto á votação, foi approvado sem discussão, bem como o artigo 4.°

O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 5.°

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: - O sr. conde do Bomfim retirou a sua proposta relativa a este assumpto; mas ficou a proposta do sr. conde de Bertiandos, que vae ser lida.

O sr. Conde do Bomfim: - Eu não retirei a minha proposta sobre este artigo; a que retirei foi em referencia ao artigo 1.°

O sr. Presidente: - Mas sobre a mesa não ha senão uma proposta do digno par.

O sr. Conde do Bomfim: - Está n'uma só proposta, mas dividida em duas partes.

A primeira parte refere-se ao artigo 1.° e a segunda parte ao artigo em discussão.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta do digno par sr. conde do Bomfim.

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 5.° conjunctamente com as propostas.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Tomará pouco tempo á camara, em vista do adiantado da hora; entretanto, não póde deixar de notar contradicção entre os discursos dos dignos pares conde de Lagoaça e conde de Bertiandos.

Os dignos pares a que allude entregaram-se mais á sua phantasia do que á justa interpretação da lei. No caso de surgir um conflicto entre as duas casas do parlamento, diz o sr. conde de Lagoaça, não ha maneira de o resolver: é um beco sem saida. Pelo contrario, o sr. conde de Bertiandos affirma que ha uma saída bem larga: a submissão d'esta camara á outra casa do parlamento.

S. exa. dizia que na nossa historia parlamentar não figura um conflicto entre as duas camaras, por isso nunca houve entre nós necessidade de se procurar a fórma de o resolver; mas, desde o momento em que a camara dos pares era organisada sem parte electiva e com nomeação limitada, era evidentemente necessario evitar o beco sem saída, a que se referiu o sr. conde de Lagoaça, e preve-

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178 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

nirem-se os conflictos que se podessem suscitar entre as duas casas do parlamento.

Como isso fôra já descriminado no decreto de 20 de setembro, não precisava dizel-o á camara; mas, quando esse decreto fôra submettido á apreciação da camara dos deputados, alguns membros d'ella haviam entendido que era inconveniente admittir a interferencia do poder moderador nos conflictos entre as camaras, não só porque se devia restringir o mais possivel essa interferencia, como tambem porque, permittida ella, ou a corôa seria favoravel á camara dos pares, sendo portanto dissolvida a camara dos deputados, ou seria favoravel a esta e poderia parecer que dava uma indicação de parcialidade em favor do governo.

Em segundo logar, entendera-se tambem que o processo apresentado pelo governo constituia uma innovação, ao passo que o indicado pela commissão já figurava n'uma constituição.

Ora, como o governo não se preoccupára e com a fórma de levar avante o seu pensamento, e só queria que elle se realisasse, não teve duvida em consentir n'isto.

O orador apresenta varias considerações e affirma que havia necessidade de appellar para a dignidade da camara a proposito d'este projecto, como fizera o digno par conde de Bertiandos. A dignidade da camara estava bem assegurada.

O que se tornava indispensavel era determinar por uma fórma precisa, clara e de resultados seguros, a maneira de resolver conflictos independentemente de todos os outros poderes do estado.

Expostas as rasões em virtude das quaes lhe parecia não haver motivo para os receios do digno par o sr. conde de Bertiandos, o orador diz que não procurará fazer mais largas considerações.

(O discurso do nobre ministro será publicado na integra guando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde de Bertiandos: - Eu tambem não quero alongar o debate, e por isso direi apenas duas palavras em resposta ao sr. ministro do reino.

S. exa. referiu-se á constituição do Brazil, mas eu lembro ao illustre ministro que no Brazil o congresso occupa-se apenas das emendas e não do projecto no seu todo.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - V. exa. dá-me licença. ..

(Pausa.)

Eu não costumo interromper os oradores mas, como a hora vae muito adiantada, não desejo novamente fazer uso da palavra. Quero simplesmente lembrar ao digno par a opinião auctorisada do sr. Silvestre Ferreira, que aponta como uma deficiencia da carta o artigo que se refere aos conflictos parlamentares.

O Orador: - Se o illustre publicista dizia o que eu supponho, estou perfeitamente de accordo com elle, acceito a commissão mixta não só para as emendas, mas para todos os projectos que tenham de vir a esta camara.

Chamo a attenção da assembléa para este ponto, porque ha differença entre a lei do Brazil e aquella que nós vamos estabelecer.

A camara fará o que entender, eu estou de accordo, repito, em que só acceite o que aconselha o illustre publicista a quem se referiu o sr. ministro do reino.

O sr. Conde do Bomfim: - A minha proposta tinha por fim tornar viavel esta reforma.

Queria arranjar um meio que podesse tornar acceitavel este artigo do projecto.

Sinto ou sentirei que o governo não acceite o meio que proponho, porque eu é que não posso concordar com o artigo do projecto.

Quer-me parecer que não haverá nenhum inconveniente no alvitre que eu proponho, isto é, que se nomeasse um arbitro de desempate.

Fixo era o numero no senado brazileiro, e se effectivamente, sem uma disposição d'esta ordem, elle conseguiu vigorar durante sessenta annos, não vejo inconveniente em que fosse approvada a proposta que apresentei, e que se deixasse tambem a esta camara o direito que lá existia de rejeitar projectos de lei.

Desejava que ficasse este meio para a camara poder intervir proveitosamente na confecção das leis.

Todos os ramos do poder legislativo concorrem para a confecção das leis. É, francamente, não percebo qual a rasão por que não acceitem a minha proposta, a qual se me afigura conforme aos preceitos do direito publico constitucional.

De entre as diversas forças colhe-se uma resultante que é a mais util. E assim se mantem o equilibrio.

A pluralidade de votos para resolver o conflicto, nem o governo a defende na sua proposta de lei.

O numero fixado no projecto é de noventa para esta camara e de cento e vinte para a camara dos senhores deputados. E, portanto, esta absorve as faculdades d'esta e de soberania.

Eu estou perfeitamente convencido de que o projecto foi redigido nas melhores intenções; mas parece-me que podem d'aqui resultar perigos que eu tenha em vista evital-os.

Podem dar-se certos antagonismos contra uma lei em extremo desorganica, que esta camara poderá não acceitar, e é isto que eu faço sentir á camara, que julgo, perigoso que se não possa conseguir, pela modificação do projecto.

Citei hontem o que se deu em França no tempo do directorio, que pelo artigo 60.° prohibia que os dois corpos legislativos funccionassem juntos; mas se esta rasão e as outras que tenho produzido não convencem ninguem, nada mais tenho a dizer.

Apresento a minha moção e a camara fará o que entender.

O sr. Conde de Lagoaça: - Pedi a palavra para dizer ao sr. ministro do reino que a opposição d'esta camara, que é muito pequena, está de accordo com o sr. conde de Bretiandos.

Eu disse que o artigo 5.° representa um beco sem saida, e é uma verdade.

É o caso tratado por s. exa.

Tendo a outra camara cento e vinte deputados, nós seremos vencidos sempre que se levante qualquer conflicto.

Repito, é um beco que não tem saída.

O sr. Presidente: - A proposta do digno par sr. conde de Bertiandos, é a eliminação do artigo 5.°, e a do digno par sr. conde do Bomfim, é uma substituição. Portanto vae ser posto a votos o artigo, e approvado elle estão prejudicadas ambas as propostas.

Os dignos pares que approvam este artigo tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Tendo sido approvado o artigo 5.° do projecto, estão prejudicadas as propostas dos dignos pares, srs. condes de Bertiandos e de Bomfim.

Vae ler-se o artigo 6.°

Leu-se na mesa, e posto á votação, foi approvado sem discussão, bem como os artigos 7.° e 8.°

O sr. Presidente: - Não posso dar a palavra ao digno par sr. conde do Bomfim, que a pedira para antes de encerrar-se a sessão, visto que a camara só a prorogou até se votar o projecto que acaba de ser approvado.

A proxima sessão é na terça feira, 3 de março, sendo a ordem do dia a discussão do parecer sobre a contribuição de registo, e o parecer da commissão de verificação de poderes, relativo á admissão, n'esta camara, do sr. conde de Linhares.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e quarenta minutos da tarde.

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SESSÃO N.° 18 DE 29 DE FEVEREIRO DE 1896 179

Dignos pares presentes à sessão de 29 de fevereiro de 1896

Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquezes, de Fronteira, das Minas; Condes, da Azarujinha, de Bertiandos, do Bomfim, de Carnide, de Gouveia, de Lagoaça, de Macedo, de Magalhães, de Restello, de Thomar, de Valbom; Visconde de Athouguia; Moraes Carvalho, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Palmeirim, Vellez Caldeira, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Costa e Silva, Margiochi, Gomes Lages., Baptista de Andrade, José Maria dos Santos, Pessoa de Amorim, Marçal Pacheco, Thomás Ribeiro.

O redactor = João Saraiva.

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