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SESSÃO N.° 20 DE 9 DE MARÇO DE 1896 201

Sr. presidente, hoje só me refiro a quatro factos, e relativamente a estes dois não citei nomes, mas dos outros que vou fallar, citarei nomes; um, ao menos, porque é nosso conhecido.

Todos nós conhecemos o sr. visconde do Ervedal da Beira, um juiz da relação de Lisboa, que tem pertencido por varias vezes ao parlamento e pertence ainda á camara dos senhores deputados, a que já tem presidido.

O sr. visconde foi ha tempos viajar pela Suissa na companhia de sua familia, e ao regressar a este paiz passou por Villar Formoso, povoação onde não ha hotéis, nem commodidades de qualidade alguma.

Hoje não sei, porque ha já dois annos ou mais que por ali não passo.

O sr. visconde comprou por lá muitos objectos curiosos para si e para prendar parentes e amigos. Os empregados da alfandega, admirados de tantas novidades, verificaram tudo quanto trazia, o que era seu dever, mas fizeram da bagagem exposição demorada para gáudio de empregados e passageiros. O sr. visconde pediu que fizessem depressa a verificação, porque depressa o comboio partia. Disseram-lhe que a verificação carecia de ser muito minuciosa e obrigavam-o a ficar de um dia para o outro em Villar Formoso. Isto é verdade, e bem triste verdade.

Onde, em que parte do mundo se pratica igual vexação? Igual brutalidade? Seja a quem for? Nada mais vexatório que uma alfandega; executados assim os seus serviços, diga-me v. exa. onde se encontra igual inferno. Nem já me refiro a paizes civilisados.

Resta-me por hoje apresentar a v. exa. este masso de documentos que trago aqui.

Deu-se o caso com um nosso portuguez residente no Brazil, com um daquelles que me prestaram lá maiores serviços, com um dos nossos mais benemeritos compatriotas e dos mais considerados de brazileiros e portuguezes no Rio, senhor de uma grande fortuna. Digo isto para mostrar que era incapacissimo de querer fazer contrabando.

Vinha com a sua esposa e com todos os filhos para os educar na sua terra. E ahi estão educando-se.

Não quero ler estes documentos; trazem nomes; eu quero respeitar, mas quero deixa-los na mesa para serem archivados e conto apenas o caso:

Veiu com as suas bagagens selladas do lazareto para o cães do Sodré, e no caes do Sodré o barqueiro ao desembarcar os pacotes, caixotes e malas, que trazia, inutilisou um sello. Chegou um empregado do fisco e disse ou suspeitou: aqui está contrabando. Abriu-se immediatamente o pacote e viu-se que trazia muitas camisas de meninos pequeninos, de homem e de senhora, e por baixo de tudo isto, para resguardo dessa roupa branca, 2 metros de paninho,- 2 metros - que aqui custa a tostão, e que estava, repito, a resguardar a roupa. Aqui está o contrabando. Avaliação: 750 réis. Depois da avaliação sentinella á vista. Este homem foi para a alfandega acompanhado como um preso, custodiado como um vadio.

Chega lá e anda de estação em estação um dia todo, pagando no fim 3$5OO réis. Voltou-se para a sentinella quando acabou de pagar e perguntou-lhe: ainda estou preso? Responderam-lhe: já pagou, póde-se ir embora. Isto deu-se com um dos homens mais ricos deste paiz, com um dos mais honrados e benemeritos dos nossos compatriotas no Brazil.

Ora, sr. presidente, se isto está na lei revoguemo-la, se está nos regulamentos emendemo-los, se estagnos costumes refaçamo-los, mas não nos envergonhem mais. Isto dá em resultado todos fugirem do nosso paiz.

Hoje fico por aqui. Se for preciso mais para mostrar a necessidade de reformar a nossa fiscalisação, ver-me-hei forçado a proseguir; mas espero que não.

Creio ter justificado a urgencia com que vim pedir aos poderes publicos que nos livrem destes vexames, e que façam da nossa terra uma terra onde se possa entrar; de outra maneira continuaremos a ser tidos pelo Brazil e por toda a America aquillo que realmente parecemos, e não somos. A maioria deste paiz não tem responsabilidades nestes desvarios.

Na minha volta da Índia passei por Itália, e ahi comprei, como já comprara em Suez, umas miudezas que desejava offerecer a pessoas da minha amisade; quando cheguei a Marselha (tinha findado a guerra entre a Prussia e a França), apresentei uma grande quantidade de pequenos pacotes. Ao vê-los disse-me, pouco mais ou menos, o empregado da alfandega: "Senhor, nós envergonhamo-nos com as exigencias que temos a fazer por parte do fisco; mas temos sobre nós uma enorme divida que satisfazer á Prussia, e, por consequencia, o governo, com muita pena sua, vê-se forçado a collectar não só os valores que chegam aqui, mas o numero dos pacotes; são dois sous por cada pequeno pacote. Isto é tão vexatório que nós pedimos e obtivemos a permissão de, sendo pequenos, juntar dois ou tres pacotes n'um só para se pouparem alguns sous ás vossas algibeiras.

Fiquei commovido e envergonhado pela differença entre o modo de proceder lá e o que se praticava aqui. Praticava e pratica.

Entrego esta comparação ao nobre presidente do conselho. E confio em v. exa.

Os documentos mandados para a mesa pelo digno par Thomás Ribeiro, foram para o archivo.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, é certo que nos serviços fiscaes, e mais accentuadamente nos serviços aduaneiros, por vezes se dão abusos que é necessario corrigir, e demasias que convem castigar.

Ha, porem, uma cousa a que não attendeu o digno par, e é que esses abusos ou essas demasias impressionam mais quando se dão com individuos altamente collocados, e que por seus haveres ou posição social estão em maior evidencia.

O empregado aduaneiro não trata de saber se o viajante é opulento ou nobre, se occupa na sociedade uma posição brilhante ou modesta: applica-lhe a lei e cumpre o seu dever independentemente da qualidade das pessoas e mesmo independentemente do preço maior ou menor, que qualquer objecto tenha custado.

Não ha duas medidas, não ha dois talões, um para os ricos, outro para os pobres, um para os objectos de alto valor, outro para os de valor infimo.

Ha, sim, a applicação dá lei em absoluto, e por completo.

Desejo que isto fique bem accentuado, e estou prompto a discutir com o digno par todos os actos analogos, quando s. exa. quizer.

O sr. Thomás Ribeiro: - Perfeitamente.

O Orador: - Se eu soubesse que os empregados a cargo de quem está este serviço tinham duas medidas, uma para os afortunados, outra para os desprotegidos, era eu o primeiro a corrigi-los.

Concordo em que alguma vez tenha havido um ou outro abuso. Mas o que eu digo ao digno par é que a circumstancia de s. exa. se ter referido a pessoas de posição elevada, para mim não tira nem põe em relação ao facto em si mesmo.

Se ha abusos, cumpre-me corrigi-los, e se ha exageros ou demasias a minha obrigação é punir quem os praticou de-se o facto com quem se der.

Portanto, quando o digno par quizer appellar para mim, póde appellar em absoluto, independentemente da qualidade das pessoas com quem qualquer facto se dê.

O sr. Thomás Ribeiro: - Começo a perder a esperança de que se faça justiça.

O Orador: - Eu repito ao digno par uma cousa, e é que para os abusos, para as demasias que se podem dar