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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 20

EM 10 DE NOVEMBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO.- Leitura e approvação da acta.- Expediente.- O Digno Par Sr. Avellar Machado justifica a sua falta a algumas sessões.- O Digno Par Sr. José de Azevedo Castello Branco pede que lhe seja concedida a palavra quando estiver presente o Sr. Presidente do Conselho de Ministros.- O Digno Par Dias Ferreira requer copia integral da correspondencia relativa á questão dos Sanatorios da Madeira.

Primeira parte da ordem do dia - Eleição de commissões. É eleita a commissão de obras publicas.

Segunda parte da ordem do dia - Discussão do projecto da resposta ao Discurso da Coroa. Usa da palavra o Digno Par Sr. Sebastião Baracho, que apresenta uma moção de ordem e que pede para continuar as suas considerações na sessão seguinte. - Tendo entrado na sala o Sr. Presidente do Conselho de Ministros, o Digno Par Sr. José de Azevedo Castello Branco declara que na proximo sessão deseja occupar- se de questões de alimentação publica. O Sr. Presidente do Conselhos de Ministros promette comparecer.- É levantada a sessão, sendo marcada a seguinte para segunda feira, 12.

Pelas 2 horas e 30 minutos da tarde o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 25 Dignos Pares.

Foi lida e approvada sem discussão a acta da sessão anterior.

Estavam presentes os Srs. Ministros da Justiça e Obras Publicas. O Sr. Presidente do Conselho entrou durante a sessão.

Em seguida deu-se couta do seguinte expediente:

Officio do Ministerio da Guerra, satisfazendo requerimentos do Digno Par Sr. Pimentel Pinto;

Dois officios do Ministerio da Marinha, satisfazendo requerimentos do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa;

Mensagem da Presidencia da Camara dos Senhores Deputados, acompanhando a proposição de lei que tem por fim approvar, para ser ratificada, a declaração commercial entre Portugal e a Suecia assignada em 16 de abril de 1904.

O Sr. Avellar Machado: - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar a V. Exa. e á Camara que, por motivo de doença, tenho deixado de com- ! parecer ás ultimas sessões.

O Sr. Presidente: - Estava inscripto o Digno Par Sr. Pimentel Pinto, mas como S. Exa. não se acha presente, e nenhum Digno Par pede a palavra. . .

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Eu tinha ante-hontem pedido a palavra, e, creio que estava inscripto.

O Sr. Presidente: - Tem o Digno Par a palavra.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: -• Peço desculpa a V. Exa. de fazer-me lembrado, mas procedi assim mais por amor da arte do que por qualquer outra razão.

Effectivamente, eu queria occupar a attenção da Camara antes da ordena do dia para tratar de um assumpto que reputo de grande importancia, e para o qual desejava chamar a attenção do Sr. Presidente do Conselho.

Bem sei que o Governo está representado por dois dos seus membros, mas o assumpto para que desejo chamar a attenção do Governo não corre nem pela pasta da Justiça nem pela das Obras Publicas.

Peço, pois, a fineza de me considerar inscripto para aniles se encerrar á
sessão, no caso de vir ainda a esta camara o Sr. Presidente do Conselho, porque é a S. Exa. que tenho de expor as minhas considerações.

Só por esse motivo deixo de me dirigir aos Srs. Ministros que estão presentes, sem que o facto envolva menos consideração por S. Exas.

O Sr. Presidente: - Fica V. Exa. inscripto para antes de se encerrar a sessão, se estiver presente o Sr. Presidente do Conselho.

Como nenhum outro Digno Par pede a palavra, vae passar-se á primeira parte da ordem do dia e eleger-se a commissão de obras publicas.

Convido os Dignos Pares a formularem as suas listas.

ORDEM DO DIA

PRIMEIRA PARTE

Eleição de commissões

Fez-se a chamada e procedeu-se á votação.

O Sr. Presidente: - Convido os Dignos Pares Antonio Costa e Francisco José Machado a servirem de escrutinadores.

Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na uma 28 listas, sendo 2 brancas.

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Ficaram eleitos por 26 votos cada um os Dignos Pares:.

Luis de Mello Bandeira Coelho, Luciano Affonso da Silva Monteiro, José Freire Lobo do Amaral, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Henrique da Gama Barros, Manoel Affonso de Espergueira, D. João de Alarcão Vellasques Sarmento Osorio, Eduardo José Coelho, Luis Antonio Rebello da Silva, Marquez de Avila e de Bolama, Frederico Ressano Garcia e Conde de Bertiandos.

O Sr. Presidente: - Vae entrar se na segunda parte da ordem do dia,

O Sr. Dias Ferreira: - Eu tinha pedido a palavra para antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: Mas já estamos na ordem do dia.

O Sr. Dias Ferreira: - É só para mandar para a mesa um requerimento.

O Sr. Presidente: Pode V. Exa. mandal-o.

O Sr. Dias Ferreira: - O meu requerimento é do teor seguinte:

"Requeiro que se peça ao Sr. Ministro do Reino copia integral de toda a correspondencia relativa á chamada questão dos Sanatorios da Madeira, qualquer que seja a sua natureza, a começar no pedido da concessão, e a acabar no ultimo documento do processo. = Dias Ferreira".

O Sr. Presidente: - O requerimento da Digno Par vae ser expedido. Tem agoro a palavra o Digno Par Sebastião Baracho.

SEGUNDA PARTE

Continuação da discussão da resposta ao Discurso da Corôa

O Sr. Sebastião Baracho: - Primeiro que inicie as considerações com que tenho de fundamentar a moção que hei de mandar para a mesa, peço ao Sr. Presidente que faça ler os artigos 69.° e 80.° do regimento da Camara.

O Sr. Bandeira Coelho (primeiro secretario) procede á leitura dos dois artigos citados pelo Digno Par Sr. Sebastião Baracho., e que são do teor seguinte:

Art. 69.° A votação ordinaria pratica-se convidando o Presidente os que approvam a proposição para que se levantem; então um dos secretarios conta o" Pares levantados e o outro os assentados, declarando depois o numero que contarem.

§ 1.° Se parecer necessario contraprovar a votação convidará o Presidente os que approvaram, para que se assentem; os secretarios contarão, um os que se levantarem, e o outro, os que ficaram sentados: se os numeros d'esta segunda operação forem iguaes aos da primeira, em sentido contrario, a votação é havida por bem feita.

§ 2.º O methodo ordinario tem logar, geralmente falando, nas votações para que no Regimento se não prescreve algum dos outros ; mas sempre que um Par o requeira, e a Camara concorde, a votação será nominal ou por escrutinio.

Art.° 80.° Em toda a votação sobre negocios importantes, e posto que se effectue pelo methodo ordinario, deve annunciar-se á Camara, e lançar-se na acta, o numero total dos votos, com declaração de quantos foram a favor e quantos contra.

O Orador: - Desejo tambem saber, antes de mais nada, quaes os assumptos dados para ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Eleição de commissões e o projecto de resposta ao Discurso da Corôa.

O Orador: - Agradeço as informações do Sr. Presidente, ás quaes terei de me referir em tempo opportuno.

Agora explicarei as razões por que pedi a leitura dos artigos 69.° e 80.° do Regimento.

Depois de passada a tempestade que hontem pairou sobre esta Camara, poder-se-ha avaliar a razão que me assiste, pedindo, como pedi, que se attendesse ao Regimento, no tocante á proposta que o Sr. Presidente entendeu dever submetter á apreciação da Camara, e cuja votação foi, em todo o ponto, irregular.

Peço licença para dizer ao Sr. Presidente que errou, o que não implica a mais leve desconsideração para com S. Exa. Errare humanum est.

A muita consideração que tributo ao Sr. Presidente não pode obstar a que lavre o meu protesto contra a forma tumultuaria por que se procedeu na primeira parte da ordem do dia da sessão de hontem.

Assim se justifica a minha insistente intervenção no debate, que hontem se desenrolou n'esta Camara.

O Sr. Presidente: - Agradeço a S. Exa. as palavras amaveis que me dirigiu.

Em defesa do que hontem pratiquei devo dizer a S. Exa. e á Camara que a consulta hontem feita não teve, para a Camara, a alta importancia que o Digno Par lhe quer attribuir. Teve-a apenas, para mim.

Na sessão anterior á de hontem um Digno Par quiz discutir a pessoa de El Rei.

Intervim e pedi a esse Digno Par que não proseguisse na ordem de considerações a que estava subordinando o seu discurso.

O meu pedido não foi, porem, satisfeito.

O Orador: - Não fui eu ...

O Sr. Presidente: - Quiz referir-me ao Digno Par Sr. João Arroyo.

O Sr. João Arroyo: - Permitta-me o Sr. Presidente o dizer que S. Exa. está equivocado. Não discuti a pessoa de El-Rei, mas sim as suas cartas.

O Sr. Presidente: - Na sessão de quarta feira, discutindo-se a resposta ao Discurso da Corôa, o Digno Par Sr. João Arroyo fez referencias a El-Rei e a alguns dos seus actos.

E tanto isto é assim, que S. Exa. até alludiu a um funccionario do Estado era hospede de Sua Majestade.

O Sr. João Arroyo: - A prova de que o meu procedimento não foi irregular está em que a mesa. não interveio n'essa altura do meu discurso.

O Sr. Presidente: - Já hontem expliquei o motivo por que não intervim immediatamente. Esperava que ti. Exa. não proseguisse n'aquella ordem de ideias, alem do que, a consideração que tenho pelo Digno Par Sr. Arroyo tambem explica o facto.

Parece-me que por isso não mereço censura.

Mas, não tendo S. Exa. condescendido, appellei para a Camara, a fim de que esta se pronunciasse sobre se estava ou não de acordo com o procedimento da Presidencia.

E, por se tratar de um caso tão simples, pareceu-me não ser preciso recorrer ao Regimento, ao qual só por inadvertencia poderia ter faltado.

Alguns Dignos Pares pediram então a palavra, que entendi não dever conceder-lhes, e isto porque se não tratava de qualquer proposta, mas sim de uma consulta.

O Sr. João Arroyo: - Por maior que seja a consideração que tenho pelo Sr. Presidente não posso deixar de protestar contra a interpretação que S. Exa. quer dar ás minhas palavras.

Não discuti, não discuto, nem estou disposto a discutir a pessoa de El-Rei; mas relativamente aos actos da Corôa, pelos quaes, nos termos da Constituição, o Governo é responsavel, mantenho e manterei sempre o direito parlamentar que me assiste de os discutir.

Foi n'esta ordem de ideias que usei da palavra, e muito me magoa que o Sr. Presidente queira dar ás palavras por mim proferidas uma interpretação differente.

O Sr. Presidente: - A Camara já hontem se pronunciou sobre esse assumpto (Apoiados) e por isso não permittirei que se discutam nem os actos

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nem as palavras de El-Rei e, portanto, as suas cartas. (Apoiados).

Procurarei manter essa resolução da Camara; mas se esta me não acompanhar sei bem o que me cumpre fazer.

O Sr. Sebastião Baracho: - O Sr.

Presidente é o primeiro a reconhecer que não foi cumprido o Regimento, e que não havia necessidade de formular se qualquer proposta especial.

Pela parte que me respeita, estou na intenção de discutir todos os actos do Poder Moderador, cobertos pela resresponsabilidade dos Srs. Ministros. (Apoiados).

O Sr. Presidente deve comprehender que esta minha orientação importa um direito constitucional, a cujo cumprimento nunca faltei, nem estou disposto a faltar. (Apoiados).

Ainda na sessão de hontem o Sr. Presidente do Conselho se referiu ás cartas do Chefe dó Estado. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - É uma questão de interpretação; mas sempre que tiver alguma duvida appellarei para a Camara.

O Orador: - O que o Sr. Presidente não pode é revogar o artigo 6.° do Acto Addicional de 3 de abril de 1896, que diz muito claramente que o Rei exerce o Poder Moderador com a responsabilidade dos Ministros.

Ora desde o momento que a responsabilidade é dos Ministros, assiste-me o pleno direito, e até o dever, de tomar contas ao Governo, de todos os actos do Poder Moderador, e bem assim de todos os actos do Poder Executivo, o qual o Rei exercita pelos seus Ministros de Estado, segundo o proprio texto do artigo 75.° da Carta.

O Sr. Presidente não pode, por seu arbitrio, derogar a Constituição.

O Sr. Presidente: - Por certo que não; mas a Camara fará o que entender, sempre que eu a consultar.

O Orador: - A Camara pode interpretar o Regimento, mas o que não pode é sobrepor se á Constituição. (Apoiados).

Eu tenho largamente usado d'esse direito, e proponho-me, repito, a não prescindir d'elle, sempre que o julgue conveniente.

Não ha disposição regimental, nem simples deliberação da Camara, que possa revogar tal doutrina. (Apoiados)

O Governo é que tem a responsabilidade dos actos do Poder Moderador e do Poder Executivo. Ao Governo, pois se devem pedir contas dos actos d'esse dois Poderes. Para que a Corôa deixe de ser discutida, ou o seja menos, basta apenas que a Constituição e as leis do Estado sejam melhor cumpridas do que nos ultimos tempos. É axiomatico.

Posto isto, vou occupar-me da resposta que hontem deu o Sr. Presidente do Conselho ao Digno Par Sr. Arroyo, que contem pontos de doutrina geral.

N'um d'elles, são visados esta Camara e os seus membros; em outros é almejado o paiz.

Pelo que respeita á Camara, afigura-se-me que o Sr. Presidente do Conselho quiz dar a perceber que, sendo regia a nomeação dos seus membros, não deveriam estes ser considerados orno representantes da Nação.

Ora o artigo 1.°, em vigor, do Segundo Acto Addicional, de 24 de julho de 1885, diz expressamente o seguinte:

Os Pares e Deputados são representantes da Nação, e não do Rei que os nomeia, ou dos collegios e dos circulos que os elegem.

unico. A Constituição não reconhece o mandato imperativo.

Esta disposição é ainda confirmada pelo disposto no artigo 6.°, e seu § 1.°, da lei de 3 de abril de 1896.

Eil os:

Artigo 6.° O Rei exerce o poder moderador com a responsabilidade dos seus Ministros.

§ 1.° Nomeando Pares até ao numero de noventa...........

Fique indubitavelmente sabido que, quem está n'esta Camara, por nomeação regia, é representante da Nação. (Apoiados).

Eu entrei para aqui por nomeação regia, nas condições legaes; sou, portanto, representante da Nação. Nunca de differente modo me considerei.

Outro ponto para que chamo a attenção da Camara, e me parece não ser lisonjeiro para ella, é o que diz respeito ao modo como o Sr. Presidente do Conselho comparou, por assim dizer, a actividade d'esta Casa com a da Camara dos Senhores Deputados, lamentando que a Camara dos Dignos Pares se occupe dos assumptos politicos com mais insistencia do que a Camara dos Senhores Deputados. Apesar de fazerem parte da Camara dos Senhores Deputados quatro membros do partido republicano, S. Exa. assevera que não tem tido com ella tanto trabalho como o havido com esta.

Devo dizer a S. Exa. que os Srs. Deputados exercem o seu mandato con soante o entendem, e eu exerço-o pela forma que julgo melhor amoldada ao interesses do paiz.

Antigamente, a resposta ao Discurso da Corôa, aparte a minha intervenção apenas, com rarissimas excepções, ser via de pretexto para se fazerem declarações de voto, em homenagem á Corôa.

Hoje é discutida largamente, e estimo que assim seja e que o continue a ser, por isso que, durante quatro annos, e quasi que isoladamente, aqui protestei contra o absolutismo bastardo dominante, de que esse era um dos aspectos.

Só tenho a vangloriar-me do proficuo resultado dos meus esforços.

Dignou se o Sr. Presidente informar-me de que não havia mais nada para
ordem do dia, alem do projecto de resposta ao Discurso da Corôa, o que
mostra bem que se não tem feito obstruccionismo, por parte, dos membros
d'esta casa.

O Governo por mais de uma vez em affirmado que deseja a collaboração do Parlamento nas suas medidas; nas não acceita emenda alguma aos projectos que apresenta, o que constitue uma nova feição do absolutismo bastando, integrado no despotismo paramentar, o peor de todos.

O outro, o genuino, não tinha mascara. Era, pelo menos, franco e leal. Referentemente á comparação entre procedimento d'esta Camara e o da outra, observarei ainda, sem o menor intuito de magoar o Sr. Presidente do conselho, que essa comparação é inadmissivel. Não prima pela correcção.

Dito isto, vou referir-me a outras considerações feitas na penultima sessão pelo Sr. Presidente do Conselho em um discurso, que, devo consignal-o, foi habilmente architectado, e em que S. Exa. expoz doutrinas de que já tem feito varias edições.

Com sentimento, porem, reconheço mais ama vez, que os actos de S. Exa. não correspondem ás suas palavras.

No rumo que traçou, pretende S. Exa. que as discussões assentem em factos. Pela parte que me toca, vou satisfazer-lhe a vontade, e apresentai-os, não só respeitantes á administração do actual Gabinete, mas ainda ás responsabilidades de outras administrações, como logo se reconhecerá pela moção que hei de ler, correspondente a cinco Discursos da Corôa, que tantos são com o actual, os que até hoje ainda não foram respondidos.

E permitta-me o Sr. Presidente que eu recorde á Camara alguns successos
da historia antiga, e moderna, do Paiz.

O que reavivar da historia antiga, monta apenas ao seculo passado.

Em 1820, explodiu o protesto contra o absolutismo.

Reuniram-se as Côrtes Geraes Constituintes, que trataram de organizar uma Constituição, a qual foi assignada e decretada em 23 de setembro de 1822. A Nação protestava, por esse modo expressivo, contra a fuga inqualificavel de D. João VI e sua familia para o

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Brasil, em presença da invasão estrangeira que flagellava o paiz; e simultaneamente consignava o seu proposito de se administrar, pela sua propria iniciativa, o que, em todo o ponto, era para merecer louvores.

Essa Constituição foi afixadamente trahida, para mais tarde ter, como suc-cessora, a Carta outorgada em 29 de abril de 1826, trahida igualmente, na sua execução, o que deu margem á guerra civil, cujo epilogo foi a convenção de Evora-Monte.

(O Sr. Presidente do Conselho pede licença ao Digno Par Sr. Sebastião Baracho para se retirar momentaneamente da sala.)

Agradeço á amabilidade de V. Exa., e continuarei expondo as minhas considerações, que depois lhe serão naturalmente transmittidas, pelos Srs. Ministros presentes.

A revolução de Setembro fez abolir a Carta, que aos dez annos de existencia cahia de pôdre, e proclamou a Constituição de 1822, com as modificações que as Côrtes decretassem. Assim nasceu a constituição de 20 de março de 1838, na constancia da qual foram elaboradas leis liberaes, que na reacção encontraram a maior resistencia.

O Ministerio setembrista iniciou, por assim dizer, os seus trabalhos com o famoso decreto, referendado por Passos Manoel, e que tem a data de 10 de setembro de 1836. Mais adeante o mencionarei na integra.

Não foi pelo numero dos seus membros que esse Ministerio se impoz á Corôa, para obter as reformas que o ele varam no conceito publico e perante a Historia. Era elle apenas constituido pelo Conde de Lumiares, Presidente, Ministro effectivo da Guerra e interino da Marinha; por Manoel da Silva Passos, com a pasta do Reino; por Antonio Manoel Lopes Vieira de Castro, com a da Justiça; e pelo Visconde de Sá da Bandeira, com a da Fazenda.

Não obstante as difficuldades derivastes da penuria ao Thesouro, das naturaes exigencias do partido vencedor, e da reacção e resistencia do partido cartista, auxiliado e protegido por influencias estrangeiras, procurou a nova situação consolidar a obra da Revolução, diminuindo as despesas publicas e promulgando ou preparando leis sabias, nos differentes ramos de administração publica.

A despeito das suas rectas intenções e dos seus actos louvaveis, tropeçava pouco depois com o golpe de Estado de 3 de novembro de 1836, conhecido pela Belemzada, e levado a effeito pelos reaccionarios, sob a patente cumplicidade e direcção da Rainha.

N'essa difficil prova, não naufragaram, porem, os principios setembristas. D'ella resultou, por fim, uma remodelação ministerial, seguida á capitulação de D. Maria II, e em que Sá da Bandeira assumiu a Presidencia do Conselho, tendo como companheiros, no Gabinete, a Manoel Passos e a Vieira de Castro.

Foi positivamente recheada de agruras, a que mais tarde me referirei, a quadra que decorreu até 1842, em que a Carta tornou a prevalecer.

Com a sua restauração, seguiu-se um periodo de dez annos entrecortado de lutas civis, o qual findou com o primeiro Acto Addicional de 5 de julho de 1802, que veio acalmar os espiritos.

Até 1890 quasi não houve perturbações, porque mesmo o pronunciamento militar de 19 de maio de 1870 teve antes o caracter individual, que lhe imprimiu o Marechal Saldanha, do que propriamente o de pedidos ou instancias do povo para que lhe fossem feitas mais amplas concessões liberaes.

A notar ha, pois, que as aspirações nacionaes de 1820, de 1836 e de 1852 foram o inicio de reformas em que o liberalismo teve o seu culto, em proveito e satisfação do paiz.

Em 1890 deu-se o ultimatum inglês e, um anno decorrido, a revolução de 31 de Janeiro.

Na sequencia d'estes actos, não se pensou em dar satisfação á opinião publica. Os homens eram outros, de muito inferior craveira á dos ascendentes, que altiva e corajosamente sabiam fazer valer os direitos e as regalias populares. Por deficiencia authenticada, appellaram para o absolutismo bastardo, que ainda hoje nos opprime e suffoca.

O arbitrario poder pessoal, com todos os seus esmagadores attributos, de odiosas leis de excepção e do resto, triumphou plenamente, e ostenta-se ainda, sob nova feição, para desgraça geral.

Se a Constituição, apesar de caduca e mesquinha, tivesse sido, e fosse, honestamente cumprida; se se respeitasse o Parlamento; e se se desse satisfação ás aspirações liberaes do povo, o Poder Moderador - mais uma vez o registo - não seria discutido com a insistencia com que ha annos é legitimamente alvejado.

A pobreza de homens produziu está produzindo os mais graves transtornos na vida nacional, cuja direcção de longa data confiada a oligarchias, m que a insufficiencia é um dos principaes caracteristicos.

Esboçados e commentados, a largos traços, os acontecimentos de mais antiga data, passo a occupar-me dos referentes á actualidade.

Não analysarei, n'este momento, a a eleição dê 29 cta abril ultimo, que -
pungente ironia! - se realizou no dia em que se commemora a Outorga da Carta Constitucional; e não a analyso circunstanciadamente, por uma razão muito simples: por não estar presente, por motivo que sinto, o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro, que tanta responsabilidade tem n'esse acto, do qual vou servir-me como ponto de partida de outros acontecimentos.

D'essa eleição nasceu o 4 de Maio; do 4 de Maio proveio a manifestação no Campo Pequeno; e da manifestação no Campo Pequeno resultou a saida do Governo regenerador, aos cincoenta e oito dias de estar investido no poder.

Não entro em pormenores; cito apenas, em globo, os factos.

A verdade é que o 4 de Maio, com as suas consequencias, marcou um estadio importantissimo da nossa historia. Foi, por assim dizer, o inicio de uma revolução, que pôde ser atalhada com o ingresso do Sr. Conselheiro João Franco, nos Conselhos da Coroa.

Não haja illusões a tal respeito. Se o Governo a que presidia o Sr. Hintze Ribeiro continuasse no poder, as circumstancias apresentar-se-hiam por tal forma melindrosas que, ou a revolução era fatal, ou a repressão attingiria intensidade desusada, produzindo desgraças, que originariam a mais justificada e potente reacção.

Em presença dos successos de 4 de Maio, o que fez o Sr. Conselheiro João Franco ?

Por intermedio da sua imprensa, tinha sido S. Exa. um censor inexoravel para com a policia de Lisboa, que se desmandara pelo modo que todos nós sabemos, tratando criminosamente, com selvajaria, extrema, a população da capital. Entrando no Ministerio, qual foi o acto que S. Exa. praticou para corresponder ao que se assoalhava na sua imprensa, como censura aos crimes da policia?

Acceitar, como de boa lei, um relatorio feito pela propria policia, elaborado com a maxima parcialidade, e em que os que deviam ser syndicados foram os unicos syndicantes.

E não só não tratou de castigar e de investigar, mas ainda procura dotar essa instituição com uma reforma que, se vier a converter-se em realidade, ella, a policia, com a sua associada Bastilha da Estrella, agora em mudança de rua, que não de systema, ia de continuar a ser o instrumento de oppressão mais completo que temos tido.

O Sr. Presidente do Conselho, que entrou nas melhores condições, conforme eu tenho affirmado sem contestação, que podia fazer tudo quanto quizesse para restaurar as liberdades publicas, entendeu, todavia, dever continuar no seu systema de promessas deturpan-

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do-as na sua execução, ou adiando-as para as kalendas gregas.

E ainda na ultima sessão aqui veio vangloriar-se de que tinha a opinião publica pelo seu lado !. . .

Na verdade, a opinião publica não lhe escasseia. Viu-se o que succedeu no Porto, na ultima eleição camararia.

O Sr. João Arroyo: - Apoiado.

O Orador: - O Sr. Presidente do Conselho passou uma esponja por cima d'esses factos. É commodo, mas não é acceitavel.

O Sr. João Franco, naturalmente para procurar contrabalançar o effeito que produziu essa eleição, jacta-se de haver recebido uma manifestação do commercio lisbonense, que não tem com aquella occorrencia comparação alguma.

Todos sabem como a mensagem a que alludiu o Sr. Presidente do Conselho se arrastou pelos escriptorios commerciaes, com pedidos para assignaturas; mas S. Exa. trouxe esse acto para a discussão, fazendo-o valer como se fosse um argumento esmagador.

Quando o Sr. Presidente do Conselho recorre a expedientes d'esta ordem, que eu não vacillo em classificar de balões de oxygenio, é porque mal lhe vae a vida politica.

Uma das circumstancias,- o factor primordial da fraqueza em que se encontra este Governo de suppostos liberaes, é precisamente o haver-se concentrado com o partido a quem invectivava da forma mais cruel, pouco antes, e a quem fazia a opposição mais declarada, aberta, e intransigente.

Por muito pouco que o paiz saiba ler, lê ainda o sufficiente para que não possa ser grosseiramente enganado.

eviramentos d'esta ordem não teem desculpa.

O desastrado connubio dá a nota da falta de força dos regeneradores-liberaes. Ninguem os obrigava a ir ao poder. Identificassem se com a Nação, e não precisariam do accessorio do partido progressista, que n'este caso é um verdadeiro trambolho para o partido que se lhe associou.

O Sr. José de Azevedo: - E que trambolho !. . .

O Orador: - O certo é que a parte concentrada com o Sr. Presidente do Conselho já lhe fez duas advertencias, pelo menos; e d'aqui a pouco não será para surprehender que os dois irmãos inimigos dêem que falar ao paiz.

De resto, o exemplo vem de longe. Tambem os irmãos Etéoclo e Polynicio, filhos incestuosos de Edipo e de Jocasta, acabaram por entre matar-se.

E note a Camara que esse feito deu-se anteriormente á expedição dos Argonautas á Colchida, e portanto, antes da guerra de Troia. Coincidiu com a guerra de Thebas, denominada dos sete chefes.

Agora tambem lia muitos chefes; talvez ainda mais do que n'aquelle tempo, intitulado - heroico. O que ha é muito menos heroismo.

Nos tempos antigos, heroicos, a morte era real e verdadeira; agora, os dois irmãos inimigos poderão apenas morrer politicamente, e ainda assim é preciso que tenham pouco fôlego.

O Governo está fraquissimo, e não pode deixar de o estar.

O Sr. Presidente do Conselho não tem já tónicos sufficientes com que possa revigorar a fibra do seu partido, que está flacida: - até mesmo se pode dizer que está murcha.

O Sr. Presidente do Conselho promette e não cumpre, mas suppõe que cumpre.

Segundo La Rochefoucauld, acredita-se facilmente o que se deseja, o que equivale ao clássico facile credimus quod volumus.

S. Exa. pretende servir dois annos ao mesmo tempo: - a liberdade e a reacção; e isso é completamente impossivel. Está em contradicção com o Evangelho; e, o que é peor, com o estado em que tem a fibra.

Mas como S. Exa. quer factos, e não apenas combates politicos, nem oratoria, ainda que seja levada ao ultimo grau da eloquencia, como aqui a tem elevado o Digno Par Sr. Arroyo; e deseja de preferencia a convicção expressa, infiltrada pelos factos, vou tratar de factos, começando por ler a minha moção, que, diga-se de passagem, é longa, e que, como a Camara reconhecerá, alveja mais de uma administração.

Comprehende-se que, sendo este o quinto discurso da Corôa, de novo o recordo - sem resposta, seja extensa a moção por mim firmada, e que procurarei justificar em cada um dos seus pontos.

A minha moção é do teor seguinte:

MOÇÃO DE ORDEM

Em resposta ao Discurso da Corôa, entende esta Camara dever ponderar que já Socrates, o criador da sciencia moral, affirmava quatrocentos annos antes de Christo: "Os cidadãos bem conceituados devem respeitar as leis, sem excepção das que parecem más, para que os mal conceituados não tenham pretexto para desrespeitar as que são boas".

Como, decorridos cerca de dois mil e quatrocentos annos, se tem observado entre nós este sabio preceito, attestam-o os repetidos attentados politicos commettidos nos ultimos tempos.

A constituição do Estado tem sido feita em farrapos, desequilibrando-se completamente os quatro respectivos poderes, com desprezo patente do artigo 10.º da Carta Constitucional, que lhes estabelece a divisão e harmonia, como o mais seguro penhor de tornar, effectivos os direitos e regalias dos cidadãos. Pelo Poder Moderador e pelo Poder Executivo foi absorvido o Poder Legislativo, e fundamentalmente diminuido o Poder Judiciario.

Na sua enunciação constitucional, o Poder Legislativo occupa o primeiro logar, para, no seu falseado exercicio, fornecer a materia prima de que foi urdida a exhautorante divisa despotica:- il n'y a que des princes et des choses.

Com menoscabo da dignidade nacional e completo 'esquecimento da constituição politica do Paiz, até as formulas consuetudinarias teem sido desprezadas. Assim, esta Camara nem sequer respondeu aos quatro ultimos diplomas da mesma indole do que está em debate.

O Discurso da Corôa de setembro de 1904 jaz no limbo de uma commissão que não chegou a dar parecer acêrca d'elle. O que foi lido em abril de 1905 só em 5 de setembro d'esse anno entrou em discussão, cujo interrompimento se verificou pelo golpe de Estado de 10 do mesmo mez e anno, estando o abaixo assignado para continuar no uso da palavra, a qual lhe ficara reservada na sessão do dia 8.

Relativamente ao discurso de fevereiro do corrente anno, nem commissão chegou a ser eleita, para, a respeito d'elle, formular parecer. Outro tanto succedeu com o que foi pronunciado em 1 de junho preterito. Colheu-o a dissolução da Camara electiva de 5 d'esse mez, com a circumstancia aggravante d'essa Casa do Parlamento não estar ainda constituida, e de, por esse mesmo decreto, serem convocadas inconstitucionalmente para 29 de setembro, as Corres Geraes.

A resposta ao Discurso da Corôa, que outr'ora constituia campo aberto para util torneio oratorio, de indispensavel fiscalização parlamentar, deixou mesmo de ser votada. Hodiernamente tem-se dado culposa preferencia aos desmandos de toda a ordem, a começar pelas infracções constitucionaes, de caracter geral, e pelo menosprezo das garantias dos cidadãos, consignadas ao artigo 145.° da Carta. Arvoraram-se, em paladio inequivoco de Governo, a violencia, a anarchia e a corrupção, reforçadas pela mais alardeante tolerancia para com os auctores dos mais criminosos commettimentos.

De molde seria, n'este momento, precisar factos, pelos quaes se evidenciaria que não foi exclusivamente, sob o ponto de vista lithurgico, que os tres anteriores Ministerios andaram divorciados do convivio das leis do reino. Attento, porem, ao seu desapparecimento da tela do poder, prefere esta Camara abster-se de lhes criticar os actos n'esta occasião, lastimando simultaneamente que o Gabinete actual se tenha concentrado com um dos ramos do rotativismo que tão acerba e insistentemente condemnara, para em parte, d'elle ser agora o reflexo, nos gafados expedientes e nos exauctorados processos.

N'esta ordem de ideias, merece preferencia o relato, evitando tanto quanto possivel personalizações, das circumstancias em que nos encontramos, concernentemente á legislação que, pelo seu caracteristico oppressor, tyrannico e de excepção, demanda radical transformismo. Parallelamente, apropositada se torna a enumeração das reformas a realizar para que se attinja, sem delongas, o predominio indiscutivel, altivamente correcto, da soberania nacional e da legalidade, na superintendencia e cultura dos negocies publicos.

Obedecendo a este norteamento, convem recordar, mais uma vez a indispensabilidade de substituir quanto antes a lei eleitoral existente, que a não ha tão absurda em nação alguma, cujo regimen seja pautado pelos principios representativos e parlamentares.

Com identica feição purificadora, teem de ser profundamente reformadas a lei reguladora da emissão do pensamento, de 7 de julho

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de 1898, e a organização da policia. Aquella convem expurgai-a das taras rebaixantes da missão da imprensa, essencialmente civilizadora; e, como tal, respeitada e protegida pelos povos que se prezam.

policia tem de mudar, em todo o ponto, de normas, deixando de ser perseguidora e, por vezes desordeira, para se converter em instrumento de protecção e amparo dos cidadãos, operando para tal fim, pela persuação e delicadeza, e nunca pela grossaria e pelos maus tratos. Associadamente, como principal alavanca tyrannica e pedra angular do absolutismo bastardo da actualidade, exhibe-se o Juizo de Instrucção Criminal, verdadeiro sorvedoiro do depauperado Thesouro, e cujo correspondente decreto de 19 de setembro de 1902, ampliando-lhe as antigas, esmagadoras e deprimentes attribuições, se baseia-util é mais uma vez recordal-o- na suspeição, na delação e na espionagem.

Esta, a espionagem, ultimo refugio de deshonestos Governos moribundos, tem sido largamente empregada em detrimento de ordeiros homens publicos, provocando por parte de um d'elles, na vigencia do ultimo consulado progressista, um severo correctivo, a que nem sequer faltou a mais notoria e significativa publicidade, e que teve ha poucos dias repercussão n'esta Camara.

Apesar d'isto, ou melhor, por isto mesmo, e por outras ignominias de igual jaez, mantem-se e manter-se-ha até á integra liquidação do existente, a Bastilha famosa, que pode ser transferida de local e experimentar, no seu organismo, uma ou outra modificação, mas cujo dirigente, tristemente celebre, por todos os aspectos, e ali illegalmente installado, ostenta de inamovivel, como o symbolo mais completo da putrefacção dominante.

E todavia, a moralidade, a legalidade e a liberdade, tão preconizadas theoricamente pela situação actuai, impunham a eliminação immediata d'aquelle antro funesto e o de outros muitos aleijões vigentes, com a regressão á legislação de 1885, para começo de vida decente e pautada. Exercer-se-hia então adequadamente o liberalismo á inglesa, tão apregoado no campo abstracto do platonismo ministerial; e, sem transpor as fronteiras do reino, encontrar-se-ia em avoengo illustre da concentração - no liberalismo á setembrista, hoje tão esquecido - o modo pratico de realizar essa urgica e recommendada reforma.

Não haveria para isso melhor e mais autorizado modelo do que o que faculta o decreto de 10 de setembro de 1836, mandando pôr em vigor a constituição politica de 23 de setembro de 1822, e referendado por Manoel da Silva Passos.

Com esse acto de salubrização desappareceria, entre outros abortos, em conformidade com as minhas repetidas instancias, o decreto de 18 de abril de 1901, que aportaria franquista de 18 de junho de 1906 ainda peorou, e que contraria o decreto de 3 de setembro d 1759 do grande Marquez de Pombal, e o de 28 de maio de 1834, de Joaquim Antonio de Aguiar. Por elle, pelo de l8 de abril, foram estabelecidas, sob o euphemismo de associações, as ordens religiosas, cujas retumbantes façanhas, como a do inventario Camarido, vão tendo os mais escandalizadores e deploraveis resultados.

No limbo teria tambem ingresso o Codigo Administrativo de 4 de maio de 1896, com o seu inqualificavel artigo 431.°, que estabelece a impunidade para os criminosos administrativos, com menoscabo da justiça ordinaria, tão amesquinhada por esse e outros expedientes, em que ella é humilhantemente absorvida.
Substituil-o-hia o Codigo descentralizador de 6 de maio de 1878, inconvenientemente revogado pelo de 17 da julho de 1886, um dos partidos productos da anarchica dictadura de então, a qual foi o inicio do arbitrio prevalecente da ultimos annos.

Á sombra d'elle, d'esse arbitrio escandaloso, usou-se e abusou-se da dictadura ao ponto de actos de tal indole ainda não estarem hoje resalvados pelo bill de indemnidade correspondente e imprescindivel, consoante succede com a decretação, pela penultima gerencia regeneradora, de caminhos de ferro no norte do paiz.

O appello para essa impura origem de providencias governativas parecia dever estar vedado ao presente Ministerio, cujas terminantes declarações de legalismo, pela palavra do seu presidente, o afastavam de semelhante caminho.

Não succedeu, porem, assim. Os solemnes protestos foram postos de parte pelo decreto de 30 de julho de 1906, que, por certo, não resolveu a crise duriense, nem sequer a attenuou sensivelmente.

Ter-se-hia engrandecido, com elle, o poder real?

É esta uma das antigas preoccupações do Sr. Presidente do Conselho, e que mais deploraveis resultados produz na administração publica. Para a traduzir em factos, empregou outr'ora, em larga escala, a dictadura. Para a continuar reverenciando presentemente, arvora-se em legalista, cuja feição original se evidenceia pelo uso que faz de diplomas illegaes, no cultivo da sua pseudo-transformação. Haja em vista o succedido com a applicação do decreto eleitoral de 8 de agosto de 1901.

Na instrucção e beneficencia publicas muito ha tambem a operar no sentido de as reorganizar, descentralizando-as, e de as diffundir, em proveito geral, fora do terreno especulativo. Cultivá-las como arriête de degenerada influencia do poder central e de seus delegados immediatos, não deve ser, não pode ser.

Na vigencia de uma lei de responsabilidade ministerial, que tal nome merecesse, não teriamos descido tão baixo quanto actualmente nos encontramos, e os factos adduzidos comprovam.

No trilho depurador pelo caminho indicado, teria sido expungida da legislação patria a lei perversa de 13 de fevereiro de 1896, cujo feitio cruel mais se patenteia, se é possivel, perante o modo como ella tem sido executada, ou antes deturpada e illudida.

O repatriamento de todas as suas victimas, sem dilação, estava indubitavelmente aconselhado com o advento regenerador-liberal. Com magua, porem, fica registado que essa humanitaria medida, de tão expressivo alcance, ainda não teve execução, na sua integra.

Para considerar é tambem que toda a utilidade haveria, por certo, em que as funcções da magistratura fossem incompativeis com outras quaesquer, sem prejuizo dos direitos politicos de cada um. Decorrencias, nada edificantes, aconselham esta medida hygienica.

O limite de idade para os magistrados, a sua independencia real, e a delimitação, expressa, na detenção preventiva, por modo que o habeas corpus não seja um mitho, recommendam-se como reformas urgentes.

Attenção identica devem despertar o ampliamento do emprego do jury nos tribunaes de 1.ª instancia, quer estes sejam ou não collectivos, e a assistencia de advogados aos accusados desde que se effectue a sua prisão, e durante toda a instrucção do processo, tornando-se esta abertamente contradictoria, para todos sem excepção.

Actos d'esta indole elevariam o nivel da justiça, e representariam acertadas garantias individuaes, em uso, com assignalada vantagem, em outras nações, e que entre nós, a observação de hodiernos acontecimentos patrocina perante os poderes publicos.

Para estranhar é ainda que a magistratura interprete differentemente, e tenha chegado mesmo a não cumprir o disposto no artigo 39.° da lei de imprensa de 7 de julho de 1898. O que aconteceu, pela intervenção judiciaria, com o livro Do Ultimatum ao 31 de Janeiro, e com quem d'elle fez transcripções, comprova tão nociva differenciação de processos, e quanto é desprezada a livre emissão do pensamento.

Em antagonismo manifesto com os antecedentes liberaes, está igualmente a complacencia, se não a protecção, dispensada ao ultramontanismo, cujos sectarios, e começar pelo prelado da diocese de Lisboa, d'ella usam e abusam por modos variados, em prejuizo da liberdade de consciencia, da paz domestica e dos legitimos haveres das familias.

Não escasseiam desgraçadamente os factos comprovativos d'estes assertos, e que, a seu tempo, serão especializados e desenvolvidos em adequada apreciação, se esta sessão legislativa não tiver a existencia ephemera das quatro anteriores.

Devido a isso, ainda estão vigorando o orçamento de 1904-1905 e correlativas propostas de fixação da força publica, com violação incontestavel do artigo 13.° do Acto Addiccional de 5 de julho de 1852, e do artigo 7.° da lei de 3 de abril de 1896.

Em circumstancias similares, e no reinado de Carlos I de Inglaterra, o cidadão Hampden, primo de Cromwell, recusou-se a pagar o imposto do ship-money, e n'esse sentido fez activa propaganda, que reuniu grande numero de prosélitos e constituiu um dos prologomenos da decapitação d'aquelle Monarcha, em 1649.

Por longa interrupção no nosso viver parlamentar, não puderam ser ventiladas convenientemente reformas de tanta urgencia, como a da abolição dos passaportes e a da extincção do imposto do consumo.

Por identico motivo, deixou de patentear-se em Côrtes que a situação financeira do paiz continua sendo periclitante e rotineira nos seus processos administrativos, conforme o authentica o seguinte enunciado:

A persistencia na falta, que nem desculpa já tem, da remodelação de contabilidade publica,- mais uma vez promettida n'este momento;

A precaria existencia dos prestamistas e dos funccionarios de Estado, os quaes ainda se encontram sob o signo da lei espoliadora de salvação publica de 26 de fevereiro de 1892, e cuja miseria forma repugnante contraste com as desregradas despesas de ostentação e de gozo, por parte de privilegiados a quem cabia dar exemplo de parcimonia e compostura;

A adopção de suppostas medidas redemptoras, como as dos decretos presidenciaes de 15 de junho e de 6 de setembro do anno corrente, mais de effeito espaventoso do que de justo ataque ás obras vivas das pingues sinecuras exploradas por pujantes orçamentivoros, acobertados para esse fim, pelo compadrio e pelo nepotismo;

A complacencia, pôr vezes até afixada, para com a plutocracia insaciavel, cuja avidez se affirma, em regra, damnosamente para os interesses do Estado e de seus estipendiados servidores, alvejados estes, indirectamente, por semelhantes processos de ruinosa condescendencia;

O quadro entristecedor offerecido pela questão dos tabacos, cujo regimen monopolista foi adoptado pelo executivo, sem audiencia preliminar do poder legislativo;

A parcial teimosia, em beneficio do capital contra o trabalho, com que ha mezes é protelado o despacho, acêrca da justa pretensão dos operarios manipuludores dos tabacos, para que seja Convocada a commissão arbitral, a fim de esta ser ouvida referente-

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mente á interpretação a dar ao n.° 1.° do artigo 5.°, concernente á partilha de lucros, da lei de 23 de março de 1891;

A conservação do deficit nas contas do Thesouro, a despeito do que, em contrario, possa ter sido asseverado pelos profissionaes da orçamentalogia, e seus adeptos;

A venda de titulos da divida publica, na posse da Fazenda, como norma de funesta administração;

A indisculpavel incuria attestada pelo facto, que imprime caracter, de não se terem modificado em tempo util as condições fiduciarias existentes, que obstam á convertibilidade, em ouro, da nota, com cambios ao par;

A inscripção nos orçamentos do Estado, de verbas que não estão legalmente auctorizadas; e a eliminação de outras cuja legalidade não admitte duvidas;

A cifra, positivamente pavorosa, a que se eleva a divida fluctuante, attingindo em 30 de setembro preterito a totalidade de réis 74.212:146$150;

A diminuição de 132:963$540 réis, na receita geral da Alfandega de Lisboa, durante o anno civil de 1905;

A conjugação d'essa cerceadura de rendimento com a exploração do porto da capital pela empresa Hersent, e com a fraude famosa dos espelhos por espingardas, assas indicativa;

O uso e abuso de creditos especiaes, de caracter extraordinario e ordinario. Dos primeiros, uns foram debatidos perante o Conselho de Estado, na vigencia já do actual Ministerio, elevando-se, segundo o decreto de 28 de maio, a 2.547:366$665 réis, cuja significação não foi sequer attenuada pelo decreto de 15 de junho da mesma indole; e os outros, comprehendidos na proposta de lei de 16 de agosto de 1905, firmada pelo Sr. Conselheiro Espregueira, ascendiam á importante somma de 7:230 contos de réis, numeros redondos, sem nunca terem tido seguimento parlamentar.

Os de caracter ordinario elevam-se tambem a avultada quantia, segundo se verificará pelos mappas respeitantes aos annos economicos de 1904-1905 e 1905-1906, e que opportunamente serão submettidos á apreciação da Camara.

No meio d'esta verdadeira derrocada, para notar é, satisfatoriamente, o pedido feito de um credito de 5 contos de réis, como preparativo indispensavel da viagem recente do herdeiro presumptivo do throno a Hespanha. Até agora não estavam em pratica as previas dotações, legalizadas, de viagens a effectuar ou a receber. Este traço retintamente esbanjador patenteia quanto a escripturação official tem estado divorciada da correcção e sinceridade que deviam caracterizar um assumpto de tanta magnitude, como é o das contas do Erario.

Para apuramento de responsabilidades, pelo viver desregrado dos annos derradeiros, está naturalmente aconselhado um escrupuloso inquerito ás Secretarias do Estado, como em 1879 e em 1880, e não visando apenas um ou outro funccionario, a quem provisoria e incidentalmente tenha amortecido a lampada que possue na casa de Meca.

Já na sessão de 11 de abril de 1902 eu advogava, n'esta Camara, a necessidade de se appellar para essa therapeutica, cuja aproposito augmentou depois, a diario, com a folia desperdiçadora dos tempos rotativos.

Alem d'este e d'outros revulsivos, e da regularidade e nitidez preconizadas na elaboração da contabilidade publica, indispensavel se torna, mesmo quando se trata da defesa nacional, que haja nas despesas accentuada economia, sem que esta attinja o exagero, sempre nocivo, e que a experiencia condemna.

Antes da campanha franco-prussiana de 1870, o corpo legislativo francez recusou os creditos pedidos pelo marechal Niel, para a reorganização do exercito, em geral, e das praças fortes de leste e da artilharia, em especial. O marechal pedia, para isso, duzentos milhões de francos. A guerra custou á França dez milhares de milhões, centenas de milhares de existencias e duas provincias.

É eloquente a lição que resalta d'estes factos colhidos no estrangeiro. Entre nós, em escala naturalmente muito mais reduzida, tambem se teem dado acontecimentos especialmente instructivos.

N'estes termos, para notar é que, no anno economico de 1903-1904, se excedeu a verba orçamental, em 907:400$000 réis, pelo que respeita principalmente á conservação nas fileiras de maior numero de praças do que as 23:000 auctorizadas. Em 1904-1905 o excesso, por identico motivo, foi de 269:500$000 réis, A differença é, portanto, entre os dois exercicios, e a favor do ultimo, de 637:900$000 réis,

Se, conforme eu ha annos sustento, na administração dos negocios da guerra houvesse sequencia technica, independentemente de mudanças politicas, não se daria o distanciamento que fica exarado; nem os programmas para ministrar instrucção estariam sujeitos ás fluctuações por todos conhecidas, e com bons fundamentos condemnadas; nem tão pouco haveria a registar outras anomalias, das quaes é typica a respeitante aos exercicios do Bussaco, em 1904, em seguida condensada:

Verba auctorizada em virtude do orçamento do Ministerio da Guerra, no anno economico de 1904-1905 18:000$000

Despesa verificada, consoante a informação official, fornecida pelo mesmo Ministerio...... 44:1091327

Differença para mais do auctorizado 26:190$327

A uniformidade de systema produziria, relativamente aos gastos a realizar, importantes economias, que teriam proveitosa applicação no aumento dos meios offensivos e defensivos, nacionaes, e dos serviços correspondentes, A selecção dos quadros com a sua associada e larga iniciativa dada aos chefes, e a retribuição condigna a todos, sem excepção, poder-se-hiam então tornar effectivas sem maior sacrificios do Thesouro, e em ho menagem á justiça, á disciplina e aos principios profissionaes, inherentes a util e illustrada administração.

São estes requisitos, de feição a tornarem-se communs á armada; e, como taes, devem merecer a attenção dos poderes publicos. Conjuntamente, para considerar é a necessidade de fixação sobre um methodo que, salvaguardando os preceitos humanitarios, convenientemente dosados com a indispensavel energia, consolide a boa ordem, o respeito e a estima reciproca, no viver, frequentemente imprevisto e recheiado de responsabilidades, da marinha militar.

As exigencias maritimas da defesa patria, de que o porto de Lisboa é a chave, aconselham, na acquisição de navios, que se tenha em mente, para a escolha do seu typo, o ensinamento resultante da campanha russo-japoneza, acommodado aos magros recursos do Thesouro Publico.

No vasto campo da gerencia ultramarina, levantam justificados reparos, entre outros, os seguintes factos:

O abuso que se fez do artigo 15.° do Primeiro Acto Addicional, de 1852, decretando-se providencias, algumas bem dispensaveis e muitas de reconhecida gravidade, aparecidas a lume nas vesperas da abertura das Côrtes;

A anarchia administrativo-colonial, a que se fará mais desenvolvida referencia, no decurso dos trabalhos parlamentares;

O avultado alcance do caminho de ferro de Lourenço Marques, de que se ignora, ao que parece, a precisa cifra, e até os nomes dos auctores d'aquelle acto fraudulento e de audaciosa rapinagem.

São mais do que sufficientes, infelizmente, as irregularidades e atropelos esboçados, para que se reconheça a indispensabilidade de haver mui differente direcção, no cultivo dos assumptos do ultramar.

Concernentemente aos negocios de alçada diplomatica, deve merecer especial attenção a celebração de tratados e convenções commerciaes e de arbitragem, e muito conviria tambem o regresso aos antigos processos de correcta e regular publicidade dos Livros Brancos. Por esta forma o paiz, por si e pelos seus mandatarios, poderia conscienciosamente apreciar a orientação imprimida, nos litigios proprios, de caracter internacional.

Em abono d'esta asserção não faltam, alem dos antecedentes de procedencia interna, os exemplos salutares, derivantes do estrangeiro. Tenha-se presente o que aconteceu, na constancia da contenda marroquina, apesar da sua perigosa feição, por vezes elevando-se até ao rubro. Tanto a França republicana, como a Allemanha auctoritaria, não vacillaram, por declarações parlamentares e pela publicação de livros diplomaticos apropositados, em pôr os seus respectivos nacionaes e a opinião mundial, ao par do andamento das negociações, na sua complexa e melindrosa engrenagem.

Entre nós, nem sequer se publicaram ainda os documentos relativos ao porto de Lisboa, cujo numero é avultadissimo, nem tão pouco os respeitantes ao convenio com os credores externos. De resto, do convenio, só officialmente são conhecidas as famigeradas notas, allemã e franceza, de que resulta a aviltante fiscalização estrangeira, na forma em que ella foi imposta no Oriente, ás nações moribundas, segundo o qualificativo consagrado, da inventiva de lord Salisbury,

Semelhantemente, não são, por certo, impecaveis, os tradicionaes expedientes do Ministerio das Obras Publicas. Comprova-o á exuberancia, entre outros erros e dislates, o que se tem praticado na viação ordinaria, no porto de Lisboa, na questão agricola, e na questão operaria.

Com infiacção manifesta do artigo 3.° da lei de 3 de abril de 189G e do decreto de 24 de setembro de 1898, e com parecer contrario do Conselho Superior de Obras Publicas e Minas, foi decretada a construcção de trinta e oito estradas, durante o anno civil de 1905.

Ordenado á sombra da lei, foi muito menor o numero de estradas, o que é em todo o ponto symptomatico.

O decreto de 16 de julho preterito, e outras posteriores medidas, são insuficientes para pôr cobro a este e outros abusos. Não passam de um simples calmante.

O remedio radical a applicar só poderá encontrar-se na descentralização, que restitua aos districtos e aos municipios a faculdade de proverem ás exigencias da sua viação.

N'este e n'outros pontos, a tutela do poder central está julgada. Alem de esmagar iniciativas, que são apanagio de liberalismo, vivificador, deixa a porta aberta para ser exercitada como instrumento de corrupção e de mercancia de consciencias faceis, em antagonismo com os honestos interesses publicos.

O absolutismo bastardo predominante tem feito da centralização uma das suas armas mais potentes, cuja derogação se impõe a todos os espiritos rectos, - mais uma vez o certificamos.

Relativamente ao porto de Lisboa, dois fac-

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tores ha a tomar em linha de conta, para a resolução definitiva de negocio tão importante:-o decoro nacional e a utilidade publica.

O primeiro impõe-nos a obrigação indeclinavel de não se consentir, por mais tempo, que a exploração do porto da capital do reino seja feita por particulares, em que, demais, predomina o elemento estrangeiro, com todos os correspondentes vexames e contrariedades, não excluindo os de indole diplomatica.

As elevadas sommas despendidas, sem lucro correlativo em facilidades de commoda exploração, affirmam, por outro lado, bem alto, quanto se torna indispensavel a mudança nos processos existentes. Os seguintes algarismos, colhidos em informações officiaes, esclarecem apropriadamente o assumpto:

Pagamentos feitos ao empreiteiro, desde 1887-1888 até 30 de junho de 1905 6.353:462$214

Receita bruta da exploração commercial do porto, desde junho de 1894 a 30 de junho de 1905 2.652:096$526

Somma em réis. 9.035:558$740

Se se tiver ainda presente que em 8 de maio de 1907 finda a concessão Hersent, a sabia prudencia traz-nos á lembrança que se torna urgico preparar, desde já, a successão, que - mais uma vez convem recordar - deverá amoldar-se pelo que se pratica com os caminhos de ferro do Estado, e com as matas nacionaes. A proposta de lei, com a data de 8 de outubro, apresentada na Camara electiva, em sessão do mesmo dia, satisfaz na sua essencia e linhas geraes ás aspirações que ficam esboçadas.

Com relação á agricultura, a lei fundamentalmente latitudinaria de 1 de julho de 1903 não lhe trouxe prosperidade de especie alguma. A coberto d'ella, foram torcida e forçadamente adoptadas medidas dispendiosas, em que se prestou vassalagem ao compadrio, com preterição palpavel dos verdadeiros interesses agrarios.

Recentemente, a região do Douro reagiu, com fundados motivos, contra a precaria situação que a insaciavel especulação mercantil lhe criou.

Para combater este mau estar, apenas se tem decretado paliativos, cuja ineficacia era de prever, e se tem evidenciado.

O problema duriense deve de ser resolvido a fundo, tendo-se presente as cordatas aspirações dos proprietarios honrados e dos trabalhadores ruraes, sem contemplações de especie alguma com os especuladores que procuram medrar á custa da desgraça alheia; mas não esquecendo, por outro lado, os interesses de boa lei dos vinhateiros do sul.

Attingirão esse desideratum as providencias datadas de 2 de outubro, e que estão sujeitas á apreciação parlamentar? Não as reputamos n'essas condições; e por esse motivo fazemos votos para que sejam modificadas, em interesse geral, no sentido mais conciliador.

É igualmente de toda a justiça que o Governo, em conformidade com o seu program-ma, muitissimo attenuado - diga-se de passagem- perante o seu qualificativo de liberal, aborde a questão operaria, e attente no que ella tem de legitimo.

Em 1902, o Conselho Central da União Nacional das Artes Texteis apresentou n'esta Camara um requerimento, por intermedio do abaixo assignado, que defendeu, e fez valer, as revindicações do trabalho, em differentes sessões.

A despeito da sua insistencia, nada de pratico e de positivo se obteve.

Muito para desejar é que se remedeiem agora as lacunas, então apontadas, e que constam não só dos Annaes parlamentares, como tambem do Diario do Governo em que foi publicado o requerimento que as consignava.

São as reformas d'esta natureza caracteristicamente socialistas, ou antes sociaes, e não constituem novidade, nem despertam receios, nas monarchias bem equilibradas e precavidas.

Conjugadas e levadas á pratica com as de indole politica e com as de feição economica e financeira, consoante o que fica exposto, resgastar-nos-hiam do constitucionalismo falsificado que ha annos nos tyranniza, nos esmaga e exautora, no conceito autorizado de todos os homens livres, de espirito imparcial, sem distincção de nacionalidade.

Sebastião Baracho.

O Sr. Presidente do Conselho deve estar satisfeito com os factos que acabo de apontar.

O enunciado que fiz vae ser desenvolvido e fundamentado com os documentos que tenho á vista.

Começarei a minha analyse pelos dois decretos emanados da Presidencia do Conselho, e quê foram recebidos com os maiores elogios por parte da imprensa affecta á actual situação, o que a ninguem surprehende.

Esses decretos são: - o de 1 õ de junho, referente a gratificações e vencimentos illegaes; e o de 6 de setembro, que mandava regressar aos seus logares os funccionarios que d'elles estivessem afastados.

Requeri, como é meu direito, relações nominaes, para apreciar como tinham sido cumpridos estes decretos, isto é, se n'elles tinham sido satisfeitos os principios de justiça e rectidão, não havendo excepções. É intuitivo que só pelo arrolamento pedido, poderia avaliar da sinceridade com que taes diplomas haviam sido executados.

Infelizmente, de todos os Ministerios, por onde solicitei relações nominaes, apenas do Ministerio dos Negocios Estrangeiros me foram fornecidos os relacionamentos correspondentes ao decreto de 15 de junho.

Quanto ao decreto de 6 de setembro, sei que não tem tido integral cumprimento. Em taes circumstancias, melhor teria sido que o não tivessem publicado; e, se estou em erro nas minhas asserções, confundam-me com o fornecimento das relações que requeri como membro d'esta Camara.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - O Digno Par sabe que lhe teem sido fornecidos muitos documentos. Eu mesmo dei ordem para que todos os documentos fossem fornecidos com a maior brevidade.

Se ainda não foram todos entregues ao Digno Par é porque os afazeres nas secretarias o não teem permittido 5 mas em meu nome e em nome dos meus collegas fica S. Exa. autorizado a consultar nas secretarias todos os documentos, quer em relação ao decreto de 15 de junho, quer em relação ao de 6 de setembro, e asseguro ao Digno Par que hei de dar ordem no sentido de apressar a satisfação dos pedidos de S. Exa. Por uma forma ou outra, ainda n'esta sessão o Digno Par terá todos os elementos para poder apreciar a maneira como esses decretos foram cumpridos.

O Orador: - Agradeço as explicações do Sr. Presidente do Conselho. Mas em resposta a ellas, começo por declarar que não farei consultas ou investigações nas Secretarias. do Estado, cujos humbraes não transponho ha annos, a não ser os do Ministerio da Guerra, por dever de officio. Não disponho de tempo para visitas d'essas que, demais, poderiam ser interpretadas em sentido que se não coaduna com o meu completo isolamento dos poderes constituidos.

Sr. Presidente: reconheço que pedi muitos documentos e que um grande numero d'elles me teem sido fornecidos, como, por exemplo, pelo Ministerio do Reino, da Fazenda e das Obras Publicas.

Com outros, porem; não se tem dado identicos processos egualmente expeditos, sendo para notar, pelo seu retrahimento, os Ministerios da, Justiça e da Marinha.

O Ministerio da Guerra tem, nesta especialidade, situação media.

Mas affirmava eu que, referentemente ao decreto de 6 de setembro, elle não tinha sido applicado na integra.

Não cito os nomes dos poupados, por motivos que são obvios.

Não me esquivo, porem, a designar um dos poucos attingidos.

Refiro-me ao primoroso poeta, gloria das lettras patrias, Raymundo de Bulhão Pato, com cuja amizade me honro ha longos annos.

Faço justiça ao Sr. Ministro das Obras Publicas, que é um erudito, quanto lhe devia ter sido penoso saber que Bulhão Pato fora forçado, consoante noticiaram os jornaes, a vaguear pela Arcada, em regressão ao seu modesto cargo de burocrata.

Elle, que tinha logar marcado entre Herculano, Castilho, Camillo, Latino, Corvo e ainda outros, que constituiram no seculo XIX. o privilegiado cenaculo da litteratura portuguesa, elle, repito. foi condemnado á penitencia de redigir, se não de simplesmente copiar, papelada de expediente de secretaria de Estado.

Felizmente [...]Academia das Sciencias, que o libertou das peias que obstariam a que elle continuasse a dirigir com assiduidade

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a publicação dos Monumentos Ineditos os quaes vão no seu tomo v.

Restituido á sua thebaida de Caparica, muito tem a lucrar ainda o paiz com os trabalhos litterarios elaborados por espirito tão lucido, tão cultivado, tão fora dos moldes tacanhos e mesquinhos da vulgaridade reinante.

Quanto aos córtes motivados pelo decreto de l5 de junho, não foram elles igualmente pautados pela mais escrupulosa rectidão.

Applaudo, sem restricções, o despedimento dos parasitas que se acobertavam com o disfarce de jornaleiros.

Com estes, porem, com os autenticos, houve demasiado rigor, que se não coaduna com as complacencias, que mal se explicam, para com a marinha militar.

Os primeiros, os desgraçados, aguardam que o orçamento do Estado se pronuncie.

Aos outros, que dispõem de força, foi reservado logar excepcional.

É tudo isto muito triste*

Sr. Presidente: eu não reclamei só os arrolamentos derivantes dos decretos de 15 de junho e de 6 de setembro. Requeri cumulativamente relações nominaes, concernentes aos funccionarios civis e militares, em contravenção com os §§ 5.°, 6.° e 7.° da lei de salvação publica de 26 de fevereiro de 1892.

A imprensa ministerial annunciou com persistencia que o Governo tomaria providencias sobre a materia, representadas por um decreto que poria termo aos abusos existentes. Não succedeu, porem, assim; e, para obviar a este reviramento de opinião, solicitei os esclarecimentos relativos ao assumpto.

N'esta minha legitima pretenção, ainda fui menos escutado do que com as outras da mesma indole. Nem uma unica informação me foi até hoje facultada. No regimen da liberdade, da legalidade e da moralidade, tão apregoado pelo Sr. Presidente do Conselho, os processos são estes.

Eu sou -- mais uma vez o consigno - contra a conservação da lei de salvação publica, cujo feitio espoliador não tem defesa, perante os esbanjamentos correntios, com que medram nepotes e afilhados, e que desfrutam e gozam despreoccupadamente os que deviam primar em dar salubres exemplos de parcimonia e correcção.

Emquanto ella, porem, subsistir, pugnarei por que seja cumprida á risca, e não succeda o que está succedendo. As portas abertas ás escancaras, para os apaniguados e favorecidos, não teem conta.

Pois ainda são poucas, ao que parece, para o Sr. Ministro da Marinha, que acaba de abrir mais uma, com o seu decreto reformando a Junta Consultiva do Ultramar, e que permitte a accumulação da retribuição d'este serviço com a de outros quaesquer vencimentos. É completo, sem a menor duvida, como fruta do tempo.

Registadas estas incongruencias, para não lhe dar nome mais apropriado e expressivo, vou passar em revista os assumptos de ordem politica, começando pela reforma da Carta, prevista no Discurso da Coroa, e pela questão constitucional, por mim levantada, logo que se iniciou a sessão parlamentar que está decorrendo.

Relativamente á segunda d'estas duas questões, é evidente que a existencia ministerial não está constitucionalmente regularizada. É expresso, no caso sujeito, o artigo 7.° da lei de 3 de abril de 1896, a qual nitidamente prescreve que, sendo a Camara dos Deputados dissolvida sem estarem approvados o Orçamento Geral do Estado, as propostas fixando as forças de terra e mar e a dos contingentes de recrutamento da força publica, as Côrtes se reunirão no prazo de tres mezes a contar da dissolução, em sessão ordinaria ou em sessão extraordinaria, para o exclusivo fim de deliberarem, acêrca dos projectos de lei que ficam designados.

Não me alongo em considerações perante infracção tão grave, porque o assumpto foi por mim documentado, por forma a ainda não ter tido resposta, na respectiva proposição, que apresentei no inicio dos trabalhos parlamentares.

Neste momento limito-me, portanto, a chamar a attenção do paiz para os ouropeis com que se enfeita o apregoado legalismo ministerial.

Quanto á reforma da Carta, o Discurso da Corôa a ella allude, na verdade.

Em que termos? Não os menciona o Governo, o que, pelo menos, é incorrecto.

As surpresas em assumpto tio delicado nunca podem constituir norma de acceitavel administração.

Em taes circunstancias, o facto a considerar reduz-se ao reconhecimento, pelo Governo, da necessidade de reformar mais uma vez o nosso codigo fundamental.

Neste caminho eu vou muito mais adeante. Entendo que a Carta deveria ser substituida por uma constituição essencialmente democratica, para cuja elaboração ainda poderiam fornecer precioso contingente a constituição de 23 de setembro de 1822 e a de 20 de março de 1838.

Como, porem, o Governo não se amolda por estes principies, 15mitar-me-hei a lembrar-lhe que é indispensavel restabelecer o artigo 77.° da Carta, e expungir dos textos constitucionaes a indicação de os Ministros serem do Rei. Nunca o foram em regimen liberal, mesmo attenuado. São-o do Estado, exclusivamente do Estado. Assim os denominam as t Constituições de 1822 e de 1838, e a propria Carta.

Essa revoltante designação appareceu pela primeira vez no segundo Acto Addicional de 24 de julho de 1885, e teve nova edição naturalmente na lei reaccionaria de 3 de abril de 1896.

Em holocausto á decencia nacional e sua inherente altivez, tão desacertada e impropria denominação tem de ser eliminada, insisto, da legislação vigente. Secretarios do Rei são os seus secretarios particulares, não são os Secretarios de Estado.

A par d'isto, o reintegramento do artigo 77.° é de facil justificação. Basta, para tal effeito, recordar que ello é assim concebido:

O Rei não poderá sair do reino de Portugal sem o consentimento das Côrtes Geraes, e, se o fizer, se entenderá que abdicou a Corôa.

Em grande parte, as difficuldades dos ultimos tempos, nas altas espheras, derivam d'essa concessão, cujo abuso tanto prejudica, sob todos os aspectos, os interesses nacionaes.

O Sr. Presidente do Conselho promette igualmente a reforma eleitoral.

Nada mais necessario; e, se a este respeito houvesse qualquer duvida, bastaria lembrar como o decreto de 8 de agosto de 1901 foi ainda ha pouco applicado pelo proprio Sr. Conselheiro João Franco.

Esmero me por fazer a todos justiça. N'esta marcação, reconheço que as ultimas eleições realizadas, não obstante os seus baixos, tiveram cunho de largueza e de honestidade, ha annos em desuso.

Todavia, commetteu-se uma falta fundamental. N'alguns circulos, o Governo disputou maiorias e minorias.

E certo que não fez, com os desdobramentos effectuados, selecção de opposicionistas. Mas, nem por isso, deixou de falsear o espirito da lei, que não pode limpamente permittir semelhantes accumulações.

A não ser para demonstrar que ella é, sem contestação, ignóbil, segundo o conceito do Sr. João Franco, de antigo opposicionista, não se comprehende que se lançasse em tal aventura quem, por esses e outros processos não menos condemnaveis, fora espoliado na epoca do seu ostracismo. Com a lei vigente, e por esta forma, o Ministerio do Reino é que nomeia os Deputados. A representação nacional é um mitho:-Não existe.

É de urgente necessidade que se elabore uma nova lei eleitoral (Apoiados do Sr. Presidente do Conselho), e que ella seja, pelo menos, pautada pela de 1884, cujo restabelecimento, no que se refere ao seu caracter mixto e for-

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mação dos circulos urbanos, com representação de minorias, ainda hoje se re-commenda.

Uma lei d'essas produziria uma representação nacional harmónica, e não como a actual, em que, por exemplo, a parte rural, analphabeta, dos dois circulos de Lisboa excede em muito a parte urbana. Comprova-o um mappa que organizei, em conformidade com o censo de 1 de dezembro de 1900, e cuja leitura passo a fazer1.

São ou não expressivos os dados apontados? Chegam até a ser esmagadores.

Nego, porventura, aos cidadãos ruraes a faculdade de se fazerem representar?

Não. Todos teem esse direito, o que não obsta a que não devera continuar agrupados os dois elementos discordantes, com a agravante de um absorver o outro, sendo precisamente o absorvente o menos numeroso e o menos instruido.

A nova lei tem de acabar com tão nociva confusão, para que a Camara que d'ella saia prime pela sua pureza e homogeneidade, se a lealdade não for, pela sua parte, esquecida, nas operações eleitoraes.

Uma Camara, em taes condições eleita, mereceria o respeito e sympathia de nacionaes e de estrangeiros. Teria categoria, quando violentamente dissolvida, para despertar exclamação similar á que produziu, com a dissolução da Duma Russa, u primeiro Ministro britanico, Sir Campbell Bannerman: - "A Duma morreu viva a Duma!".

Este viva echoou em todo o mundo,- em todos os corações liberaes. Foi levantado por quem tinha indiscutivel idoneidade para o fazer: - pelo representante official de uma poderosa nação que, no culto do parlamentarismo, é modelar.

Folgo em reconhecê-lo mais uma vez, o que não me priva, como, demais, tenho demonstrado, de lhe repelir os agravos, quando elles nos attinjam de novo.

E não se intimide o Sr. Presidente do Conselho com a representação castiça que uma lei honesta, applicada honestamente, possa produzir.

Ha annos patenteio aos varios Ministerios que tenho combatido, que elles, pelos seus actos arbitrarios, indesculpaveis, engendravam todos os dias legiões de republicanos:- peor do que isso, legiões de descontentes.

Não me quizeram ouvir, e os factos vieram demonstrar a veracidade dos meus assertos. Theoricamente, parece d'isso convencido o Sr. Presidente do Conselho, que, no seu penultimo discurso, proferido n'esta Casa, affirmou que a melhor repressão reside no cumprimento das leis, sem excepções de especie alguma, e na sua elaboração, imprimindo-lhes cunho de sabedoria e liberalismo.

Na pratica, quanto se distanceia o Sr. João Franco d'esta salutar doutrina!. . . Tenham se presentes - para não sair do assumpto que venho versando- as condições em que S. Exa. dissolveu em õ de junho a transacta Camara Electiva. Ha nada mais tumultuario?

Ella, nem sequer chegou a constituir se; e, circumstancia digna de consignar-se, o Tribunal de Verificação de Poderes não pôde pronunciar-se acêrca da eleição do bairro oriental de Lisboa, que originou o 4 de Maio, as manifestações do Campo Pequeno e, na sequencia dos graves acontecimentos que se deram, a queda do Ministerio a que presidia o Sr. Hintze Ribeiro.

Pois não indicavam os mais simples preceitos de lisura administrativa e politica a indispensabilidade de ouvir aquelle tribunal,- que em tres dias devia proferir o seu acordão, - concernentemente a um assumpto, de cujo esclarecimento dependia a destrinça de gravissimas responsabilidades?

Eu sei que o tribunal não é impeccavel, e contra elle me tenho insurgido perante resoluções suas, patentemente injustificaveis, em que as minorias se assignalaram pelos seus votos, no cultivo da justiça e da rectidão que, segundo a concepção de Montesquieu e de Robespierre, residem, bem como o bom senso, no menor numero.

Mas, melhor ou peor conceituado, todas as considerações respeitaveis eram uniformes em que elle falasse. Fundamental é, portanto, a responsabilidade que impende sobre todos os que collaboraram para que houvesse silencio e escuridão, onde se devia levantar a voz e fazer luz.

Melhor orientado indubitavelmente, tem procedido o Sr. Presidente do Conselho, relativamente á imprensa, que encontrou sob o mais despotico regimen da censura previa, cujo exercicio se ampliava aos theatros, - a todas as manifestações, emfim, da livre emissão do pensamento.

E quem eram os censores?

Os ignaros dirigentes policiaes, ou os seus subalternos, não menos incompetentes.

N'esta parte, o absolutismo bastardo ainda estava abaixo do antigo absolutismo legal, com a sua mesa censoria, constituida, ao menos, por eruditos e letrados.

E, para só mão suppôr que phantasio, vou ler á Camara um documento comprovativo das minhas asserções, com a data de 6 de setembro de 1905, e firmado pelo Sr. Eduardo José Coelho 1.

Ouviu V. Exa.? Ouviu a Camara? Em pleno dominio rotativo, a livre missão do pensamento, a mais bella enquista liberai, estava sob a alçada da policia, como se se tratasse de qualquer infecto serviço dos que lhe estão a cargo.

Esta degradação acabou, felizmente, em a ascensão do Sr. João Franco ao poder, e oxalá S. Exa. se mantenha, sem discrepancias, nesse norteamento, amoldado pelo de ascendentes regeneradores da mais elevada categoria.

Foram Joaquim Antonio de Aguiar, orno Presidente do Conselho, e Fontes, Corvo, Casal Ribeiro, Barjona, orno Ministros, que produziram a lei de 17 de maio de 1866, cuja ressurreição eu aconselharia, como providencia definitiva, se não desejasse ir mais longe.

Nada de leis de excepção. Contra ellas me pronuncio sem tergiversar. A lei geral, em tudo e para tudo- tal é o lema que melhor se coaduna com o liberalismo sincero e authentico.

Como, porem, esta minha aspiração está longe de se poder tornar com os tempos que vão correndo, em util realidade, eu não vacilo em lembrar ao Sr. Presidente do Conselho que a lei em vigor, de 7 de julho de 1898, está julgada. Carece de ser substituida sem demora.

Mas, emquanto o não for, na constancia d'ella, e depois, na vigencia da que a substitua, haja a maior tolerancia, na sua respectiva applicação.

A liberdade de imprensa, pela penna e pelo lapis, constitue potente garantia de ordem e de proveitosa fiscalização, na administração publica. Quando a critica se não pode exercer, é certo o apparecimento, nas esferas do poder, de desmandos de toda a especie.

Com o theatro succede outro tanto. A sua liberrima expansão não é menos recommendavel, em beneficio geral: - avigora todas as iniciativas legitimas, em proveito da educação de costumes e dos creditos litterarios da Nação.

Não obstante, porem, os bons desejos até hoje patenteados pelo Sr. João Franco, os maus habitos inveterados ainda se manifestam n'um ou n'outro ponto, por parte da policia.

Assim, um redactor do Mundo e o correspondente do Diario da Tarde, do Porto, foram chamados, na sua qualidade de jornalistas, ao Juizo de Instrucção Criminal. Contra semelhante

1 Este documento vae adeante publicado (doc. 1).

1 O documento a que se faz referencia vae adeante publicado (doc. 2).

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abuso protesto, para que não tenha segunda edição.

De maneira identica me insurjo contra a censura previa exercida sobre uma revista do escriptor popular Baptista Diniz, - censura praticada pela policia administrativa, que, diga-se de passagem, nada tem que ver com assumptos theatraes.

Pelo artigo 29.° do decreto de 20 de janeiro de 1898, "compete exclusivamente ao corpo de policia civil a policia dos theatros, espectaculos e reuniões publicas".- O policiamento, entenda-se bem, porque a censura previa, consoante tem sido effectuada pelo chefe da policia administrativa, Dr. Moreira Feyo, representa um duplo abuso: - acto realizado, e a qualidade do executor. Não tem desculpa admissivel.

Mas as arbitrariedades comettidas não param aqui. O gabinete negro, com a associada censura previa de telegrammas, tambem tem funccionado. Que o diga o Digno Par, Sr. Pimentel Pinto.

O Sr. Pimentel Pinto: - Apoiado.

O Orador: - De entre os factos d'esse genero, destacarei o seguinte, a que não falta sal attico:

Em julho realizou-se no Porto um comicio, presidido pelo Dr. Nunes da Ponte. Um cidadão da Guarda, - Dr. Bigotte, pretendeu dirigir-lhe um telegramma d'este teor:

Como em 91, acompanharei Porto revolucionario.

Este despacho não pôde ser expedido, segundo informou, sem contestação, um jornal republicano, a Vanguarda, que acrescentou:

O Sr. Dr. Bigotte cortou o termo "revolucionario", mas o telegramma tambem não foi expedido. Porfim, em e inferencia com o director do districto, o Sr. Dr. Bigotte só pôde escrever o telegramma nos seguintes termos:

"Dr. Nunes da Ponte - Porto - Como em 91, acompanharei Porto".

Era natural que o telegramma chegasse assim ao seu destino; porem não foi transmittido, depois da conferencia com o director do districto. A redacção do telegramma foi pela pela terceira vez alterada pela seguinte forma:

"Como sempre acompanharei Porto".

Por pouco não ficou reduzido ao endereço e á assignatura. Assim, seria inegualavel.

Mas, francamente não sei porque a palavra revolucionario causou tanto pavor nas estações officiaes, quando é certo que toda a gente appellida de revolucionario o Sr. Presidente do Conselho.- Verdade seja que S. Exa. é um revolucionario jarreta de capote e lenço.

E tudo isto se passa no regimen da liberdade á ingleza, tão apregoado pelo Sr. Presidente do Conselho. Conforme é notorio, a liberdade á franceza constitue apanagio do Sr. Hintze Ribeiro. Pelo rotulo, ninguem os leva presos.

Seria, porem, conveniente que o Sr. João Franco procurasse seguir, a valer, os exemplos da Gran-Bretanha, no que respeita á policia, cujo corpo é ali, sem a menor duvida, dos mais perfeitos, ,na especialidade.

Na Inglaterra, os agentes policiaes não teem necessidade de andarem transformados em amieiros, para serem obedecidos.

Fazem-se respeitar, e são respeitados, porque cumprem fielmente a lei, em termos delicados.

Pois apesar de taes requisitos e recommendações, á policia ingleza e sendo feita uma syndicancia.

Compare-se este procedimento salubrizador com o do Sr. Presidente do Conselho, em face dos barbaros acontecimentos de 4 de Maio, que tão indignadameate verberou, para adoptar as conclusões de um inquerito policial mais que suspeito, em que os inquiridores deviam ter sido os inquiridos. Attenta esta gafada base de processo, para que a justiça não seguisse trilhando por vereda tão estreita e apertada, foi preciso que os particulares se constituissem parte, a fim de que a impunidade não seja o coroamento das selvajarias praticadas n'aquella noite tristemente memoravel.

Mas, no tocante a policia, ponho de parte agora a do corpo respectivo, para mais frisantemente me dirigir á que opera sob a alçada do Juizo de Instrucção Criminal, nos seus dois ramos: - á de investigação, e á preventiva.

A de investigação tem verba orçamentalmente discriminada, com que é retribuido o seu pessoal, do qual são destacados os agentes necessarios para o serviço da preventiva.

Essa verba, segundo o orçamento, em vigor, de 1904-1905, é de 8:242$250 réis.

Não se satisfaz, porem, a policia preventiva, que é essencialmente voraz, com a parcella que lhe pertence na somma designada. Assim, e consoante demonstrei pelos documentos officiaes, quando discuti o projecto de lei acêrca dos Tabacos, as despesas inconfessaveis, a ella attribuidas, no anno economico transacto, ascendem á avolumada cifra de 120 contos de réis, numeros redondos. Um sorvedouro!. . .

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino : -- (João franco Castello Branco): - S. Exa. está, decerto, a referir-se ao anno ecomico ultimo?

O Orador: - Seguramente. Assim o declarei.

No entanto, a V. Exa. cabe a responsabilidade da parte concentrada, como igualmente lhe cabe a que resulta de ainda me não ter satisfeito o requerimento que apresentei na sessão de 29 de novembro preterito, e é d'este teor:

Por officio do Ministerio do Reino, de 20 do corrente, fui informado de que, em policia preventiva, não se gastou mH ia, nos ultimos annos, pelo Juizo de Instrucção Criminal, do que a verba orçamental autorizada pelo decreto de 19 de setembro de 1902, isto é: réis 1.800$000 em cada anno. Sendo, porem, a verba geral inscripta no orçamento, destinada a retribuir esse serviço, de 36:000$000 réis, requeiro, com urgencia, pelo mesmo Ministerio:

Que me seja indicada, por annos economicos, a distribuição dos 34:200$000 réis restantes, pelas autoridades que os dispenderam, no periodo que decorre de 1901 até 1 906 inclusive. = Sebastião Baracho.

ão podia ser mais modesto e cauteloso no meu pedido. Requeri, no uso legitimo do meu direito, a nota da distribuição, não dos 120 contos de réis despendidos, mas apenas dos restantes 34:200$000 réis orçamentaes; e filo discretamente, sem solicitar a especificação dos nomes dos compartilhantes em tão chorudo e succulento bodo.

Pois, apesar d'esta cautela, o Sr. Presidente do Conselho mantem-se em impenetravel silencio, - no mais expressivo silencio, o que não impede que eu lhe pergunte n'este momento: Por que auctoridades foram distribuidos os restantes 34:200$000 réis a que venho alludindo?

Eu reconheço que a resposta não é facil.

Cabendo, pelo decreto famoso de 19 de setembro de 1902, a superintendencia da policia preventiva, no continente do Reino, ao juiz de instrucção; e, como elle allega que só despendeu réis 1:800$000, por onde se infiltraram - seja-me permittido o euphemismo - os restantes 34:200$000 réis?

Ao que parece, pelo seu aceno, o Sr. Presidente do Conselho entende que o decreto invocado não dá tão amplas attribuições ao juiz de instrucção.

Pois labora n'um erro.

Não tenho á mão esse diploma; mas na proximo sessão o exhibirei, a fim de comprovar a verdade do meu asserto.

É indispensavel que .se apurem todos estes mysterios, para se chegar ao conhecimento dos milagres produzidos pelo 1:800$000 réis, que exclusivamente consome, com despesas inconfessaveis, o inquilino provisorio da Bastilha da Estrella.

Era crença geral que para lhe celebrar os feitos, quer pela penna, quer pela palavra, e até para manter em silencio certos garrulos, estava aconse-

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lhado o recurso ás condescendencias sonantes.

Pois, vivia-se em completo engano. Tudo se faz, por assim dizer, de graça!...

Na verdade, o que são 1:800$000 réis, perante os 120:000$000 réis despendidos, e em presença mesmo dos 36:000$000 réis orçamentaes?

Uma miseria; mas que exhibe, sob uma feição até agora desconhecida, o juiz de instrucção criminal.

N'elle, se foi anichar a economia, a bem ordenada economia!

Não ha a menor duvida!. ..

Em todo o caso, porem, appareça a distribuição da verba.

Sr. Presidente do Conselho: digne-se dar resposta ao meu requerimento.

Egualmente lhe peço que me forneça os esclarecimentos que solicitei, acêrca de uma proclamação incendiaria que circulou por occasião das ultimas insubordinações a bordo dos navios de guerra, e que, mesmo para quem não tenha o olfato politico muito i apurado, tresanda a policia preventiva.

N'esse infame papel, que tenho presente, se fazem torpes accusações, com menoscabo do exercito. Pois, não obstante a importancia do assumpto, não ha meio de obter as informações que requeri, atinentes a destruir as calumnias propagadas no sentido evidente de preparo de uma pavorosa policial. Padeça, embora, a. força publica no seu credito; mas cubram-se, a todo o custo, as criminosas aventuras preventivas. A isto chegámos.

Na vigencia d'este degenerado norteamento, as liberdades individuaes consignadas no artigo 145.° da Carta, deixaram de existir. A par d'isto, o trafico dos empregos publicos tem-se exercido, sem incommodo algum, ou intervenção, por parte da policia, se não com o seu assentimento.

Nunca obtive serios esclarecimentos officiaes sobre esse indigno mercadejar, não obstante as minhas reiteradas instancias.

Como, porem, me prezo de ser imparcial, direi que, durante o actual Ministerio, não tenho lido annuncios com promettimentos monetarios para quem arranje collocações no serviço publico,- annuncios que nos ultimos annos pejavam as secções respectivas dos jornaes de grande circulação.

Mas, se por este lado, o Sr. Presidente do Conselho tem seguido o devido rumo, outro tanto não lhe succede quando ordena ou consente na vigilancia afixada e vergonhosa de politicos em evidencia. O Sr. Dr. Affonso Costa, meu prezado amigo, foi alvo de um vexame d'esses, regressando do Porto a Lisboa.

A despeito de ser Deputado da Nação, a policia nem por isso deixou de exercer a sua acção arbitraria, perseguindo-o, quer aparatosamente na estação da Avenida á chegada d'aquelle homem publico, quer escandalosamente no hotel em que elle se alojou.

E procura acobertar-se o Sr. Presidente do Concelho com o epitheto de legalista!...

Não se pode cultivar o legalismo por meio de diplomas e expedientes illegaes. É elementar.

Todavia, é o que o Sr. João Franco pratica, apesar de eu lhe ter lembrado, d'este logar, quando em junho se apresentou ao Parlamento, que se integrasse, para começo de vida, com a legislação subsistente em 31 de dezembro de 1885, em que ainda não eram conhecidas as odiosas leis de excepção, e em que estava garantido o exercicio de todos os direitos individuaes.

Não me quiz ouvir, nem me ouvirá. Tudo o indica.

Pois nas tradicções do partido progressista com quem está concentrado, encontraria orientação para entrar no bom caminho se não preferisse - o que muito melhor seria-appellar para o Parlamento. Em qualquer dos casos, poder-lhe-hia, mutntis mutandis, servir de expositor, o seguinte decreto:

Tendo eu concordado com as representações, que acabam de me ser feitas por grande numero de cidadãos, e attendendo a outras claras demonstrações da opinião nacional a favor do estabelecimento da Constituição politica da Monarchia, de 23 de setembro de 1822, com as modificações que as circumstancias fizerem necessarias:

Sou servida declarar em vigor a dita Constituição e mandar que immediatamente se proceda, na conformidade d'ella, á reunião das Côrtes Geraes da Nação Portugueza, a cujos Deputados, alem das faculdades ordinarias, se outorguem os poderes precisos para fazerem na mesma Constituição as modificações que as mencionadas Côrtes entenderem convenientes.

O Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Reino assim o tenha entendido e faça executar, propondo-me logo as providencias necessarias para o prompto juramento da Constituição, e reunião das Côrtes. Palacio das Necessidades, em 10 de setembro de 1836.= RAINHA.= Manoel da Silva Passos.

A revolução setembrista produziu, como inicio, a substituição da Carta pela Constituição de 1822, elaborada por uma assembleia de verdadeiros patriotas, ansiosos de se administrarem sob sua immediata responsabilidade, prestando, por este modo, culto patente á soberania nacional.

Não agradou aos reaccionarios da epoca o repudio, por parte dos setembristas, da tutela real derivante da Carta de 29 de abril de 1826, já então inacceitavel.

Á frente dos discolos collocou-se ostensivamente a Rainha D. Maria II, que deixou, na tarde de 3 de novembro de 1H3Ç, o Palacio das Necessidades, em que residia, dirigindo-se ao Paço de Belem, onde mandou chamar os Ministros, o general commandante da divisão, e outros altos funccionarios.

Passos Manoel recebeu ordem de prisão, ao chegar ao Paço. O Ministerio foi demittido, e substituido, durante a noite, por um Gabinete da presidencia do Marquez de Valença, e cujos membros eram os seguintes: Visconde do Banho, com a pasta do Reino; Francisco de Paula de Oliveira, com a da Justiça; Visconde de Porto Covo da Bandeira, com a da Fazenda; Barão de Leiria, com a da Guerra; e José Xavier Bressane Leite, com a da Marinha.

Espalhando-se em Lisboa a noticia do golpe de Estado, na manhã de 4 a guarda nacional formou em Campo de Ourique, e ahi se organizou ajunta popular de combate, de que faziam parte os Deputados Julio Gomes da Silva Sanches e Alexandre de Campos.

Depois de varias peripecias, entre as quaes figura a morte violenta de Agostinho José Freire, á Pampulha, indo a caminho de Belem, chamado pela Rainha, conseguiu Anselmo Braamcamp que Sá da Bandeira se pozesse á testa do movimento contra a reacção cartista, cuja inefficacia era reconhecida simultaneamente no Paço.

N'esta orientação, o marechal Saldanha resolveu entrar em negociações com os setembristas, enviando, para esse fim como emissario, a Sá da Bandeira, o então tenente-coronel Barreiros, ulteriormente Visconde da Luz.

Sá da Bandeira, porem, recusou-se a entrar em qualquer combinação, sem previamente terem embarcado os 600 a 700 homens da esquadra britannica, desembarcados na noite de 4, na Junqueira, em apoio da Belemzada, que, por este nome - de novo o recordo - ficou conhecida a mallograda tentativa da Rainha e seus sequazes, contra a administração setembrista.

Reembarcados os inglezes, Sá da Bandeira e Saldanha reuniram-se no palacio do Conde da Ribeira, á Junqueira, e ali trataram, e se entenderam, tendo termo o ministerio de vida ephemera, presidido pelo Marquez de Valença, e cujo unico acto official, publicado no Diario do Governo, se cifra em o Visconde do Banho ter referendado o decreto reintegrando, na gerencia dos negocios publicos, o partido liberal.

Em 1842 foi a Carta restaurada, por decreto de 10 de fevereiro, referendado pelo Duque da Terceira, por Mousinho de Albuquerque e por José Jorge Loureiro.

Da restauração cartista derivou o periodo tumultuaria e tumultuoso, de

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SESSÃO N.° 20 DE 10 DE NOVEMBRO DE 1906 273

intermitente guerra civil, que teve, como desenlace, a revolução regeneradora do 1852, com o acalmador e correspondente Acto Addicional á esfarrapada Carta, já então anachronica, e ainda hoje era vigor!. . .

Não teem servido de proveitosa lição este e os outros expressivos factos que se deram, na successão de varios acontecimentos politicos, designadamente: o ultimatum inglez em 1890; a revolta do Porto de 31 de janeiro de 1891; e a explosão popular promovida pela repressão e compressão accintosas, em todas as manifestações da vida nacional, e que tiveram, como caracteristico, a selvajaria do 4 de Maio.

O Sr. João Franco não constitue excepção á regra de que não ha peior surdo do que o que não quer ouvir.

Como os seus antecessores em cultivo de governo pessoal, em absolutismo bastardo, mantem integras as obnoxias leis de excepção que enodoam a legislação patria, algumas das quaes procura aggravar, attento o specimen apresentado ao Parlamento, no intuito de as modificar. . . para peor.

O engradecimento do poder real, que os mais nocivos resultados tem produzido, continua sendo a sua preoccupação. Outr'ora dispensava para isso a audiencia preliminar do Parlamento. Agora pretende obter a degenerada collaboração e cumplicidade das Côrtes, na realização do seu programma de obstinado,- de autoritario impenitente.

Mitigando aparentemente, na actualidade, este seu arraigado norteamento, invoca o liberalismo, á ingleza-todos os liberalismos presentes, preteritos e futuros, no campo theorico do platonismo. Na pratica, os seus processos podem, na sua exterioridade, ter experimentado alterações; mas no fundo, na essencia, o culto que reverencia e continua reverenciando, é o despotismo, que tão querido lhe foi, que tão querido lhe é, e que tão profundas e deploraveis affeições encontra nas altas espheras.

O paiz patenteia, por todas as formas licitas, que quer viver no regimen da soberania nacional, e que repudia as humilhantes e draconianas tutelas, que lhe abriram fallencia fraudulenta nos varios ramos da administração publica.

Em taes circunstancias, o Sr. Presidente do Conselho appella para este ingrato expediente:- accende uma vela a S. Miguel e outra ao Diabo.. .

O Sr. Presidente: - A hora está quasi a dar, faltam apenas dois minutos e o Digno Par o Sr. José de Azevedo Castello Branco pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão.

O Orador: - Em tal caso, peço a V. Exa. que me reserve a palavra.

Afigura-se-me que o Sr. Presidente do Conselho dispõe de pouca illuminação. Mesmo por isso convem deixai-o entre as duas velas que accendeu.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: - Fica V. Exa. com a palavra reservada.

Tem agora a palavra o Digno Par Sr. José de Azevedo.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão porque desejo tratar de um assumpto de alto interesse publico e entendo que o devo fazer na presença do Sr. Ministro do Reino, por isso que tenho de formular uma pergunta á qual só S. Exa. me pode responder.

Muito estimaria que S. Exa. pudesse vir aqui na proximo sessão, antes da ordem do dia, a fim de tratarmos esse assumpto.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Com muito prazer accederei ao pedido do Digno Par, tão facil é de satisfazer; e se S. Exa. me pudesse dizer qual o assumpto que deseja tratar comigo, eu viria desde logo habilitado a facilmente lhe poder dar uma resposta immediata.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Desejo chamar a attenção do Governo e da Camara para a questão da alimentação publica em Portugal e designadamente em Lisboa.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino .(João Franco Castello Branco):- Esteja o Digno Par certo da minha comparencia.

O Sr. Presidente: - A seguinte sessão será na segunda-feira, 12, e a ordem do dia a continuação da que vinha para hoje, e mais o parecer n.° 9.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 35 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 10 de novembro de 1906

Augusto José da Cunha, Sebastião Custodio de Sousa Telles, Marquez Barão de Alvito; Marquezes: de Avila e de Bolama, e de Pombal: Condes: de Arnoso, de Sabugosa, de Villar Secco; Visconde de Monte-São, Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo Castello Branco, Costa e Silva, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Vellez Caldeira, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Mattoso Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Ressano Garcia, Jacintho Candido, D. João de Alarcão, João Arrojo, Telles de Vascellos, Vasconcellos Gusmão, Mello e Sousa, Avellar Machado, José de Azevedo, José Dias Ferreira, José E. de Moraes Sarmento, José Lobo Freire do Amaral, José Luiz Freire, José de Alpoim, José Maria dos Santos, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Sebastião Dantas Baracho e Deslandes Correia Caldeira.

O Redactor,

ALBERTO PIMENTEL.

DOCUMENTO N. 1

Lisboa. - Circulo n.º 15 (Oriental)

Pelo censo de 1 de dezembro de 1900

Sexo masculino

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Página 274

274 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Circulo n.º 16 (Occidental)

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DOCUMENTO N.° 2

A censura na imprensa e nos theatros

Dictadura policial

Ministerio do Reino. - Direcção Geral de Administração Politica e Civil -l.ª Repartição.-Livro 55. n.° 325.- Illmo. e Exmo. Sr. - Em satisfação do officio de V. Exa. n.° 143, a respeito dos esclarecimentos requeridos pelo Digno Par Dantas Baracho, acêrca da acção preventiva da policia sobre a imprensa periodica e acêrca da acção policial nos theatros, restrictiva da emissão do pensamento, tenho a honra de communicar a V. Exa. o seguinte:

"A fiscalização dos abusos de liberdade de imprensa é, nos termos do § 2.° do artigo 3.° do decreto de 20 de janeiro de 1898, uma das attribuições da policia de investigação criminal, que em Lisboa é dirigida pelo juiz de instrucção, como determina o n.° 1.° do artigo 21.° do citado diploma; da mesma forma que compete ao Commissario Geral da Policia do Porto, aos commissarios de policia nos concelhos em que os ha, e aos administradores do concelho n'aquelles em que só estes magistrados exerçam funcções policiaes.

Não se pode pois duvidar que, nos termos legaes, tanto pode o referido juiz reservar para si como incumbir aos seus auxiliares e agentes quaesquer dos serviços de policia judiciaria comprehendidos no citado artigo 21.°, e portanto os que se referem ás publicações periodicas, quer em geral, quer especialmente para o effeito de se prohibir a respectiva circulação nos casos previstos no artigo 39.° da carta de lei de 7 de julho de 1898.

Da mesma sorte pelo que toca aos theatros, nem de facto nem de direito se exerce sobre elles acção judicial restrictiva á emissão do pensamento, visto que só depois de emittido este, e quando contenha alguma das offensas previstas no artigo 1.° do decreto com força de lei de 29 de março de 1890 se prohibe a continuação do espectaculo publico, o que, como é expresso no § unico do citado artigo, tanto se pode fazer logo na primeira recita e em qualquer estado d'ella, como em repetição do mesmo espectaculo.

Este serviço não posto por lei a cargo de determinada auctoridade e por isso pode ser desempenhado, quer por aquella, a que especialmente compete a manutenção da ordem nos espectaculos e reuniões publicas, como por outra, que d'elle seja incumbida pelo magistrado superior do districto.

De todo o exposto resulta que nem quanto á imprensa periodica nem quanto aos theatros se pode individualizar o funccionario que exerce ou exercerá a respectiva fiscalização e somente se poderá responder á pergunta que se refira á fiscalização, já exercida sobre determinada publicação ou espectaculo.

Deus guarde a V. Exa. - Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em 6 de setembro de 1905.- Illmo. e Exmo. Sr. Secretario da Camara dos Dignos Pares do Reino. - Eduardo José Coelho.

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