O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 101

N.º 19

SESSÃO DE 11 DE MARÇO DE 1878

Presidencia do exmo. sr. Marquez d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

(Assistiram os srs. ministros da marinha, Thomás Ribeiro, e da fazenda, Serpa Pimentel.)

Ás duas horas e um quarto da tarde procedeu-se á chamada e, verificada a presença de vinte e tres dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente, que se julgou approvada na conformidade do regimento por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Dois officios da presidencia da camara dos srs. deputados, remettendo duas propostas de lei:

1.ª auctorisando o governo a mandar cobrar, por uma tabella de valores medios, organisada pelo conselho geral das alfandegas, os direitos ad valorem, sobre os generos de exportação.

A commissão de fazenda.

2.ª Applicando ao recurso de revista o disposto no artigo 994.° do codigo do processo civil.

A commissão de legislação.

Um officio da santa casa da misericordia de Lisboa, remettendo 100 exemplares do relatorio e contas da sua gerencia no anno economico de 1876-1877.

Mandaram-se distribuir.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, mando para a mesa o seguinte requerimento:

"Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, se remetta a esta camara copia da escriptura e condições em que foi vendido o convento de Telheiras, que pertenceu aos frades arrabidos. Sala da camara dos dignos pares, 11 de março de 1877. = Visconde de Fonte Arcada."

Peço a v. exa. que o mande expedir.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que são de voto que se expeça este requerimento teem a bondade de se levantar.

Está approvado.

Vae entrar-se na primeira parte da ordem do dia, que é a eleição da commissão de inquerito, proposta pelo digno par o sr. marquez de Vallada.

Queiram os dignos pares preparar as suas listas.

O sr. Visconde de Seabra: - Sr. presidente, pedi a palavra ha dias, para quando estivesse presente o sr. ministro da marinha.

O sr. Presidente: - Depois de acabada a eleição da commissão, eu darei a palavra a v. exa.

Convido os dignos pares conde da Ribeira e Jayme Larcher para servirem de escrutinadores.

Entraram na uma 26 listas, e obtiveram maior numero de votos os srs.:

Keis e Vasconcellos........................18 votos.

Marquez de Vallada.......................17 "

Barros e Sá.............................. 16 "

Costa Lobo.............................. 16 "

Marquez de Sabugosa......................15 "

Braamcamp...............................15 "

Visconde de Alves de Sá...................15 "

O sr. Reis e Vasconcellos: - Sr. presidente, peço licença a v. exa. e á camara para fazer uma proposta, que não sei se tem precedentes, mas obriga-me a fazel-a a minha lealdade. Eu não posso de modo nenhum fazer parte d'esta commissão, porque a rejeito, e por isso desejava que a camara me dispensasse.

O sr. Presidente: - O digno par, o sr. Reis e Vasconcellos, declarou que não podia acceitar a eleição da camara para esta commissão.

O digno par é o mais votado dos que foram eleitos; entretanto a camara póde deferir o seu requerimento, respeitando os motivos que s. exa. possa ter para não tomar parte n'esta commissão.

(Assentimento da camara.)

O sr. Presidente: - Estão eleitos seis dignos pares para a commissão de inquerito proposta pelo digno par o sr. marquez de Vallada, e como ella é composta de sete membros, vae proceder-se a nova eleição.

Convido os dignos pares a prepararem as suas listas, as quaes devem conter só um nome.

Convido os dignos pares Jayme Larcher e Franzini a servirem de escrutinadores.

Entraram na uma 34 listas, das quaes 6 eram brancas.

Corrido o escrutinio, saiu eleito o sr.:

Sequeira Pinto............................23 votos.

O sr. Visconde de Seabra: - Sr. presidente, ha dias pedi a palavra, para apresentar ao illustre ministro da marinha algumas considerações ácerca da administração da justiça civil e militar no ultramar, especialmente na provincia de Angola.

Parece-me objecto de sumrna importancia, e por isso não hesitei em vir occupar por alguns momentos a attenção da camara, certo, como estou, dos bons desejos do illustre ministro em prol de todo o melhoramento pessoal, economico, civil ou militar das nossas colonias ou provincias ultramarinas.

Estou certo que s. exa. não deixará de tomar em consideração as observações que vou submetter á sua apreciação; armado como está de todos os meios de informação e conselho, e sobretudo da sua boa vontade de ser util ao seu paiz.

Eu podia usar da minha iniciativa como par; porém como o meu fim é unicamente obter prompto remedio de males intoleraveis, entendi que convinha muito mais, tratando-se de objecto que depende da repartição privativa do illustre ministro, deixar ao seu cuidado a emenda e reforma necessarias, como mais habilitado para a levar a effeito, do que eu o poderia conseguir, pela minha particular iniciativa.

Sr. presidente, uma casualidade me obrigou aprestar attenção a este assumpto Esta casualidade foi um processo que subiu ao supremo tribunal de jusiiça, e de que fui relator.

Era um recurso interposto da junta de justiça de Angola, em que havia sido condemnado um réu a trabalhos publicos por toda a vida.

A junta não admittiu o recurso, com o fundamento na carta de lei de 1761, que auctorisa aquelle tribunal a julgar definitivamente em primeira e segunda instancia, exce-

19

Página 102

102 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

pto no caso de pena ultima, em que, por lei posterior, não póde executar-se sem resolução real.

Sr. presidente, esta disposição impressionou-me profundamente e moveu-me a estudar com toda a attenção (quanto coubesse em minhas forças), a legislação do ultramar, e a conclusão que pude tirar, foi, que na epocha em que vivemos, com as leis geraes que temos e com o systema constitucional que nos rege, era absolutamente impossivel deixarmos continuar no ultramar as cousas no pé em que ellas estão.

Urge portanto que provamos de remedio, do modo que parecer mais justo e conveniente.

Sr. presidente, para chegarmos a este dssideratum, é indispensavel que nos habilitemos primeiro com os esclarecimentos e estudos necessarios, é necessario que examinemos e estudemos attentamento a legislação respectiva, antiga e moderna: que observemos as suas vicissitude, o espirito que as dotou, as causas e circumsiancias que as determinaram, ou seja em relação aos governados ou seja com respeito ao legislador, fórma de governo e idéas da epocha.

É só d'este estudo comparado do passado com o presente, do que foi, do que é, fim todos esses pontos do vista, que póde resultar o que deve ser.

Chamo pois a attenção da camara e do illustre ministro da marinha para o estado da administração da justiça das nossas provincias ultramarinas, e para bem desenvolver as minhas idéas, lançarei um golpe de vista retrospectivo sobre a legislação a que especialmente me refiro para que a conclusão a que chegarmos possa sor o ponto de partida para o remedio que demando.

Talvez no que tenho á dizer, pareça, á primeira vista, que divago e me affasto demasiado do meu proposita, mas espero que o bom censo e illustração da camara, emprehendera a final a correlação das idéas; sómente peço que a camara me relevo se alguma vez lançar não de tylo e expressões menos vulgares.

Endereçando-me ao nobre ministro da marinha, quasi que me sinto illuminado pelo seu ou brilhante genio, o incessivelmente arrastado em sua esphera luminosa; pelo menos bem quizera que a minha linguagem lhe não fosse desagradavel.

Sr. presidente, o diploma, a carta regia de 1761, que creou a junta de justiça de Angola, pertence ao ultimo quartel da historia nacional mais nefasta, mais pavorosa e mesmo tempo mais fecunda om grandiosas reformas.

É um dos actos mais notaveis do maior homem d'estado que tem havido n'este paiz, acto barbaro, violento mas em harmonia com o systema politico em que as circumstancias o collocaram.

D. José succcdendo a seu pae D. João V. chamou desde logo para seu ministro e confidente Sebastião José do Carvalho. Esta nomeação affigura-se-nos como uma inspiração providencial. O que era este homem ninguem o sabia; e o que viria a ser ainda menos; mas era incontestavelmente homem de genio superior, de grande illustração, de um caracter austero, firme, inabalavel, dantos quebrar que torcer. N'aquella cabeça, n'aquelle peito estavam latentes ou germes do grande estadista; esperavam sómente as circmustancias, o embiente que os fecundasse e fizesse desabrochar. Esse momento fatidico não se fez esperar, e foi o horroroso terremoto de 1755. A cidade estremecendo repentinamente sobre os seus antigos alicerces tornou-se em grande parte um montão de ruinas, em outra ora preza das chammas, e para aggravar ainda tão espantosa catastrophe bandos de malvados procurava as assenhorear-se dos valores não sepultados nas ruinas, ou não devorados pelo incendio. Que faremos Carvalho? exclamou o infeliz monarcha attonito, espavorido. Que faremos senhor? enterrar os mortos, e cuidarmos dos vivos. As grandes catastrophes as grandes scenas da natureza produzem sempre no espirito e no coração do homem de genio e providencial effeito de sobreexcitar e como levantal-o ao par da situação em que se acha.

O mal era immenso, mas a sua intelligencia, a sua actividade e coragem não eram somenos. Não havia tribunaes; não havia juizes; mas havia crimes e algozes, forcas levantadas em todas as ruas, em vez de lampiões, que não havia, mostravam pendentes os cadaveres dos bandidos para esclarecerem, pelo terror a consciencia dos malvados.

A capital estava subvertida, cumpria fazel-a resurgir de entre as ruinas: e a capital resurgiu formosa, esplendida, como hoje a admirâmos.

A immensa commoção natural não podia deixar de impressionar profundamente o espirito do grande ministro, e concebeu o grandioso pensamento de renovar igualmente a cidade politica; sentiu, porém, que não poderia fazer resurgir do seu deploravel abatimento a cidade politica, sem que muitas das suas velhas instituições caissem por terra.

Fixado o seu grandioso projecto, não se demorou nem hesitou na execução.

Previu que a luta seria terrivel, de vida ou morte, e que precisaria, como de triplice armadura, de todo o prestigio da propria realeza.

As offensas e as resistencias ao ministro foram declaradas crimes de lesa magestade. Tinha necessariamente de ser violento e despotico, mas de outra sorte como poderia proseguir no rumo que o dedo da Providencia lhe marcara do gnomono, ou quadrante eterno dos tempos?

A aristocracia resistiu-lhe: esmagou-a desapiedadamente; o jesuitismo
oppunha-lhe poderosos obstaculos: esmagou o resolutamente o jesuitismo.

O obscurantismo aninhado nos pardieiros da velha universidade não era compativel com as grandiosas vistas do ministro, e esses velhos pardieiros cairam por terra para dar logar ao novo e magnifico alcaçar da nova Minerva.

Entendendo que o monopolio feito pelos estrangeiros era um grande mal para a sua patria, formou associações e companhias para desenvolver a agricultura, a industria e o commercio.

O sangue correu em jorros por toda a parte, mas o pensamento do ministro, que era levantar o paiz do abatimento ora que se achava, foi levado a effeito.

Eu disse, e é minha convicção, que os grandes genios só podem desenvolver-se em dadas circumstancias, por effeito de uma sobreexcitação extraordinaria, e isto acontece tanto na ordem politica como em qualquer outro ramo das idéas humanas: e peço licença á camara para citar um notavel exemplo, que penso não desagradará ao nobre ministro.

Estou persuadido que se o nosso immortal poeta Luiz de Camões houvera passado a vida recostado á sombra dos cinceiraes do Mondego, aspirando o suavissimo aroma da flor de larangeira e das violetas, ensinando aos campos e florinhas os nomes das Natercias e Amarillos que no peito escriptos tinha; se não houvera sulcado em fragil baixei as procellosas vagas do grande oceano; se não houvera conversado as mil estridentes vozes da tempestade, ora sepultando-se nas profundezas do abytimo, ora roçando as estrellas em meio de escura e medonha corração, teria podido o espirito de grande poeta conceber aquella portentosa visão do cabo Tormentorio, e produzir a epopeia, a mau; brilhante e sublime dos seculos modernos?

Estou convencido que não, como entendo que a grande epopeia politica do marquez de Pombal não teria existido sem o terremoto de 1755.

Sem duvida, esses homens extraordinarios, como o vemos da historia, são violentos, despoticos e até sanguinarios, mas o que os distingue dos pequenos homens de estado é que aquelles sacrificam tudo a uma grande idéa, a um grande proposito, ao mesmo tempo que os pequenos homens de estado sacrificam ordinariamente as idéas ás pessoas e não as pessoas ás idéas.

Mas o grande homem de estado marcha direito á realisação da sua idéa, ao cumprimento do seu programma, ao seu grandioso fim: é muitas vezes despotico e violento, por-

Página 103

D1ARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 103

que precisa destruir os obs taculos que se oppõem á sua predestinada carreira.

O pequeno homem de estado, pelo contrario, sacrifica tudo aos interesses individuaes momentaneos, miseraveis, e não é capaz de elevar-se á concepção e realisaÇão de uma grande idéa.

Mas o grande ministro de D. José I não olhava só para a metropole, para o continente do reino; as suas vistas iam mais longe; a Asia, a America, a Africa, finalmente, soffreram o influxo da sua omnipotencia.

Angola achava-se então n'um estado deploravel; era um repositorio, um covil de malfeitores, de degredados. Os crimes se repetiam e se multiplicavam de mil maneiras e debaixo de differentes fórmas n'aquella nossa provincia, convertida então em habitação de facinorosos.

A esperiencia tinha ensinado ao grande ministro que quando as desordens e as immoralidades chegam a certo ponto, é necessario o cauterio ardente ou o ferro em braza para poder destruir a gangrena.

O grande homem não hesitou: tomou na sua mão robusta a vara de ferro candente, e entrou desassombradameute na jaula dos tigres e das pantheras! Essa vara candente foi a carta regia de 1761. Esta carta regia que creou a chamada junta da justiça é nada menos do que uma lei marcial e de terror, como os decretos dos tempos mais ominosos da revolução franceza.

Os criminosos de todo o genero de crimes grandes ou pequenos eram levados á presença da junta que os julgava verbal e summariamente e suas sentenças eram executadas immediatamcnte, sem appelação nem aggravo, inclusivamente a pena de morte! É horrivel, parece incrivel, mas o que é certo é que assim tem continuado a administração chamada da justiça na provincia der Angola até hoje, salvas as modificações que indicaremos. É facil de provar que esse estado de cousas tão violento devia tornar-se insuportavel.

Tres annos não eram passados, e a titulo de uma conspiração, que mal podemos apreciar, uma espantosa carnificina, uma hecatombe inundava de sangue as das de Loanda; trezentos condemnados foram garrotados, tendo o supposto cabeça sofirido os mais atrozes tormentos, escapando apenas alguns que foram perecer miseravelmente nos sertões!!!

Depois, sr. presidente, d'esta horrivel hecatombe, d'esta carnificina espantosa, o que podia seguir-se? o silencio, a paz dos sepulchros!! Aquella socegada escravidão, que o pafatino de Posnania julgava mil vezes peior que os perigos da liberdade.

Passados longos annos, em 1806, lembrou de novo a administração da justiça em Angola, mas para que?

Para suscitar aquella carta regia, aquella lei marcial, só com a modificação de que se não executasse a pena de morte em réu de patente superior á de capitão, sem o beneplacito real; era mais uma injustiça, sobfe tantas injustiças!!

Assim ficaram as cousas durante longos tempos, até que em 1852 se entendeu dever reformar a administração da justiça em Angola, sendo ministro da marinha o sr. Jervis de Athouguia, algum tempo antes da minha entrada para o ministerio de que elle fazia parte.

Sob consulta do conselho ultramarino, então presidido pelo illustre general Sá da Bandeira, fez-se essa reforma, não completa, mas que foi summamente util para aquella provincia.

Applicou-se a Reforma Judiciaria á provincia de Angola, crearam-se juizes de direito e ordinarios, um tribunal de segunda instancia, ou relação com tres juizes, um conselho superior militar; mas, a par d'esta grande reforma, conservou-se a mesma junta de justiça.

Em um dos seus artigos, diz o decreto de 1852, que aquelle tribunal observará a ordem e fórma de processo consignada na carta regia de 1761; quer dizer, conservou-se um tribunal excepcional, com processo verbal, summario, execução prompta e rapida, porque não ha alli recurso algum, excepto dando-se o caso de pena de morte, porque então, diz o mesmo decreto, o accordão da junta não será executado sem confirmação real.

Ha ainda outra circumstancia importante; é que ás justiças ordinarias estabelecidas segundo a reforma, sómente se deu jurisdição para julgarem dos crimes particulares, ficando os crimes publicos comprehendidos no livro 2.° do codigo penal na privativa competencia da junta de justiça, e por consequencia sujeitos á fórma do processo summarissimo, e execução prompta.

Instituiu-se tampem um conselho superior militar.

Este conselho julga em primeira e segunda instancias, summariamente, da mesma maneira, e sem recurso, excepto no caso de pena de morte. Conseguiu-se, ainda assim, um beneficio grande, porque lhe foi imposta a obrigação de se conformar com o regimento do processo adoptado no regulamento do conselho superior do reino.

É incontestavel que houve melhoramento, mas muito nos ficou que fazer.

Em vista das considerações que eu tenho feito, parece-me que não deveria talvez dizer nada sobre o remedio que póde ser necessario; mas eu peço a s. exa. que queira ter a bondade de ouvir o que penso a este respeito, e que eu submetto á sua consideração como simples objecto de estudo.

Sr. presidente, porque ha de tirar-se n'aquella provincia á jurisdicção criminal ordinaria o conhecimento dos crimes publicos para os conrmctter a um tribunal de excepção incompativel com a lei constitucional que é a nossa primeira lei?

Porque não hão de correr estas cousas pelas vias ordinarias, que são os juizes de direito, as relações com recurso para o supremo tribunal de justiça?

Porqtie se ha de tolher o direito de recurso de revista quando parecer necessario ao ministerio publico ou aos particulares?

Eu não vejo motivo algum para isso, mormente no estado accelerado das nossas communicações e que se tornará cada vez mais rapida. Nem a vantagem que se invoca com a celeridade da imposição da pena tem valor algum diante do risco de uma condemnacão iniqua!

N'este presuposto entendo que a relação de Angola deve ter organisação similhante ás do reino, quero dizer que a secção d'aquelle tribunal deve ser elevada a cinco membros.

D'esta fórma a junta da justiça não se póde conservar, não tem rasão de ser, porque alem de incompativel com as nossas leis geraes, e tambem com o actual estado d'aquella provincia tão diverso e differente d'aquelle que foi nos tempos em que aquella instituição se fundou.

Sr. presidente, as circumstancias tem variado muito. No tempo do marquez de Pombal as idéas, as instituições, os homens e as circumstancias eram outras.

Hoje é necessario alargar a area da justiça, chamar o commercio e desenvolver todas as industrias, e não é com a velha legislação e com despotismo que o podemos conseguir.

A respeito do tribunal militar, a minha opinião é, que podem haver na capital da provincia, mas para julgarem em primeira instancia; com recurso para segunda instancia do reino para o conselho superior militar.

O nosso primeiro dever, já que somos liberaes, é acatar a primeira das leis, que é a carta Constitucional, que estabelece-o santo principto que a lei é igual para todos, premeie ou castigue.

Em casos excepcionaes ha tambem remedio na carta, mas remedio excepcional que não póde ser convertido em lei permanente.

Alem das monstruosidades da legislação excepcional que tenho posto em relevo ha ainda uma outra de que não fal-

Página 104

104 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

lei, e vem a ser o anniquilamento do decreto de perdoar estabelecido na carta, de que absolutamente põe de parte.

Penso que dentro em pouco virá aqui uma proposta apresentada na outra camara a respeito do conselho militar de Cabo Verde.

Rogo ao sr. ministro que, quando tomar em consideração essa proposta (eu nem sei se ella já foi approvada na outra casa do parlamento) haja de attender a que estas reformas fraccionadas têem sempre graves inconvenientes e são pouco compativeis com o principio da igualdade perante alei.

Invoquem-se as boas doutrinas, estabeleçam-se ali, acolá, em toda a parte onde podem e devem ter logar.

Parece-me que o remedio é muito facil e simples, sem causar abalo nem transtorno na marcha geral da administração da justiça civil ou militar.

Não quero fatigar mais a attenção da camara...

Vozes: - Não cança. Muuito bem, muito bem.

O Orador: - O que peço ao sr. ministro é que considere estas lembranças como filhas do maior desejo que eu tenho de ver s. exa. elevado áquelle grau de honra para que os seus talentos o habilitam: e por isso, seja-me permittido concluir applicando a s. exa. os versos do nosso poeta togado Antonio Ferreira:

Que não damnam as musas aos doutores;
Antes ajuda ás suas lettras dão;
Para tudo prestam, para tudo são.

O sr. Ministro da Marinha (Thomás Ribeiro): - Sr. presidente, se n'este momento me não coubesse a palavra, e eu não tivesse meio de felicitar d'aqui o digno par pelo brilhante discurso que acaba de proferir, achar-me-ia junto á sua cadeira exprimindo-lhe este sentimento de admiração, que dita as minhas palavras.

E tanto mais desassombradamente o felicito pela fórma, pela essencia, lucidez e elevação do seu discurso, quanto é certo que s. exa. me condemna a vegetar obscuramente na minha curta ou longa carreira de ministro.

S. exa. disse, e disse com accento prophetico: - São as circumstancias que criam a situação do homem d'estado, são os temporaes que fazem inspirar aos Camões os cantos do Adamastor, são os cataclysmos, os grandes cataclysmos sociaes e da natureza, que podem crear o genio altivo dos marquezes de Pombal.

Que póde, portanto, fazer o ministro que, felizmente para o paiz, embora pouco felizmente para a sua gloria, vive no meio de uma bonança completa, quando a paz é proclamada por toda a parte, e os elementos da natureza parecem conspirar para produzir uma longa primavera numa região como a nossa tão abundante de primaveras?

Vejo-me, forçado pois, sr. presidente, a contentar-me com o mesquinho e pequeno papel que a natureza me destinou; hei de viver a sabor das virações brandas sem me ver nas circumstancias de tentar as grandes e aventurosas iniciativas a que me veria forçado se, era vez dois annos bonançosos, viessem os tufões da tormenta infunar as velas do meu navio.

Felizmente, para aquelles que embarcam, o tempo é bom, o mar é sereno e chão; nada temos a receiar, o timoneiro tem pouco a fazer, havemos de chegar a porto e salvamento.

Contento-me, repito, com o modesto papel que o destino me reservou, porque isso nos demonstra a tranquillidade, o com ella o bem-estar do paiz.

E agora, depois da. minha felicitação ao digno par e á camara, que certamente se cengraflila commigo pelo seu brilhante discurso; depois das minhas desculpas antecipadas pelo tempo que vou tomar-lhe, depois de exprimir esta consolação de que resa o dictado francez: A quelque chose malheur est bon; vou dizer alguma cousa com relação ás observações que o digno par fez relativamente á administração da justiça nas nossas possessões, especialmente em Angola.

Simplesmente como incidente, e para ir na esteira da argumentação do digno par, quero referir á camara um facto que por ella deve ser sabido, mas que não é dos mais vulgares, e por isso não é do conhecimento de toda a gente.

O grande marquez de Pombal, a que se referiu o digno par, parece-me que ainda não foi apreciado no conjuncto de todas as suas qualidades.

S. exa. disse, e muito bem, que elle se viu forçado, entre outras medidas vidlentas, a expulsar os jesuitas de Portugal. Isto deu em resultado formar-se a opinião de que este homem destado tinha por timbre perseguir a religião. Não admira que aquelles, a respeito de quem exerceu actos de rigor ou violencia, ou ainda os sectarios dos queixosos, se levantassem contra elle e lhe fizessem esta insinuação. Ha, porém, um facto notavel na vida do marquez de Pombal, que não tenho visto relatado ou referido nos livros que tratam da sua vida, fallo dos que são do meu conhecimento; facto que fui encontrar em papeis velhos e carcomidos, nos archivos da India.

O marquez de Pombal, na occasião em que foi tomada a provincia das Novas Conquistas, chamada Pernem, teve noticia de que o viso-rei, não posso dizer neste momento quem era o viso-rei, mas creio que era um ascendente do digno par, o sr. marquez de Fronteira, que depois foi marquez de Alorna.

Uma VOZ: - Era o conde de Assumar.

O Orador: - Isso. Creio que era o conde de Assumar.

Na occasião em que elle tomava a praça de Alorna, e por consequencia a provincia, como homem de vistas largas que era, entendeu, que devia repovoar áquelle paiz fertilissimo, que se achava quasi sem habitantes, porque tinham fugido diante da espada do vencedor, nem sempre malevolo...

(Interrupção que não foi ouvida.)

Muitas vezes benevolo, é verdade; folgo de o confessar, e folgo porque me não associo á moda que tem predominado de se fazer uma historia que não é exacta, attribn indo-se-nos crimes praticados no Oriente, sem os attenuar, ao menos, com os grandes beneficios que fizemos.

Como preito á verdade hei de tambem opportunamente referir-me a uma allusão que aqui se fez ao grande Affonso de Albuquerque, pois é bem que n'esta conversação parlamentar se faça justiça aos que têem sido mal avaliados.

Voltando, porém, ao assumpto; que fez o viso-rei? Convidou todos os habitantes de Pernem a que entrassem na posse das suas terras, levantassem os pagodes que tinham sido destruidos, garantindo o exercicio do seu culto, e liberdade de consciencia, a todos os que quizessem voltar.

E sabem v. exas. o que fez o marquez de Pombal, que tinha sido o expulsor dos jesuitas? Fez constar ao viso-rei que não approvava as suas medidas, e que aquelles que quizessem voltar a occupar as suas terras só o poderiam fazer entrando para o gremio da igreja catholica.

Este facto, que não é vulgarmente conhecido, mostra que o marquez de Pombal, que foi no reino accusado de perseguidor da religião, tinha pelo contrario espirito religioso e queria o christianismo para áquelle paiz, onde entendeu e bem... isto sem querer dizer que elle foi liberal n'esta ordem que deu, pois a considero despotica, e condemno todos os despotismos; entendeu, repito, que o radicar a religião catholica na India, e diffundir ali as maximas da unica religião verdadeira e civilisadora, era o modo de engrandecer aquellas possessões.

Procedeu assim o marquez de Pombal. Aqui foi o homem que passava pelo mais irreligioso do seu tempo; alem, no Oriente, procurou secundar os esforços de S. Francisco Xavier, e de tantos outros grandes evangelisadores, que pregaram as eternas e civilisadoras maximas do Evangelho.

E notem os dignos pares uma circumstancia.

Nós os liberaes não sabemos hoje verdadeiramente apreciar o beneficio que devemos ás ordens religiosas no Oriente; e quando digo, nós, fallo por mim e por tantos outros que

Página 105

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 105

todos os dias andâmos a clamar contra as ordens religiosas, que eu aliás não peço nem desejo.

Devemos sempre fazer justiça a quem a merece. Pois, quanto serviço prestaram aos nossos homens d'estado aquelles missionarios, em quanto souberam cumprir rigorosamente o seu dever? (Apoiados.)

Façamos justiça a todos; o justo é sempre justo; as exigencias dos tempos tornaram caducas muitas instituições, mas isso não impede que se lhes faça a justiça que mereceram.

Sr. presidente, tenho que referir-me, e agora é occasião, a umas palavras que ouvi nesta camara com referencia a Affonso dAlbuquerque; e que são uma apreciação injusta. Mas antes d'isso, ou antes a proposito d'isso, tenho que responder a um digno par (que n'uma das sessões passadas me asseverou que eu encontraria difficuldade em obter pessoal habilitado para governar e administrar o nosso ultramar), venho dizer-lhe que infelizmente é verdade o que s. exa. disse, que a maior difficuldade para o ministro da marinha é obter bons collaboradores para as provincias ultramarinas, isto é, quem lhe possa realisar com justiça e acerto as suas idéas, e que interprete as leis justamente no sentido em que devem ser interpretadas.

Esta falta, porém, não provem de que em Portugal não haja homens muito honrados, sufficientemente esclarecidos e bastante dignos para em, toda a parte representarem o governo e o paiz; se oa não obtemos é por duas unicas rasões. A primeira é porque não queremos pagar a esses funccionarios honestos, dignos e illustrados, a remuneração que deve ter um homem na posição que ali vae occupar.

Emquanto não pagarmos a quem nos sirva bem nunca lá teremos administração regular.

A segunda rasão é, porque n'este paiz, triste é dizel-o, mas a historia é inexoravel, sempre que um homem se distinguiu por qualquer feito que despertasse a inveja dos que não poderam fazer outro tanto, foi logo desprestigiado, passando pelo desgosto de ver a calumnia mais mordaz feril-o no que o homem de bem tem de mais caro, a sua honra.

Assim ninguem póde governar! A calumnia desgosta e deshonra.

Eis o systema sempre, infelizmente, seguido contra os maiores homens d'este paiz, como premio dos perigos que arrostaram, dos trabalhos que emprehenderam, para darem honra e riquezas áquelles mesmos que lhes denigrem os feitos, maculando-lhes a reputação.

Vejamos agora o que se disse de Affonso d'Albuquerque, e com que desamor e injustiça é tratado no documento a que o digno par, o sr. marquez de Vallada, se referiu.

Já que estamos em monção de fallar em documentos encontrados, eu direi que fui encontrar tambem na India um documento de Affonso de Albuquerque que, se não é um grande achado para a historia, pelo menos alegra o coração portuguez, podendo fazer mais uma vez justiça áquellle grande de quem tantos pequenos disseram mal.

O digno par o sr. marquez de Vallada viu um documento, no qual se diz que Affonso de Albuquerque fizera a um pirata seu afeiçoado presente de um navio da real armada!

O sr. Marquez de Vallada: - Explicou em poucas palavras o que havia dito, e fôra que o documento, a que se referira, assevera que Affonso de Albuquerque dera em dote a um seu familiar um navio que mandara armar, e então foram alcunhados de piratas tanto o doado comovo doador.

O Orador: - Sabe v. exa., sr. presidente, quem era este pirata, a que se refere o documento que o sr. marquez de Vallada nos citou?

Este pirata, cujo nome não sei bem como deva pronunciar, porque não sou versado nas linguas orientaes, chamava-se Timoia ou Timoja; e, se este pirata não está no céu, como é de crer, devia estar muito na consideração de Affonso de Albuquerque.

Na occasião em que este grande capitão pensava, pela primeira vez, em firmar um grande imperio no oriente para offerecer a este pequeno reino de Portugal, tinhamos por capital na India uma pobre ilha, hoje quasi deserta, e n'aquelle tempo em pouco melhores condições, chamada Angediva. Estavam, por assim dizer, dispersos os membros de um grande imperio por toda a costa do Malabar, do Coromandel, pela Africa, pela China e pelo Japão, onde já chegavam os nossos missionarios, que foram os primeiros que só aventuraram para o extremo oriente.

Affonso de Albuquerque pensou, como se sabe, em reunir sob uma capital estes membros dispersos, porque bem sabia que não podia haver um corpo sem cabeça.

Tratava de escogitar como havia de obter uma cidade, que servisse de cabeça ao imperio portuguez no oriente, quando lhe appareceu o celebre capitão Timoia, ou o pirata, como lhe chamou o digno par, e disse a Affonso de Albuquerque, que se quizesse seguil-o, e ter fé na sua estrella, o levaria a uma cidade, que tomaria facilmente com as forças dos seus navios. O offerecimento foi acceito, e partiram em busca da cidade promettida.

Erraram a primeira derrota, porque a cidade que Timoia inculcava era a velha Goa, a bella, a soberbissima, uma das maiores cidades d'aquelle tempo, e d'aquelle paiz, que tinha por senhor o Hydalcão. Quando chegaram ao rio, em logar de seguirem pelo canal conveniente, que era o Mandovy, metteram por-outro, o de Mormugão, que ia dar a uma aldeia, tambem chamada Goa, e ficava do outro lado do monte; depois não tiveram remedio senão voltar para traz, e entrarem pela barra de Pangim para irem tomar a cidade.

Eu creio que se todos nós tivessemos o encontro de Affonso de Albuquerque, e a sua fortuna, teriamos premiado bem esse Timoia.

Ora, sabem os dignos pares o premio que lhe deu Affonso de Albuquerque, alem do navio? Deu-lhe a posse, como arrendatario, de todas as terras de Goa, fóra da ilha, por sessenta e dois mil pardáos de oiro; e quando, depois da segunda tomada de Goa, e na ausencia de Timoja, teve de arrendar o vencedor a outro rendeiro as aldeias conquistadas nos territorios de Salsete e Bardem, arrendou tudo gela renda de cincoenta e dois mil xerafins de oiro, isto é, menor quantia que a do primeiro arrendamento, com a condição de haver sempre cinco mil homens em armas para defender dos seus inquietos vizinhos aquellas terras que tão disputadas foram.

Aqui tem v. exa. como se fez um crime a Affonso de Albuquerque por um acto de mera administração, enipaga de extraordinarios serviços.

Quer v. exa. saber ainda quanto este grande homem era amigo de se apropriar do alheio? Vou referir outro facto que mostra bem quanto elle procurava ser justo.

Na occasião em que tomou pela segunda vez posse de Goa, e foi então a posse definitiva, mandou confiscar aos mouros os seus bens, o que não havia feito da primeira vez; não confiscou porém nenhuns bens aos gentios. Para sustentar e defender a sua nova posse, quiz fazer fortificações na praça chamada da Aguada, e para levar a effeito o seu intento mandou chamar á sua presença os donos do terreno onde tencionava fazer as fortificações.

Esse terreno é em serro pedregoso, onde nem uma palmeira póde nascer ou
crear-se, e os seus donos, que eram uma commuuidade, queriam-no ceder gratuitamente.

Pois Affonso de Albuquerque não quiz acceitar a cedencia que se lhe fazia, e mandando avaliar o terreno, pagou-o aos seus proprietarios pelo valor arbitrado.

É por isto, sr. presidente, que quando, eu leio em obras de grande merito, assignadas por homens que têem a primeira auctoridade d'este paiz, essas phrases, que ficam a queimar e a macular a memoria, de que nós estamos pagando em seculos de vilipendios e vergonhas os seculos que empregámos no oriente em vexações, extorções, roubos e crimes de toda a ordem, tenho o maior sentimento de que,

Página 106

106 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ao menos, a justiça, já não digo o amor da patria, não inspirasse esses escriptores, para, ao pé de tal condemnação, consignarem o testemunho das virtudes, trabalhos, heroicidades, que talvez mal possam avaliar.

Perdoe-me a camara esta divagação; mas achei-me tão aquecido pela eloquencia do digno par, que naturalmente fui levado a fallar em cousas a que não tinha tenção de me referir. Até o meu estado de saude não me permitte demorar-me muito e ainda menos exaltar-me na discussão.

Passando agora á questão especial, que diz respeito á justiça em Angola, creia o digno par, o sr. visconde de Seabra, que estou perfeitamente de accordo em que nós devemos implantar nas nossas possessões, quanto possivel, as leis da metropole; porem imagino que se deve dar com as leis o mesmo que se dá com a humanidade o com as plantas, que carecem, para que não morram com uma restea de sol mais forte, transplantal-as, como tem feito a Gran-Bretanha, por meio de um processo logico e cauteloso de acclimação. Se nós, de repente, formos estabelecer as nossas leis em Africa, póde s. exa. acreditar que ou preverteremos a Africa ou nos arriscaremos a desacreditar-nos a nós e á nossa legislação. É simplesmente o que poderá acontecer.

A India é de todas as nossas possessões incontestavelmente a mais culta, aquella que por todas as rasões está mais proxima da nossa civilização; pois na India não foi possivel ainda, e creio que não poderá ser para já, a acclimação do jury.

O sr. Visconde de Seabra: - Apoiado.

O Orador: - E sabe o digno par porque? Porque no dia em que nós entregarmos as cousas ao julgamento do jury, n'aquellas terras onde tamanha é a rivalidade e a influencia das castas, corre-se o risco de que a casta que estiver em maioria no jury absolva ou condemne os accusados conforme a casta a que elles pertencerem. (Apoiados.)

Porque, se ha tantas outras cousas que possam influir nos julgamentos do jury, não ha nenhuma que tontui e poder da differença de castas.

O digno arcebispo primaz do Oriente póde, talvez facilmente, fazer christãos todos aquelles povos da nossa India, mas por muiio tempo ainda continuarão subsistindo no christianismo as differenças das castas; tal é o seu poder e a sua força de reacção.

Relativamente e especialmente á junta da justiça om Angola, não vejo rasão para que uma instituição exepcional e anomala se mantenha como está, nem imagino que ser ella ou com ella devidamente modificada a justiça e a segurança publica periclitem. Este tribunal justificava-se n'outro tempo pelas excepcionaes circumstancias que então se davam, como póde avaliar quem fizer um largo estudo sobre as gradações por que têem passado não só as nossas colonias como até o proprio paiz. Então não tinhamos o systema politico que hoje nos rege, a base da constituição era diversa, o systema penal outro tambem. Não havia as communicações que hoje ha entre a metropole e as suas possessões nem se davam as condições de providencia que actualmente existem. Os tempos d'agora são outros, e o estado da civilisação, mesmo no ultramar, tem outras exigencias.

Asseguro, pois, ao digno par, que vou procurar satisfazer os desejos de s. exa., estudando o melhor modo de cessar com estas anomalias, para o que espero achar o beneplacito do corpo legislativo, que de certo não deixará de sanccionar medidas que a civilisação reclama em hoinrnagem á justiça e em beneficio da humanidade.

O sr. Visconde de Seabra: - Poucas palavras direi. Estou completamente de accordo com as idéas emittidas pelo sr. ministro da marinha; nem eu poderia querer que se fizessem taes modificações nas instituições, que se tornasse ainda mais impossivel a administração da justiça. Lembrei apenas que me parecia chegada a epocha de commetter a revisão e reforma das instituições judiciarias do ultramar, o notei apenas alguns pontos que de maneira alguma podem continuar no estado em que se acham, manifestamente em opposição com os principios elementares do direito e com a nossa constituição politica.

O sr. Presidente: - Continua a interpellação do digno par o sr. marquez de Vallada, e tem a palavra o digno par o sr. marquez de Sabugosa.

Peço á chamara attenção para o que se vae ler na mesa.

(Leu-se.)

Era a moção do sr. marquez de Vallada} já publicada n'uma das anteriores sessões.

(Varios dignos pares pediram a palavra.)

O sr. Marquez de Sabllgosa: - Sr. presidente, em primeiro logar permitta-me o sr. ministro da marinha que lhe assegure que é com sincera satisfação que vejo a s. exa. n'aquelle logar, e espero que completamente restabelecido do incommodo que na sessão passada o impediu de ccmparecer n'esta casa.

Sr. presidente, cabe-me tão tarde a palavra, que podem talvez parecer fóra de proposito algumas considerações que tenho a expor, principalmente depois dos brilhantes discursos que a camara acaba de ouvir; não posso comtudo eximir-me a dizer a rasão por que pedi a palavra n'uma das passadas sessões.

Pedi a palavra, sr. presidente, para responder ás objecções que o sr. ministro da marinha tinha feito ao que eu dissera, o tambem para explicar algumas phrases com as quaes talvez eu não houvesse dado a perceber bem as minhas idéas.

Procurando ser o mais breve possivel, direi sómente o que me pareça essencial.

Julga o sr. ministro que e inacceitavel a proposição que eu tinha avançado, de se acharem suspensas as garantias individuaes para com algumas praças da armada; disso, porém, que, se fosse acceitavel, não lhe pertencia a responsabilidade; d'esse acto, que já tinha encontrado n'esse mesmo estado esse serviço publico, e que a responsabilidade que tivesse seria partilhada com a do governo passado, que eu apoiei.

O sr. ministro disse mas não provou que era inacceitavel a minha asserção, e seria difficil proval-o.

O artigo 145.º da carta diz:

«A inviolabilidade dos direitos civis e politicos dos cidadãos portugueses, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela constituição do reino pela maneira seguinte.»

E lá ostão nos paragraphos d'este artigo descriptas essas garantias inviolaveis dos cidadãos; lendo-se logo no § 1.º, que nonhum cidadão póde ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da lei.

Portanto, comparado com o artigo constitucional o facto existente, e confessado pelo sr. ministro, de que alguns marinheiros teem direito ás baixas, por isso que serviram já os seis annos a que eram obrigados, não póde soffrer duvida ou contestação a asserção de que para esses individuos estão suspensas as garantias.

Os dois argumentos de que se serviu o sr. ministro, não para refutar a minha asserção como inacceitavel, mas para attenuar a sua responsabilidade, são os seguintes:

Um é o de não lhe pertencer a responsabilidade do facto inicial, por isso que já se achavam servindo fóra do tempo legal muitos individuos, quando s. exa. tomou posso da pasta, partilhando assim com os seus antecessores a responsabilidade; o outro argumento é que, tendo os tribunaes superiores condemnado alguns d'esses individuos pelo crime de deserção, davam esses tribunaes a s. exa. uma certa garantia de que a constituição do estado não se achava offendida.

São estes os dois argumentos com que s. exa. procurou attenuar a sua responsabilidade.

Em quanto ao primeiro permitta-me s. exa. que lhe diga que a responsabilidade é sua, e se s. exa. não tomou a ini-

Página 107

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 107

ciativa do acto, cabe-lhe comtudo a solidariedade com os ministros que formam o gabinete actual e aos quaes se deve a anarchia d'este serviço.

Foi a situação agora restaurada, foram esses mesmos ministros com quem s. exa. é solidario, que deixaram as cousas n'este estado a que o ministerio passado procurou até certo ponto remediar.

Esse ministerio que s. exa. diz que eu apoiei, e não nego que lhe dei o meu apoio, ainda que fraco, e honro-me muito com isso, por quanto, ainda que o sr. marquez d'Avila e de Bolama não representava no poder a satisfação do programma politico do partido progressista, comtudo dava garantias que me pareceu não ver na situação que tinha caido; esse ministerio, digo procurou dar algum remedio á desorganisacão d'esse serviço chamando para a armada individuos que eram licenciados do serviço do exercito.

Se o partido progressista deu apoio incondicional ao ministerio presidido pelo nobre marquez d'Avila e de Bolama, apoio incondicional, que eu sempre entendi significar - apoio desinteressado...

O sr. Marquez de Vallada: - Apoiado.

O Orador: - Se n'esse sentido apoiámos o gabinete passado, sem lhe fazer exigencias, não me inhibiria essa posição de pedir ao sr. ministro da marinha, O sr. Mello Gouveia, se ainda alii estivesse, a responsabilidade d'este estado de cousas se porventura ainda assim se conservassem.

No anno passado, apenas os ministros entraram n'aquellas cadeiras, o sr. conde de Cavalleiros chamou a attenção do sr. ministro da marinha sobre este mesmo assumpto, e o sr. ministro da marinha de então comprometteu-se desde logo a remediar esse mal. Poderia o sr. Mello Gouveia ter logo apresentado uma proposta de bill de indtimnidade, mas talvez a consideração de que isso seria um acto de falta de generosidade para com os seus antecessores tivesse influido no animo d'aquelle ministro para não apresentar esse bill; mas o que é certo é que o sr. Mello Gouveia comprometteu-se desde logo a tornar providencias, e não disse, como o actual sr. ministro da marinha, que entre o desarmar os navios, e conservar as praças da armada fóra das circumstancias legaes, preferiria este segundo expediente; pelo contrario, o sr. Mello Gouveia aproveitou a indicação feita pelo sr. conde de Cavalleiros, e providenciou no sentido d'ella, de modo que talvez 150 praças entraram para a armada, diminuindo assim, ao menos emquanto ao numero, a injustiça que se praticava.

O sr. Mello Gouveia esteve doente alguns dos poucos dias que, como ministro, podia assistir á sessão passada; na actual sessão, primeiro a doença, e depois a questão politica que se levantou na outra casa, não lhe permittiu apresentar ás côrtes proposta alguma, mas se viesse a esta casa estando esse serviço nas circumstancias em que se acha agora, e sem que tivesse apresentado as devidas propostas para o melhorar, ter-lhe-ia pedido contas, apesar do meu apoio á situação a que pertencia.

Examinemos o segundo argumento que o sr. ministro da marinha apresentou em sua defeza.

Diz s. exa. que os tribunaes superiores, tendo condemnado como desertores os individuos que se lhe apresentavam a julgamento nas mencionadas circumstancias, mostram assim que o governo não está fóra da constituição e da lei.

Mas, sr. presidente, embora não concorde em que as sentenças que, como o sr. ministro disse, fazem do preto branco e do branco preto, tenham o valor da interpretação constitucional, e se fazer preto do branco é só para cada caso especial, não concordando n'isso, mas concedendo que muitas sentenças no mesmo sentido possam ter auctoridade, se essas sentenças não julgarem esses homens desertores será isso a condemnação do sr. ministro?

Pois a verdade é que os tribunaes superiores, em logar de condemnarem a quatro annos de serviço na Africa os marinheiros accusados de deserção, applicam-lhes a pena de um anno de serviço ha Africa e recommendam-os ainda assim á clemencia do poder moderador: que significa isto? Significa que o proprio poder judicial reconhece a postergação de direitos que se está praticando; não me parece, pois, que o argumento aproveite ao sr. ministro; antes pelo contrario parece-me que aggrava a sua situação.

Pois se os tribunaes pedem a clemencia da corôa, se n'esta casa já foi pedida, se o sr. ministro declara que está prompto a apresentar esse pedido, se todos a pedimos não havendo meio legal de salvar esses homens do castigo; que conclusão podemos d'aqui tirar senão que ha direitos individuaes offendidos?

O sr. ministro disse n'outro dia que as leis se fazem para consagrar direitos, é por isso mesmo que eu desejava que s. exa. apresentasse uma proposta a fim de consagrar direitos que se acham lesados. E quando me referi á necessidade d'essa lei, talvez por não ter usado da linguagem propria, da linguagem juridica, deixasse mal enunciada a minha idéa.

Eu queria dizer que não desejâmos deixar dependente da clemencia, o que da justiça temos direito de esperar.

Quando disse que desejava que se fizesse lei para annullar as sentenças, deveria dizer, que estabelecesse o modo da revisão das sentenças contra os condemnados por crimes militares depois de acabado o tempo de serviço; não foi minha intenção n'esse modo de dizer desconsiderar o poder judicial, mas, repito, inculcar odesejo de que pela justiça, e não unicamente pela clemencia, possam esses individuos ser alliviados de qualquer pena.

O que pretendo é que se respeitem os principios, e se arreiguem os costumes constitucionaes; mas não se infira d'aqui, tambem por fórma alguma, que tenho em menos, preço á prerogativa da corôa, a de perdoar, que julgo ser porém à maior de todas as prerogativas, a mais apreciavel, e que nós temos tido occasião de, com applauso e jubilo, vermos exercer.

Ainda ha pouco folgaram os principios humanitarios quando foi exercida para com dois réus militares, a quem foi commutada a pena, diminuindo-se assim o rigor da actual lei penal militar; e com jubilo e applausos vimos tambem impetrar e empenhar-se a corôa para obter da prerogativa do chefe de outro estado a commutação da pena a um subdito portuguez, que tinha commettido um crime na India Ingleza.

Isto é de Certo muito agradavel para nós todos; mas o que eu desejo é, que, o que deve ser feito pela justiça se não peça á clemencia.

Eu não venho aqui provocar deserções nem sustentar doutrinas subversivas da ordem publica; pelo contrario, o meu fim é que se respeite a constituição, que se respeitem as leis, e que assim se mantenha a ordem.

Disse o sr. ministro da marinha, que eu tinha feito algumas reticencias, com o que parecia querer dizer que o poder executivo tinha de algum modo influido nos tribunaes, influencia que s. exa. estava certo não teria admittido a respeitabilidade dos magistrados.

Em primeiro logar não fiz reticencias, mas se de alguma influencia quiz fallar que o poder executivo exercesse n'este caso no poder judicial, não era em sentido offensivo para esse poder.

O que eu poderia dizer, é que talvez considerações de elevada ordem, a de manter a subordinação na armada, de não abrir exemplos de tolerancia para a disciplina entre homens que não têem a maior parte a illustração necessaria para distinguir as circumstancias que acompanhavam essa tolerancia, considerações d'essa ordem e que talvez tenham levado os tribunaes a condemnar os que fogem do serviço, embora não sejam desertores, e é d'este modo que eu poderia dizer que os actos do poder executivo tivessem influido nos tribunaes.

Sr. presidente, não desejando cansar a camara, e tendo, segundo me parece, dito o essencial para explicar o que

Página 108

108 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

anteriormente avançára, vou terminar estas breves considerações; não o farei comtudo sem dizer ao sr. ministro da marinha que aquella phrase latina que eu proferi no meu formoso discurso, como em estylo poetico s. exa. chamou ás despretenciosas palavras que aqui disse, luxo de estylo que de passagem direi não me lisongeou porque a consciencia não o permittia, nem tambem me afiligiu porque sei que a camara sabe que não tenho pretensões de orador; aquella phrase latina que o sr. ministro sabe traduzir, mas não applicar, e que deixou intacta, tambem eu a deixo, não a explicando de novo, tendo comtudo a certeza, que se s. exa. quizer saber a applicacão, a alta intelligencia de s. exa. supprirá qualquer explicação que de novo desse.

O que, porém, me magoou, sr. presidente, foi que o illustre ministro podesse, por instantes sequer, suppor que a phrase latina lhe era injuriosa!

Das minhas palavras antecedentes e consequentes concluiu, comtudo, s. exa., e bem, que nem para si nem para seus collegas a phrase citada podia ser injuriosa!

Ainda bem que foi só por um instante, e ainda assim eu sinto lhe podesse passar pelo espirito uma siniilhante supposição.

Sabem todos os que me conhecem, que eu não sou capaz de injuriar ninguem. (Apoiados.)

Em quanto Deus me der um pouco de animo, hei de sempre repellir com todas as minhas forças qualquer injuria, mas injuriar, nunca.

Limito aqui as minhas considerações.

O sr. Marquez de Vallada: - Reportando-se ao discurso do precedente orador, fez algumas considerações a respeito das camarilhas que são sempre, e em todos os tempos, a desgraça dos réis, e por esta occasião passou em revista os factos das monarchias passadas, citando em especial os reinados de D. João V, D. Affonso vi e D. Pedro II, de que adduziu que o marquez de Pombal provou o desejo de desfazer os obstaculos á boa governamentação.

O sr. Ministro da Marinha: - Disse n'um áparte: "serem certos homens que andavam pelas das quebrando as cabeças a todos".

O Orador: - Continuando, affirmou que eram tambem os fidalgos, sendo d'elles composta a camarilha que circumdava os monarchas, fidalgos que abusaram, como igualmente todos os padres e seculares; e que estas mesmas imperariam no reinado de El-Rei D. José, se não fôra o seu eminente ministro o marquez de Pombal, que debellou e reprimiu os excessos das mesmas camarilhas. Aos tramas d'ellas juntavam-se os que vendiam os empregos publicos, como se ve hoje diariamente nos jornaes annuncios de gratificações a quem arranjar um emprego! Demonstrou o orador que as idéas venceram a espada, e hoje não se tolerariam as crueldades de então.

Reportando-se a administração da justiça em as nossas terras de alem mar, prestou reconhecimento ao sr. ministro da marinha pelos desejos que mostra de ser prudente nas mudanças que necessariamente teriam de effectuar-se n'aquella região.

Terminou pedindo ao referido sr. ministro que se recorde de que nas terras de alem mar é necessario que tremulem a par um do outro os estandartes da liberdade e da civilisação; e reportou-se igualmente a algumas phrases do sr. conde do Casal Ribeiro, alludindo tambem a algumas expressões do sr. ministro da marinha. Concluiu dizendo que esperava as explicações categoricas do governo, e pedia á camara que votasse a sua moção como uma lembrança aos srs. ministros!

O sr. Barros e Sá: - Olhe, de mim é que v. exa. póde dizer isso com segurança.

O Orador: - Não o dissera a respeito do sr. Barros e Sá, mas já que s. exa. fallou dir-lhe-ia o contrario: que ha de sel-o, e que é muito competente para isso.

De mais a mais ainda falta muita gente a ser ministro, faltam por exemplo os amigos do sr. Barjona.

O sr. Barros e Sá: - Póde v. exa. dizer o que quizer, mas posso assegurar-lhe que eu não o serei.

O Orador: - Continuou fazendo varias considerações sobre as allianças estrangeiras, e terminou dizendo que esperava algumas explicações mais categoricas, claras e explicitas.

O sr. Presidente: - Deu a hora. Parece-me que a camara concordará em termos sessão amanhã. Ficam inscriptos os srs. Costa Lobo e Barros e Sá.

O sr. Marquez de Vallada: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - O digno par tem algum requerimento a fazer?

O sr. Marquez de Vallada: - Fazendo sentir que não poderá, acabada a eleição da commissão de inquerito, pedir ao sr. ministro da marinha instasse com o seu collega do reino para s. exa. comparecer o mais breve possivel para elle orador realisar a sua interpellação sobre as misericordias do reino, expoz tambem comprehender-se que n'essa occasião desejava dar uma explicação em relação aos seus actos como governador civil do districto de Braga; e lembrou o alvitre de que, sendo limitado o tempo de as camaras funccionarem, cada dia houvesse duas sessões, uma de dia e outra de noite, porque assumptos ha de muito interesse dos quaes a camara se deve occupar.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã, 12 do corrente, é a continuação da interpellação ao sr. ministro da marinha; e a discussão dos pareceres n.os 268 e 269, que diz respeito á admissão do representante do sr. conde dos Arcos.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 11 de março de 1878

Exmos. srs. Marquez d'Avila e de Bolama; Marquezes, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada; Condes, de Cabral, de Cavalleiros, do Farrobo, da Ribeira Grande, de Bomfim, de Fonte Nova, da Louzã; Bispo do Porto; Viscondes, de Algés, de Alves de Sá, de Fonte Arcada, de Seabra, do Seisal, de Soares Franco, da Praia, da Praia Grande de Macau, Barão de Ancede, Aifonso de Serpa, Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, Paiva Pereira, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Larcher, Mártens Ferrão, Reis e Vasconcellos, Franzini, Barjona de Freitas.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×