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SESSÃO N.° 21 DE 12 DE NOVEMBRO DE 1906 279

D'esta avultada importancia apenas 36:000$000 réis figuram no orçamento, e d'estes só 1:800$000 réis são auctorizados pelo decreto de 19 de setembro de 1902. O calhamaço orçamental, referente a 1906-1907, da responsabilidade do actual Ministerio, e que hontem recebi, não se afasta da gafada tradição.

É assim que se prática a legalidade, tão divinizada, em theoria, pelo Chefe do Gabinete?

Em 1900-1901, a despesa com a policia preventiva era orçamental e exclusivamente de 25:000$000 réis.

Na actualidade é o que se observa, e deixo narrado, amoldando-me para isso pelos documentos officiaes.

Mas augmentaria, porventura, a criminalidade? Multiplicar-se-hiam os anarchistas, de então para cá?

Nada mais inexacto. Anarchistas, entre nós, conforme já tenho notado, são os dirigentes officiaes, a começar pelos Ministros. São elles que postergam e calcam as leis, como ninguem.

Demais, ha muito boa vontade em ter talher no bodo preventivo. Pela minha parte, porem, não deixarei de insistir, consoante é meu direito, para que me seja fornecida a distribuição da verba de policia preventiva, em conformidade com o meu requerimento apresentado em sessão de 29 de outubro ultimo, e reproduzido na anterior.

Um dos caracteristicos do absolutismo bastardo vigente consiste em não serem fornecidos aos representantes da nação os esclarecimentos, que elles legitimamente requerem, e lhes são indispensaveis para fiscalizarem os actos do Governo. De resto, os erros que de longe vêem são de especie varia, so-bresahindo, por indesculpaveis, os que se acobertam com a inexactidão e com o pharisaismo.

Sem sahir, por ora, da questão sujeita, recordarei que appellaram para tão condemnaveis artificios os auctores da reforma dos serviços policiaes de Lisboa, de 20 de janeiro de 1898, em cujo relatorio se assegura:

O projecto de reforma da policia civil de Lisboa, que temos a honra de submetter á approvação de Vossa Majestade, tem por fim modificar a organisação que lhe foi dada pelo decreto de 28 de agosto de 1893 e pela lei de 3 de abril de 1896. A ideia que presidiu á sua elaboração, foi a de eliminar as disposições restrictivas dos direitos e garantias individuaes, que tantas e tão intensas reclamações haviam suscitado ao publicar-se a reforma de 1893, aproveitando ao mesmo tempo as lições da experiencia, corrigindo os defeitos, que esta poz em relevo, e melhorando, quanto possivel, os differentes serviços da policia.

Este diploma é firmado pelos Srs. José Luciano de Castro, como Ministro do Reino, e Francisco Beirão, como Ministro da Justiça, cujas asseverações se não pautam pela verdade dos factos.

Com effeito, o decreto de 28 de agosto de 1893 determinava que o juiz de ins-trucção criminal podia ordenar, por seu alvedrio, a detenção dos individuos suspeitos. A lei de 3 de abril de 1896 despojou-o d'essa faculdade. Pois o decreto de 20 de janeiro de 1898, investiu-o de novo n'esse inqualificavel arbitrio, que lhe entrega a liberdade de todos os cidadãos, e esfarrapa as garantias individuaes, constantes do artigo 145.° da Carta Constitucional.

Para engodo de ingenuos, intitula-se pomposamente - liberal, a concentração dominante. Mais apropriadamente se devia designar: - concentração despotica. Nunca a houve mais completa.

As infracções á Constituição representam materia corrente, imprescindivel. Senão, vejamos ainda.

Ha quasi dois meses e meio que o Parlamento funcciona. Já está cumprido o preceito constitucional, que manda apreciar de preferencia a todos os outros assumptos o Orçamento Geral do Estado e as leis fixando as forças de terra e mar e respectivos contingentes de recrutas?

Não!

Mas não fica por aqui o legalismo, ao invez, do actual Governo. [Com o decreto de 18 de abril de 1901 foram restabelecidas, sob o euphemismo de associações, as ordens religiosas, cujos perniciosos antecedentes, motivantes da sua extincção, pelo decreto de 28 de maio de 1834, são sobejamente conhecidos.

Uma d'essas congregações - a das Irmãzinhas dos Pobres - pediu auctorização para vender o legado de sete titulos de cinco acções cada um, e cinco de uma acção, do Banco de Portugal.

Quer a Camara saber qual a resposta que as Irmãzinhas obtiveram do Sr. Presidente do Conselho?

Obtiveram a portaria de 18 de junho do anno corrente, declarando-lhes que não carecem de auctorização para alienar quer os bens que são obrigadas a desamortizar, quer outros cuja conservação lhes seja prohibida ou facultada pelos seus estatutos.

Na sua qualidade de ultramontano, de clerical irreductivel, o Sr. João Franco excede, segundo se observa, os proprios profissionaes.

Ás congregações, cujo pernicioso ensino não tem sido, pelo menos, fiscalizado, apparecem igualmente isentas, pela portaria de 18 de junho, da intervenção official na alienação dos seus bens.

A instrucção popular, que devia ser neutra e ministrada exclusivamente por seculares, deixou de ter este feitio liberal, para cahir, em grande parte, nas garras aduncas do jesuitismo. - Ó manes de Joaquim Antonio de Aguiar!

Não admira, pois, que eu ainda não obtivesse resposta ao requerimento,
apresentado na sessão de 1 de outubro derradeiro, e em que pedia, pelo Ministerio do Reino, as seguintes informações:

Nota das associações religiosas no continente do reino e nas ilhas adjacentes, e cuja existencia lhes é permittida pelo decreto de 18 de abril de 1901. Esta nota deve obedecer aos seguintes preceitos:

a) Designação do numero de associações, sem distincção de sexo; e da ordem a que pertence cada uma d'ellas;

b) Especificação dos estabelecimentos e suas succursaes, respeitantes a cada ordem, com indicação das localidades onde estão installados;

c) Numero dos religiosos, ou religiosas, e demais pessoal accessorio em cada estabelecimento principal, e em cada uma das succursaes.

d) Designação da naturalidade, sexo, idade, estado e nacionalidade de cada associado.

Em presença de tão significativo silencio, recorri ao Manual Politico do Cidadão Portuguez, do Dr. Trindade Coelho, que indica não menos de cincoenta e cinco associações dos dois sexos, com especialização das suas sedes e filiaes. E ainda no mesmo excellente livro que, sob a epigraphe de - Associações jesuiticas, se lê:

Alem das associações que acabamos de mencionar, em muitas das quaes superintendem os jesuitas, estes que em Portugal teem uma casa de noviciado e outra de estudos, afora collegios e residencias, possuem tambem associações proprias.

Cita seguidamente o Manual:

A Congregação de S. Luiz Gonzaga, cuja sede é no Collegio de Campolide;

A Congregação de Maria, eu Mariana, para os dois sexos, sendo a sua sede na Rua do Quelhas, 6, Lisboa;

E o Apostolado da Oração, o grande orgão da Companhia de Jesus, estendendo os tentaculos por todo o continente, ilhas adjacentes e colonias, tendo a sede no Quelhas, e por orgão a publicação semanal intitulada - Novo Mensageiro do Coração de Jesus.

O Apostolado, prosegue o Manual, contava em 1902, a dar credito ao relatorio que lhe é respeitante:

831 centros;

707:868 associados do 1.° grau;

252:178 do 2.° grau;

55:236 do 3.° grau ;

19:161 zeladores e zeladoras.

Como tudo isto é desolador! Mas a ninguem deve causar estranheza, dado o absolutismo bastardo predominante.

N'esta, como em outras manifestações reaccionarias, o rotativismo e suas jacencias vivem na mais incontroversa conformidade. Não ha, pois, esperança de tornarem brevemente a vigorar de facto, o decreto extinguindo os jesuitas, de 3 de setembro de 1759, do Marquez de Pombal, nem tão pouco o de 28 de maio de 1834, a que ha pouco me reportei, e é da referenda de Aguiar.