O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

102 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

pto no caso de pena ultima, em que, por lei posterior, não póde executar-se sem resolução real.

Sr. presidente, esta disposição impressionou-me profundamente e moveu-me a estudar com toda a attenção (quanto coubesse em minhas forças), a legislação do ultramar, e a conclusão que pude tirar, foi, que na epocha em que vivemos, com as leis geraes que temos e com o systema constitucional que nos rege, era absolutamente impossivel deixarmos continuar no ultramar as cousas no pé em que ellas estão.

Urge portanto que provamos de remedio, do modo que parecer mais justo e conveniente.

Sr. presidente, para chegarmos a este dssideratum, é indispensavel que nos habilitemos primeiro com os esclarecimentos e estudos necessarios, é necessario que examinemos e estudemos attentamento a legislação respectiva, antiga e moderna: que observemos as suas vicissitude, o espirito que as dotou, as causas e circumsiancias que as determinaram, ou seja em relação aos governados ou seja com respeito ao legislador, fórma de governo e idéas da epocha.

É só d'este estudo comparado do passado com o presente, do que foi, do que é, fim todos esses pontos do vista, que póde resultar o que deve ser.

Chamo pois a attenção da camara e do illustre ministro da marinha para o estado da administração da justiça das nossas provincias ultramarinas, e para bem desenvolver as minhas idéas, lançarei um golpe de vista retrospectivo sobre a legislação a que especialmente me refiro para que a conclusão a que chegarmos possa sor o ponto de partida para o remedio que demando.

Talvez no que tenho á dizer, pareça, á primeira vista, que divago e me affasto demasiado do meu proposita, mas espero que o bom censo e illustração da camara, emprehendera a final a correlação das idéas; sómente peço que a camara me relevo se alguma vez lançar não de tylo e expressões menos vulgares.

Endereçando-me ao nobre ministro da marinha, quasi que me sinto illuminado pelo seu ou brilhante genio, o incessivelmente arrastado em sua esphera luminosa; pelo menos bem quizera que a minha linguagem lhe não fosse desagradavel.

Sr. presidente, o diploma, a carta regia de 1761, que creou a junta de justiça de Angola, pertence ao ultimo quartel da historia nacional mais nefasta, mais pavorosa e mesmo tempo mais fecunda om grandiosas reformas.

É um dos actos mais notaveis do maior homem d'estado que tem havido n'este paiz, acto barbaro, violento mas em harmonia com o systema politico em que as circumstancias o collocaram.

D. José succcdendo a seu pae D. João V. chamou desde logo para seu ministro e confidente Sebastião José do Carvalho. Esta nomeação affigura-se-nos como uma inspiração providencial. O que era este homem ninguem o sabia; e o que viria a ser ainda menos; mas era incontestavelmente homem de genio superior, de grande illustração, de um caracter austero, firme, inabalavel, dantos quebrar que torcer. N'aquella cabeça, n'aquelle peito estavam latentes ou germes do grande estadista; esperavam sómente as circmustancias, o embiente que os fecundasse e fizesse desabrochar. Esse momento fatidico não se fez esperar, e foi o horroroso terremoto de 1755. A cidade estremecendo repentinamente sobre os seus antigos alicerces tornou-se em grande parte um montão de ruinas, em outra ora preza das chammas, e para aggravar ainda tão espantosa catastrophe bandos de malvados procurava as assenhorear-se dos valores não sepultados nas ruinas, ou não devorados pelo incendio. Que faremos Carvalho? exclamou o infeliz monarcha attonito, espavorido. Que faremos senhor? enterrar os mortos, e cuidarmos dos vivos. As grandes catastrophes as grandes scenas da natureza produzem sempre no espirito e no coração do homem de genio e providencial effeito de sobreexcitar e como levantal-o ao par da situação em que se acha.

O mal era immenso, mas a sua intelligencia, a sua actividade e coragem não eram somenos. Não havia tribunaes; não havia juizes; mas havia crimes e algozes, forcas levantadas em todas as ruas, em vez de lampiões, que não havia, mostravam pendentes os cadaveres dos bandidos para esclarecerem, pelo terror a consciencia dos malvados.

A capital estava subvertida, cumpria fazel-a resurgir de entre as ruinas: e a capital resurgiu formosa, esplendida, como hoje a admirâmos.

A immensa commoção natural não podia deixar de impressionar profundamente o espirito do grande ministro, e concebeu o grandioso pensamento de renovar igualmente a cidade politica; sentiu, porém, que não poderia fazer resurgir do seu deploravel abatimento a cidade politica, sem que muitas das suas velhas instituições caissem por terra.

Fixado o seu grandioso projecto, não se demorou nem hesitou na execução.

Previu que a luta seria terrivel, de vida ou morte, e que precisaria, como de triplice armadura, de todo o prestigio da propria realeza.

As offensas e as resistencias ao ministro foram declaradas crimes de lesa magestade. Tinha necessariamente de ser violento e despotico, mas de outra sorte como poderia proseguir no rumo que o dedo da Providencia lhe marcara do gnomono, ou quadrante eterno dos tempos?

A aristocracia resistiu-lhe: esmagou-a desapiedadamente; o jesuitismo
oppunha-lhe poderosos obstaculos: esmagou o resolutamente o jesuitismo.

O obscurantismo aninhado nos pardieiros da velha universidade não era compativel com as grandiosas vistas do ministro, e esses velhos pardieiros cairam por terra para dar logar ao novo e magnifico alcaçar da nova Minerva.

Entendendo que o monopolio feito pelos estrangeiros era um grande mal para a sua patria, formou associações e companhias para desenvolver a agricultura, a industria e o commercio.

O sangue correu em jorros por toda a parte, mas o pensamento do ministro, que era levantar o paiz do abatimento ora que se achava, foi levado a effeito.

Eu disse, e é minha convicção, que os grandes genios só podem desenvolver-se em dadas circumstancias, por effeito de uma sobreexcitação extraordinaria, e isto acontece tanto na ordem politica como em qualquer outro ramo das idéas humanas: e peço licença á camara para citar um notavel exemplo, que penso não desagradará ao nobre ministro.

Estou persuadido que se o nosso immortal poeta Luiz de Camões houvera passado a vida recostado á sombra dos cinceiraes do Mondego, aspirando o suavissimo aroma da flor de larangeira e das violetas, ensinando aos campos e florinhas os nomes das Natercias e Amarillos que no peito escriptos tinha; se não houvera sulcado em fragil baixei as procellosas vagas do grande oceano; se não houvera conversado as mil estridentes vozes da tempestade, ora sepultando-se nas profundezas do abytimo, ora roçando as estrellas em meio de escura e medonha corração, teria podido o espirito de grande poeta conceber aquella portentosa visão do cabo Tormentorio, e produzir a epopeia, a mau; brilhante e sublime dos seculos modernos?

Estou convencido que não, como entendo que a grande epopeia politica do marquez de Pombal não teria existido sem o terremoto de 1755.

Sem duvida, esses homens extraordinarios, como o vemos da historia, são violentos, despoticos e até sanguinarios, mas o que os distingue dos pequenos homens de estado é que aquelles sacrificam tudo a uma grande idéa, a um grande proposito, ao mesmo tempo que os pequenos homens de estado sacrificam ordinariamente as idéas ás pessoas e não as pessoas ás idéas.

Mas o grande homem de estado marcha direito á realisação da sua idéa, ao cumprimento do seu programma, ao seu grandioso fim: é muitas vezes despotico e violento, por-