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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.º 19

EM 9 DE NOVEMBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO - Leitura e approvação da acta.- Menciona-se uma representação dos viticultores do centro e sul do reino e lê-se a correspondencia official.- O Digno Par Francisco José Machado requer alguns documentos,- O Digno Par Teixeira de Vasconcellos apresenta o parecer da commissão de negocios externos sobre a convenção commercial com os Estados Unidos do Norte, e uma representação da Camara Municipal de Portel.- O Sr. Ministro da Fazenda declara ter sido assignado o contrato com a Companhia dos Tabacos.- O Digno Par Luciano Monteiro apresenta o parecer da commissão de negocios esternos sobre o tratado commercial com a Suissa.- Os Dignos Pares Conde de Figueiró e Marquez de Soveral fazem declarações pessoaes sobre os acontecimentos da sessão anterior.- O Digno Par João Arroyo usa- da palavra sobre o mesmo assumpto.- O Digno Par Jacinto Candido declara associar-se ao voto de pesar, já emittido pela Camara, sobre o fallecimento de alguns Dignos Pares, especializando o Sr. Ornellas Bruges.- O Digno Par Sebastião Baracho refere-se ao que se passou na Camara dos Communs em Inglaterra relativamente á mão de obra nas nossas possessões ultramarinas de S. Thomé e Principe. Responde-lhe o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.- O Sr. Presidente diz que, antes de se entrar na ordem do dia, precisa consultar a Camara sobre se ella permitte ou não que continuem a discutir-se os actos e as palavras de El-Rei. Alguns Dignos Pares pedem a palavra. O Sr. Presidente diz que não tem que conceder por agora a palavra, visto que apenas deseja provocar uma votação da Camara sobre a sua consulta. Esta é approvada por levantados e sentados. Alguns Dignos Pares protestam, havendo confusão e sussurro na sala. O Sr. Presidente declara interromper a sessão.- Tendo sido reaberta, o Sr. Presidente declara que, havendo-se levantado duvidas sobre o resultado da votação, e querendo que elle se torne bem evidente, vae de novo consultar a Camara.- O Digno Par Sebastião Baracho requer votação nominal, o que é appro-vado. Cruzam-se diversos apartes. O Digno Par primeiro secretario faz a chamada. A consulta do Sr. Presidente é approvada no sentido de não continuarem a ser discutidos os actos e palavras de El-Rei.- Alguns Dignos Pares fazem declaração de voto durante a votação e depois d'ella.

Na Ordem do dia.- Usa da palavra o Digno Par João Arroyo e responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho.- O Sr. Presidente levanta a sessão, dando para ordem do dia de amanhã a mesma que vinha para hoje.

Pelas 2 horas e 40 minutos- da tarde o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Feita a chamada, verificou-se, a presença de 51 Dignos Pares.

Foi lida, e approvada sem discussão, a acta da sessão anterior.

Foi mencionada uma representação entregue ao Sr. Presidente em nome da assembleia de representantes de camaras municipaes, syndicatos e associações agricolas e vinicultores do centro e sul do reino, assembleia hontem reunida n'esta capital, pedindo que não seja approvada a proposta de lei relativa aos vinhos do Douro, na parte que se refere á restricção da exportação pela barra do Porto.

Esta representação foi enviada á commissão de agricultura.

Mencionaram-se tambem tres officios do Ministerio da Marinha e um do Ministerio do Reino satisfazendo requerimentos dos Dignos Pares Srs. Teixeira de Sousa, Sebastião Baracho e Francisco José Machado.

O Sr. Francisco José Machado: - Mando para a mesa alguns requerimentos, e peço a V. Exa. se digne dar-lhes o conveniente destino, pois que dizem respeito a documentos que me são precisos como complemento de outros, que já pedi, para poder apreciar a administração do Hospital das Caldas da Rainha.

Requeiro:

Que pelo Ministerio da Fazenda me seja enviada nota de todos os subsidios ou adeantamentos que foram feitos ao Hospital Real das Caldas da Rainha e a titulo de que foram concedidos esses subsidios;

Que pelo Ministerio do Reino me seja enviada nota de todo o pessoal de nomeação quer do Governo, quer do director, para as enfermarias e mais dependencias do Hospital Real das Caldas da Rainha, e bem assim uma nota do pessoal contratado durante a epoca balnear, tudo durante a gerencia do Sr. Conselheiro José Filippe e actual;

Nota das obras que teem sido feitas no Hospital Real das Caldas da Rainha e todas as suas dependencias durante a actual gerencia, especificando:

1.° A despesa que se tem feito com essas obras;

2.° Quem as auctorizou, se foi por ordem superior ou se foi por mero arbitrio do director;

3.° Quem as fiscalizou ou as dirigiu;

4.° Que pelo Ministerio do Reino e direcção do Hospital Real das Caldas da Rainha me seja enviada nota detalhada de todo o material para obras, como andaimes, ferramentas, cordas, guindastes, roldanas, carros, vigas de ferro, etc., etc., que ali existia á data do fallecimento do Sr. Rodrigo Berquó e qual o destino que se deu a tanto material que, segundo as minhas informações, montava a alguns contos de réis;

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Que pelo Ministerio do Reino e Administração do Hospital Real das Caldas da Rainha me seja enviada nota da despesa feita com a compra de mobilia, utensilios e roupas para o palacio durante a actual gerencia, especificando qual o numero de artigos comprados, e a data da sua acquisição e quantos existem actualmente.

Tendo eu requerido na sessão de 5 de junho do corrente anno que pelos Ministerios do Reino e Fazenda me fossem enviadas notas das quantias que foram enviadas aos governadores civis dos districtos durante o periodo de 20 de março a 18 de maio do mesmo anno, e tendo-me sido enviada a nota do que a este respeito se refere ao Ministerio da Fazenda, rogo a V. Exa. se digne solicitar que do Ministerio do Reino me seja enviada nota igual. = F. J. Machado.

O Sr. Teixeira de Vasconcellos: - Mando para a mesa um parecer da commissão de negocios externos sobre a convenção commercial com os Estados Unidos do Norte, assignada em 19 de novembro de 1902.

Mando tambem uma representação em que a Camara Municipal de Portel pede que seja approvado o projecto de lei, pendente desde 1897, pelo qual são isentas as camaras do pagamento aos juizes e subdelegados municipaes.

Peço a V. Exa. se digne consultar a Camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do Governo.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O parecer foi a imprimir.

O Sr. Ministro da Fazenda (Driesel Schrõter): - Pedi a palavra unicamente para declarar á Camara que foi hontem assignado, no Ministerio da Fazenda, o contrato dos Tabacos, nos precisos termos da auctorização dada ao Governo.

Farei todo o possivel para que a publicação d'esse documento seja feita no Diario do Governo de amanhã, sabbado.

O Sr. Luciano Monteiro: - Mando para a mesa o parecer da commissão de negocios externos sobre o tratado de commercio entre Portugal e a Suissa.

Foi a imprimir.

O Sr. Presidente: - O Digno Par Sr. Marquez de Gouveia pede licença para se ausentar da Camara por algum tempo.

Os Dignos Pares que concedem a auctorização pedida tenham a bondade de se levantar.

Foi concedida

O Sr. Presidente: - Vou dar a palavra aos Dignos Pares que a pediram sobre o incidente da ultima sessão, porque me consta que os outros Dignos Pares inscriptos cedem a palavra a favor d'aquelles. (Apoiados).

O Sr. Conde de Figueiró: - Agradeço aos Dignos Pares, meus collegas, a gentileza de me cederem a palavra.

Pedi-a para dizer a V. Exa., á Camara e ao Sr. João Arroyo o que se passou commigo na ultima sessão.

Quando o Sr. João Arroyo, no decorrer do seu discurso, manifestou a opinião de que o Augusto Chefe do Estado não tinha direito a receber no seu Paço as pessoas que houvesse por bem receber, sorri-me, tão estranha me pareceu essa opinião.

S. Exa. voltou-se para este lado da Camara, onde tenho a honra de me sentar, e perguntou se d'aqui partira alguma manifestação.

Entendi do meu dever, em homenagem á verdade, que respeito e prezo, declarar a S. Exa., como fiz, que tinha sido eu quem sorrira, e immediatamente, como V. Exa. e a Camara deviam ter notado, pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão.

Não pude fazer uso da palavra n'essa sessão pelos motivos que todos sabem; faço-o agora.

A razão do meu sorriso foi, como já disse, o parecer-me estranha a theoria apresentada pelo Sr. João Arroyo.

Esse sorriso foi, portanto, uma manifestação de divergencia da opinião do Digno Par, e não um aggravo, porque a minha attitude n'esta camara não é, nem pode ser, a de dirigir aggravos ou offensas a ninguem.

Tenho a maior consideração e respeito por todos os meus collegas; posso, porem, divergir da sua opinião e, por esse facto, sorrir-me.

Se da minha parte pudesse ter havido alguma intenção de aggravo, di-lo-hia franca, leal e nitidamente.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. João Arroyo: - Agradeço aos meus collegas a amabilidade de me terem cedido a palavra, que eu pedi para declarar que registo devidamente as declarações do Digno Par Sr. Conde de Figueiró.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Marquez de Soveral: - Permitta-me V. Exa., Sr. Presidente, que eu dê á Camara algumas explicações acêrca dos motivos que me determinaram a pedir a palavra na ultima sessão.

Desde o inicio dos nossos trabalhos parlamentares, o Digno Par Sr. João Arroyo tem-se referido, por mais de uma vez, a uma influencia estranha da qual houvesse derivado a queda da situação presidida pelo Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro e a sua substituição pelo Governo actual.

Confesso que, logo de principio, julguei ver-me alvejado n'essas referencias.

Todavia declarações subsequentes do Sr. Conselheiro Arroyo, affirmando a legitimidade da interferencia dos membros do Conselho de Estado nas indicações a dar a El-Rei, acêrca da marcha politica dos Governos, desfizeram-me essa suspeita.

Mas as palavras proferidas na sessão de ante-hontem pelo Sr. Conselheiro Arroyo vieram novamente dar-me ensejo para considerar me alvejado por essas mesmas palavras.

Sr. Presidente, eu não sou dos que acreditam que qualquer ataque no Parlamento ou na imprensa tenha um proposito calumnioso; mas era tal o calor e o tem de convicção com que S. Exa. falava, que eu acreditei e acredito na sua sinceridade, como tambem acredito que a sua boa fé foi surprehendida.

Não sei como nasceu e como se criou essa lenda, mas o facto é, que a ella, opponho o mais formal e completo desmentido.

Não quero com isto abdicar do direito que tem um Conselheiro de Estado e todo o cidadão portuguez de aconselhar El-Rei, e dizer-lhe o que entender a bem da administração do paiz. (Apoiados).

Eu não tive conhecimento da mudança ministerial senão depois de estar realizada, e sinto não ver n'esta cadeira (o Digno Par indica a cadeira do Sr. Hintze Ribeiro) o nobre chefe do partido regenerador, porque decerto o seu testemunho reforçaria a sinceridade das minhas palavras.

Sr. Presidente: ha n'esta casa do Parlamento muitos illustres estadistas que desde 1891 teem sobraçado a pasta dos negocios estrangeiros; eu podia appellar para elles, perguntando-lhes se quando geriram essa pasta tiveram conhecimento de que eu, servindo-me da minha posição - que é favor e confiança dos Governos - houvesse praticado actos que desmerecessem essa confiança.

Sr. Presidente: como disse, sentaram-se ali (indicando as cadeiras do Governo) muitos estadistas que foram meus chefes, e de todos tenho recebido altas provas de apreço, que muito prezo e me honram.

Essas provas e testemunhos de apreço são eloquentes e dizem que não tem sido completamente improficua a minha missão na Côrte de Londres.

Para terminar, direi que espero poder ainda prestar ao paiz aquelles serviços de que elle carecer.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

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O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente: ouvi como toda a attenção as declarações que o Digno Par Sr. Marquez de Soveral acaba de fazer.

Seria faltar, já não direi, ao respeito que devo ao Parlamento, ao respeito que devo ao paiz., mas seria faltar ao respeito que devo a mim proprio, se acudindo ao chamamento de S. Exa., eu por qualquer forma procurasse eximir-me ás responsabilidades que assumi, desde que no Parlamento proferi as palavras que deram logar ao incidente que se debate.

O Sr. Marquez de Soveral dividiu as impressões do seu espirito em tres phases.

Na primeira S. Exa. suppoz-se alvejado pelas minhas palavras; na segunda chegou á convicção contraria; e na terceira voltou a suppor-se alvejado.

Como mantenedor, que me prezo de ser, de tudo o que profiro do alto d'esta tribuna, digo a S. Exa. que estava com a verdade na primeira e na terceira phase do seu espirito.

O Sr. Marquez de Soveral, para procurar invalidar as minhas affirmações parlamentares, serviu-se de duas ordens de considerações.

A primeira foi uma invocação da sua categoria especial de Conselheiro de Estado, dando a entender que n'essa categoria pode individualmente aconselhar El-Rei como entender.

A segunda foi uma rememoração do seu procedimento como representante de Portugal na Côrte de S. James.

Eu considero como illegitimo e incorrecto o procedimento de S. Exa. ou de qualquer outro Conselheiro de Estado aconselhando individualmente El-Rei, porque os Conselheiros de Estado só podem aconselhar o Monarcha reunidos em Conselho.

Aquella alta magistratura, pela Carta Constitucional, apenas exerce as suas attribuições como collectividade e não por cada um dos seus membros.

Nunca neguei a ninguem justiça pelos bons serviços que possa ter prestado em defesa dos interesses do paiz, mas não posso, parlamentarmente falando, admittir que se faça uma invocação ao testemunho dos Ministros do Negocios Estrangeiros com o fim de annullar o que eu aqui disse, porque, como antigo Ministro dos Negocios Estrangeiros, estou, com respeito aos actos de S. Exa., manietado pelo segredo profissional que tenho de guardar.

Portanto, se qualquer referencia vá ga, aqui feita, quizer tornar as pró porções de resposta ao que eu disse terei de voltar-me para V. Exa., Sr. Presidente, como homem de Estado e. de honra que é, para lhe impetrar que, sendo arbitro dos meus melindres, me possa desligar do sigillo profissional e me permitta que fale sem reservas.

Mais nada digo porque, por emquanto, mais nada é preciso.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Jacinto Candido: - Desejo simplesmente declarar a V. Exa. e á Camara que me associo aos votos de sentimento que esta Camara ultimamente fez consignar nas suas actas pelo falecimento de dois Dignos Pares.

Mas seja-me permittido referir-me muito especialmente ao Digno Par Theotonio Octavio de Ornellas Bruges, que era meu patricio, e a quem me prendiam laços de antiga amizade.

O Sr. Sebastião Baracho:-Quando, n'uma das ultimas sessões, me respondia o Sr. Presidente do Conselho, pedi a palavra, que só n'este momento me abe.

Manifestara eu o meu sentimento de protesto, perante o Governo Britannico se nos ter dirigido, por dois dos seus membros, na Camara dos Communs, por forma a ferir-nos no nosso brio, e decoro. Tratava se da mão de obra nas ilhas de S. Thomé e Principe.

Um consul inglez fora ali fazer um inquerito, cujo resultado determinou a impertinente declaração, já conhecida, de 30 de outubro ultimo. Em 5 de julho, dera-se a primeira edição d'esse estranho caso, o qual não mereceu, por parte do Governo do meu paiz, as objecções firmes e dignas, que eu entendo que devia despertar o procedimento da nossa alliada.

Agora, como anteriormente o fiz já, declaro que a injustiça havida para comnosco é manifesta. A Memoria a tal respeito publicada pelo Ministerio da Marinha, e que merece o meu applauso, esclareceu devidamente a questão. Só a nossa alliada parece não ter tido conhecimento d'essa publicação, que, em todo o ponto, nos marca logar entre as nações colonizadoras que mais humanitarias se apresentam no tratamento dos seus serviçaes.

Mas a Inglaterra, alem de injusta, não tem auctoridade para nos tratar como nos tratou. Haja em vista o que na propria Africa tem succedido. No sul levantaram-se ainda ha pouco os mais intensos clamores contra os maus tratos dados aos coolis, pelos proprietarios inglezes do Natal. No norte, Mustaphá-Kamel-Pachá, chefe do partido nacionalista egypcio, dirigiu um appello ao povo britannico e ao mundo civilizado, em presença do procedimento intoleravel, por vezes cruel, dos dominantes sobre os felahs.

Os actos praticados foram de tal ordem, que houve necessidade de reforçar as tropas de occupação com importantes forças metropolitanas.

Por todos os motivos, pois, não podia o Governo Britannico dirigir-se-nos pelo modo como o fez.

A par d'isso, não devia o nosso Governo manter-se no silencio compromettedor e indisculpavel, em que se refugiou.

Acentuando mais uma vez esta minha opinião, insisto em que continuo defendendo a alliança britannica, mas prosigo tambem fundamentalmente contrario a quaesquer actos, que representem subserviencia ou subalternagem da nossa parte.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luis de Magalhães): -- Pela muita consideração pessoal que tenho pelo Digno Par Sr. Baracho, embora o Sr. Presidente do Conselho já respondesse a S. Exa. a respeito do assumpto, quero dizer ao Digno Par que não tenha no seu espirito duvida de que o Governo serena e reflectidamente jamais faltará ao que deve á honra do paiz.

Pedi para Londres o texto exacto das declarações feitas na Camara dos Communs, que creio se baseiam nos compromissos de fiscalização tomados por parte das diversas nações na Conferencia de Berlim, e que por isso nada teremos a reclamar da Inglaterra.

Dadas as nossas relações amigaveis a nossa alliança com aquelle paiz, não supponho que haja da parte do Governo inglez nenhuma ideia de menos consideração e respeito para comnosco; tanto mais que aquelle mesmo Governo varias vezes nos tem manifestado os seus sentimentos de estima e consideração pela forma como em Africa havemos procedido, especialmente combatendo o trafico da escravatura.

Não faltam no Ministerio dos Negocios Estrangeiros documentos que o attestem.

Creia o Digno Par que o Governo saberá manter intacta a honra do paiz.

(S. Exa. A não reviu).

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.

Antes, porem, de dar a palavra aos Dignos Pares inscriptos, desejo consultar a Camara sobre um ponto que julgo importante e urgente.

V. Exas. sabem que, na sessão passada, um Digno Par, no correr da discussão, referiu-se ao Augusto Chefe do Estado apreciando alguns dos seus actos e palavras.

Não intervim ás primeiras referencias- no que talvez fizesse mal - e procedi com tolerancia pela muita consideração que tenho por aquelle Digno Par, e porque julguei que S. Exa. a breve trecho entraria propriamente na

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discussão do projecto de resposta ao Discurso da Corôa.

S. Exa., porem, continuou na sua orientação, e então pedi-lhe que, em vista dos preceitos constitucionaes, desistisse de discutir os actos e as palavras do Augusto Chefe do Estado.

O Digno Par julgou-se ferido nos seus direitos parlamentares e, por isso, levantou-se um incidente um pouco vivo entre S. Exa. e a mesa.

N'essa occasião ouvi dizer em differentes pontos da sala que já tinha dado a hora e, reconhecendo que assim era, encerrei a sessão.

Não desejo nem posso, por modo algum, dirigir os nossos trabalhos pelo meu simples arbitrio; ao contrario, desejo sempre inspirar-me nos preceitos do Regimento e na vontade da Camara.

Por isso, preciso que a Camara se manifeste relativamente ao ponto sobre que vou consultá-la para saber como hei de dirigir os trabalhos.

Devo ou não permittir que, n'esta casa, se discutam os actos e palavras de El-Rei - portanto, as cartas que Sua Majestade dirigiu ao Sr. Presidente do Conselho transacto, cartas que foram mandadas para a mesa?

Varios Dignos Pares pedem a palavra sobre o modo de propor e para requerimentos.

Peço desculpa de não dar por agora a palavra a V. Exas.

Não se trata de uma proposta sujeita a discussão; trata-se simplesmente de uma consulta minha que diz respeito á direcção dos trabalhos, para eu saber qual a vontade da Camara e qual o seu modo de ver em relação aos meus proprios actos como Presidente. (Sussurro).

(S. Exa. A não reviu).

O Sr. Pimentel Pinto: - V. Exa. está ahi com o applauso de toda a Camara, mas peço a palavra porque preciso fazer uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Eu não posso conceder por agora a palavra aos Dignos Pares; pedi apenas uma votação, e é d'isso que se trata.

O Sr. Pimentel Pinto: - Mas eu preciso fazer uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Eu darei depois a palavra aos Dignos Pares para explicação de voto.

O Sr. Sebastião Baracho: - O Governo deve ser ouvido sobre o assumpto. Foi elle quem trouxe as cartas de El-Rei.

Vozes: - Ordem, ordem.

O Sr. José de Azevedo: - É preciso que expliquemos o nosso voto.

Vozes: - Ordem, ordem.

O Sr. Sebastião Baracho: - Fale Governo, e entre na ordem quem fora d'ella a pede.

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que entendem que os actos e palavras de El-Rei não devem ser discutidos, tenham a bondade de se levantar.

Está approvado.

Vozes: - Isso não pode ser.

O Sr. Presidente: - A Camara já se pronunciou sobre a minha consulta.

Vozes: - Não se percebeu.

O Sr. Sebastião Baracho: - Requeiro que seja cumprido o disposto nos artigos 69.° e 80.° do Regimento.

O Sr. José de Alpoim: - Isto é um violencia inaudita.

O Sr. Pimentel Pinto: - O Governo foi quem iniciou esta discussão; tem que ser ouvido.

O Sr. José de Azevedo: - Isto é uma violencia inutil, praticada por V. Exa. irreflectidamente.

O Sr. João Arroyo: - Isto é que é a morte do regimen. Assim é que as instituições se perdem.

Vozes: - Ordem, ordem.

O Sr. José de Alpoim: - Nunca se fez uma cousa semelhante. Contra esta forma de defender as instituições protesto eu, como monarchico que sou.

O Sr. José de Azevedo: - É preciso que o Governo declare a sua opinião. Isto é a deshonra do paiz.

Presidente do Conselho de e Ministro do Reino (João O Sr. Ministros Franco Castello Branco): - O Governo ha de dizer a sua opinião.

Augmenta o sussurro na sala.

Vozes da direita: - Ordem, ordem.

O Sr. Presidente: - Está interrompida a sessão.

Eram 3 horas e 20 minutos da tarde.

Ás 3 horas e 53 minutos foi reaberta a sessão.

O Sr. Presidente: - A Camara já se pronunciou sobre a minha consulta, mas como parece que por parte de alguns Dignos Pares ha duvidas sobre o resultado da votação, vou consultar novamente a Camara.

Vozes: - Peço a palavra sobre o modo de propor.

O Sr. Presidente: - Eu não posso conceder a palavra aos Dignos Pares antes da votação; depois concedê-la-hei a quem a pedir.

Isto é uma consulta da Presidencia, que deseja saber qual a vontade da Camara e o caminho que deve seguir n'esta materia.

O Sr. Pimentel Pinto: - Mas eu não sei o que hei de votar.

(Sussurro}.

Vozes: - Isto não pode ser.

O Sr. Sebastião Baracho: - Eu requeiro votação nominal.

O Sr. Presidente: -Vou consultar a Camara sobre o requerimento do Digno Par Sr. Sebastião Baracho.

Vozes: - Isto não pode ser.

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que approvam que haja votação nominal sobre a consulta da mesa, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Ninguem discutiu a pessoa do Rei; não é essa a questão.

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á chamada.

Vozes: - Não, é preciso consultar a Camara. Isso não se propõe.

O Sr. José de Azevedo: - A questão não é essa.

Se a Camara votasse contra, revogava o artigo 72.° da Carta.

Vozes: - Mas o que é a proposta? O que é que vamos votar?

O Sr. Presidente: - A minha consulta é sobre se a Camara entende que podem ou não podem ser discutidos os actos e palavras de El-Rei, - portanto as suas cartas.

O Sr. José de Alpoim: - V. Exa. está a consultar a Camara sobre uma questão que é superior ás suas attribuições.

O Sr. Julio de Vilhena: - É claro que o Rei está acima de tudo, não se discute.

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O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á votação.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Antes da votação permitta-me V. Exa. que faça uma declaração de voto.

(Sussurro).

O Sr. Presidente (agitando a campainha}:- Esta questão é pessoal, é uma consulta que eu faço á camara para meu governo, para saber se devo continuar ou não n'este logar.

O Sr. José de Azevedo: - V. Exa. não deve insistir n'essa pergunta, que é inconveniente.

O Sr. Presidente: - A Camara o dirá. Vae fazer-se a chamada. Os Dignos Pares que entendem que os actos e palavras d'El-Rei não podem ser discutidos dizem - approvo. Os outros Dignos Par3s dizem - rejeito.

O Sr. João Arroyo: - Isso é revolucionario, é anti-constitucional.

O Digno Par 1.° Secretario principia a fazer a chamada.

O Sr. Marquez Barão de Alvito: - Approvo.

O Sr. Marquez de Soveral: - Approvo.

Ouve-se algum sussurro na esquerda.

Vozes: - Ordem, ordem.

O Sr. Presidente (dirigindo-se ao Sr. José de Azevedo): - Peço a V. Exa. que não perturbe a chamada.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco:- Eu não perturbo nada. (Risos).

O Sr. Presidente: - Não ouvi o que V. Exa. disse.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Disse eu que não perturbo nada, porque tenho serenidade bastante para não perturbar ninguem.

O sr. Conde de Arnoso: - Approvo.

(Áparte do Digno Par Teixeira de Sousa, que não foi ouvido pelos tachygraphos).

O Sr. Conde de Arnoso (dirigindo-se ao Sr. Teixeira de Sousa): - O que disse V. Exa.?

O Sr. Teixeira de Sousa: - Eu não me dirigia a V. Exa.

O Sr. José de Alpoim: - Que liberalismo o d'estes governamentaes!

O Sr. Conde de Arnoso: - Quem é que são os governamentaes?

Eu aqui sou apenas Par do Reino e Conde de Arnoso.

O Sr. Conde do Cartaxo: - Approvo.

O Sr. Conde de Figueiró: - Approvo.

O Sr. Conde de Paraty: - Approvo.

O Sr. Conde de Sabugosa: - Approvo.

O Sr. Conde de Tarouca: - Voto que se não discuta a Corôa.

O Sr. Visconde de Asseca: - Approvo.

O Sr. Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral: - Approvo.

O Sr. Antonio Augusto Pereira de Miranda: - Approvo.

O Sr. Antonio Eduardo Villaça: - Approvo,

O Sr. D. Antonio Maria de Lencastre: - Approvo.

O Sr. Antonio Maximo de Almeida Costa e Silva: - Approvo.

O Sr. Antonio de Sousa Silva Costa Lobo: - Approvo o procedimento de V. Exa.

O Sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel: - Approvo.

O Sr. Arthur Alberto de Campos Henriques: - A Camara deve votar por acclamação a consulta de V. Exa. porque a pessoa do Rei é indiscutivel.

O Sr. Ministro da Marinha (Ayres de Ornellas): - Approvo.

O Sr. Carlos Augusto Palmeirim: - Approvo.

O Sr. Carlos Augusto Vellez Caldeira Castel-Branco: - Approvo.

O Sr. Carlos Maria Eugênio de Almeida: - Approvo.

O Sr. Eduardo José Coelho: - Approvo.

O Sr. Eduardo de Serpa Pimentel: - Approvo.

O Sr. Fernando Larcher: - Declaro a V. Exa. que não sei sobre o que hei de votar.

O Sr. Francisco Antonio da Veiga Beirão: - Approvo.

O Sr. Francisco Felisberto Dias Costa: - Approvo.

O Sr. Francisco José Machado: - Approvo.

O Sr. Francisco José de Medeiros: - Approvo.

O Sr. Francisco Maria da Cunha: - Approvo.

O Sr. Frederico Ressano Garcia: - Approvo.

O Sr. Henrique Baptista de Andrade: - Não sei sobre que hei de votar.

O Sr. João de Alarcão Vellasques Sarmento Osorio: - Approvo.

O Sr. João Pereira Teixeira de Vasconcellos: - Approvo.

O Sr. Joaquim de Vasconcellos Gusmão: - Approvo.

O Sr. José Adolpho de Mello e Sousa: - Approvo.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Não approvo nem rejeito.

O Sr. José Dias Ferreira: - Rejeito.

O Sr. José Estevam de Moraes Sarmento: - Approvo.

O Sr. José Lobo Freire do Amaral: - Approvo.

O Sr. José Luciano de Castro Pereira Côrte Real: - Approvo.

O Sr. José Luiz Ferreira Freire: - Approvo.

O Sr. José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral: - Não sei votar, porque a Carta Constitucional está superior á Camara.

O Sr. Julio Marques de Vilhena: - Reconheço como legitima e legal a disposição da Carta.

O Sr. Luciano Affonso da Silva Monteiro: - Approvo.

O Sr. Luiz Fisher Berquó Poças Falcão: - Approvo.

O Sr. Manoel Affonso de Espregueira: - Approvo.

O Sr. Sebastião Custodio de Sousa Telles: - Entendo que a pessoa do Rei não se discute.

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O Sr. Sebastião de Sousa Dantas Baracho: - Voto que as cartas sejam discutidas por quem o desejar, em conformidade com o que tem succedido até hoje, na outra e n'esta Casa do Parlamento, a começar pelo Sr. Presidente do Conselho.

Depois mandarei para a mesa a minha declaração por escripto.

O Sr. Venancio Deslandes Correia Caldeira: - A lettra da Carta é expressa: a pessoa do Rei não se discute.

O Sr. Wenceslau de Sousa Pereira Lima: - Entendo que a pessoa do Rei é indiscutivel.

O Sr. Visconde de Monte-São (que acaba de entrar na sala): - Voto que se discutam as cartas como se discute o Discurso da Corôa.

O Sr. Augusto José da Cunha: - Approvo.

O Sr. Luiz de Mello Bandeira Coelho: - Approvo.

O Sr. José Vaz Correia Seabra de Lacerda: - Approvo.

O Sr. Presidente: - O resultado da votação foi o seguinte: disseram approvo 45 Dignos Pares; 5 votaram que a pessoa do Rei era indiscutivel; e 2 manifestaram-se no sentido de que as cartas fossem discutidas.

Está, por consequencia, approvada a consulta que dirigi á Camara, no sentido de não poderem ser discutidos os actos e palavras de El Rei.

Estão inscritos para declaração de voto os Dignos Pares Pimentel Pinto, Teixeira do Sousa, Alpoim, Jacinto Candido e Dantas Baracho, os quaes podem, querendo, usar da palavra desde já; mas como a hora vae muito adeantada, peço a S. Exas. que sejam breves nas suas explicações.

O Sr. José Dias Ferreira: - Eu tambem pedi a palavra para explicação de voto.

O Sr. Presidente: - V. Exa. fica inscripto. Tem a palavra o Sr. Pimentel Pinto, se é para declaração de voto.

O Sr. Pimentel Pinto: - Sr. Presidente: sai da sala para não votar- por não saber como votar-a proposta ou consulta feita á Camara por V. Exa.

Quiz V. Exa. que ella resolvesse se lhe era ou não permittido discutir a
pessoa do Rei, os seus actos e as suas palavras.

O artigo 72.° da Carta Constitucional diz que a pessoa de Rei é inviolavel, é sagrada, é irresponsavel.

A Camara, não tendo poderes para revogar a lei fundamental do Estado, não podia, pois, votar que se discutisse a pessoa do Rei. Podia, porem, ter, como eu tenho, opinião diversa em relação ás cartas do Chefe do Estado que foram trazidas ao Parlamento e que são hoje documentos publicos. Por isso eu me abstive de votar.

Quando pedi a palavra sobre o modo de propor era exactamente para em meu nome e em nome dos meus amigos politicos declarar a V. Exa. e á Camara que o partido regenerador não podia por nenhum modo votar que fosse discutida a pessoa do Rei, não só porque esse preceito está expressamente consignado no artigo 72.° da Carta Constitucional, mas ainda em presença das declarações muito terminantes e muito categoricas feitas ha dias n'esta Camara pelo nobre chefe do partido, o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro.

A pessoa do Rei é inviolavel, portanto não pode ser discutida.

Mas, Sr. Presidente, V. Exa. punha conjuntamente á approvação da Camara duas perguntas: se era, ou não, permittido discutir a pessoa do Rei, e se era, ou não permittido discutir as cartas de Sua Majestade que foram trazidas ao Parlamento.

Eu e os meus amigos politicos fazemos uma grande distincção entre a pessoa de Sua Majestade e as suas cartas. Essas vieram ao Parlamento, contra a manifesta e clara opinião do partido regenerador, que disse aqui por muitas vezes que era inconvenientissimo que á Camara se trouxessem cartas do Chefe do Estado. (Apoiados).

Vieram pelo desejo e sob a responsabilidade do Sr. Presidente do Conselho ...

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Apoiado.

O Orador: - Não podemos nós, regeneradores, prescindir do direito de as discutir.

E não prescinde d'esse direito o partido regenerador por varias razões. A primeira, porque, tendo sido feitas contra o ultimo Gabinete da presidencia do Sr. Hintze Ribeiro graves accusações, o partido regenerador, não discutindo essas cartas ou não approvando que ellas sejam discutidas, poderia incorrer na suspeita de que se arreceava da discussão.

A segunda, porque essas cartas são hoje documentos publicos, da exclusiva responsabilidade do Sr. Presidente do Conselho.

A terceira, porque teem sido discutidas na Camara dos Senhores Deputados, onde se fizeram affirmações inexactas, que n'esta Camara temos o direito e o dever de refutar.

E finalmente, Sr. Presidente, porque n'esta Camara as tem discutido o Sr. Presidente do Conselho, e não ha assumpto algum que S. Exa. possa aqui discutir e que qualquer de nós, qualquer Par do Reino, não tenha o direito de discutir tambem.

É isto, Sr. Presidente, o que, em meu nome e em nome dos meus amigos politicos, eu queria declarar a V. Exa. e á Camara, quando pedi a palavra sobre o modo de propor.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Não falo em nome do partido regenerador, pois que de o fazer se encarregou o Digno Par Sr. Pimentel Pinto.

Mas tendo eu tomado uma attitude intensa sobre o assumpto em discussão, devo dar a razão do meu procedimento, a fim de não haver equivocos, nem sobre os meus actos, nem sobre as minhas palavras.

Desejo fazer a seguinte declaração:

Se o Sr. Presidente, ao pôr á votação a sua consulta, perguntava se devia ou não ser discutida a pessoa do Rei, direi claramente que não deve ser discutida a pessoa do Chefe do Estado. Mas se o Sr. Presidente perguntava se as cartas de El-Rei, dirigidas ao chefe do partido regenerador, deviam ser discutidas, direi tambem claramente, que sim, visto que o Sr. Presidente do Conselho, como chefe do poder executivo, assume a responsabilidade da discussão, depois de haver aconselhado o Chefe do Estado a dar á publicidade esses documentos. (Apoiados da esquerda).

Sr. Presidente: eu digo estas palavras com tanta maior isenção quanto é certo não tencionar discutir as cartas de El-Rei. E se me fosse dado como Ministro aconselhar o Chefe do Estado, o meu voto e a minha opinião seriam - que tal publicação se não fizesse.

Julgo, Sr. Presidente, que os factos que acabam de dar-se n'esta Camara são de extraordinaria gravidade.

O artigo 72.° estatue que a pessoa do Rei é inviolavel e sagrada.

Imagine a Camara que a consulta do Sr. Presidente não era approvada. Qual a conclusão a tirar?

Que a Camara abolia uma prerogativa da Carta Constitucional. (Apoiados da esquerda).

Veja a Camara a gravidade da situação.

(O Digno Par não reviu).

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SESSÃO N.° 19 DE 9 DE NOVEMBRO DE 1906 251

O Sr. José de Alpoim: - Tenho que explicar perante V. Exa. o meu voto, com respeito ao facto que se deu n'esta casa do Parlamento, onde todos os seus membros são homens de caracter corajoso e bravo coração, mas onde a maioria acaba de praticar um verdadeiro acto de fraqueza e cobardia politica.

Muitas Tezes, em assembleias compostas, como esta, por homens honestos e de caracter rijo, acontece praticarem-se factos que mancham com uma sombra essas assembleias.

A fraqueza que acaba de praticar-se pertence a este numero de factos, e é facil de explicar.

Quiz-se acobertar-se um grande medo atrás da accusação de que se pretendia envolver a pessoa do Rei nas discussões parlamentares.

O que se fez não serve para nada mais senão para encobrir o firme proposito de não deixar discutir os documentos, cuja apresentação é da responsabilidade do Governo, e que foram entregues a esta Camara.

Quiz-se tal cousa quando as cartas de El-Rei se tornaram documentos publicos, que constituem elemento de apreciação para a discussão da resposta ao Discurso da Corôa!

Sr. Presidente: isto magoa-me, isto faz-me doer o coração.

Para se defender o Governo, pratica-se um acto que desprestigia as instituições, um acto de desrespeito para com o Augusto Chefe do Estado.

Que situação é esta?!

Nem o Digno Par Sr. Arroyo, nem ninguem, melindrou, feriu ou menoscabou a pessoa do Rei, nem o podia fazer, não só porque ninguem aqui desconhece a Carta Constitucional, mas tambem porque V. Exa. e a camara o não consentiriam.

Para que é então o estranho caso de V. Exa. solicitar da maioria d'esta Camara o seu voto em defesa do Governo, que não quer ver discutir documentos que são da sua responsabilidade?

Eu appello para o bom senso de todos que me escutam, a fim de que me digam se outro foi o mobil do que se fez? Se outra foi a razão da sancadilha em que a Camara acaba dê cair ás escuras?

O Sr. Presidente: - Desejo saber se as expressões do Digno Par representam qualquer censura á presidencia.

O Orador: - O Sr. Presidente escusa de intervir porque me conhece, e porque conhecendo-se a si proprio, não poderá pensar que eu quero melindrar V. Exa., como eu não posso pensar que pelo espirito de V. Exa. passasse a ideia de querer intimidar-me.

O Sr. Presidente: - Agradeço a V. Exa. a sua explicação.

O Orador: - Sr. Presidente: deploro profundamente, como monarchico que sou, os acontecimentos de hoje, porque, a final, toda a gente sabe que o poder executivo tem a responsabilidade de todos os actos praticados pelo poder moderador; - toda a gente sabe que o Rei não pode ser discutido no Parlamento. (Apoiados).

Oh, Sr. Presidente, quão differentes são os tempos de hoje, dos de outr'ora!

No reinado da Senhora D. Maria II deram-se n'esta Camara acontecimentos que bem demonstram qual era então a energia e a vitalidade politica dos nossos antecessores; e nem por assistir a esses acontecimentos entendeu esta Camara que tinha deslizado do seu aprumo e da sua integridade.

Sr. Presidente: duas palavras a respeito de Saldanha, o glorioso militar, de quem D. Pedro IV, quando a Rainha desembarcou em Lisboa, dissera apresentando lh'o: "Maria, não lhe apresento o general Saldanha que já conhece, mas o marechal Saldanha, a quem deve o estar hoje aqui".

Pois Saldanha, esse homem que tantos louros ceifou nos campos de batalha, que tanto se distinguiu n'essas epocas verdadeiramente heroicas da liberdade, mais tarde, n'esta casa, dirigindo-se a um Ministro da Corôa, fazia-lhe severas censuras e até o accusava do crime de peculato e concussão.

Esta accusação era dirigida ao Conde de Thomar pelo marechal Saldanha, que decerto não pensava em offender a Corôa - elle que tanto a tinha defendido nos campos de batalha- quando assim falava a um Ministro da Rainha.

Veja-se a hombridade, veja-se a rijeza d'esses tempos, veja se a intensidade d'esses prelios giganteos, e confrontem-se com estas pequeninas escaramuças, em que ao menor embate se imagina que as instituições ruem, quando a final de contas se trata apenas do exercicio nobre e augusto que o codigo fundamental da nação nos confiou.

É preciso dizer toda a verdade, da a quem doer fim a quem ferir.

As aguas estagnadas espalham a febre e a morte, ao passo que as aguas ondulosas e agitadas trazem o vigor e a vida.

É preciso que esta Camara dê provas claras e inequivocas do seu prestigio, da sua força e da sua ponderação.

É preciso mostrar que os Pares do Reino teem a independencia indispensavel para dizer toda a verdade ao Rei e ao Governo. (Apoiados).

Essa é a alta missão que esta Camara tem a cumprir, integra e intemeratamente.

É preciso que não nos deixemos arrastar por mesquinhas paixões eleitoraes; nem nos deixemos reduzir á misera situação de - castrados politicos.

Sr. Presidente: tenho falado sinceramente, por vezes com ardor, não o nego, tenho dito tudo aquillo que me suggerem as circumstancias do actual momento; mas como monarchico cabe-me o dever de olhar seriamente para a situação em que o paiz se encontra, e apontar com segurança e firmeza as consequencias deploraveis de certos actos.

Não se attribua a intuitos de opposição o que é pura e simplesmente o desejo de evitar maiores perigos, que estão imminentes.

E a verdade é esta.

Á Camara dos Pares foi pedido um voto inutil, pode dizer-se até um acto vergonhoso, em presença das disposições claras da Carta Constitucional.

A camara votou uma cousa que não podia votar.

O Governo trazendo, aqui as cartas de El-Rei, assumiu a responsabilidade do acto que praticou, e ao Governo tem a camara pleno direito de pedir inteiras contas dos seus actos.

Sr. Presidente: fica assim explicada a razão do meu voto e o motivo por que eu, sendo monarchico, fiz estas considerações, aliás no proprio interesse da monarchia.

Sr. Presidente: não queremos falar do Rei, porque o não podemos fazer, pois a Carta Constitucional é superior a nós. O que queremos, pois a Carta o permitte, é exigir as responsabilidades que impendem ao Governo, e portanto que elle se defenda, se pode.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Jacinto Candido: - Vou declarar, a V. Exa. e á Camara, serenamente, com a verdade e a sinceridade que naturalmente impõe a gravidade do actual momento historico, e que são devidas a tão importante assumpto, a razão por que deixei de votar, saindo da sala, a proposta feita por V. Exa.

Procedi assim, Sr. Presidente, para não incorrer n'uma grave falta, para não commetter o crime de abuso e excesso de poder, visto que as Camaras não teem poderes constituintes, e se submettia á nossa votação a vigencia, ou não, de um artigo da nossa lei constitucional, e sobre materia constitucional.

Seria um verdadeiro acto revolucionario, subversivo de todos os principios, attentatorio das leis.

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252 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Appello para a consciencia de V. Exa. Sr. Presidente, para a consciencia de cada um de nós, e de toda a Camara, e pergunto, serenamente, como é que pode, aqui, ser discutido e votado um artigo da Carta, sobre materia constitucional, não estando nós investidos de poderes constituintes?

Sr. Presidente: amanhã, com este exemplo, V. Exa. pode submetter á votação se a Camara quer ou não quer que se- mantenha o prestigio das instituições.

Dado o precedente, Sr. Presidente, podia tambem perguntar-se ás Camaras se ellas preferiam o regimen republicano ao regimen monarchico, e dado que as respostas fossem no sentido de dar preferencia á republica, tinha essa decisão de ser acatada pelo paiz. (Apoiados).

Repito: esta Camara não pode por principio algum proceder a uma votação que tenha por fim modificar artigos da Carta Constitucional, sem que esteja investida de poderes constituintes.

Pergunto com toda a serenidade se essa votação não é um acto verdadeiramente subversivo e puramente revolucionario?

Sr. Presidente: alem do artigo 72.° da Carta, já aqui citado e que todos nós conhecemos, ha outro que o completa na sua interpretação. É o artigo 105.° que diz que nem a propria ordem vocal ou escripta do Chefe do Estado salva os Ministros das responsabilidades de todos os actos praticados por elles.

A Camara pode julgar-se no direito de discutir as cartas de El-Rei; mas, a meu juizo, essa discussão é inconvenientissima. (Apoiados).

A pessoa do Rei nos seus actos pode ser discutida no Parlamento; nós podemos discutir os actos 'do poder real, e por elles respondem os Ministros, responde o Governo.

(Apoiado do Sr. Presidente do Conselho).

Não pode haver duvida a este respeito. É um direito das Côrtes, a que corresponde um dever do Governo.

Esta é a doutrina geral, incontroversa, que está na lei, e que é da propria natureza do regimen politico em que vivemos.

Vejamos agora o caso concreto da discussão, sobre as cartas de El-Rei.

Pergunta V. Exa. se a Camara tem o direito de continuar n'esse debate?

Eu respondo que tem, visto que essas cartas aqui foram trazidas pelo Governo, foram publicadas, e teem sido pelo Governo largamente discutidas nas duas casas do Parlamento. Hoje são documentos publicos, documentos parlamentares, pelos quaes o Governo tem a responsabilidade.

Pergunta-me, porem, V. Exa. se eu julgo conveniente que essa discussão tenha logar?

Respondo que a não julgo conveniente aos interesses do prestigio da instituição monarchica, como a não julguei nunca, e teria votado contra a publicação d'esses documentos, se houvera assistido á sessão em que tal assumpto foi ventilado. Falo com absoluta convicção e com inteira sinceridade, como é sempre meu costume, tendo somente em vista os superiores interesses publicos do Estado.

Foi erro deploravel esse. Tanto maior quanto é certo ter constituido um direito para os que quizerem discutir agora, visto que, a discussão já foi permittida, e a lei tem de ser igual para todos.

É louvavel a iniciativa de V. Exa., pela intenção; mas vem tardiamente, e estabelece desigualdades, que são injustiças.

Desde que o Governo discutiu as cartas de El-Rei, d'ellas quiz tirar largos e profundos effeitos politicos, como impedir, em nome da lei, que os Pares e Deputados as apreciem tambem?

Peço licença para dizer a V. Exa., com leal franqueza, que a questão foi mal posta, e que foi uma infeliz questão para o prestigio das instituições, embora pudesse ter tido vantagens de momento para o Governo; sé é que as teve.

Abstive-me, pois, de votar, porque não podia votar sobre um artigo constitucional, que só Côrtes Constituintes podem alterar.

Entendo que o direito estabelecido é um, e que a conveniencia publica é diversa. Por isso eu não teria deixado publicar taes documentos, e votaria, se fosse presente, como o meu amigo e Digno Par Sr. Francisco Machado.

Se V. Exa., porem, tivesse tão somente consultado a Camara sobre se julgava ou não conveniente que se proseguisse n'este debate, eu fazendo as resalvas devidas, que deixo feitas, responderia, logo, que julgava o debate inconvenientissimo, e applaudiria, até, vivamente V. Exa., pelo seu procedimento, lamentando apenas que não tivesse sido ha mais tempo. Uma cousa é o direito, e outra é a conveniencia. Infelizmente muitas vezes estão collidindo.

Voses: - Mas a esse respeito não houve consulta.

O Orador: - Não haveria, mas eu é que quiz formular as diversas hypotheses, para explicação da minha attitude.

Mostra-se assim que a Camara reconsiderou, e, indirectamente, censura o que se tem feito a este respeito, tanto por ella propria, como por parte do Governo.

Mais vale tarde que nunca.

Esta censura ao que sobre o assumpto se tem feito, e que a votação da Camara bem claramente evidenciou agora, é que é preciso bem pôr em evidencia.

Hoje entendeu-se, afinal, que era inconveniente o que ainda hontem se julgou de grande utilidade e vantagem publica.

Vozes: - A censura deve ser dirigida ao Governo e só a elle.

O Orador: - Notem V. Exas. que eu não estou fazendo um discurso de ataque ao Governo; estou expondo as minhas declarações de voto, para mostrar sob que ponto de vista encaro este assumpto, que julgo importantissimo, sobretudo pelas consequencias que derivam d'elle, logica, politica e legalmente.

Posto isto eu reservo me para a resposta ao discurso da Coroa: V. Exa. a meu pedido já me inscreveu. E então explanarei desenvolvidamente o que penso sobre este grave momento historico que atravessamos; e esta phrase é já tão ouvida em conversas particulares e publicas, na imprensa e em toda a parte onde se fala e discutem os acontecimentos politicos, que mostra bem a forma como a situação politica prende e preoccupa as attenções geraes.

Creio que tenho dito o bastante para justificar o meu voto. Limito, pois, por aqui as minhas considerações.

O Sr. José Dias Ferreira: - Pedi a palavra para dar á Camara explicação do meu voto.

Foi a primeira vez, depois de quarenta e seis annos de Parlamento, que me occorreu a ideia de não votar. Mas não será agora, no ultimo quartel da vida, que me desviarei da linha de conducta que todo o homem publico deve seguir.

Tenho muitas vezes visto sair da sala do Parlamento a opposição para não votar. Não censuro nos outros esta maneira de proceder.

Mas submetto-me sempre ás disposições do Regimento.

Nem saio da sala, nem deixo de votar.

Pedi a palavra, pois, para declarar que votei contra a proposta do Sr. Presidente, porque não está nas attribuições da Camara votá-la. A Camara não é competente para discutir a pessoa do Rei, como competente não é para discutir qualquer outra pessoa. Votei contra a proposta do Sr. Presidente, que se referia ao Chefe do Estado, como votaria contra outra proposta que nas

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SESSÃO N.°. 19 DE 9 DE NOVEMBRO DE 1906 253

mesmas condições se referisse a qualquer outra pessoa.

Mas no nosso caso voto contra por maioria de razões.

Supponhamos que a Camara, em logar de ter votado como votou, votava em sentido contrario.

Importaria isso, nada mais e nada menos, que o inicio da proclamação da republica na Camara dos Pares.

Ora a proclamação da republica, se a quizerem fazer nas Camaras, teem de seguir os processos regulares, marcados na Carta.

O unico meio que se me offereceu para significar o meu modo de ver contrario ao procedimento da camara foi o de votar contra a proposta de V. Exa., e se, cem votos tivesse, cem vezes votaria contra essa proposta.

Se eu fosse Ministro não consentiria que as cartas do Rei viessem á Camara, e fossem, como foram, publicadas, nem consentiria na publicação de cartas que tenho do Rei - quaesquer que fossem as instancias d'este para tal fim -
respectivas a actos da minha responsabilidade, porque essa responsabilidade era minha e não do Rei.

Repito, Sr. Presidente, votei contra a proposta, porque a camara não tem attribuições para auctorizar ou não auctorizar a discussão da pessoa do Rei e muito menos para proclamar a republica, a não ser pelos meios e processos legaes.

(O Digno Par não reviu}.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Eu podia deixar de falar. Ao paiz deve ser indifferente saber a razão por que não votei; calculo que terá a esse respeito mediano interesse; mas se isso não interessa ao paiz, devo uma explicação á minha consciencia e sobretudo a este teimoso habito da minha vida - de não querer para mim uma situação equivoca.

Eu abstive-me de votar, porque por todas as razões invocadas aqui pelos oradores que me teem precedido, entendo que V. Exa. não podia fazer á camara semelhante pergunta, porquanto isso offende as leis e os sentimentos da Camara; e desde que eu pensava assim, senti que, por parte de V. Exa., embora por motivos que eu muito acato e que não quero mesmo explicar, se tenha feito esse appello á Camara, a que por forma nenhuma me queria associar. Mas não foi só por isso que eu não votei.

Sou monarchico e n'essa fé me mantenho, e por isso mesmo entendo que, votando a camara que a pessoa do Rei era discutivel praticaria um acto revolucionario contra o facto fundamental das nossas instituições.

Se eu fosse republicano, aqui n'uma camara monarchica, tambem não votava, para não offender os sentimentos dos meus collegas, mesmo porque, para fazer republica n'este paiz, não é precisa a camara dos Pares basta o Governo e os seus concorrentes nas caçadas politicas.

Com relação ás cartas de El-Rei o meu modo de pensar é este: desejo que fique consignado que lamentei muitissimo que esses documentos viessem ao Parlamento; estranhei profundamente que fossem aqui trazidos, não por um acto expresso da vontade Real, mas por uma suggestão do Sr. Presidente do Conselho; e estranhei-o tanto mais quanto tive o prazer de ouvir á larga explicação que S. Exa., na outra casa do Parlamento, deu ao sentido de uma d'essas cartas, que alçapremou até á categoria de uma nova magna carta e de carta de alforria, de onde se vê que nós até áquella data eramos escravos.

Ponha V. Exa. e ponha a Camara de parte todas as razões que eu tenha para não querer por forma nenhuma deixar de discutir as cartas. Basta, Sr. Presidente, que eu me lembre de que, por detrás dos actos do Governo, por detrás dos actos de El-Rei, ha uma cousa que me fere profundamente e que faz com que as cartas tenham para mim o aspecto de um impiedoso attentado contra quem politicamente já não existia e me pareçam como uma deslealdade posthuma para um Ministerio que tinha passado e que tão relevantes serviços estava prestando.

Era esse o intuito?

Pois se assim era, discutam-se as cartas do Rei.

O Sr. Francisco José Machado: - Sr. Presidente, preciso tambem declarar á Camara a razão do meu voto.

Votei que se não discutisse a pessoa de El-Rei, nem os seus actos, porque via que, não obstante a Carta Constitucional, que os Dignos Pares da minoria estão constantemente a invocar, elles constantemente discutiam a pessoa de El-Rei, o que eu reputo de todo o ponto inconveniente. (Apoiados).

Diz a Carta Constitucional no artigo 72.°:

"A pessoa do Rei é inviolavel e sagrada. Elle não está sujeito a responsabilidade alguma".

E o artigo l05.°:

"Não salva aos Ministros da responsabilidade a ordem do Rei vocal ou por escripto".

Portanto, o Rei não tem responsabilidade alguma; quem responde, são os Ministros.

Foi por isto, Sr. Presidente, que eu votei que se não permittisse discutir mais a pessoa do Rei.

É o que está na Carta Constitucional, tão invocada quando convem por aquelles que não a cumpriam, e que eram os primeiros a não a acatar, discutindo a pessoa de El-Rei, que não pode ser discutida, e sustentando até que a Sua Majestade não assistia o direito de receber em sua casa quem quizesse. Foi por estes motivos que se tornou preciso suscitar uma votação da Camara para se fazer cumpriria disposição constitucional que se não tem cumprido. (Apoiados).

Como Par do Reino, como cidadão portuguez amante das instituições, não podia conformar-me com o que se estava passando. (Apoiados).

Falo por mim. Não quero fazer censuras a ninguem. Cada um responde pelos seus actos. Eu sustento a minha opinião com a hombridade de que sempre tenho dado provas.

Disse o meu amigo que outr'ora foi, o Sr. Alpoim, que era uma cobardia o que nós faziamos. E não será cobardia discutir a pessoa de El-Rei, que não está aqui presente e não pode defender-se?

Com a cobardia que o Digno Par quer attribuir-me, posso eu bem, porque estou dentro da Carta Constitucional, estou dentro da lei e os Dignos Pares estavam fora d'ella.

Sobre as cartas de El-Rei está perfeitamente expressa a minha opinião, que ainda hoje sustento; e embora me encontrasse absolutamente só, nem por isso estava arrependido de ter procedido como procedi.

Vi logo o perigo de serem lidas no Parlamento cartas que El-Rei escreveu ao seu Presidente do Conselho, ou a qualquer outra pessoa, e pedi á Camara que se pronunciasse a este respeito.

Eu achava de gravissimo inconveniente a sua apresentação e a sua leitura.

A Camara resolveu o contrario, acato a sua resolução como me cumpre, mas isso não fez mudar a minha opinião, que mantenho cada vez mais arreigada.

Se o Governo teve culpa de serem lidas as cartas, a culpa primordial foi do Sr. Hintze Ribeiro, que devia impedir que taes cartas viessem a publico.

Os Srs. Pimentel Pinto e José de Azevedo Castello Branco: - O Sr. Hintze não está cá; não pode ser discutido.

O Orador: - Mas estão os seus collegas, que podem responder-me.

O Sr. José de Azevedo: - Em má hora vem o Digno Par fazer retaliações partidarias.

O Orador: - Como? Retaliações!

O Sr. Presidente: - Peço ordem.

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254 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Orador: - O Digno Par está enganado, eu não proferi palavras que pudessem melindrar os Dignos Pares; apenas tirei a conclusão do facto praticado n'esta casa pelo Sr. Hintze Ribeiro, facto que eu estou no direito de apreciar e discutir.

Nunca se devia dizer que havia cartas de El-Rei, nem quaes eram as cartas que se deviam ler.

Sr. Presidente: pedi a palavra para explicar o meu voto. Entendo que não ha direito nenhum para discutir a pessoa do Rei. O Governo é quem responde pelos seus actos.

É esta a minha opinião e V. Exa., Sr. Presidente, fez bem em suscitar a votação para saber como ha de proceder.

Tenho dito.

O Sr. Sebastião Baracho: - A mesa está completamente revolucionaria e anarchica. O Sr. Presidente, permitta-me que lhe diga, acha-se em plena revolução, submettendo á sancção da Camara uma moção anti-constitucional.

De entre os revolucionarios da maioria d'esta Camara destaca-se o Digno Par, Sr. Francisco Machado...

O Sr. Francisco Machado: - Eu, revolucionario?

O Orador: - Pois que outra cousa é S. Exa., quando sustenta e defende uma proposta do mais retinto inconstitucionalismo?

O Sr. Francisco Machado: - Estou no meu direito.

O Orador: - E eu no meu de avaliar a sua attitude.

O Sr. Francisco Machado: - Eu não sou revolucionario. Só os Dignos Pares é que teem o direito de falar?

O Orador: - Tem razão. V. Exa. possue todas as qualidades para o não ser; mas parece-o !... E se alguma duvida pode haver a tal respeito, vou ler á Camara os textos legaes. Vejamos o que dizem os artigos 72.° e 105.° da Carta Constitucional:

Art. 72.° A pessoa do Rei é inviolavel e sagrada. Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.

Art. 105.° Não salva aos Ministros da responsabilidade a ordem do Rei, vocal ou por escripto.

Por outro lado, a lei de 3 de abril de 1896 estabelece no seu artigo 6.°:

O Rei exerce o poder moderador com a responsabilidade dos seus Ministros.

Temos, portanto, que os actos da Corôa estão todos sujeitos a discussão, por elles respondendo os Ministros.

Ora é isto o que aqui se tem feito. Tem-se discutido os actos do Rei, e não a sua pessoa.

Affirmar o contrario é facil. Mas citem se factos comprovativos.

Por muito respeito que tenha, e tenho, pelo Sr. Presidente, a cujo elevado caracter presto homenagem de longa data, nem por isso deixo de reconhecer que S. Exa., ultra-revolucionariamente se tem conduzido, desde que se entrou hoje na ordem do dia. A sua proposta, especialmente, é um modelo no genero.

Mas estamos effectivamente em periodo revolucionario?

O coherente é andar,- é caminhar.

Isto, porém, não obsta a que eu entenda que submetter á alteração synthetica da Camara doutrina constitucional, que só por processos muito differentes pode ser modificada, é de arrojada iniciativa, e de illegalidade indiscutivel.

Foi por isso que votei pela forma por que o fiz, e que ratifico pela seguinte declaração que mando para a mesa:

Declaro que votei por que sejam discutidas as cartas reaes, em conformidade com o que tem succedido até hoje na outra e n'esta casa do Parlamento.

Acerca d'este assumpto é indispensavel ouvir a opinião do Sr. Presidente do Conselho. Vieram as cartas á Camara para serem ou não discutidas?

No meu entender o melhor é não as escrever. Mas escriptas ellas, e circulando, concernentemente ao seu conteudo, rumores diversos, o mais conveniente e acertado é publicá-las e discuti-las, sem embaraços, sem as transformar em fruto prohibido. N'essas condições, o assumpto facilmente se esgota.

Mas incutir-lhes relevo, como succedeu agora, sem lhes faltar o baptismo revolucionario, é torná-las curiosas: é dar-lhes vida para longo tempo.

Em todo o caso, o que parece arriscado é ser a Camara Alta quem esteja fornecendo os frisantes exemplos em que hoje se aventurou, de patente illegalidade, no caminho da revolução.

(O Digno Par não reviu):

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Presidente do Conselho pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão, e como a sessão acaba ás 5 e meia horas, não sei se S. Exa. quer usar desde já da palavra.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Peço a V. Exa. que conceda a palavra aos Dignos Pares que ainda estiverem inscritos e depois me inscreva para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. José de Alpoim: - Eu tinha pedido a palavra.

O Sr. Presidente: - V. Exa. já usou da palavra para explicação de voto, já estão dadas todas as explicações; portanto vou passar á ordem do dia. Continua com a palavra o Digno Par o Sr. João Arroyo.

O Sr. José de Alpoim: - Então desisto da palavra.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Corôa

O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente : ha quarenta e oito horas dizia eu, neste mesmo logar, que os acontecimentos que se desenrolavam no horizonte politico do nosso paiz eram a revolução.

Referia-me aos que tinham occorrido fora d'esta casa.

Hoje os acontecimentos que se deram aqui dentro foram não só a confirmação d'aquelles, mas ainda a repercussão de processos revolucionarios tão intensos, que para encontrar similares é preciso folhear os annaes da Convenção Franceza.

Regimento, Carta Constitucional, a lógica, a ordem, o bom senso, tudo foi calcado aos pés.

Violaram-se os artigos do codigo fundamental do paiz. Pediu-se a palavra sobre o modo de propor, pediu-se a palavra para um requerimento, V. Exa. não a concedeu, os artigos do Regimento foram esquecidos, e n'estas minhas palavras não vae o mais pequeno ataque pessoal a V. Exa., mas o estado revolucionario do Parlamento foi posto em tal evidencia, que julgo que a sessão de hoje deve ficar historica nos annaes parlamentares de Portugal.

E quero desde já voltar-me para o Sr. Presidente do Conselho a perguntar-lhe se S. Exa. fica ainda n'aquelle logar. (Indicando as cadeiras do Governo).

Volto-me para o Sr. João Franco a perguntar-lhe se S. Exa. concorda em que não se fale nas cartas de El-Rei, S. Exa., que as discutiu em variados pontos com o Sr. Hintze Ribeiro; S. Exa., que relativamente a essas cartas se dirigiu a Sua Majestade El-Rei; S. Exa., que as trouxe ao Parlamento; que tratou d'ellas aqui; que declarou, em resposta ao Sr. Conselheiro Julio de Vilhena, que tinha aconselhado a El-Rei a sua publicação, praticando assim um acto da iniciativa e da responsabilidade do Governo.

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E hoje, hoje S. Exa. assiste impassivel durante horas a um debate d'esta natureza, a esta conflagrarão parlamentar, e não se levanta para defender-se e justificar-se, para revindicar a responsabilidade dos seus actos perante a Camara e o Paiz!

E diz S. Exa., e repete a cada momento, que emquanto elle, João Franco, estiver nos Conselhos da Coroa, a discussão ha de ser livre!

É para o Governo que eu me volto a perguntar-lhe se ha maior falta de logica, e se é possivel que esta reviravolta feita em 48 horas seja compativel com a alta figura politica do nobre Presidente do Conselho; com o seu decoro pessoal e politico; com as suas responsabilidades de estadista, que lhe impõem a obrigação de ou ser coherente ou de se lançar fora da Presidencia do Conselho.

Pois que! S. Exa. fica?

Mas ha de ficar amarrado a uma flagrante incoherencia, por ter dito hoje o contrario do que disse hontem sobre um assumpto que respeita aos mais altos interesses do Estado.

Pois que! S. Exa. fica?

Mas ha de ficar amarrado a um facto historico, que até hoje não tinha precedentes em Portugal; porque é mais do que uma contradição individual, é uma affronta a direitos collectivos.

O Sr. Presidente do Conselho trouxe ao Parlamento um documento authentico, analysou-o, discutiu-o, e não to lera que os Pares do Reino a discutam!

Pois que! Nós, os representantes da Nação, somos aqui espesinhados nos nossos direitos parlamentares.

Sr. Presidente! temos que recorrer áquelle respeito pessoal que V. Exa. nos inspira, para que a atmosphera do Parlamento não seja turvada pela menor nuvem de incorrecção, pois que nós, os Pares do Reino, somos obrigados a ver a Camara votar uma cousa contra a logica, uma cousa que a Carta Constitucional não permitte, uma cousa que é contraria á razão e ás leis do paiz.

Pois que! Nós, os representantes da Nação, havemos de, n'esta Camara, estar sujeitos á maior tortura que ainda não tinha sido imposta á nossa dignidade politica e pessoal, e não havemos, cheios de justa indignação, perguntar se pode haver um Presidente de Conselho, um chefe de situação politica, que permaneça n'aquelle logar rindo-se, ou podendo rir-se d'este sacrificio com que são vexados os seus companheiros de lucta?

Sr. Presidente: o dever dos Governos é governar, mas ha direitos estabelecidos á sombra da lei, direitos legitimos e sagrados, e o Governo, para se aguentar no poder, não pode deixar de reconhecê-los e respeitá-los, não pode trazer a revolução ao Parlamento, como hoje fez; o Governo, depois de ter praticado uma tal violencia e violação, não pode permanecer ali.

Ha dias, na Sociedade de Geographia, o Sr. Presidente do Conselho poz na bocca de El-Rei, ou pelo menos tolerou que Sua Majestade dissesse, que era preciso implantar uma administração seria e honesta.

O Sr. Presidente do Conselho é o unico responsavel por taes palavras.

Foram ellas uma clara accusação contra os partidos que teem estado no poder.

E é o chefe de um d'esses partidos assim condemnados, que, dando apoio politico ao Sr. João Franco, o ampara para que melhor possa por elle ser accusado, e vota, com o partido que dirige, que se não peça? ao Governo perante o Parlamento a responsabilidade de actos e palavras que para nós não são de mais ninguem senão do Governo!

Sr. Presidente: este procedimento revolta-se contra as tradições historicas gloriosamente legadas ao partido progressista pelo Marquez de Sá, Passos Manoel, Anselmo Braamcamp e outros grandes vultos que tão memoravelmente militaram n'esse partido.

Agora, os progressistas esquecem as suas nobres tradições e os seus grandes homens e, espesinhando a Carta Constitucional, recompensam por esse modo a offensa que foi dirigida aos seus proprios estadistas.

Vamos correndo a roda.

Os regeneradores liberaes, com o seu verbo inflammado, apregoam uma nova era de liberdade e honestidade politica e eu vejo que, na primeira occasião em que essas promessas são chamadas a uma effectivação parlamentar; no primeiro momento em que é preciso demonstrar que, acima de tudo, esses homens só obedecem aos principios liberaes; vejo que logo n'esse momento elles se esquecem do seu programma e das suas promessas, e vêem, como hoje, dar um golpe de morte nos legitimos direitos do Parlamento!

Sr. Presidente: o peor é o que d'aqui resultou, o que d'ahi saiu para a luz publica.

Tanto os monarchicos como os republicanos são susceptiveis de commetter erros e abusos que contrariem as necessidades do paiz.

Mas o que hoje se fez não é um erro, não é um abuso, é um crime, que assume as proporções de um verdadeiro attentado revolucionario.

Nós, os que estamos habituados ás luctas de todos os dias, sabemos que, muitas vezes, se emprega a palavra- liberdade - sem lhe dar todo o alto significado que ella tem; mas a liberdade é, nem pode deixar de ser perante uma assembleia legislativa, um principio augusto que está enraizado no espirito dos povos e que é preciso respeitar e defender.

Desde muito tempo que o povo portuguez se habituou a pugnar pela inteireza dos direitos individuaes.

Essa grande anciã de liberdade esboça-se já na epoca affonsina; accentua-se nas Côrtes de Coimbra que deram o throno de Portugal ao Mestre de Aviz; e explude violentamente n'esse grande movimento patriotico de 1640.

Foi ainda um grito de liberdade que soltaram os vintistas do Porto.

Foi tambem pugnando pela liberdade que se immortalizaram os Duques de Saldanha e da Terceira.

Foi querendo e falando em pró da liberdade que se enalteceram escriptores e parlamentares illustres como Herculano, Fontes, Chagas e outros.

Sr. Presidente: se este regimen, que reputo anormalissimo e revolucionario, não tem de modificar-se, se insistirmos n'este pessimo systema de pôr de parte o Regimento, as leis, e a constituição do paiz, a mim só me restará appellar para a patria, e se ella reconhecer que semelhante regimen de arbitrio não tem modificação possivel ou, sequer, alguma attenuação, podem estar certos de que, acima da lucta dos partidos, acima da vontade de quem quer que seja, os dias da dynastia de Bragança estão contados.

Tenho dito.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: - Está quasi a dar a hora. Mas como o Sr. Presidente do Conselho tinha pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão, consulto a Camara...

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Não pedi até agora a palavra, porque entendi que não me assistia o direito de o fazer.

Não tendo a honra de ser membro d'esta Camara, não tendo por isso tomado parte na votação que ha pouco se realizou, e havendo alguns Dignos Pares usado da palavra para explicação do seu voto, esperei tranquilamente que se entrasse na ordem do dia, e esperei ainda que o Digno Par Sr. Arroyo concluisse o seu discurso.

V. Exa., Sr. Presidente, sabe que eu não tinha meio algum, legal e regular, de usar da palavra e intervir no debate em que a Camara esteve empenhada; mas as praxes d'esta casa e o espirito de justiça dos seus illustres

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membros permittirá de certo que eu fale agora para me defender e allegar as razões da justiça que me cabe.

Foi para isto que pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão.

Quando eu ha pouco ouvi alguns Dignos Pares, a não ser o Sr. Pimentel Pinto, que foi o primeiro a usar da palavra para explicações, pareceu-me que S. Exas. não tinham ouvido bem as palavras de V. Exa., Sr. Presidente, quando da primeira vez consultou a Camara.

Não se perguntava se a pessoa do Rei podia ser discutida, o que evidentemente a Carta não permitte.

A consulta versou - como o proprio Sr. Pimentel Pinto accentuara - sobre se podiam discutir-se os seus actos e as suas palavras e, portanto, as suas cartas.

Foi isso o que eu ouvi, foi isso o que ouviu o Digno Par Sr. Pimentel Pinto e foi isso o que certamente ouviram muitos membros d'esta Camara. (Apoiados).

Se eu isso não tivesse ouvido, se simplesmente tivesse ouvido ou entendido o que por exemplo julgou ouvir o Digno Par Sr. Dias Ferreira, que disse que a Presidencia, na sua consulta, admittiu a possibilidade de ser discutida a Carta Constitucional, não seria eu, nem o Governo de que sou chefe, que teria assistido á continuação da sessão; retirar-nos-hiamos do Parlamento onde se tinha tomado uma resolução, que não poderiamos acompanhar com a nossa presença, nem tolerar sem uma demonstração de protesto da nossa parte.

Evidentemente, Sr. Presidente, perguntar ás Camaras dos Dignos Pares ou dos Senhores Deputados, se podiam discutir a pessoa do Rei, seria uma verdadeira illegalidade, uma flagrante infracção constitucional.

Se V. Exa., Sr. Presidente, não tivesse procedido de uma maneira legitima,' se valendo-se da sua esphera de acção - o que não seria capaz de praticar, pois lhe faço a devida justiça como a Camara toda (Apoiados)-houvesse desacatado a Carta Constitucional e o Regimento da Camara, então é que se podia affirmar que tinha havido um movimento revolucionario no Parlamento e nós retirar-nos-hiamos, porque o poder executivo é responsavel pelo cumprimento das leis vigentes.

Eu, conservando-me .aqui com os meus collegas, mostrava estar completamente de accordo com a consulta de V. Exa. nos termos em que foi feita; entendi que no Parlamento podia ser posta esta questão, desde o momento em que ha um mez se tem levantado constantemente incidentes que dão pretexto para se discutir os actos officiaes e até particulares da vida de El-Rei.

Eu podia, como chefe do Governo, assistir a quaesquer explicações ou aclarações que n'um dado momento fossem precisas a esse respeito.

Ha liberdade e ha tolerancia.

Entendo que a liberdade e a tolerancia podem ser permittidas no Parlamento, na rua e na praça publica, desde que não sejam aproveitadas em excesso, tornando-se em licença e contribuindo para o desprestigio das instituições representativas.

Sr. Presidente: foi por isso que eu aqui me conservei desde a consulta de V. Exa. até á votação que sobre ella recaiu; e pena tenho eu de não ter voto n'esta Camara, como tem o meu collega da Marinha, para ter approvado o que V. Exa. propoz.

Não esteja V. Exa., Sr. Presidente, arrependido do seu proceder.

O Sr. José de Azevedo, que é incontestavelmente uma das vozes mais eloquentes do Parlamento, esteve em erro quando dirigiu censuras á Presidencia.

V. Exa. procedeu com toda a attenção e prudencia, e não por arbitrio precipitado e descabido, quando propoz a sua consulta á resolução da Camara.

O Digno Par Sr. José de Azevedo fez à V. Exa. uma referencia immerecida, pois que V. Exa., na maneira como procedeu, mais uma vez deu provas dos seus firmes principies liberaes, da sua delicadeza e coherencia, quando bem poderia ter deixado de proceder assim. (Apoiados).

Não tenho, pois, motivos senão para applaudir V. Exa., e a mim, por ter assistido a esta questão, e apoiado o procedimento de V. Exa.

Sr. Presidente: discutida e apreciada esta primeira parte, vou responder ás accusações que me foram feitas.

Passemos a outro ponto, a que largamente se referiram, calorosa e vehementemente, todos os Dignos Pares que usaram da palavra para explicação do seu voto.

O Digno Par Sr. João Arrojo, no seu eloquente discurso, como todos, hoje proferido n'esta Camara, notou que havia incoherencia por parte do Governo, quanto a ter consentido que as Cartas de El-Rei aqui viessem, e emittido agora o seu voto em sentido contrario á. discussão.

Sr. Presidente: já disse, e era desnecessario repeti-lo, que foi sob minha inteira responsabilidade, como chefe do Governo, que as cartas de El-Rei vieram ao Parlamento, para aqui serem lidas.

Foi o Digno Par Sr. João Arroyo quem reclamou a sua leitura.

Toda a Camara e o Paiz, que tem acompanhado com interesse esta questão, o que é para mim bastante lisonjeiro, se lembram em que circumstancias foi que o mesmo Digno Par pediu a leitura d'essas cartas.

Todos se recordam, e teem pleno conhecimento, do que eu então disse; todos por certo se recordam da maneira como respondi aos discursos que aqui foram pronunciados.

Todos teem pleno conhecimento dos factos occorridos n'este paiz durante mezes e mezes a partir da queda do Ministerio anterior até o momento de se abrir esta sessão legislativa; todos teem pleno conhecimento da forma e dos motivos de ordem politica e constitucional que deram em terra com a situação passada, e que fizeram com que eu e os meus amigos fossemos chamados aos conselhos da Corôa; do modo como decorreu a eleição de abril, e dos acontecimentos de 4 de maio; finalmente, da maneira como se pretendeu por todos os meios, ardilosamente, cavilosamente, envolver o nome do Augusto Chefe do Estado em successos absolutamente ministeriaes, com que Elle nada tinha, nem politicamente, nem materialmente.

Sr. Presidente: foi n'essa occasião, e antes de eu ter a honra de occupar este logar, que eu disse, n'uma reunião publica, com a inteira sinceridade com que sempre falo, com a inteira lealdade com que sempre procedo, foi então que eu disse, repito, que El-Rei estava sendo o homem mais discutido do seu paiz.

Pois, Sr. Presidente, desde que era esse um facto verdadeiro e positivo, todos os dias e a todas as horas repetido, eu entendi, e applaudo-me d'isso, que era indispensavel que se procedesse de modo a fazer toda a luz sobre os acontecimentos, desfazendo assim prolongados e reiterados equivocos e enredos, que eram motivo de desgosto e de descontentamento para o paiz de que El-Rei é chefe.

Cada vez me applaudo mais d'isso, repito; e se alguma duvida eu pudesse ter sobre a absoluta opportunidade com que procedi, do serviço que prestei ao paiz e á Corôa, dando ensejo a que fossem conhecidos e apreciados os acontecimentos á luz da verdade, essa duvida, se eu a tivesse, desappareceria completamente em face do que desde então se tem passado no Parlamento e fora d'elle, nas manifestações da opinião publica, e nos factos bem caracteristicamente demonstrativos da confiança progressiva que o Governo tem continuado a merecer do paiz, provando-se assim, por uma forma irrefutavel e indiscutivel, que eu fiz aquillo que era do meu dever fazer. (Muitos e repetidos apoiados).

Isto demonstra mais uma vez que nunca ninguem se deve arrepender de luctar pela justiça e pela verdade, sejam quaes forem as circumstancias que

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se apresentem, sejam quaes forem as opiniões d'aquelles a quem essa justiça tenha que ser applicada.

Não havia precedentes?

Não, não os havia.

Não havia precedentes que tivessem tornado necessario um procedimento d'essa natureza.

Mas os acontecimentos encadeiam-se uns nos outros, e para se avaliar da logica, da verdade e da importancia de um facto, é necessario confrontá-lo e compará-lo com os acontecimentos que o precederam, para verificar se alguns houve que lhe dessem origem e existencia.

Uma voz: V. Exa. não está na ordem do dia.

0 Orador: - Eu estou me defendendo e justificando.

Fui accusado da responsabilidade que tomei precipua; - e aqui é que tem logar a "precipua". (Riso).

O Sr. Pimentel Pinto: - Aqui e sempre tem occasião.

O Orador: - Perfeitamente.

V. Exas. comprehendem que é no legitimo uso de defesa, e até em respeito á Camara, que eu estou respondendo ás accusações que me foram feitas.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Nós já pedimos a palavra para antes de se encerrar a sessão.

O Orador: - Que V. Exas. usem da palavra ou não, com isso é que eu nada tenho.

Mas evidentemente tenho o direito de me defender justificando o meu procedimento, sobre o qual incidiram todas as accusações e censuras que se fizeram aqui hoje.

Pois que, Sr. Presidente! Assisto durante mais de hora e meia a accusações todas ellas convergentes sobre as responsabilidades do Governo por ter suggerido a apresentação e publicação das cartas do Chefe do Estado, e não hei de ter o direito de dizer quaes os motivos que determinaram o meu procedimento? (Apoiados).

Evidentemente, bastava o facto não ter precedentes para assumir um aspecto importante e melindroso, que sou o primeiro a reconhecer; mas é preciso ter bem presentes quaes os motivos, quaes as circumstancias que deram razão a esse facto-que o tornaram necessario para desfazer uma lenda.

Parece que n'esta casa do Parlamento-já não é a primeira vez que o digo- os Dignos Pares entendem que o Governo devia vir para aqui ouvir tudo o que S. Exas. quizessem dizer fazendo-lhe as maiores accusações, e que depois o Governo devia pedir a palavra, sim, mas apenas para responder: "Teem muita razão; muito obrigado; e vou-me embora". (Riso).

Não, Sr. Presidente, hei de sempre dar a razão, o motivo, por que procedi e como posso proceder, pois não procedo nunca de animo leve, mas sim o faço com o maior e mais sincero desejo de acertar.

Pode o meu procedimento não ter approvação, mas a minha boa intenção, a minha boa vontade ha de ficar bem clara e manifesta; o que já é para mim uma vantagem, visto que demonstrarei haver empregado todos os meios de colher algum resultado proficuo para o bem estar da nação.

Sr. Presidente: vieram as cartas, vieram pelos motivos que expuz, e parecia que ellas deviam ser recebidas com satisfação por toda a Camara, se o que realmente se desejava saber era o que pensava o Augusto Chefe do Estado relativamente á crise de maio. (Apoiados).

Mas tem-se visto que, na verdade, apenas se queria angariar elementos para uma discussão politica, interminavel, que não só envolva as responsabilidades e actos do Governo, mas tambem o Chefe do Estado em todas as manifestações da sua vida particular e da sua vida publica, em tudo o que ha de mais intangivel e inviolavel.

V. Exa. comprehende perfeitamente que eu não posso deixar de protestar contra essa campanha e de empregar para a repellir todos os meios, como empreguei lealmente para conseguir a publicação das cartas, no interesse da verdade, da justiça e da evidencia.

O que importa é que o paiz, que acompanha hoje com verdadeiro interesse o que se passa nas duas casas do Parlamento, tenha ensejo, motivo e elementos para formar o seu juizo sobre o procedimento de cada um e reconhecer quem é que trabalha e pugna pela regeneração da patria (Apoiados); quem, pelo contrario, está constante e ininterruptamente procurando pretexto para desnortear as questões, qual d'ellas mais complicada, com elementos que por todos os motivos devem ser estranhos ás funcções parlamentares. (Muitos apoiados).

Sr. Presidente: os Dignos Pares hão de permittir que lhes diga que não estão simplesmente dentro d'estas paredes, nem apenas sujeitos á critica e apreciação dos seus collegas e dos espectadores; fora d'esta casa ha milhões de portugueses que acompanham com anciedade, n'este momento que é historico- por isso e por mais nada - a tentativa que se está fazendo da regeneração politica e administrativa do paiz, e que vê que, ao passo que o Governo tem sido de uma liberdade e tolerancia impeccavel e inexcedivel, ao passo que o vê apresentar-se no Parlamento proferindo palavras e fazendo afirmações, que mesmo pelos Dignos Pares são consideradas de revolucionarias, ao passo que vê que o Governo tem procurado ser em todos os seus actos legalista e escrupuloso nos melhores principies de administração; vê tambem que V. Exas., não achando motivo, nem para discutir, nem para me atacar, apenas insistem no pretexto de envolver na discussão quem não pode ser discutido ou de me attribuir a mina as responsabilidades de 4 de maio. (Muitos apoiados).

Sr. Presidente: o paiz vê que o Governo, alem de tolerante, liberal e economico, se' apressou a depositar sobre a mesa da Camara dos Senhores Deputados propostas de lei que, podem ser imperfeitas, incompletas, defeituosas, mas que versam assumptos dos mais importantes para o paiz, reclamados pela opinião publica; que d'essas propostas não faz questão politica e que sinceramente appella para a cooperação de todos os membros do Parlamento.

Depois de apreciadas as propostas do Governo, o paiz julgará entre uns e outros e saberá fazer justiça a todos, saberá corresponder ao appello a que o Sr. João Arroyo se referiu no seu discurso de hoje, quando procurou invocar a patria da altura das suas responsabilidades, porque o Digno Par tambem as tem.

O discurso por S. Exa. hoje proferido foi perfeitamente compativel não só com o Parlamento e com o Regimento por que elle se regula, mas com o talento e situação do Digno Par.

Começou esse discurso por dizer: Volto-me para o Governo e para o Sr. Presidente do Conselho.

Effectivamente é com o Governo que a discussão deve travar-se (Apoiados), não é com quem não está nem pode estar aqui. (Apoiados).

O discurso de S. Exa. na sessão de hoje foi verdadeiramente tribunicio, porventura mais proprio da Camara dos Deputados do que da Camara dos Dignos Pares; mas S. Exa. não tem culpa de que o seu temperamento o atraiçoe como a mim succede quando muitas vezes a minha palavra é porventura mais calorosa do que conviria ser na minha alta posição.

Terminou o Digno Par o seu discurso appellando para a Patria, pedindo que lhe desse força, auctoridade e elementos para se defender do ataque aos seus direitos parlamentares.

Tambem é para a Patria que eu appello e tenho appellado, desejando que effectivamente haja uma opinião publica deveras acordada, interessada

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pelos actos dos Governos e dos Parlamentos e que dê sequencia e continuidade a uma obra politica e administrativa como a que ao Governo se impõe e que não pode ser realizada por um Ministerio só nem em meia duzia de annos; mas que, para ser fructifera, duradoura, util ao paiz, é necessario, repito, que tenha sequencia e continuidade como tem a administração nos paizes bem administrados e regidos pelo systema representativo. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Devo lembrar ao Sr. Presidente do Conselho que já deu a hora.

O Orador: - Agradeço a concessão de mais alguns minutos. Serei breve quanto possivel, porque estou respondendo n'um só discurso a seis ou sete discursos que foram hoje aqui pronunciados com relação ao Governo.

Sou accusado de incoherencia por me conservar ainda n'este logar, quando a Camara acaba de resolver que se não podem apreciar nem criticar as cartas de El-Rei, allegando-se que fui eu quem as trouxe ao Parlamento.

Mas fui eu porventura quem tomou a iniciativa de as pedir, de as apreciar e discutir?

Foi quando o Digno Par Sr. Arrojo as reclamou para poder sustentar a sua affirmação de que o Governo a que eu presido tinha vindo de um enxame de abelhas; foi quando eu contestava esse facto, dizendo que viera de uma origem constitucional; foi então que eu, no uso legitimo do direito de defesa, tomei o compromisso de que sou arguido agora.

Quiz mais uma vez ser tolerante, porque sempre pensei que essa tolerancia não seria no dia seguinte aproveitada para tornar interminavel a discussão d'aquelle assumpto, infringindo-se constantemente a Constituição e o Regimento da Camara. (Muitos apoiados).

Evidentemente desde o momento em que o Rei é inviolavel, a sua pessoa não se pode discutir, nem os seus actos, nem as suas palavras, por isso que são sempre da responsabilidade dos Ministros; e ainda hoje, se em logar da Camara tomar a resolução que tomou, tão opportuna, tão necessaria, tivesse resolvido que continuassem a discutir-se as cartas de El-Rei; era tal caso era meu dever protestar immediatamente por modo que a ninguem pudesse deixar duvida de que eu não queria nem podia tolerar com a minha presença um tão grave desacato.

O Presidente do Conselho, que tomou a iniciativa da apresentação das cartas, ha de ouvir referencias acerbas que n'este logar não teem cabimento e ficar silencioso ao ver desviar insistentemente a questão para um terreno em que não pode, nem deve ser collocada?

Não, Sr. Presidente, esse rumo é illegal, e não podemos tomá-lo.

As cartas vieram para ser lidas, conhecidas do paiz e de todos os membros do Parlamento.

Conhecidas que foram, feito o juizo sobre os respectivos acontecimentos, esse juizo é um facto de consciencia a determinar a opinião, que não pode deixar de ser, á luz da evidencia, a sympathia, a convicção, a dedicação de todos nós pelo regimen actual.

Mas não devem por forma alguma essas cartas ser materia passiva de apreciações no Parlamento, porque acima de tudo ha uma cousa que vale mais que tudo: é a Carta Constitucional que não deixa discutir o Rei, nem os seus actos, e pela qual foi moldado o Regimento da Camara.

Eu, Sr. Presidente, não commetti incoherencia alguma, pratiquei um acto de que tomo a responsabilidade e de cuja resolução me applaudo cada vez mais.

Mas desde que V. Exa., Sr. Presidente, viu que em todas as discussões se não procurava outro assumpto senão a pessoa do Rei, e que esse facto ia n'um crescendo de intensidade e de proposito a fazer insistentes referencias directas ao Chefe do Estado, V. Exa. cumpriu o seu dever e eu sinceramente applaudo-o.

Sr. Presidente: os Dignos Pares clamam estar a revolução na camara dos Pares.

Mas quem a iniciou? Não foram S. Exas.?

Quem tem trazido á discussão a pessoa do Rei?

Como foi aberta esta campanha senão por tres ou quatro Dignos Pares do Reino?- cujo valor intellectual e politico não pode ser posto em duvida, mas cuja iniciativa não tem absolutamente encontrado echo, já não digo n'esta Camara, mas ainda na outra casa do Parlamento, onde, pela tradição e pelo habito, se não espera aquella reflexão, aquella serenidade e ponderação, que são como que a caracteristica d'este ramo do poder legislativo.

Na Camara dos Senhores Deputados, onde actualmente se sentam quatro Deputados republicanos, foi igualmente tratada esta questão das cartas; mas ali houve a comprehensão nitida de que ás luctas politicas se devem antepor os debates que tenham por fim attender aos verdadeiros interesses do paiz.

Aqui, n'esta casa do Parlamento, o Digno Par Sr. Arroyo foi um dos oradores que mais insistiram em dizer que estamos n'um periodo de revolução. Estamos effectivamente n'um periodo de revolução, mas essa é feita pelo poder, no intento de congregar todos os elementos constitucionaes e politicos, e fazer que os seus esforços, as suas diligencias, as suas canseiras se effectuem no sentido de melhorar os diversos ramos da nossa administração publica. (Muitos apoiados).

É uma revolução, sim, mas feita pelo poder, não fora da lei, nem com o intuito de violencias ou perseguições aos seus adversarios.

Pelo contrario, o empenho do Governo é que tambem os seus adversarios, e, n'uma palavra, todos os homens publicos concorram, na medida das suas forças, e com as luzes da suas intelligencias, para que se entre n'um caminho de verdadeiro interesse para a nação.

É uma revolução perfeitamente legal, que tem de ser levada a cabo pelo Parlamento, e em que os Ministros se limitam, por assim dizer, a desempenhar um papel subalterno, visto que, apresentando as suas propostas, as suas medidas, pedem que o Parlamento as melhore, as modifique, as torne quanto possivel, perfeitas.

Essa revolução, repito, é um facto verdadeiro, e todos os espiritos esclarecidos do paiz se sentem compenetrados da necessidade inadiavel de nos orientarmos por um caminho diverso d'aquelle que temos percorrido nos ultimos tempos.

É uma revolução que tende a dar ao paiz uma administração e uma vida publica perfeitamente em harmonia com a nossa Constituição.

Essa revolução não tem que preoccupar-se com os interesses particulares de quem quer que seja, ou com as conveniencias de qualquer grupo ou individualidade politicos.

É uma revolução que exige o concurso e a cooperação desinteressada de todos os homens publicos e que visa a realizar uma obra verdadeiramente nacional.

Se eu tivesse quaesquer duvidas ou hesitações acêrca da necessidade que ha de nos subordinarmos a uma orientação nova, de nos desviarmos de processos condemnados, factos de todos os dias me demonstram qual é o objectivo do paiz.

Ainda hoje, ao entrar na Camara, fui procurado por uma commissão de commerciantes de Lisboa que me entregaram um documento em que demonstram a sua adhesão á obra governativa, e o desejo que elles teem de que o Parlamento corresponda ao appello do Governo.

O Sr. João Arroyo: - O Porto respondeu eloquentemente a V. Exa. no domingo passado.

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O Orador: - O Porto pronunciou-se por uma forma tão alevantada como alevantada é a maneira por que os commerciantes de Lisboa se dirigiram a mim.

O que todos querem, em toda a parte, é que mudemos de processos de administração e que o Governo attenda ás manifestações da opinião publica que devem orientá-lo.

Assim, e a proposito, posso dizer que recebi uma carta assignada por alguns homens de maior valor e importancia da cidade do Porto, que me affirmavam que a eleição municipal não fora por elles considerada como uma eleição politica, e que o facto de terem entrado na lista "da cidade", não significava que não continuassem ao lado do Ministerio emquanto elle governasse como tem governado.

Este outro documento vem ainda demonstrar cabalmente que a eleição do Porto não teve caracter politico, nem significa descontentamento para com o Governo.

Eu sabia bem qual era a situação dos animos na cidade do Porto, sabia bem, antes da eleição, qual era a corrente de opinião n'aquella cidade.

Não o sei apenas agora, não o sei apenas hoje.

No dia 4 d'este mez, disse eu na Camara dos Senhores Deputados que não me preoccupava com a eleição do Porto e que ella não me interessava politicamente; a unica cousa que preoccupava o Governo era que da uma saisse uma vereação que estivesse á altura da segunda cidade do reino.

Se eu vencesse não viria proclamar victoria; se perdesse nunca me irritaria contra a vontade de quem livremente escolheria os administradores do seu municipio.

Isto dizia eu na Camara dos Senhores Deputados e affirmava o por uma forma categorica.

Repito, alguns dos homens mais importantes e de mais valor que entraram na lista "da cidade", fizeram-me a declaração a que acabo de referir-me, portanto os dois factos conjugam-se, e tanto procurei ganhar a eleição do Porto, como procurei fomentar a manifestação que o commercio de Lisboa me dirigiu, no sentido de prestar apoio ao Governo para o habilitar a poder continuar a tarefa que iniciou.

Esta representação é assignada por individuos de differentes parcialidades politicas da capital, e não exclusivamente por amigos da situação, ou pessoas estranhas á politica.

Sr. Presidente: em pleno periodo de movimento e actividade politica estamos nós, mas este movimento de agitação é ordeiro e legalista; não o digo apenas hoje, disse-o quando isto não podia ser julgado como motivo de justificação ou desculpa para actos do Governo; disse-o logo ao entrar nos Conselhos da Corôa, ao expor o meu programma governativo: que eu preferia a agitação do paiz ao marasmo, o movimento e o interesse á indifferença e ao desconsolo.

Um paiz que adormece e esfria perdeu a vitalidade que lhe é precisa para zelar e fiscalizar os seus proprios negocios.

Por isso digo, nós estamos em face de um movimento de agitação, tudo o que se faz no Parlamento não é indifferente lá fora, nenhuma das suas palavras se perde, não se imagine que ha poder de talento que possa occultar ao paiz este facto; de mais, esta Camara que deve ter um cunho ancestral...

O Sr. João Arroyo: - Ancestral, não.

O Orador: - Ancestral foi a palavra que me acudiu de prompto, porque eu estou falando com calor e convicção, sem olhar a preoccupações litterarias. Mas por que não esta palavra? que pode ser tomada no sentido de moderada e moderadora; tanto esta deve ser a feição d'esta Camara, que só aos 40 annos se pode aqui entrar.

Eu não faço questão de palavras; mais do que ellas me preoccupam os factos.

Sr. Presidente: ia eu dizendo que a Camara dos Dignos Pares sabe perfeitamente que o paiz a escuta, e que o paiz apenas deseja ser bem governado, como por tantas formas o tem significado.

Mas, desde o primeiro dia da abertura do Parlamento, outra cousa se não tem feito aqui do que procurar em todas as discussões envolver o nome do Chefe do Estado, os seus actos e palavras, a sua vida publica e particular.

Isto é que não pode ser, nem continuar, porque a nossa Constituição politica o não permitte.

Accuse-se o Governo, sim, porque é elle constitucionalmente o responsavel, e elle se defenderá com verdade e clareza.

Tenho dado constantes e repetidas demonstrações de ser meu sincero desejo que o Parlamento me julgue, a mim e ao Governo, e de me defender perante elle segundo as normas e praxes constitucionaes.

Para isso estou, estarei sempre prompto, com a minha assiduidade, com a minha presença e a minha palavra, a responder a todas as perguntas e a defender-me de todas as accusações.

A responsabilidade do Governo, a sua situação politica e os seus actos, isso pode servir para largos discursos, se os Dignos Pares entenderem ser essa a melhor forma de corresponder ao interesse e actividade do paiz.

De modo algum, porem, deixará a opinião publica de nos julgar a todos, e eu, pela minha parte, submetto-me confiadamente a esse julgamento.

Oxalá que a opinião publica me acompanhe sempre com tanta espontaneidade e dedicação, como estou certo e seguro de que me está acompanhando ao julgar a maneira como o Governo usa da sua iniciativa perante o Parlamento e como tem sido combatido, especialmente pela opposição da Camara dos Dignos Pares.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 9 de novembro de 1906

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha; Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquez Barão de Alvito, Marquezes de Avila e de Bolama, de Penafiel, de Pombal, do Soveral; Condes: de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Figueiró, de Paraty, de Sabugosa, de Tarouca, de Villar Secco; Viscondes: de Asseca, de Monte-São, de Pindella; Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, D. Antonio de Lencastre, Costa e Silva, Santos Viegas, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Vellez Caldeira, Carlos Eugenio de Almeida, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Vasconcellos Gusmão, Mello e Sousa, José de Azevedo, José Dias Ferreira, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José Luciano de Castro, José Luiz Freire, José de Alpoim, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebelllo da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amo rim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Raphael Gorjão, Sebastião Dantas Baracho, Deslandes Correia Caldeira e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

ALBERTO PIMENTEL.

Página 260

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