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N.º 19

SESSÃO DE 6 DE MARÇO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretario – os dignos pares

Visconde de Athouguia
Arthur Hintze Ribeiro

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta.— Correspondencia.— O sr. presidente propõe que se lance na acta um voto de sentimento pela morte do digno par Antonio Maria do Couto Monteiro. O sr. presidente do conselho de ministros, em nome do governo, associa-se a este voto. É approvado. — O digno par Cypriano Jardim manda para a mesa o parecer da commissão de guerra, relativo ás recompensas que devem ser concedidas aos officiaes e mais praças que se distinguiram na campanha de Africa oriental. Conclue, requerendo que entre em ordem do dia o projecto que estabelece uma pensão á viuva e filhos do major Caldas Xavier. Este requerimento foi approvado, e o parecer mandou-se imprimir.— O digno par conde de Carnide participa que, por incommodo de saude, não assistiu ao funeral do digno par Couto Monteiro. — O digno par Thomás Ribeiro acompanha de algumas considerações a apresentação de um requerimento, pedindo esclarecimentos ao ministerio da fazenda. Terminou, mandando para a mesa uma representação de quatorze companhias de seguros do Porto, pedindo protecção para a marinha mercante nacional, e requer que este documento seja publicado no Diario do governo. Este requerimento é approvado, e expedido e que pede esclarecimentos. Responda ao digno par o sr. presidente do conselho.

Ordem ao dia: discussão do parecer n.ºs 7, sobre o projecto de lei n.° 10. É posto em discussão na generalidade. — O digno par conde de Bertiandos manda para a mesa, e justifica, um additamento. É admittido, e fica em discussão conjunctamente com o projecto. Responde ao digno par o sr. presidente do conselho. O digno par apresenta uma moção, e justifica-a. Terminou, pedindo á commissão de legislação que se reuna para apresentar a lista dos dignos pares que estão incursos na lei das incompatibilidades. A moção é admittida, e fica em discussão conjunctamente com o projecto, e o sr. presidente affirma ao digno par que transmittirá aos vogaes da commissão de legislação as considerações por s. exa. feitas. — Fallam ainda sobre o assumpto em ordem do dia o sr. presidente do conselho e o digno par Antonio de Serpa. — É approvada a generalidade do projecto, e considerada, portanto, prejudicada a moção do digno par Marçal Pacheco. Entra-se na especialidade; é approvado o artigo 1.° e depois o artigo 2.°, rejeitado o additamento do digno par conde de Bertiandos, que dizia respeito a este artigo, e em seguida approvados os restantes artigos do projecto. — É lida, e enviada á commissão de fazenda, uma mensagem vinda da outra camara. — Entra em discussão o parecer n.° 8, sobre o projecto de lei n.° 9. O digno par Marçal Pacheco requer que este parecer seja approvado por acclamação.

Depois de ter dito algumas palavras, sobre o modo de votar, o digno par conde de Lagoaça, é approvado o requerimento do digno par Marçal Pacheco, e em seguida approvado, por acclamação, o parecer. — Os dignos pares conde de Lagoaça e conde de Thomar mandam para a mesa requerimentos, pedindo esclarecimentos ao governo. São expedidos. — Encerra-se a sessão, designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão ás duas horas e tres quartos da tarde, estando presentes 19 dignos pares.

Foi lida e approvada sem reclamação a acta da sessão anterior.

(Assistiu á sessão o sr. presidente do conselho.)

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio da junta do credito publico, enviando o relatorio e contas da gerencia dos annos de 1893-1894 e 1894-1895, e mais 200 exemplares dos mesmos relatorios e contas.

Mandaram-se distribuir.

Um officio do ministerio da fazenda, acompanhando 120 exemplares do orçamento geral do estado para o exercicio de 1896-1897.

Mandaram-se distribuir.

Um officio do ministerio da justiça, declarando que a representação que alguns habitantes da comarca de Thomar dirigiram ao governo, pedindo uma syndicancia aos actos do respectivo juiz de direito, documento que foi requisitado pelo digno par conde de Thomar, só poderá ser enviado ao mesmo digno par quando seja devolvido pelo conselho disciplinar da magistratura judicial, onde está servindo de base ao processo instaurado contra o mesmo juiz.

O digno par conde de Thomar ficou inteirado.

Um officio da associação commercial do Porto, offerecendo 1 exemplar do seu relatorio ha pouco publicado.

Para o archivo.

Um officio do ministerio da justiça, acompanhando o autographo das côrtes geraes de 12 do mez passado, que estatue as penas applicaveis áquelles que professarem doutrinas de anarchismo.

Para o archivo.

Uma carta do sr. Antonio Joaquim de Campos Magalhães, participando o fallecimento do digno par Antonio Maria do Couto Monteiro.

Para o archivo.

Um officio do digno par Alberto Antonio de Moraes Carvalho, apresentando os motivos que o impossibilitaram de assistir ao funeral do digno par Couto Monteiro.

Para o archivo.

O sr. Presidente: — Falleceu Antonio Maria do Couto Monteiro, par do reino, ministro e secretario d´estado honorario e juiz conselheiro do supremo tribunal de justiça.

Era dotado dos mais nobres sentimentos, e todos reconheciam e prestavam a homenagem devida ao seu caracter honestissimo.

No desempenho dos mais elevados e altos cargos do estado, sempre prestou importantes serviços ao paiz, e como jurisconsulto notavel e juiz integerrimo e distinctissimo honrou a magistratura portugueza. (Apoiados.)

Eu creio que a camara quererá que se lance na acta da sessão de hoje um voto de profundo sentimento pela perda do illustre extincto, dando-se conta d´esta resolução á familia que o representa. (Apoiados geraes.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Declara, por parte do governo, que se associa á manifestação de sentimento d´esta camara pela morte do sr. Couto Monteiro, que, como ministro, como parlamentar distincto, tão importantes serviços prestou ao paiz.

O sr. Presidente: — Em vista da manifestação da ca-

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mara lançar-se-ha na acta o voto de profundo sentimento que acabei de propor.

Estão inscriptos, antes da ordem do dia, os dignos pares, os srs. Cypriano Jardim, por parte da commissão de guerra, conde de Carnide, Thomás Ribeiro, conde de Lagoaça e Marçal Pacheco.

O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, eu fui o primeiro a pedir a palavra.

O sr. Presidente: — Na mesa não se ouviu o digno par pedir a palavra, mas vae ser insçripto.

Tem a palavra, por parte da commissão de guerra, o digno par o sr. Cypriano Jardim.

O sr. Cypriano Jardim: — Tenho a honra de mandar para a mesa o parecer da commissão de guerra relativo ás recompensas aos officiaes e praças que se distinguiram na campanha de Lourenço Marques. Peço tambem a v. exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que o projecto que concede uma pensão á familia de Caldas Xavier entre hoje em ordem do dia. Creio que a camara se não opporá a este meu pedido, conhecendo, como conhece, os grandes serviços prestados á patria por aquelle distincto e bravo official.

É de tanta justiça, mais, é tanto dever nosso conceder esta pensão, que a camara de certo não precisará de mais demorado estudo do projecto.

(O digno par não reviu.)

Consultada a camara, resolveu-se affirmativamente.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer mandado para a mesa pelo digno par o sr. Cypriano Jardim.

Leu-se na mesa e foi a imprimir para ser distribuido.

O sr. Conde de Carnide: — Pediu a palavra para communicar á presidencia e á camara que por incommodo de saude não pôde acompanhar o funeral do sr. Couto Monteiro, como membro da commissão nomeada pela mesa.

Conheceu o sr. Couto Monteiro e apreciando as suas altas qualidades lamentou a sua morte. Pede ao sr. presidente que faça consignar na acta esta sua declaração.

O sr. Presidente: — Lançar-se-ha na acta a declaração do digno par.

Tem a palavra o digno par o sr. Thomás Ribeiro.

O sr. Thomás Ribeiro: —Sr. presidente, venho apresentar á camara dos dignos pares um requerimento que confio de v. exa. pedindo-lhe o favor de o mandar ao seu destino. Permitta-me v. exa. e a camara que eu apenas o leia e me abstenha de fazer-lhe os seus melhores commentarios emquanto não vierem os esclarecimentos que peço, para depois me occupar do assumpto.

(Leu.)

Sr. presidente, eu peço ao nobre ministro da fazenda e meu illustre amigo que tome nota do meu requerimento, e direi apenas que uma das maiores difficuldades que se encontra ao entrar hoje em Lisboa, e em quasi todo o paiz, está nas alfandegas. (Apoiados.)

Os grandes vexames de que se queixa o viajante que aporta a Lisboa dão-se principalmente na alfandega, e assim muita gente foge de vir a este paiz, motivo porque muito dinheiro deixa de entrar e de ficar aqui. (Apoiados.) Os procedimentos que eu hei de contar á camara não me dizem respeito, mas dizem respeito a homens a quem devemos os maximos favores, e que teem sido vexadissimos nas alfandegas do reino, especialmente na de Lisboa.

Sobre este ponto aguardo os esclarecimentos que peço, e rogo ao meu illustre amigo o sr. presidente do conselho, que tenha em consideração o meu pedido.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Peço a palavra.

O Orador: — Deixe me v. exa. que eu lhe peça a paciencia de ouvir ler, ou pelo menos relatar, esta longa exposição que acabo de receber de quatorze companhias de seguros do Porto, terra onde tive a honra de ser governador civil, terra cuja actividade commercial e industrial é de todos conhecida, terra que honrará sempre agradecida a minha memoria, e a que sempre desejarei ser agradavel.

Mas desejo principalmente ser agradavel á justiça que hoje do Porto, ou de qualquer parte, me seja pedida, justiça que esteja na minha consciencia.

Peço a v. exa. e peço á camara que mandem publicar no Diario do governo esta representação, e que seja tambem publicada no Diario das nossas sessões conjunctamente com as palavras que estou proferindo, e isto para que o governo olhe attentamente para os nossos estaleiros e construcções navaes mercantes.

Allega-se ahi com toda a justiça que estamos perdendo dia a dia a nossa navegação, e com ella os lucros e o incremento do nosso commercio; allega-se que os differentes estaleiros d´este paiz estão sem operarios, sem officinas, sem material, estereis; que póde de um momento para o outro desapparecer de todo esta importante industria e com ella uma grande parte do nosso commercio e todos os lucros d´ahi advenientes.

Effectivamente, eu desejava que parlamento e governo lessem attentamente as suas ponderações, que olhassemos para esta questão e suas correlativas com a attenção que realmente merecem e urgentemente reclamam.

E, a proposito d´estes assumptos, desejava e tinha pedido a comparencia do sr. ministro da fazenda conjunctamente com o seu collega, o sr. ministro dos negocios estrangeiros; queria pedir a s. exas. que fossem não sómente juizes, advogados n´esta causa.

Nós não só não fazemos navios mercantes, mas deixâmos apodrecer os que temos.

Tive a honra de estar por algum tempo no Brazil como ministro plenipotenciario de Portugal, cargo que ainda me pertence, mercê do governo. Vejo nos jornaes d´esta capital que o corpo diplomatico passava o seu tempo nas delicias de Petropolis.

Devo dizer a v. exa. e á camara que não passei em Petropolis senão o ultimo mez da minha estada no Brazil, e estive lá por conselho dos medicos.

Estive no Rio; vivi no Rio de Janeiro e conversei com muitos compatriotas que são commerciantes e industriaes, e todos notavam a falta que havia de navegação portugueza n´aquellas paragens.

Todos concordavam ser uma das nossas maiores faltas e desditas.

Começámos de novo a ter para ali carreiras, iniciadas pela Mala real, uma companhia que aqui se fundou, que mandou construir excellentes navios, que fez carreiras para a nossa Africa, iniciando depois carreiras regulares para o Brazil.

A esta companhia, depois, devido talvez a uma administração fidalga e de morgado, systema administrativo que ficou entre nós reinante, por tradicional, ou fosse porque fosse, abriu-se uma fallencia.

Eu não quero de fórma nenhuma censurar as medidas que porventura o governo tenha tomado, nem as decisões que no poder judicial se tenham lançado em despacho relativamente a esta companhia.

Não tenho estudado a questão juridica em que a companhia se debate, e da qual temo que venha a resultar-lhe a morte. Conheço bem a justiça e a diuturnidade dos seus processos. Se um remedio heroico a não salvar, a companhia morre e os seus navios apodrecem.

Mais um elemento de progresso perdido sem proveito de ninguem, antes com perda inevitavel para todos os credores, entre os quaes o governo.

Sinto não ver presente o illustre magistrado, nosso collega, que preside hoje ao tribunal de commercio, porque elle talvez podesse esclarecer-nos a este respeito, se quizesse, que não tem essa obrigação, embora seja tambem representante da nação e advogado e promotor dos seus legitimos interesses.

A verdade, tristissima verdade, é que os navios d´esta

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companhia estão, para perda e vergonha nossa, apodrecendo no Tejo. (Apoiados.)

Pena será que nós não possâmos obviar a uma necessidade urgentissima, qual é a de estabelecermos carreiras directas commerciaes para os portos do Brazil.

Sei, ou consta-me, que o governo tem facilitado concordatas em relação á companhia de que estou incidentemente fallando, mas eu desejava que elle desse toda a sua attenção a este assumpto, quando podesse estar despreoccupado das suas ou nossas questões de pequenina politica em que presentemente nos vemos envolvidos, e que eu vejo com muita tristeza ser o assumpto quasi exclusivo da nossa imprensa, do nosso parlamento, que podiam e deviam inspirar sentimentos de cordura e doutrinar preceitos de juizo a este paiz tão carecido de entrar e de se manter no caminho de emprehendimentos praticos de uma administração util e proficua.

O que se vê, porém, é que não se faz senão fallar, senão gritar e criticar, senão escarnecer, e quando a necessidade, quando a urgencia é trabalhar, não se sabe ou não se quer.

Eu achava muito bom que o governo tivesse chamado os encarregados da administração d´aquella companhia, e conversasse com os respectivos interessados, a ver se era possivel, mesmo pendente o pleito, estabelecer, com os seus navios, carreiras de navegação para o Brazil.

Podia agora dizer quaes eram as vantagens d´essas carreiras, mas creio que todos os dignos pares as conhecem.

Que se pede n´esta representação? Que pedem quatorze companhias de seguros? Que o governo ajude, sem prejuizo seu, antes com muito ganho para a nação, as emprezas constructoras do paiz; que restitua a vida aos seus extinctos estaleiros e n´elles fontes abundantes de riquezas que estamos loucamente perdendo.

Não é, porém, só isto que advogo e peço.

Pois que a Providencia nos concede, após longa e pesada noite, uma aurora formosissima de gloria e de ventura, que foi esta que nos alvoreceu nas terras de Africa, onde vemos restabelecido o nosso prestigio, quizera eu que não ficassemos só n´isto, e fizessemos alguma cousa util, digna e nobre em vez de andarmos boquiabertos esperando dia a dia e a cada hora a vinda do Gungunhana, para gaudio da nossa incorrigivel preguiça e perniciosa ociosidade.

A proposito do Gungunhana, sinto que o governo não tivesse deixado este regulo infeliz, nosso inimigo matreiro, mas victima talvez de intrigas que não sei de onde vieram, em Cabo Verde.

Assim, escusava de o dar em espectaculo e evitava-se-lhe qualquer desaire. Eu estou crente, ou tenho esperança, de que o povo de nenhuma fórma empregará com elle o insulto (Apoiados.) ou o vilipendio. É preciso não deslustrar as alegrias nobres, sincerissimas que todos experimentaram ao terem conhecimento dos grandes acontecimentos da Africa, com desacatos ou desprimores, seja com quem e para quem for.

Espero que assim será, porque, sr. presidente, não posso deixar de dizer a v. exa. que me encheu de prazer o meu animo, o meu coração patriota, ver a maneira por que o paiz, por que o povo, recebeu as noticias e os homens que nos trouxeram as nossas novissimas glorias, e deploro profundamente que n´esta questão, tão grande, tão digna, tão levantada, viesse a politiquice azedar e desvirtuar tudo. (Apoiados.)

O paiz, em honra sua, e para honrar aquelles que o honraram saudou enthusiasticamente esses bravos, esses heroes (Apoiados.) dignos de todo o nosso affecto.

E, entre parenthesis, seja-me licito dizer que louvo de todo o coração o procedimento do sr. ministro da guerra e, por consequencia, do governo, mostrando-se favoravel e acceitando a iniciativa da outra camara a respeito de serem galardoados com premios de distincção e de accesso homens que praticaram os mais brilhantes feitos. (Apoiados.)

Eu voto por isso (Apoiados), voto por que se dêem as maximas distincções que se poderem dar aos homens que, com o mais acrisolado patriotismo e rara abnegação, serviram este paiz. (Apoiados.)

Bem sei que me dizem, ou que me poderão dizer, que o commandante das forças de Africa declarou que não queria haver um posto por distincção.

Seja muito embora assim, mas a nossa obrigação é dar-lh´o (Apoiados), cumprâmos a nossa obrigação, elle que proceda segundo for da sua devoção. Nem eu quero nomear os mais benemeritos. Assim os designo; a justiça do governo que os escolha.

Hesitar, duvidar, vacillarna offerta d´estas recompensas, podia crear suspeitas nada honrosas para o exercito portuguez.

Premios e distincções aos que honraram este paiz! Officiaes e soldados!

Folgo de affirmar aqui que lealmente considero todos os soldados portuguezes, os que foram e os que ficaram, capazes de se dedicarem pelo bem publico, pelo engrandecimento da patria, pelo incremento do seu prestigio, dignos descendentes dos que outrora, rejeitando louros em justas e torneios, iam tambem á Africa, em Ceuta, ganhar esporas de oiro e a cruz de cavalleiros.

Eu peço a todos aquelles que andam por ahi a fazer politica, que se ponham n´esta questão ao lado do governo e, por amor de Deus, não denigram nem deixem enxovalhar os feitos d´aquelles que tanto nos honraram.

Depois de liquidada a questão da india, que eu creio que não será tão seria como a muitos se afigura, depois de liquidada essa questão, repito, nós precisâmos de governar.

Tratemos, pois, de governar, tratemos de administrar! eu estou persuadido, estou certo, de que são estes os desejos do governo; pelo menos, é isto o que elle tem demonstrado no grande desejo de nos dar o equilibrio que nos faltava.

Uma das nossas mais urgentes necessidades administrativas é pormo-n´os em relações directas com todo o mundo commercial e politico; é estabelecer navegações directas com as nossas colonias e com o Brazil.

Nós somos uma nação rica de excellentes portos; nós somos o caes da Europa.

No dia em que possa haver uma aragem favoravel, que se não faça o que se tem feito até hoje; que se não feche a porta com estrepito e com escandalo na cara dos amigos. Antes, não póde ser.

Reformem o lazareto, que me pede para fumigar as roupas que trago dentro das malas e não quer fumigar aquellas que trago vestidas.

Nunca percebi as rasões que havia para estas differenças; e emquanto houver em Lisboa taes incongruencias muitos viajantes deixam de desembarcar no nosso porto, indo a Vigo, vindo depois visitar os seus companheiros de viagem ao lazareto.

Estas e outras anomalias é que fazem com que por emquanto as cidades de Lisboa e do Porto, não possam ser consideradas o caes da Europa.

Pois a geographia teima em que o devem ser.

E tambem quer que sejamos um grande centro commercial de uma grande parte do mundo.

Houve em tempos um ministro em Portugal, ministro que ainda vive e que todos nós conhecemos, admirâmos e respeitamos, que se lembrou um dia de estabelecer um porto franco em Lisboa, ou em Cascaes.

Foi sufficiente a lembrança para que se levantassem todas as difficuldades que n´essa occasião se podiam levantar contra tal idéa, o que prova que, principalmente, desconfiamos de nós mesmos.

Eu conversei com alguns commerciantes no Brazil e

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com o nosso consul geral, um dignissimo funccionario, sobre meios de engrandecer o nosso commercio e as nossas industrias e tambem de preparar o renascimento do nosso desenvolvimento maritimo, que é o ponto especial das minhas considerações n´esta exposição.

Achei n´elles a idéa persistente da fundação de um grande deposito commercial no Atlantico, sendo nós os possuidores dos pontos mais propicios.

Eram de opinião que entre o Rio de Janeiro e Lisboa, já que o não queriam fazer em Lisboa, houvesse um porto franco em S. Vicente de Cabo Verde; seria essa ilha o centro de toda a navegação entre a America e a Europa, e mesmo com a America do Norte.

Sei que perdemos para isso um optimo porto em S. Vicente mas temos lá outro.

Isto são cousas em que o nobre ministro da fazenda já deve ter pensado muitas vezes, nem sei mesmo se ellas serão exequiveis, nem mesmo quero ámanhã ser obrigado a defendel-as.

Eu não affirmo, lembro.

Em todo o caso são sementes que espalho e que naturalmente o vento leva.

Dado que se não aproveite S. Vicente, por que se não olha para a formosa ilha da Madeira, para perto franco?

Não sei que horror é este ao porto franco; imagina-se que toda a gente seja inclinada a fazer contrabando e que somos incapazes de fiscalisar?

Feito isto, mais um passo dariamos para a resureição da nossa industria de construcções maritimas, resureição que advogo com a maxima devoção.

E faço votos por que me ouçam, e me secundem es que me ouvem.

Nem d´isso quero duvidar.

É verdade que nós tinhamos na India estaleiros e arsenaes; quando eu lá estive já os governos da metropole tinham acabado com o fabrico ali de navios de guerra.

Esperava-se e pedia-se que por bem do reino e das provincias orientaes, a começar por Moçambique, resurgisse aquelle trabalho; pois, quer v. exa. e a camara saber o que fez um governador que foi depois felicitar a india?

Vendeu tudo, arsenal, estaleiros, ferramentas, aprestos de toda a especie, tudo!

E toda a gente sabe que nós tinhamos ali as melhores madeiras para construcções navaes, como é a teca da India e como era a teca de Praganã; fez mais, vendeu a propria fonte, manancial de agua que abastecia todas aquellas terras marginaes até Pangim, onde quasi só havia agua dos poças.

Sr. presidente, emquanto as cousas andarem assim lá por fóra, nada se faz,; nós temos aqui um arsenal onde poucas ou nenhumas construcções se fazem, apesar de possuirmos bons engenheiros, bons mestres e bons operarios.

Entre as varias commissões que tenho tido, e em que tenho empregado mal os meus esforços, tive a de ser ministro da marinha, vendo-me, nessa occasião, na necessidade de reconstituir a administração da nossa Guiné.

Sabendo que havia lá excellentes madeiras para construcções navaes, mandei d´aqui operarios para cortarem essas madeiras.

Talvez que o sr. presidente do conselho ignore estes factos mas se perguntar ao sr. ministro da marinha, elle lhe dará estas informações.

Cortaram-se as madeiras vieram e para o embarcadouro, a fim de seguirem, para Lisboa. Pois não vieram, e lá apodreceram; e nós continuâmos a mandar vir madeira da Russia, da Siberia, e nem sei mesmo se do Japão.

Aqui está como, tratando nós só de politiquice, não cuidamos do que é necessario, bom e capaz de nos dar algum proveito.

Dito isto, não tomarei mais tempo acamara.

Tinha muitas outras considerações a fazer sobre este assumpto, para o que tomara, até, varios apontamentos.

Como, porém, a camara approvou a urgencia de ser votado hoje um projecto relativo a um benemerito da Africa, desejará de certo que eu acabe as minhas considerações.

O que peço é que v. exa., sr. presidente, se digne consultar a camara sobre o pedido que ha pouco fiz, com relação á representação que recebi do Porto.

Allegam aquellas companhias que vão fugindo os seguros dos navios á proporção que os navios vão desapparecendo; e por isso vêem que no cuidado que o governo possa dispensar-lhes, — não dando-lhes dinheiro, que eu não peco, nem ellas o pedem — mas, deixando, por qualquer fórma, que ellas se desenvolvam, póde haver um remedio.

Digo isto, porque nós, de vez em quando, tambem temos o costume de abafar debaixo do nosso cuidado administrativo a creancinha que, começa a respirar.

Como sei que o sr. ministro da fazenda preza tudo quanto é trabalho, estou certo de que s. exa. ha de tomar em consideração esta representação, e ha de ajudar os peticionarios no que lhe for possivel.

Nada mais direi, e peço desculpa a v. exa., sr. presidente, e á camara, de lhes haver tomado tanto tempo.

É lido na mesa, e vae ser expedido, o requerimento do digno par sr. Thomás Ribeiro, que é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me sejam enviados os seguintes esclarecimentos:

1.° Que ministros plenipotenciarios têem sido obrigados a pagar direitos na alfandega nos ultimos trinta annos, com os respectivos nomes e paizes onde serviram;

2.° Quanto têem pago?

3.° Por que objectos?

4.° Que se considera na alfandega bagagem?

Camara dos pares, 6 de março de 1896. = Thomás Ribeiro.

Consultada a camara sobre a publicação no Diario do governo e no Diario das sessões da representação mandada para a mesa pelo mesmo digno par, resolve affirmativamente.

É do teor seguinte:

Representação

Emquanto os governos, attendendo unicamente ao estado das finanças publicas, só tratarem de equilibrar o orçamento do estado, baldados hão de continuar forçosamente a ser quantos esforços se fizerem para debellar a crise com que ha tanto tempo vimos luctando.

Nada póde, com effeito, aproveitar-se que no orçamento se equilibrem as despezas com as receitas, emquanto não affluir ao paiz o numerario indispensavel para saldarmos a differença entre o valor das importações e o das exportações, para o pagamento dos encargos da divida externa e de uma parte da divida da cidade de Lisboa, para o serviço das obrigações das companhias concessionarias das nossas principaes vias ferreas continentaes e ultramarinas, e para satisfazer os dividendos de algumas companhias industriaes, como a das aguas da cidade do Porto e a dos tabacos de Portugal, cujos accionistas são, na sua quasi totalidade, estrangeiros.

Emquanto impender sobre a nação a necessidade inilludivel de todos os annos exportar milhares e milhares de contos de réis em oiro, será que parallelamente se estabeleça a importação correspondente, tanto póde aproveitar-lhe o equilibrio entre as receitas e as despezas do estado, como aproveitaria não gastar mais do que o rendimento dos seus bens ao proprietario, sobre o qual pesasse a obrigação de pagar ao credito predial annuidades superiores á totalidade d´aquelle rendimento.

Não é, portanto, no equilibrio orçamental, que se póde

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encontrar o remedio que nos salve da crise que nos assoberba, e que nos ha de fatalmente levar á ruina, se, continuando a attender a um só dos symptomas da doença que afflige o paiz, persistirmos no errado diagnostico que fizemos e mantivermos a má therapeutica que temos seguido.

Para se estudar e conhecer a verdadeira situação de um povo, é necessario ter-se bem presente que, sob o ponto de vista economico, não são as nações senão grandes casas commerciaes, e que, tendo cada uma elementos proprios de credito o de debito, será bom ou mau o seu estado conforme a somma d´aquelles for superior ou inferior á d´estes. D´aqui a necessidade de que sejam tidos em linha de conta todos, ou pelo menos, quasi todos esses elementos, por isso que cada um d´elles influe sensivelmente no resultado final do calculo.

Considerava se de antes o conjuncto das exportações e das importações registadas nas alfandegas como o unico elemento das transacções internacionaes de um povo. Tomando-se a parte pelo todo, via se na balança commercial o unico indicador da riqueza das nações, reputando-se ricas aquellas em que o valor das exportações excedesse o das importações, e pobres as que houvessem de saldar com a exportação de numerario a sua conta de permutações com os paizes estrangeiros; actualmente, porém, está reconhecido que a balança commercial não é senão um dos muitos factores da riqueza nacional, e que só o conjuncto de todos esses factores é que constitue a balança economica, na qual reside a prova ineluctavel da riqueza ou da pobreza de um paiz.

Que importa, com effeito, que uma nação compre mais do que vende, se no seu activo figurarem elementos de credito sufficientes para cobrir essa differença?

Com grandes saldos negativos se encerram, por via de regra, as contas annuaes de exportações e importações em França, e nem por isso deixa de ser prosperrima a situação economica d´aquella grande nação; e no emtanto são enormes, quer se considerem em absoluto, quer com relação a nós, os encargos que pesam sobre o thesouro francez; como, porém, com capitaes quasi exclusivamente nacionaes têem sido cobertos os emprestimos contrahidos pela França, e como, por outro lado, possue ella grande parte da divida das outras nações, não só fica em mãos francezas a quasi totalidade dos juros da sua divida, mas tambem todos os annos dá entrada no cofre dos seus capitalistas grande parte dos juros da divida dos paizes estrangeiros.

Só com capitaes nacionaes construiu tambem a França os seus caminhos de ferro, os seus canaes e os seus portos commerciaes, de onde resulta que não transpõem as suas fronteiras as avultadas sommas que representam os lucros das respectivas emprezas constructoras ou exploradoras.

Acontece, por outro lado que, alem da exportação registada nas suas alfandegas, foz a França uma outra exportação, de que não ficam vestigios nos registos fiscaes, e que se compõe das mercadorias, lá mesmo compradas pelos numerosos estrangeiros que a visitam, e residem mais ou menos tempo nas suas principaes povoações; e basta, para se ver a grandeza d´esta exportação, como que occulta, o saber-se que a computou em mais de 500.000:000 francos, ou 90.000:000$000 réis annuaes o então ministro do commercio M. Jules Roche no discurso que preferiu na sessão da camara dos deputados de 2 de maio de 1891.

Inscreve-se mais no activo da Republica Franceza o valor dos fretes dos seus navios mercantes, computado em 400:000:000 francos ou 72.000:000$000 réis annuaes
(A. Typhaldo-Bassia, La protection indubtrielle et le régime douanier).

E assim é que tendo a conta geral de exportações e importações relativa ao anno de 1888 accusado um saldo negativs de 154.980:000$000 réis, mostram os algarismos que seguem que n´esse mesmo anno se fechou o balanço geral da nação francesa com um saldo favoravel de l5l.020:000$000 réis.

Credito:

Juros recebidos de outros paizes 144.000:000$000

Gasto por estrangeiros em França 90.000:000$000

Importancia de fretes dos navios mercantes 72.000:000$000 306.000:000$000

Debito:

Balanço commercial 154.980:000$000

Saldo a favor da nação 151.020:000$000 306.000:000$000

Ha, no emtanto, no que diz respeito ás finanças do; estado, grandissimas similhanças entre a França e o nosso paiz. Lá, como aqui, é grande a desordem financeira. Em França, como em Portugal, gasta-se com a maxima prodigalidade. Como entre nós, durante tantos annos aconteceu, tem-se limitado a politica financeira franceza quasi exclusivamente a contrahir emprestimos sobre emprestimos para saldar as contas do thesouro, e a aggravar os impostos para pagar os juros da divida publica sempre crescente.

Em França, como entre nós, estão pouco menos que attingidos os limites extremos da elasticidade tributaria; como, porém, o dinheiro que o contribuinte francez entrega hoje ao estado para pagamento dos impostos, sáe ámanhã do erario para a algibeira dos detentores da divida publica, francezes tambem, tudo se reduz a um mero deslocamento de numerario, que de nenhum modo depaupera a economia nacional.

Entre nós não acontece, infelizmente, o mesmo. Como o dinheiro dos contribuintes passa, pouco menos que integralmente, para as arcas dos prestamistas estrangeiros, torna-se absolutamente necessario que os poderes publicos procurem desde já a vigorar as forças economicas da nação, formulando e pondo em pratica um conjuncto de providencias tendentes a reduzir constantemente a saída de numerario e a promover a sua entrada, ou, em termos mais explicitos, a fazer com que no nosso activo economico se vão successivamente inscrevendo novos elementos de credito.

Entre esses elementos occupa de certo para nós o primeiro logar, como nação maritima e colonial, que somos, uma boa marinha commercial, que, alem de ser um factor essencial do nosso prestigio e da nossa influencia, nos asseguraria, as vantagens de:

1.° Diminuir consideravelmente a quantidade de numerario a saír para solver o custo das importações:

2.° Augmentar na mesma proporção a quantidade de numerario a entrar para pagamento das exportações;

3.° Trazer ao paiz uma sensivel participação em transacções commerciaes realisadas entre nações estrangeiras.

Sem de modo algum pretendermos demonstrar o que já de si é obvio, ponderaremos todavia, em abono do que deixâmos dito, que, sendo o custo do transporte um dos factores do preço das mercadorias importadas, ficará, no paiz a parte d´esse preço que corresponder áquelle factor, se for nacional o navio que houver transportado as mesmas mercadorias. Do mesmo modo, e tratando-se de mercadorias exportadas, recebe o paiz exportador não só o valor d´ellas, mas ainda o custo do transporte, se for da sua nacionalidade o navio que o fizer.

Se, finalmente, uma embarcação portuguesa levar um carregamento de café do Rio de Janeiro a New-York, e ahi receber a carga de cereaes para Londres, é claro que

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terá Portugal n´estas duas transacções feitas entre o Brazil e os Estados Unidos e entre estes e a Inglaterra a participação representada pela importancia dos fretes ganhos pelo seu navio.

Se não bastassem estas considerações para dar uma idéa do valor de uma boa marinha mercante como factor da riqueza nacional, será sem duvida suficiente, para que todas as duvidas desappareçam, o saber-se que, subindo, em media, a 140.000:000 sterlinos ou 630.000:000$000 réis annuaes o excesso do valor das importações inglezas sobre o das exportações, basta a importancia dos fretes dos navios mercantes da Gran-Bretanha para cobrir aquella differença e deixar ainda um avultado remanescente (Comte Rochaid, Lecas d´Italie, París, 1894).

Tambem indirectamente concorre uma boa marinha mercante para o desenvolvimento da, riqueza publica fazendo com que se radiquem e prosperem varias industrias, que são suas auxiliares necessarias e na laboração das quaes auferem meios de subsistencia numerosas classes de trabalhadores.

Taes são, entre outras, a architectura naval, a serralheria, a cordoaria, a calafetagem e a marinhagem.

Por outro lado, é no paiz a que pertencem que os armadores seguram em geral os seus navios e os respectivos fretes; a existencia de uma boa esquadra commercial assegura portanto ás companhias nacionaes de seguros uma receita importante que, approveitando directamente aos respectivos accionistas, se traduz em ultima analyse no augmento da riqueza da nação.

Se o nosso paiz tivesse uma boa frota commercial, far-se-ía a coberto da bandeira nacional grande parte não só das nossas importações e exportações internacionaes e das permutações entre as provincias ultramarinas e os differentes portos da metropole, mas tambem do commercio entre as colonias e as nações estrangeiras.

É por isso que todas as nações maritimas, que têem a verdadeira comprehensão dos seus interesses, têem procurado por todas as fórmas desenvolver a marinha mercante, já concedendo premios aos armadores e aos constructores, já dispensando importantes isenções aos navios nacionaes.

A França, por exemplo, cuja esquadra mercante occupa já o terceiro logar entre as das outras nações, ainda no anno de 1894 lhe concedeu premios na importancia de 25.000:000 de francos ou 4.000:000$000 réis.

A Italia, a despeito das enormes difficuldades financeiras e economicas que a assoberbam, tem procedido exactamente do mesmo modo, conseguindo assim ter já hoje uma das melhores esquadras commerciaes do mundo.

Segundo o «Repertorio geral do Bureau Ventas», referente ao anno de 1892, occupava já n´aquelle anno a marinha de véla italiana o quinto logar, com a arqueação de 536:000 toneladas, e a de vapor o setimo com 203:000 toneladas.

Entre nós, mais do que em qualquer outro paiz, deviam naturalmente ter-se dirigido por igual criterio os poderes publicos, visto que já na segunda metade do seculo XIV houve em Portugal um monarcha que, adiantando-se quinhentos annos ás idéas do seu tempo, e comprehendendo que «das mercadorias muitas que do reino eram levadas e trazidas outras, havia grandes e mui grossas dizimas, e que o proveito, que haviam dos fretes os navios estrangeiros, era melhor para os seus naturaes, des muito mor honra da terra havendo em ella muitas naves» (Fernão Lopes, Chronica d´El-Rei D. Fernando), concedeu á marinha mercante um conjuncto de favores não inferior de certo á protecção que posteriormente lhe têem concedido quasi todas as nações maritimas.

Ordenou com effeito El-Rei D. Fernando:

1.° Que aos portuguezes que construissem navios de lotação superior a 100 toneladas, se concedesse a faculdade de cortar gratuitamente nas matas reaes os mastros e mais

madeiras de que necessitassem, e de importar, livre de direitos, todo o material que houvesse de vir de fóra;

2.° Que o estado não cobrasse direitos pela compra ou venda de navios já feitos;

3.° Que aos donos de navios, que em primeira viagem saíssem carregados, se perdoassem os direitos das mercadorias que compozessem o carregamento, ou estas fossem suas ou alheias;

4.° Que os donos de navios gosassem da isenção de metade dos direitos, por quaesquer generos que estes trouxessem na sua primeira viagem de retorno a Portugal.

Pois apesar d´isto, e a despeito da grande extensão da nossa costa, da importancia dos nossos portos de mar, da vastidão e da riqueza das nossas colonias na Africa, na Asia e na Oceania, e da extensão do nosso commercio internacional, não tem a marinha mercante encontrado no secudo actual, por parte dos governos portuguezes, senão o desprezo revelador do absoluto desconhecimento da sua alta funcção economica, ou do mais completo desinteresse pela prosperidade nacional.

Os resultados d´esta inqualificavel politica economica ahi estão bem patentes.

A marinha mercante nacional, ainda na primeira metade d´este seculo tão florescente, tem definhado de anno para anno com tal rapidez, que já em 1894 era inferior á da Grecia e á da Belgica.

Não ha muitos annos ainda que só n´esta cidade estavam sempre de seis a oito embarcações de longo curso em construcção nos estaleiros de Gaia e do Oiro; outro tanto acontecia pouco mais ou menos nos estaleiros de Fão, Villa do Conde, Figueira da Foz e outros.

N´esse tempo eram notados em todos os portos estrangeiros, pela elegancia da fórma, pela solidez da construcção e pela excellencia das qualidades nauticas os navios portuguezes. Actualmente, e como só muito de longe em longe se construe alguma pequena embarcação destinada ao commercio de cabotagem, já não restam da industria, outrora florescente, da architectura naval, senão alguns e já poucos navios, como a galera America, por exemplo, que apesar dos vinte e oito annos que já conta de existencia, ainda constitue uma prova irrecusavel do grande aperfeiçoamento a que chegou.

Os numerosos individuos, que ha poucos annos ainda se dedicavam aos differentes misteres da marinhagem, vêem-se actualmente obrigados a emigrar para alcançar meios de subsistencia.

Pelo que toca á depressão da receita das companhias de seguros maritimos, fallarão por nós os seguintes dados estatisticos:

Nos vinte annos decorridos de 1854 a 1873 importaram os premios correspondentes aos seguros maritimos, realisados por todas as companhias seguradoras, com séde no Porto, em 3.182:000$000 réis, o que dá a media annual de 159:000$000 réis. Nos vinte e dois annos seguintes, 1874 a 1895, produziram aquelles seguros 2.775:000$000 réis, baixando assim a receita media annual para réis 126:000$000.

Comparando estas medias entre si, reconhece-se que nos ultimos vinte e dois annos soffreu a receita de que se trata a consideravel reducção de quasi 21 por cento; se attendermos, porém, a que aquella receita é a somma de duas parcellas distinctas, a saber: premios dos seguros dos navios propriamente ditos e dos seus respectivos fretes, e premios dos seguros de mercadorias importadas e exportadas em navios nacionaes e estrangeiros; se, alem d´isso, considerarmos que o sensivel desenvolvimento que tem tido o nosso commercio internacional n´estes ultimos vinte annos tem feito crescer a segunda d´aquellas parcellas, ver-nos-hemos forçados a concluir que a depressão da primeira é na realidade muito maior.

A estreiteza do tempo, de que podemos dispor, não permitte que na escripturação de todas as companhias se

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faça, com relação a tão largo periodo, a destrinça necessaria para a rigorosa determinação do decrescimento que têem tido os seguros dos navios e seus fretes; basta, porém, o numero e a tonelagem dos navios de longo curso, que actualmente navegam com a bandeira nacional, para demonstrar que póde, sem sombra de exagero, computar-se em 75 por cento.

Por outro lado, tem augmentado nos nossos portos de mar a concorrencia de embarcações de longo curso, em virtude do crescimento que tem tido o nosso commercio internacional; e como, exceptuando apenas algumas grandes companhias de navegação, todos os armadores se seguram contra os riscos do mar, segue-se que das sommas que representam os premios dos seguros de navios e seus fretes, só fica no paiz uma pequenissima parte do que ficaria se a marinha mercante portugueza tivesse tido o necessario desenvolvimento.

Pelo que diz respeito aos fretes, ponderaremos que, pagando só a praça do Porto 2.000:000$000 réis annuaes, pelo menos, pelo transporte das mercadorias que importa e exporta, não seremos de certo taxados de exagero calculando que a praça de Lisboa pague o dobro, ou réis 4.000:000$000, e as demais praças do continente e das ilhas adjacentes a decima parte ou 200:000$000 réis.

N´estes termos, e demonstrado como está que a marinha nacional apenas transporta 15 por cento dos generos entrados e saídos, sómente ficam no paiz 930:000$000 réis dos 6.200:000$000 réis, em que importa a totalidade dos fretes pagos pelo commercio nacional; bastaria, portanto, que tivessemos navios de véla e a vapor sufficientes para metade do nosso trafego para que baixasse réis 3.100:000$000 a nossa exportação annual de numerario.

As companhias de seguros, representadas pelos seus directores abaixo assignados, não ignoram que, quer se opte pela concessão de premios aos constructores navaes e aos armadores, quer se resolva dispensal-os no todo ou em parte do pagamento de certos direitos, taes como os de embandeiramento, de carga e descarga, etc., importará sempre a protecção que ha tanto tempo se reclama para a marinha mercante nacional um encargo sensivel para o thesouro; demonstrando, porém, como nos parece ter ficado que, por muito conveniente que em regra seja o equilibrio e a boa ordenação das contas do estado, só na execução e no desenvolvimento de novos e fecundos elementos de credito póde estar remedio para o mal de que soffre o paiz, esperam os supplicantes que o parlamento portuguez, inspirando-se nos verdadeiros interesses da nação, se convencerá de que tudo quanto o estado gastar em favor do desenvolvimento da marinha mercante, lhe será em breve praso restituido com o juro de 100 por 1.

Dignos pares do reino. — Confiando no vosso esclarecido patriotismo, esperam os abaixo assignados que, attendendo emfim ás justas reclamações dos armadores de navios, instareis com o governo para que, honrando-o compromisso que contrahiu, traduza em factos a promessa consignada no discurso da corôa.

Porto, 10 de fevereiro de 1896. = (Seguem-se as assignaturas.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — A hora de se passar á ordem do dia já passou. Em todo o caso, se v. exa. deseja e precisa usar da palavra, vou conceder-lh´a.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Seria acto de menos deferencia para com o digno par e seu amigo, o sr. Thomás Ribeiro, não responder a algunas reparos que s. exa. acaba de fazer.

O digno par queixára-se amargamente do serviço das nossas alfandegas, entendendo que está exactamente nas peias que ali se levantam uma causa da atrophia, da falta de desenvolvimento e prosperidade que o nosso paiz poderia, aliás, attingir.

Permitia o digno par que lhe diga, á boa paz, que a culpa, a existir, não está da parte das alfandegas, está da parte d´esta propria camara.

As alfandegas executam os serviços que lhes são commettidos por lei. Quem faz as leis somos nós, são os pares, são os deputados, são, emfim, as camaras.

São essas leis restrictivas? Põem peias ao commercio ou ao desenvolvimento do paiz? Voltemo-nos contra nós mesmos, e não contra as alfandegas, que não fazem mais do que cumprir os deveres que as leis lhes impõem.

Se o digno par se queixasse de determinados abusos no cumprimento d´essas leis, elle poderia inquirir, para depois lhe responder. Mas sobre a allegação vaga que s. exa. formulou, póde apenas dizer que se s. exa. vê, nos actuaes serviços aduaneiros, uma causa tão nociva e prejudicial, da restricção do nosso commercio, e até da liberdade individual. S. exa. presta de certo um serviço relevante ao paiz, apontando quaes as modificações que julga necessarias introduzir nas leis, para que elle as possa apreciar e attender.

O digno par referiu-se ainda a uma representação que trouxe aqui sobre a nossa marinha mercante.

Dirá a este respeito a s. exa. que seria muito para desejar que a nossa marinha mercante se podesse desenvolver. Sobre este importante assumpto têem sido presentes ao governo muitas representações; que este lhes prestou toda a consideração e que ellas lhe merecem o maior interesse, provam-no as referencias feitas á questão no discurso da corôa.

É o que sobre este ponto tem a dizer.

Pelo que respeita á mala real, é esse um assumpto que se acha em liquidação, e agora não póde o governo fazer senão o que tem feito, isto é, procurar não impedir que a mala real se levante do estado de fallencia em que se encontra. N´este proposito tem o governo concorrido para se estabelecerem concordatas, e nomeado até um representante seu para o mesmo fim. Mas, emquanto essa questão está affecta ao tribunal do commercio, qualquer passo mais da parte do governo seria inadmissivel.

Referiu-se tambem o digno par ao estabelecimento de um porto franco, que, a não ser em Lisboa, poderia ser ou em Cabo Verde ou na Madeira.

Ora, a respeito de se poder estabelecer um porto franco na Madeira, não só essa idéa já foi estudada, mãe tambem a da introducção de outros melhoramentos n´essa ilha; e certas providencias se tomaram no sentido do seu desenvolvimento commercial, no decreto de 11 de agosto do anno passado.

Termina, parecendo-lhe que não esqueceu nenhum dos assumptos tratados pelo digno par sr. Thomás Ribeiro.

(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Vae-se entrar na ordem do dia.

Os dignos pares que ainda estavam inscriptos para antes da ordem do dia, ficam inscriptos para depois d´ella, se houver tempo, ou para usarem da palavra antes da ordem do dia da proxima sessão.

O sr. Conde de Lagoaça: — Parece-lhe isso uma violencia. Dil-o, sem nenhuma idéa de desconsideração para em s. exa. o sr. presidente, mas o facto é que os dignos pares inscriptos não merecem essa violencia, porque, se elle e o sr. conde de Thomar quizessem, nem se entrava na ordem do dia.

Se elles se fossem agora embora já não haveria numero.

O sr. Presidente: — Não posso dar a palavra a

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s. ex. porque já decorreu e se excedeu o tempo que o regimento dá para as discussões antes da ordem do dia.

Vae ler-se o parecer n.° 7.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 7

Senhores: — Cumpre á vossa commissão de fazenda apreciar o projecto de lei, em que a camara dos senhores deputados converteu o decreto dictatorial de 10 de janeiro de 1895, que alterou as disposições que regulavam a contribuição de registo.

Fôra esta uma das propostas de fazenda que o governo havia apresentado áquella camara, e a que já tinha dado parecer favoravel a respectiva commissão.

As circumstancias que então se deram não permittiram que fosse convertida em lei, e o governo decretou-a no exercicio de funcções extraordinarias que assumiu.

Está, portanto, em execução ha mais de um anno, sem levantar difficuldades, e com um importante accrescimo nas receitas do thesouro. Tem assim já a consagração do tempo e os resultados da experiencia a justificar a sua continuação.

Quando as urgencias do estado impõem a indeclinavel, necessidade de augmentar as receitas publicas, e quando o adiamento para explorar novas fontes é incompativel com as apertadas circumstancias em que o thesouro se encontra, é sempre mais prudente e de mais proficuos resultados recorrer a impostos já estabelecidos desde seculos, quando esse recurso não ultrapasse os justos limites que as condições do paiz naturalmente demarcam a uma tributação qualquer.

O imposto chamado das sizas apparece na nossa legislação tributaria quasi desde os primeiros tempos da monarchia. Introduzido em Castella no anno de 1290, de lá passou a Portugal, e com uma tal extensão, que pelos Artigos das sizas, ordenados em 1476 por D. Affonso V, e pelos das sizas dos pannos e da marcaria, de D. João II e de D. Manuel, pouquissimas transacções escapavam ás apertadas malhas d´aquella rede tributaria.

O imposto das sizas tudo abrangia na amplitude das suas disposições; não era só um imposto de transmissão, tinha tambem um tanto dos modernos impostos de consumo, industrial e até de sellagem. Informe, desigual e por vezes vexatorio, resentia-se naturalmente da confusão que existia no nosso systema tributario, até ao restabelecimento da monarchia constitucional.

Embora esta contribuição seja das menos justificaveis em face da theoria do imposto, pelo menos quando não incide sobre as transmissões por titulo gratuito, é certo, comtudo, que pela expansão da sua incidencia, pela igualdade na sua generalisação, e pela occasião do seu pagamento, não tem encontrado grandes difficuldades na sua execução.

O levantado espirito de Mousinho da Silveira, quando em 1832 procurou lançar os fundamentos para a reformação do nosso systema economico e financeiro, não acabou por completo com o antigo imposto das sizas; extinguiu muitas, cuja conservação era insustentavel em face dos modernos principios economicos, mas conservou-lhe o nome, preito sensato ao principio da tradição, muito para attender quando se trata de impostos, e reduziu-o a uma tributação de 5 por cento sobre transacções de bens de raiz, dando-lhe uma applicação especial.

A lei de 22 de fevereiro de 1838 deu maior latitude a este imposto, comprehendendo n´elle as transmissões por titulo gratuito dos bens immoveis ou de raiz, de qualquer natureza, de semoventes, de direitos e acções, etc., quando o seu valor excedesse 100$000 réis.

Continuando ainda em vigor a lei de 19 de abril de 1832, pelo que respeitava ás transmissões por titulo oneroso, veiu alteral-a a lei de 2 de outubro de 1841.

Sem embargo da promulgação das providencias tendentes á libertação da terra, e que deviam facilitar a transmissão de propriedade, a receita que o thesouro auferia do imposto da siza, regulado pela lei de 1832, não deu um grande resultado.

O orçamento de 1840-1841 calculava a receita proveniente d´aquelle imposto em 216 contos de réis, e o do anno seguinte em 215 contos de réis, cifra redonda.

Não alcançou mais avantajado resultado a lei de 2 de outubro de 1841, apesar de ter duplicado a taxa d´aquelle imposto de transmissão, elevando-a de 5 a 10 por cento, e de ter até comprehendido n´ella as vendas e trocas de cavalgaduras nas feiras francas da cidade de Lisboa e districto da alfandega das Sete Casas. No orçamento de 1845-1846 aquella receita vem apenas calculada em 258 contos de réis.

Circumstancias, que não vem para aqui apreciar, explicam de certo aquelle quasi estacionamento no producto do imposto, que não deverá attribuir-se ao exagero da tributação.

Com diversas modificações foi passando esta contribuição até que o plano financeiro de 1860, que organisou em bases mais methodicas e racionaes o nosso systema tributario, com a denominação de contribuição de registo que lhe deu a lei de 30 de junho d´esse anno, comprehendeu n´ella a transmissão de toda a propriedade, tanto por titulo oneroso, como gratuito, estabelecendo para esta taxas proporcionaes ao grau de parentesco.

A lei de 12 de dezembro de 1864 fez novas alterações nas taxas, não só emquanto á transmissão dos bens livres, mas ainda á dos bens vinculares.

O resultado d´estas modificações fez-se sentir no producto do imposto, já calculado em 894 contos de réis no orçamento de 1868-1869, mas elevado quasi ao dobro no de 1882-1883, por effeito das leis de 1869, 1874 e 1880, e que no orçamento para o proximo anno já figura na cifra de 2:755 contos de réis, consequencia d´esta nova lei, já posta em execução como decreto.

Ao ver-se este augmento de receita, proveniente da contribuição de registo, e comparando a taxa de 10 por cento a que fica sujeita a transmissão da propriedade, por titulo oneroso, com a que exigia a lei de 1880, que era de 8,4 por cento, talvez pareça excessiva esta elevação, que poderá ou affectar a transmissão da propriedade, reduzindo as transacções, ou impellir á fraude occultando ao fisco o verdadeiro valor da propriedade.
Aquella apprehensão desapparece se se attender a que a taxa de 8,4 por cento, com os addicionaes estabelecidos pelas leis de 1882 e 1892, e com os 2 por cento do sêllo do conhecimento, se elevava a 9,6 por cento, e que abolindo esta lei esses addicionaes, pequeno é o augmento que ficou tendo a nova taxa; é apenas de 0,4 por cento.

O augmento da receita resulta da elevação da percentagem nas transmissões por titulo gratuito.

Esta, que era em geral de 14 por cento, passou a ser de 15 por cento; mas quando o valor da transmissão exceda 100$000 réis, eleva-se, para os ascendentes de 2,8 a 5 por cento; para os conjuges, de 2,8 a 7 ½ por cento, e para os irmãos, de 4,2 a 10 por cento, sem que haja mais diminuição alguma, qualquer que seja o grau de parentesco.

Uma isenção se apresenta agora que não póde deixar de merecer os applausos de vossa commissão, e por certo os de toda esta camara.

É a isenção da contribuição de registo para as transmissões por titulo gratuito a favor dos estabelecimentos de caridade e de beneficencia.

É por tal modo justificada esta excepção, que pretender demonstral-o seria offender a elevação e a generosidade dos vossos sentimentos.

Uma outra isenção seria ainda bem cabida em beneficio da instrucção primaria, dispensando, do pagamento da contribuição de registo as doações e os legados instituidos para a fundação de qualquer escola.

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O projecto que analysâmos não a estabeleceu, e a vossa commissão entende que em materia de isenção de impostos deve proceder com toda a circumspecção.

Os contratos de arrendamento a longo praso e as suas sublocações ficam sujeitos á contribuição de registo por titulo oneroso. Não foi esta uma disposição nova; já prescrevia o artigo 1.° da lei de 18 de maio de 1880.

A revogação expressa de alguns artigos da legislação anterior, mencionados no artigo 4.° d´este projecto, bem mostra que se considera em vigor tudo o mais que não for expressamente revogado pela nova lei.

O artigo 7.° apresenta doutrina nova; mas aquella disposição deriva logicamente da natureza do imposto, que estamos apreciando. Quando na constituição de uma sociedade um dos socios entra para o fundo social com propriedade immobiliaria, na qual os outros socios vão adquirir communhão, nada mais conforme com a indole d´este imposto de transmissão, que elle ir incidir sobre a parte d´aquella propriedade que se tornou do dominio social.

Expostas assim a largos traços as disposições do projecto, sujeito ao nosso exame, a vossa commissão, reconhecendo a fatal necessidade de augmentar as receitas publicas, e vendo que a elevação d´este imposto tem sido recebida pelo paiz sem reclamações, e até sem repugnancia manifesta, é de parecer que o decreto de 10 de janeiro de 1895, que faz o assumpto d´este projecto de lei, deve merecer a vossa approvação para ser levado á sancção regia.

Sala das sessões da commissão de fazenda da camara dos pares do reino, em 25 de fevereiro de 1896. = Augusto Cesar Cau da Costa = A. de Serpa Pimentel = José Antonio Gomes Lages = A. A. de Moraes Carvalho = Marçal de Azevedo Pacheco (com declarações) = Jeronymo da Cunha Pimentel, relator.

Projecto de lei n.° 10

Artigo 1.° Ficam abolidos no continente do reino e ilhas adjacentes, a datar da publicação d´esta lei, os impostos creados pelas leis de 27 de abril de 1882 e de 30 de julho de 1890, addicionaes á contribuição de registo, e a imposto do sello dos respectivos conhecimentos.

Art. 2.° As taxas da contribuição de registo ficam substituidas pelas seguintes:

1.° Por titulo oneroso, 10 por cento;

2.° Por titulo gratuito, 15 por cento;

§ 1.° Nos contratos de permutação, a taxa da contribuição é de 5 por cento, devendo cada um dos permutantes pagar metade.

§ 2.° São isentas de contribuição de registo as transmissões por titulo gratuito:

a) A favor de estabelecimentos de caridade e beneficencia;

b) A favor de ascendentes e entre conjuges e irmãos, quando a transmissão se effectuar por herança, e n´ella o valor total, recebido por qualquer d´elles, não exceder l00$000 réis.

§ 3.° Fóra do caso especificado no paragrapho antecedente, as transmissões por titulo gratuito ficam sujeitas a um terço da taxa designada no n.° 2.° d´este artigo quando a favor de ascendentes, a metade quando entre conjuges, e a dois terços quando entre irmãos.

Art. 3.° Todos os contratos de arrendamento, que devam findar vinte annos ou mais, depois da data da celebração dos mesmos contratos, ficam sujeitos á contribuição de registo.

§ unico. Fica expressamente declarado que se, durante a vigencia de qualquer arrendamento, se fizer novo contrato que importe a prorogação do mesmo arrendamento, e a somma dos annos dos diversos periodos for igual ou superior a vinte, a contribuição de registo é devida.

Art. 4.° A contribuição de registo será sempre paga integralmente, ficando revogadas as disposições, do artigo 9.° da lei de 13 de abril de 1874, o artigo 10.° da lei de 18 de maio de 1880, e o artigo 16.° do regulamento de 31 de março de 1887.

Art. 5.° A clausula, de que os legados serão livres da contribuição de registo não prejudicará, em caso algum, os direitos da fazenda para haver a contribuição de registo que for devida pela totalidade da respectiva herança.

Art. 6.° Ficam sujeitas a contribuição de registo por titulo oneroso, as sublocações de arrendamento a longo praso, considerando-se como taes as que forem feitas por vinte ou mais annos.

Art. 7.° Ficam sujeitos a contribuição de registo por titulo oneroso os actos da constituição de sociedade, em que algum dos socios entrar para o capital social com bens immoveis, recaindo a contribuição sómente na parte em que os outros socios adquirem communhão n´esses immoveis.

Art. 8.° Podem ser revalidados, durante um anno, contado da publicação d´esta lei, mediante o pagamento das taxas, da contribuição de registo n´ella fixadas, os actos e contratos pelos quaes se não tenha pago contribuição de registo, devendo-a, se contra elles não tiver sido julgada definitivamente a nullidade por esse motivo.

Art. 9.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução d´esta lei.

Art. 10.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das Côrtes, em 21 de fevereiro de 1896. = Visconde de Ervedal da Beira, vice-presidente = Amandio Eduardo da Moita Veiga, deputado, primeiro secretario José Eduardo Simões Baião, deputado, secretario.

O sr. Presidente: — Está em discussão na sua generalidade.

Tem a palavra o digno par o sr. conde de Bertiandos.

O sr. Conde de Bertiandos: — Mando para a mesa os seguintes additamentos ao projecto:

«Ficam isentas de contribuição de registo as compras ou permutações que tiverem por effeito a reunião de predios rusticos contiguos, quando d´essa reunião não resultar formação de predio superior a 10 hectares.

«Se por effeito da permutação um dos arredondamentos ficar igual ou inferior, e outro superior a 10 hectares, só o proprietario d´este ficará sujeito á contribuição que lhe compete.

«É isento de contribuição de registo o excesso sobre o quinhão do co-herdeiro de predio rustico não superior a 10 hectares. = O par do reino, Conde de Bertiandos.»

A este respeito, e com o fim de fundamentar as suas propostas, disse o orador quanto eram precarias as circumstancias da agricultura, dando como um dos motivos a extrema divisão da propriedade nas provincias do norte, que está pulverisada.

Referiu-se com elogio aos antigos prazos de vidas; mostrou quanto era proveitoso para o pobre aquelle regimen que dava inteira independencia ao trabalhador, dizendo que as escolas do moderno socialismo nada tinham descoberto que podesse ter comparação com tão excellente consorcio do capital com o trabalho.

A este proposito fallou na liberdade de testar, sem comtudo se declarar seu partidario, por entender que esse assumpto precisaria de larga discussão e estudo que podessem medir-lhe as consequencias e alcance; mas aventou a idéa de que muito conveniente seria para a lavoura que se d´esse essa liberdade até certo limite maximo, que poderia ser a porção de terra que, segundo a região, o legislador entendesse sufficiente para a abastança de uma familia rural que trabalhasse o proprio casal. Mostrou quanto é contraproducente a exagerada tutella do estado, que, receando a injustiça do chefe de familia, obriga os herdeiros a uma divisão, ás vezes impossivel, outras a uma venda forçada; o que faz com que a contribuição de registo venha a incidir sobre as quotas legitimarias, e,

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sempre que ha menores, a tão avultadas despezas que nos pequenos casaes deixam cada filho de lavradores com a certeza de que nenhum dos irmãos fica mais rico do que elle, pela simples rasão de que todos ficam sem nada.

Fallou no decreto de 30 de setembro de 1892 sobre isenções de contribuição de registo, desejando saber se as suas disposições ficariam revogadas pelo presente projecto.

Disse que se não cansava a discutir as taxas do projecto por julgar que fazel-o era tempo perdido, e por isso se limitava a propor aquelles additamentos, compendiando idéas já apresentadas nos congressos agricolas.

(O discurso será publicado na integra quando o orador o entregar.)

O sr. Presidente: — Vae ler-se o additamento mandado para a mesa pelo digno par.

(Leu-se na mesa.)

O sr. Presidente: — Os dignos pares que admittem á discussão este additamento tenham a bondade de se levantar.

(Foi admittido.)

Fica em discussão conjunctamente com o projecto.

Tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — O digno par e seu amigo, o sr. conde de Bertiandos, propõe alguns additamentos ao projecto que está em discussão. Propõe esses additamentos no interesse da agricultura, que tem em s. exa. um devotado apostolo, e, por conseguinte, com o pensamento genuino e sincero de se melhorar a cultura dos nossos terrenos, sobretudo no norte de Portugal, na provincia do Minho, que o digno par mais especialmente conhece.

S. exa. diz no seu additamento:

(Leu.)

Não lhe parece que no norte do paiz, onde a divisão da propriedade se tem accentuado mais, chegando, em alguns pontos, quasi até á sua pulverisação, seja de vantagem o promover a reunião de pequenos predios, mesmo sob o ponto de vista a que o digno par se referiu.

Devo, porém, dizer ao digno par, que o alvitre que apresentou podia ser considerado n´um complexo de providencias relativas á constituição, á organisação e mesmo á transmissão da propriedade, mas sob o ponto de vista em que por elle foi apresentado, isto é, tratando-se do decreto da contribuição do registo, não o póde ser.

O proprio digno par, vendo-se obrigado a dar um caracter generico ao seu additamento, tomou uma base profundamente arbitraria: a de que a isenção se applique aos predios que reunidos perfaçam 10 hectares. Este numero, admissivel na provincia do Minho, seria inadmissivel no sul do reino; onde a propriedade está organisada de maneira muito diversa.

Isto mostra bem que o alvitre de s. exa. póde ser benefico na sua essencia, mas não deve ser introduzido com caracter generico n´uma disposição de lei geral.

O digno par na sua ordem de considerações foi ao ponto de entender que a contribuição de registo por vezes pesava sobre a propria legitima. Permitta-lhe s. exa. que lhe diga que na lei não está isso nem podia estar.

A contribuição de registo não pesa sobre as legitimas, mas sobre as quotas legitimarias, o que é muito diverso.

O orador faz em seguida diversas considerações no sentido de demonstrar a sua affirmação.

O digno par tambem se referiu á liberdade de testar.

Não vê rasão para estabelecer o principio da liberdade de testar, em relação ás heranças menos avultadas.

O orador expoz os motivos da sua asserção, respondendo em seguida a outros pontos tocados pelo digno par que o precedeu no uso da palavra.

Terminando, disse que o decreto a que o digno par se referiu não é uma lei, é um decreto dictatorial que está sujeito á apreciação do parlamento e sobre o qual o parlamento ainda não se pronunciou, e então, e só então, é que o parlamento póde julgar conveniente ou não conveniente manter as disposições d´esse decreto.

(O discurso será publicado quando o orador o entregar.)

O sr. Marçal Pacheco: — Sr. presidente, envio para a mesa uma proposta onde estão resumidas todas as minhas idéas sobre o projecto que se discute, e que quasi não carecem de larga justificação. A proposta é a seguinte:

« A camara reconhece que nenhum aggravamento de imposto ou imposto novo merece ser approvado emquanto no juro das obrigações do tabaco não forem feitas as mesmas reducções que soffreram e estão soffrendo os demais titulos da divida do estado, e continúa na ordem do dia.»

Sr. presidente, ha dois annos, quarenta ou não sei quantos, porque nem eu já me lembro da ultima vez que o parlamento esteve aberto, apresentou-se aqui um projecto de imposto sobre a contribuição industrial, o primeiro que se votou depois da camara ter tomado conhecimento da iniqua e revoltante decisão dos poderes publicos, que tributou atroz e iniquamente os titulos do estado, deixando completamente isentos os juros dos titulos da poderosa companhia dos tabacos. Por essa occásião, sr. presidente, eu disse que emquanto eu tivesse assento n´esta camara, jamais votaria, a este governo ou a outro, qualquer projecto de lei que creasse impostos novos ou aggravasse os existentes, emquanto subsistisse a iniqua e revoltante injustiça de não serem tributados os juros dos titulos da companhia dos tabacos.

N´esse tempo, creio que muita gente lá fóra era da minha opinião. Hoje, todas essas opiniões emudeceram. Tudo se calou. O silencio é geral em toda a linha...

Não entro nas intenções de ninguem, nem n´ellas quero entrar. Não sei que motivos tiveram para se calarem agora os que tanto fallaram então: provavelmente os mais justos e os mais respeitaveis.

Pela minha parte, porém, o que sei é que n´essa occasião eu não joguei, nem actualmente jogo, nem na alta, nem na baixa das obrigações da companhia dos tabacos.

O que sei é que os poderosos magnates dessa poderosa companhia em nada influiram então nem influirão agora no meu animo, para dizer n´esta casa e em toda a parte o que penso e o que sinto sobre este assumpto. O que sei é que tendo exposto n´outro tempo, e expondo agora ás minhas opiniões, não pretendo de modo algum propiciar tão altos potentados, nem aterral-os, para que elles me propiciem, a mim. No exercicio das minhas funcções, sr. presidente, eu sou incorruptivel e inatacavel. Digo o que penso e o que sinto sem pressões nem intimidações, qualquer que seja o seu genero e natureza. E affirmo a v. exa. e á camara que sempre que aqui vierem quaesquer projectos para novos impostos ou aggravamento dos actuaes, eu votarei sempre contra esses projectos, e peço á camara que registe esta minha solemne e formal declaração. É preciso e é urgente que n´esta terra se acabe por uma vez com a flagrante e revoltante injustiça de isentar da reducção a que estão sujeitos os outros titulos da divida do estado as obrigações da poderosa companhia dos tabacos.

Pedir á viuva, aos orphãos, aos institutos de beneficencia, ás pequenas e miseraveis fortunas, emfim, uma contribuição que vae de 30 a 60 por cento, e exceptuar d´esta contribuição uma companhia que tem um monopolio extraordinario e riquissimo do estado, é, com franqueza, não só uma grande injustiça, mas, muito mais do que isso, uma fraqueza e uma cobardia! E depois, sr. presidente, como subsiste e como é que funcciona essa companhia?

Nas Condições as mais anormaes e irregulares. Peça o sr. ministro da fazenda informações a este respeito, e verá o que essas informações lhe dizem. Verá onde essa companhia tem uma grande parte do seu capital empregado; verá que, com prejuizo do estado, ella compra predios immobiliarios de que não precisa para a sua industria, e

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tambem para que fim se compram esses predios. Verá que se compram acções de bancos e companhias, com infracção flagrante dos estatutos, para fins que são faceis de adivinhar. Ora o dever do governo é pôr termo a esta tremenda injustiça e a esta abusiva situação!

O que digo, sr. presidente, ácerca da companhia dos tabacos, digo-o tambem até certo ponto, e mutatis mutandis, a respeito de outras companhias, como, por exemplo, d´aquella a que ha pouco aqui se referiu proficientemente o digno par e meu amigo, o sr. Thomás Ribeiro. Refiro-me á companhia da mala real. E sobre este assumpto eu devo dizer á camara e ao digno par que não partilho muito do modo de ver de s. exa. ácerca da missão do estado em quanto a companhias.

Eu não quero o estado feito pae amoravel e carinhoso das companhias afflictas. Uma companhia é uma entidade juridica particular, com a qual o estado não tem nada no que respeita aos seus lucros e prejuizos. Se uma companhia qualquer faz maus negocios, só ella deve soffrer as consequencias, assim como, se os faz bons, os lucros serão só para ella, e não para o estado. Eu não quero o estado a auxiliar, a amparar, companhias, e parece que este modo de proceder dos governos, servindo de providencia ás companhias, deve ter fim por uma vez, para não caírmos nos inconvenientes altamente prejudiciaes que ainda se estão sentindo nas arcas do thesouro...

(Interrupção do sr. Thomás Ribeiro que se não ouviu.)

Um dos nossos grandes males tem sido esse; mas é preciso acabar com elle, e de vez. Pois se é um grande mal, se todos assim o reconhecem, bom será que elle se extinga, e se não repita. Se uma companhia, em nome das suas afflicções, em nome das suas infelicidades, em nome dos seus infortunios, allegando que os seus negocios correram mal, pede ao estado um subsidio e entende que o estado tem obrigação de conceder-lh´o, porque a sua auctoridade é paternal ou patriarchal, qual ha de ser a rasão por que um commerciante ou um particular qualquer não póde solicitar tambem igual subsidio, igual favor, iguaes concessões?

O sr. Thomás Ribeiro: — Eu não disse que o estado tinha obrigação de conceder subsidies ás companhias, nem estou aqui a advogar os interesses de nenhuma d´ellas.

O sr. Thomás Ribeiro: — V. exa. dá-me licença? (Signal de assentimento do orador.) Eu não advoguei os interesses das companhias. Advoguei os interesses da navegagação e do commercio portuguez.

É uma cousa muito differente.

O Orador: — Eu tambem não disse que s. exa. tinha advogado, ou pretendia advogar os interesses de qualquer companhia. Expressei o meu modo de ver geral sobre o assumpto, e, sobre o ponto especial e restricto da mala real eu fallarei depois.

Fallei no principio geral que se pronuncia a favor da conveniencia ou da necessidade de soccorrer as companhias em más circumstancias financeiras, e sobre este ponto é que eu estou inteiramente em desaccordo com todos os os que advogam ou proclamam esse principio; em primeiro logar, porque entendo que tal protecção é inconveniente e lesiva dos interesses publicos, e, em segundo logar, porque é injusta, e é injusta porque é desigual. Uma companhia é uma entidade juridica como qualquer particular, e assim eu não diviso nem enxergo a rasão por que o estado, se acode ás companhias, não ha de acudir, por igual, aos particulares. Se o digno par Thomás Ribeiro precisar ámanhã de 200 contos de réis, para mitigar as suas afflicções, para satisfazer os seus encargos financeiros, e os pedir ao estado, o estado não lh´os dá, nem lh´os póde dar. Pois se o estado não póde dar ao sr. Thomás Ribeiro, simples particular, 200 contos de réis ou qualquer outra quantia de que s. exa. precise, como é que póde dar essa quantia, ou quantia superior, ao mesmo digno par, na qualidade de director, se a tivesse, de qualquer companhia?

Isto não faz sentido, não é justo, não ha nenhum principio juridico que admitta ou que sustente tão deploravel doutrina e peor pratica.

E vamos agora á mala real.

Apesar de, como disse, tal protecção do estado a emprezas ou companhias ser injusta e inadmissivel, o facto é que o governo deu ou adiantou á empreza da mala real a enorme quantia de 700 contos de réis, creio eu. Não direi n´este momento a quem pertence a responsabilidade d´este facto que, certamente, foi praticado com a melhor das intenções; mas, sr. presidente, n´estas questões de administração publica, eu não admitto boas intenções, por mais rectas que ellas se affigurem a muita gente. De boas intenções está o inferno calçado. Eu bem sei que ha muito quem sustente a doutrina de que os ministros devem ser absolvidos pelas intenções que presidiram aos seus actos. Não sou muito d´essa opinião.

As boas intenções, ou se formam no desconhecimento dos assumptos, ou se elaboram na relaxação da vontade; e não me parece que nem uma nem outra cousa sejam as qualidades mais louvaveis em quem se julga apto para o exercicio das altas funcções da governação publica. Quem não conhece os assumptos, ou quem não sabe resolvel-os, vae-se embora, e quem não tem vontade propria para administrar, ou quem não tem força para isso, deve retirar-se tambem, porque ninguem o obriga a ser ministro.

Mas com boas intenções, ou sem ellas, com fraqueza de vontade ou com fortaleza de acção, o facto é que o estado é credor da mala real pela enorme somma de 700 contos de réis. E como eu já disse num folheto, inspirado pela voz do paiz, mas que corre com a minha assignatura, a verdade é que toda a garantia da solvabilidade d´este importantissimo credito está a apodrecer nas aguas do Tejo. Os navios da mala real ahi estão a apodrecer, e o estado vê ir desapparecendo completamente, já não digo a sua segurança para o reembolso do seu credito, porque creio que a sua é a tarceira ou quarta hypotheca que onera aquelles navios, mas emfim, a unica possibilidade que tem de vir a ser pago no todo ou em parte.

Emquanto o devedor, ou a massa fallida, tiver bens, ainda o credor terá possibilidade de receber alguma cousa. Desapparecidos elles, desapparecida está de todo a possibilidade de solvencia. Ora, deante de factos d´esta ordem é que eu não percebo a intenção de justiça do estado, e, nomeadamente, a do sr. ministro da fazenda, apresentando-se, de certo no desempenho meticuloso e honrado do seu dever, a pedir a approvação da camara para um projecto de augmento de imposto, a fim de occorrer ás urgencias do thesouro Porque se não arrecada primeiramente o que se deve á fazenda publica? Porque se conserva o sr. ministro da fazenda inactivo diante da fallencia da mala real? Disse s. exa., na resposta que deu ao digno par, o sr. Thomás Ribeiro, sobre este assumpto, que o estado, emquanto a questão estivesse pendente dos tribunaes, devia reservar a sua acção, e nada podia fazer. Peço perdão, mas o governo nem sempre tem entendido assim.

Lembro-me, por exemplo, do caso da companhia norte e leste. O estado era credor d´essa companhia por 5:000 e tantos contos, os quaes foram dados áquella companhia pelo mesmo principio de benevolencia com que foram dados milhares de contos á companhia do banco lusitano e outras emprezas. Chamo-lhe companhia, porque me parece que elle foi e é mais companhia do que banco. Mas esses 5:000 e tantos contos, dizia eu, que foram dados, como o foram outras sommas, a varias emprezas, por differentes ministros, de diversas procedencias, aos quaes, é claro, eu não accuso, sob o ponto de vista da sua honestidade, porque entre os ministros que procederam d´esta fórma, ha homens tão reconhecidamente honestos, e a quem a opinião publica attribue tão immaculado caracter, que não póde nem deve levantar-se a menor suspeita ácerca d´elles; esses 5;000 e tantos contos, repito, foram arrecadados,

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melhor ou peor, pelo governo, sem se aguardar a acção dos tribunaes.

O estado, e muitissimo bem, na minha opinião, e n´este ponto sempre o defendi n´esta camara e na imprensa, quando tinha a honra de occupar ali um logar, não esperou pela sentença dos tribunaes n´este caso, e interveiu por todas as fórmas e feitios para rehaver o seu dinheiro.

Não vem para aqui discutir agora o modo por que entendeu dever fazel-o. Creio que não fez tudo quanto desejou, porque teve em contrario argumentos d´aquelles a que, como dizia o D. Bazilio, não se resiste, não do mesmo sentido e da mesma natureza, mas, emfim, argumentos de força maior, como foi o da intervenção da, França, etc.

Não é agora occasião de discutir o assumpto sob este aspecto, mas o certo é que, não fazendo tudo quanto queria, alguma cousa, entretanto, fez, e não deixou que a companhia se arrastasse fallida pelos tribunaes, aguardando respeitosamente a decisão dos mesmos tribunaes, para depois dizer: hei de receber o que por sentença do poder judicial me for dado receber. O governo não fez isso; foi adiante dos tribunaes e das sentenças, e fez muito bem. Ora, quem procedeu assim com a companhia do norte e leste, levando a energia da sua acção até tomar posse da companhia, porque é que não tem feito agora com a empreza da mala real, não direi o mesmo, mas alguma cousa parecida?

Pelo caminho que as cousas vão levando, eu posso assegurar ao sr. ministro da fazenda, e ao meu nobre amigo sr. Thomás Ribeiro, que os 700 e tantos contos estão perdidos, estão no fundo do Tejo.

Ora; francamente, não me parece que isto deva ou possa ser assim. Pois se n´um momento tão angustioso para as finanças do estado, já os poderes publicos tiveram de fazer o que fizeram, tributando os possuidores de diminutas fortunas, que constituidas, em fundos publicos são tão legitimas como se o fossem em fundos territoriaes, expoliando 30 por cento a uns e 66 por cento a outros, como póde o governo, antes de proceder á arrecadação do que lhe devem, vir agora pedir mais um novo augmento do imposto, ao qual se seguirão, segundo a noticia que tenho do que se passa na outra camara, outros augmentos de impostos?! E não se diga que este aggravamento de imposto é modico e suave e recahirá sómente sobre os mais abastados. A verdade é que todos os impostos indirectos são de uma reflexão enorme, e abrangem todos os contribuintes; vão ao espolio das viuvas, ás legitimas dos menores, aos institutos de beneficencia, a tudo e a todos o imposto chegará; porque, ou faça-se esta transmissão de bens ou aquell´outra, sempre o fisco as abrangerá e colherá nas suas garras.

Ora, quando se procede assim, é de certo por uma rasão superior de estado, pois que os impostos não são para o governo nem para nenhum dos srs. ministros; são para o thesouro, todos nós o sabemos, nem agrada a nenhum ministro pedir impostos ao seu paiz, porque medidas d´esta ordem, antes conquistam a impopularidade do que a popularidade; mas se o governo, em nome das urgencias do thesouro e das circumstancias afflictivas em que elle se encontra, quer que o paiz faça mais este sacrificio, é justo, é mais do que justo, e imperiosamente necessario que o sr. ministro da fazenda evite que o paiz veja as injustiças que acabo de apontar. Ponha o sr. ministro da fazenda os olhos na privilegiada e poderosa companhia dos tabacos e na desgraça da empreza da mala real portugueza, e diga-me depois, se, em vez de pedir mais um oneroso sacrificio ao contribuinte, melhor não fôra que s. exa. demorasse a sua attenção n´essas duas companhias, uma installada no largo do Municipio e outra com os seus navios no Tejo, n´essas duas bellas fontes de materia collectavel! Mas o governo faz ouvidos de mercador e olhos de cego sobre uma e outra, e prefere ir aos recantos extremos da provincia arrancar aos miseros contribuintes as ultimas migalhas! Talvez que o nobre ministro da fazenda não goste que se lhe diga isto porque lhe faz mal, mas não e só a s. exa. que faz mal, é a mais alguem, faz mal ás instituições, porque nada custa tanto ao paiz como soffrer impostos onerosos, injustos e desiguaes. Certo é que não ha imposto nenhum bom, todos são duros de pagar, mas soffre-se menos quando ha impostos rasoavelmente distribuidos. Sobre tudo o imposto carece, para ser supportavel e para ser pago, já não direi com alegria, mas pelo menos com uma certa resignação, de ser distribuido com igualdade. Que não estejam uns regando com bagas de suor do rosto as migalhas do trabalho que o fisco lhes vae arrancar, e não se vejam ali, ao pé, os vizinhos, folgando, rindo e tripudiando á custa da miseria alheia! Similhante espectaculo indigna e revolta, e os poderes publicos não o deviam consentir, porque não faz só mal ao governo, faz mal a mais alguem.

Sr. presidente, nada mais direi sobre este assumpto. Mas como antes da ordem do dia eu tinha pedido a palavra, e o assumpto de que desejava tratar se relaciona mais ou menos com este, v. exa. permittirá e a camara que eu lhes occupe a sua attenção por mais alguns instantes.

V. exa. sabe que eu, ha quasi talvez um mez, desejei saber se v. exa. já tinha sobre a mesa a lista dos dignos pares cujas funcções são incompativeis com as de membros d´esta camara em presença das disposições da ultima reforma. V. exa. disse-me que este assumpto estava entregue á commissão de legislação. Esta commissão já reuniu, e por accordo dos seus membros entendeu-se que melhor seria resolver este assumpto, quando viesse á téla do debate a questão das reformas politicas. Todavia, por circumstancias ou por motivos especiaes, a commissão não deu o seu parecer ainda, apesar de já estarem discutidas e approvadas aquellas reformas.

Ora, v. exa. comprehende bem que os projectos que vem a esta camara carecem, para ter auctoridade, de ser votados e discutidos o mais largamente que possa ser, e sabe, alem d´isso, que as reformas politicas abrangeram nas suas disposições a propria constituição d´esta camara, fundando-a em novas bases.

Em virtude das disposições reformadoras d´esta casa ha um grande numero de pares a nomear, e, alem de estarmos privados das luzes que certamente esses nos hão de trazer, estamos tambem privados das de outros dignos pares que por motivos politicos, que eu não discuto, resolveram não comparecer na camara. Estamos igualmente privados da valiosa e illustrada coadjuvação de outros dignos pares, como os srs. conde de Samodães, Barjona de Freitas, Julio de Vilhena, conde de Ficalho e outros, de que me não lembro agora, os quaes têem duvidas sobre se o decreto das incompatibilidades os abrange ou não.

N´estas circumstancias parece-me conveniente, mais do que conveniente, urgentissimo, que se tome uma deliberação, sobre este assumpto.

É urgente que a camara se pronuncie sobre a interpretação que se deve dar ao decreto das incompatibilidades, a fim de que possam vir tomar assento os dignos pares que não estão comprehendidos nas suas disposições. Creio que o sr. presidente da commissão de legislação está doente, e que é por esse motivo que a commissão se não tem reunido; no emtanto seria muito para desejar que se obviasse a esse inconveniente, e, n´esta conformidade, peço a v. exa. que se digne envidar todos os seus esforços, em tanto quanto caibam na esphera das attribuições que v. exa. tão dignamente desempenha.

Mais duas palavras e vou terminar. Eu tinha pedido ao sr. ministro da fazenda que em qualquer das proximas sessões aqui viesse, pois desejava que s. exa. se dignasse conversar commigo sobre a questão do alcool. Como, porém, me consta que s. exa. apresentará brevemente ás camaras o seu relatorio e respectivas medidas de fazenda, comprehendendo entro ellas algumas providencias sobre o re-

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gimen do Alcool, reservo-me para essa occasião tratar d´este assumpto. Por agora direi apenas que esta questão é muito importante, e que n´ella avolumam dois aspectos nacionaes, e são o do interesse do thesouro, e o da saude publica. O resto, os interesses do commercio, os dos industriaes, e os dos viticultores, são de certo muito attendiveis e legitimos, mas são interesses particulares, que de nenhum modo se podem e devem antepor áquelles.

Termino, sr. presidente, declarando que voto contra o projecto, como votarei sempre contra qualquer projecto de impostos novos ou de aggravamento dos existentes, emquanto não for reduzido o juro das obrigações dos tabacos, como succedeu e está succedendo aos demais titulos da divida do estado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Proposta

A camara reconhece que nenhum augmento de imposto ou imposto novo, merece ser approvado antes de feitas no fim das obrigações da companhia dos tabacos as mesmas reducções que soffreram e estão soffrendo os titulos da divida do estado.

Sala das sessões, 6 de março de 1896. = O par do reino. Marçal Pacheco.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que admittem á discussão esta proposta, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida e ficou em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Presidente: — Eu transmittirei aos membros da commissão de legislação, que não estão presentes, as considerações do digno par sr. Marçal Pacheco, sobre a conveniencia e urgencia da camara resolver quaesquer duvidas relativas ás incompatibilidades.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Não tem necessidade de defender o projecto que está em discussão, porque considera o discurso do digno par, na parte em que a elle se referiu, como uma simples declaração de voto.

S. exa. é de opinião que, emquanto se não tributarem os juros das obrigações dos tabacos, nenhum imposto novo ou augmento de imposto, póde ser votado pelas camaras.

Elle não pode, a proposito de uma declaração de voto, trazer esse assumpto á discussão.

Já em tempo uma e outra camara se occuparam d´esse assumpto.

Uma e outra camara, em presença das informações que o governo lhes ministrou, julgou a questão da divida externa nos termos conhecidos, e deixou subsistir o que havia em relação ás obrigações da companhia de tabacos.

É seu dever acatar a resolução que o parlamento julgou dever dar a este assumpto, como é seu dever respeitar o voto do digno par e a opinião de todos os membros d´esta camara.

Com respeito á questão da companhia da mala real, que não vem a proposito da contribuição de registo, deve lembrar ao digno par, que não ha parallelo algum entre a companhia real do norte e leste o a companhia da mala real. O governo, com a companhia do norte e leste procedeu em virtude de uma auctorisação que as côrtes lhe deram, a que se seguiram differentes decretos; com a mala real o governo encontrou a questão affecta ao tribunal do commercio, e por muito que quizesse zelar os interesses do thesouro, não poderia ir arrancar ao tribunal um processo pendente. Nem mesmo dictactorialmente estava isso no uso das attribuições do poder executivo.

Pelo que toca ás observações de s. exa., em relação ao alcool, perfeitamente de accordo. Espera d´entro em pouco apresentar o seu relatorio, onde tem de occupar-se da questão do alcool, e da maneira como a considera dever apresentar ao parlamento. N´essa occasião, e em face dos documentos que o hão de acompanhar, terá mais de espaço de conversar com o digno par.

(O discurso será publicado quando o orador o entregar.)

O sr. Antonio de Serpa: — Como o illustre relator da commissão, infelizmente, não está presente por motivo justificado, como membro da commissão tomei a palavra, quando fallava o meu illustre vizinho e amigo o digno par sr. conde de Bertiandos, a respeito deste projecto.

Poderia prescindir de pedir a palavra em vista da resposta por parte do sr. ministro da fazenda. Mas sempre direi alguma cousa. O digno par, no principio do seu discurso, disse, e nisto creio que estamos todos de accordo, que a propriedade no Minho estava excessivamente dividida; isto é uma verdade, e s. exa. attribue a divisão a differentes causas, sendo uma d´ellas a de terem acabado os prazos de livre nomeação. Tambem creio que aquelle systema no Minho tinha grandes vantagens.

Tambem o digno par fallou a este respeito do direito que existe em differentes paizes, especialmente em Inglaterra, dos paes poderem testar os seus bens a quem entenderem e não serem obrigados a dividil-os igualmente pelos filhos.

A este respeito tambem sou de opinião favoravel á liberdade de testar, porque sou em geral partidario de todas as liberdades

A divisão obrigada das propriedades, ou dos dois terços, obrigatoria para todos os filhos, é uma especie de socialismo, e de mau socialismo, no meu entender.

No entretanto, não é d´isso que se trata, e é isto o que eu desejava dizer ao digno par; trata-se de uma lei de imposto, e, portanto, não me parece terem aqui logar as observações de s. exa. ácerca da divisão da propriedade.

E isto mesmo já disse o sr. presidente do conselho, tendo eu apenas pedido a palavra, porque suppuz que o projecto seria impugnrdo no seu pensamento ou nas suas principaes disposições.

O sr. Presidente: — Não havendo mais nenhum digno par inscripto, vae votar-se o projecto na generalidade.

Lido e submettido á votação, foi approvado.

O sr. Presidente: — Por esta votação fica prejudicada a proposta do digno par o sr. Marçal Pacheco.

Vae passasse á especialidade do projecto.

Seguidamente foram lidos na mesa e successivamente approvados sem discussão, todos os artigos do projecto, sendo rejeitado, na devida altura, o additamento do sr. conde de Bertiandos.

O sr. Presidente: — Vae ler-se uma mensagem vinda da outra casa do parlamento com o projecto que diz respeito á contribuição industrial.

Lida na mesa, foi remetida á commissão de fazenda.

O sr. Presidente: — Em vista da deliberação da camara vae entrar em discussão o parecer n.° 8.

Leu-se na mesa e é de teor seguinte:

PARECER N.° 8

Senhores. — Á vossa commissão de guerra foi enviado o projecto de lei n.° 9, vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim conceder uma pensão de 720$000 réis por anno, á viuva, filhos e filhas, do prestimoso official do exercito, o major Alfredo Augusto Caldas Xavier, que depois de desempenhar honrosamente e com a maior distincção diversas e difficeis commissões de serviço publico depois de arriscar a sua vida na Africa oriental já no districto de Inhambane. em renhida peleja, levando de vencida o inimigo em enorme desproporção de numero, já na Zambezia resistindo n´uma lucta homerica, durante um largo periodo de horas a 4:000 negros: depois finalmente de na recente campanha contra o terrivel regulo de Gaza,

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196 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

em que as nossas armas saíram tão triumphantemente victoriosas, com desprendida, abnegação, grande coragem e bravura tanto se assignalou, comprometteu a sua existencia e sucumbiu ao serviço da patria.

A commissão ponderando tão altos e extraordinarios serviços, que tanto enaltecem a sua memoria, illustram o seu nome, e honram o exercito e o paiz, entende que é uma divida de honra nacional, conceder a referida pensão. E dando-lhe a sua approvacão e intrepretando o sentimento da camara pede que ao projecto lhe seja dado o vosso assentimento e o approveis.

Sala das sessões da commissão, 29 de fevereiro de 1896. = A. de Serpa Pimentel = José Baptista de Andrade = Cypriano Jardim = Diogo A. Sequeira Pinto = Carlos Augusto Palmeirim = Conde de Bomfim.

Parecer n.° 8-A

A commissão de fazenda, pela parte que lhe pertence, concorda com este projecto de lei. = Augusto Cesar Cau da Costa = A. de Serpa Pimentel = Conde de Azarujinha = Francisco Costa = Conde de Valbom = A. A. de Moraes Carvalho.

Projecto de lei n.° 9

Artigo 1.° É concedida á viuva, filhos e filhas do major Alfredo Augusto Caldas Xavier a pensão annual de 720$000 réis, que lhe deverá ser paga sem deducção alguma desde a morte d´este official.

§ unico. Á viuva pertencerá metade da pensão, e a outra metade aos filhos e filhas, em partes iguaes.

Art. 2.° A pensão é vitalicia para a viuva, e durará para os filhos até á maioridade legal, e para as filhas emquanto se conservarem no estado de solteiras.

Art. 3.° Quando, por qualquer dos motives mencionados no artigo antecedente, cesse para algum dos fillios ou filhas, o direito á pensão, ou no caso da morte de algum d´elles, reverterá em favor da viuva a quota parte relativa ao filho ou filha que tiver perdido o direito de a receber, ou que tenha fallecido.

Art. 4.° Fallecida a viuva, ou passando a segundas nupcias, a metade da pensão que lhe pertence reverterá em favor dos filhos e filhas, que se acharem nas condições do artigo 2.°

Art. 5.° Quando se dê algum dos casos previstos ao artigo 3.°, sendo já fallecida, ou tendo passado a viuva a segundas nupcias, reverterá a respectiva quota parte em favor dos outros filhos ou filhas, que se encontrarem nas condições do artigo 2.°

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 21 de fevereiro de 1896. = Visconde do Ervedal da Beira, vice-presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado primeiro secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

O sr. Marçal Pacheco (para um requerimento): — Requeiro a v. exa. consulte a camara sobre se ella quer votar este parecer por acclamação, como parece deduzir-se da attitude de todos os dignos pares.

O sr. Conde de Lagoaça (sobre o modo de votar}: — Se pediu a palavra sobre o requerimento do seu amigo o sr. Marçal Pacheco foi simplesmente para lastimar que não tenha vindo mais cedo á camara este projecto, attribuindo elle a causa d´isso unica e simplesmente ao governo.

Consultada a camara sobre o requerimento do digno par o sr. Marçal Pacheco, foi elle approvado.

O sr. Presidente: — Está, pois, dispensado o regimento e approvado por acclamação o parecer n.° 8.

O sr. Conde de Lagoaça: — Lamenta que o sr. presidente lhe tivesse negado a palavra, quando depois de dar a hora para se entrar na ordem do dia s. exa. a concedeu ao sr. presidente do conselho.

Seria justo que s. exa. desse a palavra ao sr. ministro, mas era justissimo que depois a concedesse aos dignos pares da opposição, que por igual desejavam fazer uso d´ella antes de se entrar na ordem do dia.

Desejava fazer algumas perguntas ao governo ácerca da questão da india, por isso pedira ao sr. presidente que o inscrevesse para antes de se encerrar a sessão, mas, como a hora estava muito adiantada, limitar-se-ía a mandar para a mesa um requerimento pedindo o relatorio que o sr. visconde de Villa Nova de Ourem enviou ao governo por occasião da revolta da India.

O sr. Conde de Thomar: — Peça tambem o do actual governador.

O sr. Presidente: — O digno par não tem a palavra, e eu peço a v. exa. que não altere a ordem dos trabalhos.

O Orador: — Não lhe parece que deva haver tanto rigor para com a opposição, pois que, apesar de pequena, está fazendo um grande favor ao governo.

Ainda ha pouco deu uma prova da sua cordura, porque, se ella quizesse, tinha evitado que a sessão continuasse, ausentando-se da sala. Talvez s. exa. desse motivo para este procedimento.

Se elle se retirasse, o que não fez por consideração para com s. exa., bastava isso para que a sessão não podesse continuar.

É necessario que haja um bocadinho de opposição, sem ella talvez isto não podesse continuar.

Recebeu uma communicação de Mossamedes ácerca de um edital que ali foi affixado, prohibindo todo o commercio nos territorios concedidos a uma companhia franceza, isso com manifesto prejuizo dos habitantes do districto.

E, já que está com a palavra, em vista de estar presente o sr. presidente do conselho, que foi quem em resposta ao sr. conde de Thomar disse que o anarchista que commettera o attentado da rua Duque de Bragança se achava preso, que até já tinha ido á mesma rua dizer como as cousas se tinham passado, pedia a s. exa. que lhe dissesse o que ha de verdade com respeito a isto, porque o perdigão, se não perdeu a penna bateu as azas e... fugiu.

Agora é que elle effectivamente está preso, mas não é aquelle a que se referiu o sr. presidente do conselho.

De certo estiveram brincando com a policia, porque elle não póde admittir que o illustre ministro brincasse com a camara. Ou a policia esteve brincando com o governo, ou os perdigões com a policia.

(O discurso será publicado, quando o orador o entregar.)

O sr. Presidente: — Eu não mereço a censura que o digno par me irrogou.

Podia justificar-me, porque não fiz mais do que se observar e fazer cumprir o regimento, mas a hora está a dar, e eu desejo conceder a palavra, antes de se encerrar a sessão, aos dignos pares que estão inscriptos.

O sr. Conde de Lagoaça: — Perdão. Eu não censurei a v. exa. Isto foi uma queixa, um desabafo.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Não é tão feliz como o sr. presidente da camara, que nunca imagina que o censuram, sem que logo todos se levantem a affirmar que não houve censura.

(Riso.)

Quer dizer ao digno par que as informações que deu á camara, e a que s. exa. se referiu, foram as que tinha n´essa occasião.

Se depois d´isso houve qualquer modificação no que então se presumia sor verdadeiro, é evidente que foi em virtude das investigações a que se está procedendo, e que certamente conduzirão a uma sentença.

Nada mais póde dizer em resposta ao digno par.

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SESSÃO N.º 19 DE 6 DE MARÇO DE 1896 197

O sr. Presidente: — Vae ler-se o requerimento que o sr. conde Lagoaça mandou para a mesa.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio da marinha, me sejam enviados os dois relatorios que ácerca dos ultimos acontecimentos da India foram apresentados ao governo pelo ex-governador geral visconde de Villa Nova de Ourem.

Sala das sessões, 6 de março de 1896. = O par do reino, Conde de Lagoaça.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar: — É para mandar para a mesa um requerimento a fim de que seja mandada a esta camara copia da correspondencia trocada entre o governador da India e o governo, desde que rebentou a revolta n´aquella possessão.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o requerimento do digno par

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Requerimento

Peço a correspondencia telegraphica, desde que rebentou a revolução, trocada entre o governador da India e o governo.

Sala das sessões, 6 de março de 1896. = O par do reino, Conde de Thomar.

O sr. Presidente: — Vae ser expedido um e outro requerimento.

Como deu a hora, vou levantar a sessão.

A proxima será na segunda feira, 9 do corrente, e para ordem do dia, alem do que ficou pendente, a discussão do parecer relativo ás recompensas aos expedicionarios de Lourenço Marques.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes á sessão de 6 de março de 1896

Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquez das Minas; Condes, de Bertiandos, do Bomfim, de Carnide, de Lagoaça, de Thomar; Visconde de Athouguia; Moraes Carvalho, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Palmeirim, Cypriano Jardim, Ernesto Hintze Ribeiro, Margiochi, Gomes Lages, Baptista de Andrade1, José Maria dos Santos, Pessoa de Amorim, Marçal Pacheco, Thomás Ribeiro.

O redactor = Urbano de Castro.

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