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ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 280

Corre a monção a preceito para a propaganda anti-liberal. Os seus sequazes contando, em todo o ponto, com a impunidade, perturbam a paz das familias com a distribuição clandestina de orações muito suggestivas, em que as promessas correm parelhas com as ameaças feitas aos desobedientes.

Não obstante a imprensa ter chamado com insistencia a attenção dos poderes publicos para este escandalo, cuja existencia data d'este anno, a policia preventiva manteve-se na mais completa inacção, digerindo beatificamente os 120 contos de réis, na sua quasi totalidade illegaes, com que se locupletou - mais uma vez o consigno - no anno economico de 1905-1906.

Para remate, n'este momento, serie de feitos clericaes em que o Governo se sobreleva, com a collaboração dos seus parciaes, lembrarei o estranho caso do Dr. Agostinho de Campos que, muito é para sentir, trocou o logar distincto que occupava no jornalismo, pelo de Director Geral da Instrucção Publica, em que se diminuia indubitavelmente pouco depois, com a carta que passo a ler:

... Sr. director da Opinião.

Nos seus numeros de 28 e 29 do corrente referiu-se a A Opinião a mim, dizendo que eu professo a religião protestante e frequento a "Presbyterian Church", no antigo convento das Mariannas.

Lamento que o jornal que V. dirige se fizesse echo de semelhante falsidade, escolhendo de mais a mais para isso a occasião em que eu acabo de ser nomeado director geral da instrucção publica, carão absolutamente incompativel com a profissão de qualquer religião que não seja a do Estado.

Visto, porem, que V. assisa o entendeu, resta-me pedir-lhe a subida fineza de dar publicidade no seu jornal a esta minha carta, em que muito categoricamente affirmo que professo a religião catholica, que sempre a professei, e que nunca, nem uma só vez, entrei sequer na Presbyterian Church, apesar de ter vivido durante mais de quatro annos perto d'ella.

Já hontem, pelas 5 e meia da tarde, me dirigi a essa redacção, por causa do assumpto de que se trata, mas foi-me ali dito que todos os Srs. redactores tinham saido.

Com a devida consideração - De V. etc. = Agostinho de Campos.

Contra esta peregrina asserção, que não veio decerto a publico sem o placet, ou antes com a instigação do Sr. João Franco, protesto com todo o vigor. É ella vasada pelo mais retinto reaccionarismo, e é fundamentalmente attentatoria da liberdade de consciencia.

A religião catholica é a religião do Estado. Não ha duvida. Mas o Sr. Agostinho de Campos não é o Estado. E apenas um funccionario publico, o que é muito differente.

E jacta-se o Sr. Presidente do Conselho de ser revolucionario!

- V. Exa. não é revolucionario; é reaccionario.

E como o Sr. João Franco faça um pequeno movimento, o orador interpreta-o por um signal affirmativo e diz:

- Estimo que V. Exa. esteja de acordo commigo...

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco): - Perdão, eu achei a phrase simplesmente engraçada. Creio que não sou nem reaccionario nem revolucionario: o meio-termo; o meio termo, talvez.

O Orador: - O meio termo, para... reaccionario.

Que estranha theoria, na verdade! Em pleno seculo XX ha quem ouse affirmar que o logar de director geral da instrucção publica é incompativel com outra religião que não seja a catholica, ou com a ausencia completa de religião!...

Os proprios textos constitucionaes desmentem semelhante heresia. Eis o que nitidamente estabelece a Carta, no seu artigo 145.°:

§ 4.° Ninguem pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do Estado e não offenda a moral publica.

§ 13.° Todo o cidadão pode ser admittido aos cargos publicos civis, politicos ou militares, sem outra differença que não seja a dos seus talentos e virtudes.

Estes são os bons preceitos de tolerancia, sempre até hoje cultivados entre nós. Os cidadãos portuguezes podem ter a religião que quizerem, ou não ter religião, o que não obsta a que tenham direito ao desempenho dos cargos publicos.

Aspirará o Sr. Presidente do Conselho a afastar-se tambem, n'este ponto, de tradição liberal?

Attentos os seus actos hodiernos, não admiraria que por tal modo praticasse.

O que demonstra tudo isto?

Que o Sr. João Franco se define pelas simples palavras que proferi, e torno a anunciar:

- Revolucionario, não; reaccionario, sim.

De resto, os factos apontados comprehendem mais um argumento irrespondivel para derruir a anachronica e bolorenta Carta outorgada. A religião do Estado tem indispensavelmente de ser substituida pela igualdade de cultos, com a associada separação das igrejas e do Estado, realizada em condições equitativas, conforme se effectuou no Brasil, que, nos ultimos annos, nos offerece exemplos de liberalismo, muito para serem ponderados e transplantados para a antiga mãe-patria.

Sr. Presidente: na moção que li á Camara disse sufficiente relativamente á instrucção e beneficiencia publicas, cuja indole descentralizadora, e exclusivamente secular, tem de ser estabelecida, quando estes dois ramos tão importantes do serviço administrativo forem devidamente reformados. Não podem elles continuar arvorados, como até agora, em logradouro do insaciavel poder central, com prejuizo manifesto da educação popular e do altruismo castiço, de boa lei.

Estes mesmos principios descentralizadores teem adequado cabimento, quando se transformem as praxes existentes, acêrca do cultivo da hygiene publica. As municipalidades, cujas attribuições estão hoje tão reduzidas, como nunca o estiveram em tempo algum, caberiam a iniciativa e direcção nas tres especialidades designadas: - instrucção, beneficencia e prophylaxia publicas.

Mas não cabem, por certo, estes justos incitamentos no programma do Sr. João Franco cujo ideal, em tudo e por tudo, é a intolerante tutela, sendo elle, é claro, o absorvente tutor. - Tutelados, sejam os outros.

Emquanto o paiz, ardilosamente arvorado em autómato do engrandecimento do poder real, supportar a actual escravidão, tudo correrá pelo melhor, no melhor dos absolutismos bastardos. Mas quando elle se desentorpecer completamente do longo lethargo em que tem jazido, as reformas que deixo esboçadas constituirão apetecida realidade, e outras ainda as acompanharão, que não são menos recommendaveis nem menos urgentes.

Entre estas, seja-me licito mencionar, mais uma vez, a que torne obrigatorio, para todos os cidadãos, o registo civil de nascimentos, matrimonios e óbitos, e a que extinga a legislação de excepção, composta de cinco leis e tres decretos, consoante a especificação feita pelo Dr. Trindade Coelho no Mundo Legal e Judiciario, correspondente a 25 de julho de 1905.

Effectivamente, sob a epigraphe - Leis de excepção - exprime-se nos seguintes termos aquelle jurisconsulto:

"Pertencem a estas categorias os diplomas seguintes: - o decreto de 2 de fevereiro de 1891 (Antonio Candido) determinando que seja da exclusiva competencia dos tribunaes instituidos pelo Codigo de Justiça Militar o conhecimento e julgamento do crime de rebellião, previsto e punido no artigo 170.° do Codigo Penal ordinario; - a lei de 21 de abril de 1892 (Ayres de Gouveia), que manda deportar por tempo indefinido os reus, aos quaes tiverem sido applicadas certas penas, deixando-os, portanto, á mercê e arbitrio dos Governos; - a lei de 13 de fevereiro de 1896