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236 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

fez, não havendo Parlamento durante o anno de 1895.

Ora, Sr. Presidente, estou d'isso profundamente arrependido., porque mais tarde adquiri a certeza de que nenhumas vantagens, nenhuns resultados vieram para o paiz d'essa dictadura, quer sob o ponto de vista do bom funccionamento do systema representativo, quer sob o ponto de vista da sua administrarão financeira, da sua administração economica e da sua administração politica.

Tenho a franqueza de o dizer e a hombridade de confessar que o meu erro foi de ordem e natureza a dar-me a convicção de que nenhum homem publico, na posição em que eu hoje estou, deve recorrer a tal systema.

Sr. Presidente: eu devo declarar a V. Exa. que, desde o momento em que esse facto foi trazido aqui pelo Digno Par, desejo dizer o bastante para que todos possam apreciar a razão que dictou então o meu procedimento.

Em seguida ao encerramento houve então a chamada colligação liberal, e a qual entendeu que devia appellar para o paiz numa serie de comicios.

Por parte do Governo de que eu então fazia parte, posso affiançá-lo, não se recorreu a qualquer meio que- impedisse a realização d'esses comicios.

Fiz mais, Sr. Presidente.

Desejando que o Chefe do Estado pudesse directa e pessoalmente ter amplo conhecimento da maneira por que se realizariam esses comicios, e da forma por que elles podiam influir na opinião publica ou no modo por que provocavam as manifestações do sentimento popular, eu fiz que de todos os telegrammas em cifra que eram trocados entre os governadores civis e o Ministerio do Reino fosse dada copia ao Chefe do Estado, a fim de que elle pudesse inteirar se absolutamente do modo como as cousas se passavam.

Alguns dos cavalheiros que então desempenhavam as funcções de governadores civis pertencem ao partido regenerador e elles poderão dizer se foram então ou não as instrucções que lhes dei, attenta a intimidade e a convivencia com o Ministro do Reino de então.

Se assim procedi, é porque eu entendia e assim o expuz ao Chefe do Estado, que se porventura a opinião publica se manifestasse hostil ao Governo e favoravel ás minorias, a obrigação do Governo era retirar se, e visto que as Camaras não estavam dissolvidas, mas apenas encerradas, poderia formar-se um Ministerio de entre as maiorias parlamentares.

Então, como hoje, eu pensava que a primeira de todas as bases indispensaveis para a defesa de qualquer regimen é que elle proceda por forma a ter por si a opinião publica, a opinião da maioria do paiz para os actos d'aquelles que o representam no desempenho das principaes funcções governativas.

N'essa parte não tenho de que me arrepender, isto é, da forma como procedi, do desejo de que o Governo se tivesse assegurado da benevolencia da opinião publica, indispensavel condição para poder governar.

Á dictadura que fizemos e de que me arrependo pode ser bem applicado o dito de Catharina de Médicis a seu filho Henrique 111 no dia seguinte ao assassinio do Duque de Guise, em Blois.

Quando elle lhe annunciava o modo violento por que acabava de desfazer-se do seu rival e competidor, a astuta florentina respondia-lhe: "C'est bien coupé, mon fils, mais maintenant il taut coudre".

O paiz não impediu que se fizesse a dictadura. Simplesmente os resultados d'ella é que não corresponderam á importancia do golpe que nós demos. Um anno depois saímos do Governo, e as circumstancias financeiras, economicas e administrativas do paiz não correspondiam á grandeza do emprehendimento em que nos lançámos; mas o que é mais, é que se alguma cousa se fizera n'essa dictadura, a que eu ligava apreço, como era a lei eleitoral com representação de classes, com prescripção de incompatibilidades, com um numero fixo de empregados publicos, medicos e advogados, com suppressão de algumas comarcas, tudo isso que podia não ter valor algum, mas que a mim merecia conceito e interesse, e ainda hoje merece, tudo isso ruia a breve trecho sem que o paiz mostrasse o menor despeito.

Não podendo no meu conceito julgar que essas medidas dictatorialmente decretadas não tinham valor e não eram opportunas e adequadas ao paiz, mas vendo que tão facilmente eram revogadas e postas de parte perante a in differença publica, de ahi concluo que toda e qualquer medida governativa que seja simplesmente producto da vontade de um ou de meia duzia de homens, e não tenha na realidade sido preparada nas discussões do Parlamento e bem recebida pela opinião publica, ou é mediocre, nada remedeia, e conserva-se porque absolutamente nada vale, ou se de facto tiver algum valor cae com os seus proprios auctores, porque representa a vontade de um homem ou de um grupo de homens, não representa de forma nenhuma a obra de uma nação.

Aqui está, Sr. Presidente, a razão do meu arrependimento. É porque fizemos uma larga dictadura, que foi um crime constitucional sem precedentes na nossa historia, e os resultados que d'ella obteve o paiz foram nullos, porque ou nenhuns foram ou, se alguns existiram, se mallograram por completo.

Dentro das condições que acabo de referir, não foi sem desgosto que esse facto para mim se deu, pois me produziu profundo abalo, e foi certamente da observação d'esse facto e em resultado do que depois vi, do que era a vida das nações em que o systema representativo funccionava com toda a regularidade, em que a verdade dominava sobre tudo e allumiou todos os actos do Governo, que eu me convenci que caminho errado tinha eu trilhado, e que, se queria servir o meu paiz e prestar-lhe serviços que de futuro o modificassem, tinha de adequar as minhas ideias ar circumstancias que se mostravam ser mais proveitosas para o paiz.

Aqui tem V. Exa. quaes são as minhas responsabilidades e os motivos por que as tomei.

Mas quando o Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro se referiu a que a restauração do systema parlamentar não datava de agora, visto que a ultima interrupção tinha sido n'este Ministerio de que eu fiz parte, S. Exa. laborou n'um equivoco, em que mais de uma vez caiu no seu discurso, de completa sinceridade, não só o quero crer, mas tenho a certeza d'isso.

O Digno Par disse que o Parlamento funccionou sem intervallo a partir de 1896.

É verdade.

E parece ao Digno Par que esse funccionamento se deu, estando o Parlamento em condições de poder-se dizer que tinhamos o systema representativo?

N'essa parte é que. eu digo que S. Exa. caiu n'um erro de apreciação, que é filho do seu modo de pensar, que não da sua vontade.

Nós tivemos systema representativo de 1897 a 1901, mas não o tivemos nos annos seguintes, em que o Parlamento funccionou sim, mas sem aquelle cunho com que se caracterizam todos os systemas representativos: a lucta parlamentar, a verdadeira opposição de coração e de ideias, que é na realidade verdadeira.

Grupos de homens representativos de ideias oppostas combatendo-se e entrechocando se, isso pode o Digno Par sustentar, porque todas as apparencias de razão estarão do seu lado, n'esses annos, de 1902-1904.

Mas isso é que a consciencia do paiz reconhece que não existiu, e o i que importa para a opinião publica é i as consequencias dos actos, não é o 1 criterio que tem quem governa;

O que importa é que o Governo te-