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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.º 21

EM 12 DE NOVEMBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente.- O Digno Par Conde do Cartaxo manda para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros. Mandou-se expedir. - O Digno Par Marquez de Pombal participou achar-se installada a commissão de negocios ecclesiasticos. - O Digno Par Marquez de Avila communicou a installação da commissão de obras publicas. - O Digno Par Teixeira de Vasconcellos manda para a mesa o parecer da commissão de obras publicas sobre o projecto de lei que approva o contrato provisorio para o lançamento do cabo submarino entre a Gran-Bretanha, Tanger e S. Vicente de Cabo Verde. - O Digno Par Campos Henriques pede ao Sr. Ministro da Justiça que adopte providencias tendentes a prover-se o logar de Secretario da Camara de Oliveira de Azemeis. - Responde o Digno Par o Sr. Ministro da Justiça. - O Digno Par Sr. Visconde de Monte São manda para a mesa um requerimento pedindo documentos ao Ministerio do Reino. Mandou-se expedir. - O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa manda para a mesa uma representação relativa á crise vinicola do Douro. Apresenta algumas considerações acêrca d'este assumpto. Responde a S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho. - A Camara auctoriza a que seja publicada no Diario do Governo a representação apresentada pelo Digno Par Sr. Teixeira de Sousa. O Sr. Presidente diz que a mesa se encarregará de desanojar o Digno Par Sr. Gama Barres pelo fallecimento de pessoa de familia de S. Exa. - O Digno Par Sr. José de Azevedo refere-se a questão do Douro.

Ordem do dia.- Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa. Usa da palavra o Digno Par Sebastião Baracho. - O Digno Par Sr. Francisco José Machado, que tinha pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão, encarregou-o de requerer que seja enviado a commissão de agricultura o projecto n.° 9. - A Camara approvou este requerimento. - Encerra-se a sessão e designa-se a immediata bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 36 minutos da tarde o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 30 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente foi approvada sem reclamação.

Deu-se conta do seguinte expediente:

Mensagem da Camara dos Senhores Deputados, enviando a proposição de lei, já approvada pela mesma Camara, relativa á organização do Supremo Conselho de Defesa Nacional.

Ás commissões de guerra e de marinha.

O Sr. Conde do Cartaxo: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros.

Foi mandado expedir; é do teor seguinte:

Requeiro que, pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros, me seja enviada
copia da correspondencia trocada entre esse Ministerio e a Direcção Geral de Agricultura no corrente anno de 1900 e se refira á convenção commercial com a Suissa.

Em 12 de novembro de 1906. = O Par do Reino, Conde do Cartaxo.

O Sr. Marquez do Pombal: - Pedi a palavra, por parte da commissão dos negocios ecclesiasticos, para participar a V. Exa. e á Camara que essa commissão se acha constituida, tendo nomeado para seu presidente o Sr. Cardeal Patriarcha e a mim para secretario.

O Sr. Marquez de Avila: - É para participar a V. Exa. que se acha constituida a commissão de obras publicas, tendo nomeado para seu presidente o Sr. Eduardo José Coelho e a mim para secretario.

O Sr. Teixeira de Vasconcellos: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um parecer sobre o projecto de lei que approva o contrato provisorio para o lançamento do cabo submarino entre a Gran-Bretanha, Faial, e S. Vicente de Cabo Verde. Foi a imprimir.

O Sr. Campos Henriques: - Pedi a palavra para chamar a attenção do Sr. Ministro do Reino e Presidente do Conselho para um assumpto em que já falei em uma das sessões passadas. S. Exa. não está hoje presente, mas está o Sr. Ministro da Justiça, e eu. peço a S. Exa. que communique ao seu collega as observações que vou fazer.

Quero referir-me de novo ao que se está passando com o provimento do secretario da Camara Municipal de Oliveira de Azemeis.

Tendo fallecido o secretario da camara, aquella corporação administrativa entendeu abrir concurso para e provimento d'aquelle logar e para esse fim pediu auctorização ao Governo; este facto deu-se em junho do corrente anno, e até ha poucos dias não havia nenhuma deliberação.

Fazendo justiça ao caracter do Sr. Ministro do Reino e do director geral da administração politica e civil, comprehendi logo, Sr. Presidente, que não era da responsabilidade de S. Exas.

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essa falta, mas do governador civil do districto de Aveiro.

Não me enganei nas minhas presumpções, porque, poucos dias depois de ter feito n'esta Camara algumas observações a respeito d'este assumpto, chegou logo ao Ministerio do Reino o pedido de auctorização, que foi immediatamente concedida pelo Sr. Ministro do Reino, que deu ordem ao Sr. governador civil para transmittir essa auctorização á Camara Municipal de Oliveira de Azemeis.

São passados quinze dias e o Sr. governador civil de Aveiro procede com a auctorização do Governo da mesma forma por que procedeu com o pedido da camara municipal; isto é, não transmitte a auctorização solicitada, que ainda não chegou ao seu destino.

Chamo mais uma vez a attenção do Governo para este ponto, e peço ao Sr. Ministro do Reino que dê as suas ordens, para que aquelle seu delegado compra o que deve e o que é de lei.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (José Novaes): - Pedi a palavra para declarar ao Digno Par o Sr. Campos Henriques que logo que chegue o Sr. Ministro do Reino, communicar-lhe-hei as observações do Digno Par.

O Sr. Visconde de Monte-São: Pedi a palavra para mandar para a mesa dois requerimentos, um a respeito de um documento que me falta no numero d'aquelles que pedi na sessão de 17 do mez passado.

Já tenho pedido outros documentos depois d'isto, que me eram necessarios para tratar de outras questões, e tambem me falta um documento, que solicitei n'um requerimento que mandei para a mesa, sem ter pedido a palavra, documento que me era necessario para realizar a minha interpellação ao Sr. Ministro da Guerra.

Este documento é essencial; sem elle não posso fazer a interpellação porque, dada a proficiencia do Sr. Ministro da Guerra n'estes assumptos, S. Exa. pode declarar-se logo habilitado a responder-me.

Peço pois a V. Exa. que me seja enviado com toda a urgencia este documento, porque, segundo supponho, o trabalho do empregado que for incumbido d'esse serviço não será difficil nem grande, visto que se trata só de copiar umas referencias feitas num relatorio.

(O Digno Par não reviu).

É o seguinte o requerimento que foi lido e expedido:

Não tendo recebido o documento n.° 8, constante do meu requerimento mandado para a mesa da presidencia, na sessão de 17 do proximo passado mês de outubro, insisto por que, com urgencia, seja pedido ao Ministerio do Reino o seguinte:

Copia das referencias feitas pelo commissario de estudos no districto de Viseu ao ensino escolar por companhias em infantaria 14, enviado em 1902 á Direcção Geral da Instrucção Publica. = O Par do Reino, Visconde de Monte-São.

O Sr. Presidente: - Vou mandar instar pela remessa do documento pedido pelo Digno Par.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Mando para a mesa uma representação que hoje recebi da mesa que tem dirigido os trabalhos de varios comicios realizados na região do Douro, nos quaes se tem tratado da questão vinicola, que a Camara muito bem conhece.

N'esta representação pede-se a resolução urgente do assumpto e ainda algumas alterações na proposta de lei que pelo Governo foi apresentada á outra casa do Parlamento.

Devo dizer que reservo a minha opinião sobre algumas das alterações pedidas, mas nenhuma reserva faço quanto á urgencia que se pede na resolução do assumpto.

O Governo, pela boca do Chefe do Estado, no Discurso da Corôa, prometteu resolver a questão do Douro, affirmando que ella seria primordialmente tratada: é certo, porem, que se abriram as Côrtes em 29 de setembro, e ainda hoje, 12 de novembro, essa proposta de lei nem sequer, tem parecer da commissão de agricultara da outra casa do Parlamento.

Conheço os direitos que me assistem, mas tambem não ignoro as obrigações que tenho a cumprir; por isso, não quero intrometter-me no que faz a outra Camara; não posso, todavia, dispensar-me de pedir ao Governo que empregue toda a sua influencia a fim de que a questão vinicola do Douro tenha a resolução urgente que se tem pedido. {Apoiados).

Pouco tempo depois da abertura do Parlamento, eu tive a honra de fazer uso da. palavra a respeito d'esta questão, dizendo a V. Exa. e á Camara o meu modo de pensar.

Então affirmei que a proposta de lei que o Governo apresentou á camara dos Senhores Deputados não tinha sido organizada com os cuidados precisos e de forma a conciliar todos os interesses que contendem com o assumpto e por isso não podia ter facil approvação.

Infelizmente os factos confirmam o que eu então disse.

Não duvido, de maneira nenhuma que o Governo procure livrar o Douro da situação difficil e angustiosa em que se tem encontrado.

Posso discordar dos seus processos, posso duvidar das suas intenções politicas, mas faço justiça á sua sinceridade, no proposito de acudir ao Douro.

Foi com certo sobresalto da parte das pessoas, que se interessam pela questão vinicola do Douro, que hontem foram conhecidos os termos com que o Sr. Presidente do Conselho respondeu a uma commissão que lhe entregou uma representação elaborada pelos agricultores do sul.

Eu já tive occasião de dizer que não sou a favor do Douro contra o sul, nem a favor do sul contra o Douro.

Não desejo que das minhas palavras se possa inferir alguma cousa que não seja o que acabo de affirmar, e por isso repito, não sou pelos interesses de uma região contra os interesses da outra.

Eu já em tempo elaborei e apresentei ao Parlamento uma proposta de lei, concebida n'estas ideias e n ella conciliava os interesses de ambas as regiões o melhor que a minha intelligencia e as minhas forças o permittiam. Por isso, Sr. Presidente, sou dos que pensam que todos os interesses se podem harmonizar n'esta melindrosa questão.

O principio fundamental do projecto de lei, que é a restricção da exportação dos vinhos licorosos pela barra do Douro, pode no entender dos habitantes da região do Douro, trazer a sua salvação e afastar d'aquella região a miseria em que ella se debate.

Sr. Presidente: na representação que por alguns viticultores do sul foi entregue ao Sr. Presidente do Conselho n'um dos ultimos dias, dizia-se que representavam, crendo ainda que o Sr. Presidente do Conselho estava animado dos mesmos propositos em que já lhes falara, de que poderiam substituir-se estes principios fundamentaes por outros, de que poderia haver outra formula para resolver esta questão.

Sr. Presidente: eu nunca ouvi dizer que o Governo penssasse em abandonar o principio restrictivo da exportação, como se insinua n'aquelle documento: presumo por isso que haverá engano. Desde que aquella base desappareça da proposta, as outras medidas adoptadas de cousa alguma servirão. Mando para a mesa a representação e novamente me dirijo ao Sr. Presidente do Conselho para que S. Exa. interponha a sua influencia no sentido de que esta questão tenha a mais rapida solução que seja possivel.

O tempo corre e as difficuldades da região do Douro são cada vez maiores.

O Governo está informado das amar-

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guras que affligem aquella região, e da justiça que lhe assiste.

Devo acrescentar que são grandes as diligencias que por parte de muita gente são empregadas no sentido de evitar protestos ou reclamações mais ou menos ruidosas, por isso que aquelles povos, fartos de esperar, chegam por vezes a desconfiar de que se lhes não fará a justiça que entendem lhes é devida.

Mando para a mesa a representação e peço a V. Exa. se digne consultar a Camara sobre se consente que ella seja publicada no Diario do Governo.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Primeiro que tudo darei uma explicação ao Sr. José de Azevedo, que na ultima sessão pediu a minha comparencia n'esta Camara antes da ordem do dia.

Não pude estar no principio da sessão por motivo de serviço publico, mas amanhã aqui comparecerei antes da ordem do dia.

O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa fez justiça ao Governo na sinceridade com que este procura concorrer para que a situação do Douro encontre remedio.

Esse proposito do Governo ficou definido e compromettido, não só no relatorio que precede o decreto de julho d'este anno, mas ainda na proposta de lei que o Governo apresentou á outra Camara.

Quanto ao mais, o Governo entende que nada prejudica os interesses do Douro e, pelo contrario, os salvaguarda, não precipitando a discussão e antes, deixando tempo para que todas as representações venham, para que todas as reclamações se produzam, para que todas as indicações e alvitres se apresentem, visto que se trata de uma questão economica importante, em que jogam interesses differentes e em que o Governo não faz politica.

O que é essencial é que a sessão legislativa que está correndo, e a outra que se lhe segue, não se encerrem sem que sejam discutidos e analysados os projectos que julgo indispensaveis e, fundamentalmente, sem que, acêrca da questão do Douro, seja adoptada uma medida ou tomada uma resolução, que vá alliviar ou melhorar a crise d'aquella região.

Na sala da Presidencia d'esta Camara recebi ante-hontem uma numerosa, commissão de agricultores e vinicultores do sul; a ella não occultei que o Governo julga indispensavel attender aos interesses de todo o paiz e que o Parlamento se não deve fechar sem tomar sobre este assumpto uma resolução definitiva.

Se essa resolução não tiver inconvenientes para os vinicultores do sul, tanto melhor porque o Governo pode assim satisfazer a todos.

O Douro veria então que o Governo não trata da sua causa por favoritismo e contra a opinião de uma grande parte do paiz e que d'ella se occupa por ser de justiça; veria então com prazer que as medidas que se adoptavam eram acceitas por todos.

É necessario não precipitar a resolução do assumpto, para que se leve o Parlamento a fazer leis que na pratica não se possam cumprir ou executar.

Se tem de vir reclamações, que se apresentem ao Parlamento, mas quanto antes, para que o Parlamento se possa pronunciar.

Isso não causa senão prestigio, quer para o poder legislativo, quer para o poder executivo, e d'aquelle eu cuido primeiro do que do meu proprio.

Portanto, já vê o Digno Par como eu defendo os interesses de que S. Exa. se fez echo no seu discurso.

O Governo não tem desejo de criar embaraços n'uma questão, que de nenhum modo é politica, como V. Exa. muito bem comprehende; nem tem motivo para suspeitar que os interesses de qualquer região do paiz sejam tão egoistas e tão intransigentes, que não permitiam que se encontre uma forma de resolver o problema, sem reconhecer a justiça da causa do Douro, que se encontra em circumstancias muito melindrosas e muito graves.

Era tão urgente o assumpto que até o Governo publicou uma medida em dictadura, contra todos os seus desejos; e apenas se abriu o Parlamento, uma das principaes propostas, creio que a segunda que apresentámos, foi exactamente a que versa sobre a questão do Douro.

De resto, permitta-me V. Exa. que lhe diga, que ninguem pode ter duvidas sobre as intenções do Governo n'este assumpto, e sobre a resolução com que se ha de prover de remedio a esta situação que todos reconhecem carecer d'elle.

O unico districto em que o Governo perdeu a eleição foi em Villa Real, e na parte fronteiriça a Villa Real é bem evidente a opposição que fizeram ao Governo.

Mas isso absolutamente em nada importa á marcha do Governo; nós estamos aqui para proteger os interesses de todas as regiões, quer ellas sejam amigas, quer ellas sejam adversarias. A obrigação do Governo é governar com ellas e para ellas.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa pede que a representação que mandou para a mesa seja publicada no Diario do Governo.

Os dignos Pares que o permittem tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Constou á mesa o fallecimento de uma pessoa de familia do Digno Par Sr. Gama Barros. A mesa se encarregará de desanojar o Digno Par, e de lhe dar os sentimentos em nome de toda a Camara.

Creio que a Camara approvará este procedimento. (Apoiados).

O Sr. José de Azevedo: - Antes de mais nada, tenho que agradecer ao Sr. Presidente do Conselho a amabilidade da sua explicação. Eu nem por um segundo, imaginei que S. Exa. se louvesse esquecido intencionalmente de vir a esta Camara antes da ordem do dia. Antecipadamente soube que não vinha por motivo de negocios publicos.

Agradeço em extremo a benevolencia de S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho; mas o assumpto a que desejo referir-me, exige um dispêndio de tempo superior áquelle de que posso dispor.

Visto que S. Exa. tem a amabilidade de vir aqui amanhã e antes da ordem do dia, peço a V. Exa. que me reserve a palavra para então.

Visto que estou de pé, permitta-me a Camara que eu profira duas palavras em resposta ao que acaba de dizer o Sr. Presidente do Conselho.

N'esta questão geral pro domu mea, creia V. Exa. que no Douro ha serias apprehensões com relação á sorte do projecto apresentado pelo Governo, e essas apprehensões derivam principalmente do cuidado que o Governo tem em procurar soluções que, beneficiando uns, não vão prejudicar os outros.

N'esta questão da viticultura, o Governo tem a preoccupação de attender a todos os interesses.

A questão do Douro não deve servir para se desharmonizar ou, prejudicar o bem estar da viticultura do centro e do sul; mas tambem não deve servir de maneira nenhuma para que, beneficiando esse centro e o sul, se desatenda ás condições com que hoje lucta o commercio e a agricultura do Douro.

Varios alvitres teem sido apresentados para a resolução do assumpto, mas de entre elles destacam-se dois, a restrição do plantio e o da régie do alcool.

Pelo que respeita á restricção do plantio, eu estou inteiramente de accordo, que não é possivel encontrar solução nenhuma para a questão dos viticultores no nosso paiz, sem se iniciar ou decretar de uma maneira decisiva e clara a restricção do plantio. (Apoiados).

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Desde que a crise em Portugal é determinada pela abundancia, e desde que essa abundancia resulta do excesso da cultura, e portanto de uma diminuição ou falta de consumo, é manifesto que a tolerancia do plantio inutilizará todos os esforços que empregarmos para a solução do assumpto.

Effectivamente entendo que não pode haver medidas de caracter geral par essa solução, que não tenham por base a restricção do plantio.

Pelo que respeita á questão do monopolio do alcool, ou da régie do alcool devo dizer que essa solução poderá ser seductora para a viticultura de uma parte do paiz; mas contra ella, a meu ver, e de uma maneira geral, bradam dois altissimos interesses: o primeiro do Estado, o segundo o do commercio.

Se o Estado toma a si a régie de alcool, V. Exa. não sabe até que abysmos insondaveis de penuria o Thesour terá que descer, para fazer face a to dos os caprichos da viticultura.

Por outro lado para o commercio, s régie ha de assentar em dois factos fundamentaes: comprar por um preço que lhe não dê perca, e vender por outro que lhe dê lucro, e V. Exa. comprehende perfeitamente quem é que ha de pagar a differença entre o prece da compra e o remunerador da venda Ha de ser o commercio e indirecta mente o agricultor, o productor, que ha de ver-se forçado a baixar o preço da sua mercadoria.

Isto é o que se me afigura sobre aquelle projecto.

Eu sou muito claro, Sr. Presidente; se me perguntam se entendo que a questão do Douro pode ser resolvida só de per si, digo que poderá, mas é difficil; mas se me perguntam se á preciso encarar o problema de uma maneira geral, digo: não só é preciso, mas é a unica maneira de resolver o problema.

No dia em que V. Exa. achar uma formula em virtude da qual o Douro fique livre da competencia de todo o vinho do sul e do centro, n'esse dia e hora, talvez o Douro se dispense de pedir protecção.

Não sei se me faço comprehender; o Douro precisa de protecção, tanto maior quanto maior for a liberdade de que goza o centro e o sul.

No momento em que haja uma resolução do problema geral, começa n'essa hora para o Douro um relativo bem estar.

Agora não se está tratando d'esse assumpto; eu falei incidentalmente, em resposta a V. Exa.

O que desejava era que a serie de representações que teem sido mandadas sobre este assumpto fossem reunidas e publicadas de maneira que se pudessem consultar todas, porque, effectivamente, no meio de tantos alvitres, é possivel que haja muita cousa a aproveitar.

claro que as representações são as que teem vindo a esta e á outra casa do Parlamento e porventura aquellas de que o Governo tenha conhecimento.

N'esta occasião devo dizer que te nho visto alguns projectos de iniciativa particular, alguns mesmos já teem vindo ao Parlamento; mas sinto muito que não tenha vindo um que foi começado a discutir-se, e não sei porque razão deixou de ser apreciado na Associação de Agricultura.

Devo dizer que pelo estudo que d'esse projecto fiz, pela intelligencia originalidade com que está architecta do, creio ser o que até agora tem appa recido de melhor e mais digno de se apreciado e estudado pelas commissões d'esta casa.

Tem aspectos novos, tem por si o in conveniente da novidade, mas no fundo tem uma base rigorosamente scientifica, em que nem todos os projectos as sentam.

Era isto o que tinha a dizer. Relativamente ao assumpto de que desejava occupar-me, amanhã tratarei d'elle se V. Exa. quizer.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Teixeira de Vasconcellos: - Mando para a mesa o parecer da com missão de negocios externos sobre o projecto de lei que approva, para ser ratificada, a convenção celebrada na Haya, concedendo isenção de direitos de porto a navios ambulancias em tempo de guerra.

Foi a imprimir.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.

Tem a palavra o Sr. Baracho para continuar o seu discurso.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Corôa

O Sr. Sebastião Baracho: - Sr. Presidente: conclui o meu discurso anterior, pondo em relevo a antiga e immutavel preoccupação do Sr. Presidente do Conselho, de engrandecer o poder real. Outr'ora dispensava para esse fim a cooperação do Parlamento. Era inconstitucional esse processo; mas não lhe faltava franqueza e altivez.

Agora apoia-se, com o mesmo intuito, nas Camaras, cuja falsa organização, e não menos falso funccionamento, evidenciam a occorrente dictadura sectario-parlamentar, a de peor todas, pela sua degenerada feição, em que a sinceridade desapparece, para dar logar ao disfarce e á hypocrisia.

As propostas apresentadas, reformando o Juizo de Instrucção Criminal, e auctorizando a organização do Supremo Conselho de Defesa Nacional, são typicas no genero, até por aggravarem o existente.

Não tem, portanto, o chefe do Governo razão, quando se lamenta pelo prolongamento dos debates. Apresente, á apreciação das Côrtes, propostas identificadas com o sentir nacional, e facilmente ellas serão convertidas em lei do paiz. É intuitivo.

Em logar d'isso, porem, procura compensar a péssima qualidade do producto, pela sua nimia quantidade. Peor ainda.

Não será no uso d'estes morbidos expedientes que transporá o Rubicon, e lhe será facultado ensejo para proferir, com propriedade, o famoso estimulante cesareano : Alea jacta est.

Concernentemente ao Juizo de Instrucção, o Sr. Presidente do Conselho duvidou de que a alçada d'essa estação policial abrangesse todo o continente do reino, com superintendencia na fiscalização dos individuos suspeitos. Justificando a minha affirmação, o decreto famoso de 19 dê setembro de 1902 estabelece no seu regulamento:

Artigo 1.° É incumbida em todo o continente do reino ao juiz de instrucção criminal de Lisboa, immediatamente subordinado ao Ministerio dos Negocios do Reino, para os effeitos d'este regulamento, a direcção superior das investigações e diligencias necessarias para verificação dos crimes previstos -

Art. 2.° Ao mesmo magistrado fica especialmente incumbida a direcção superior, em todo o continente do reino, das diligencias e fiscalização dos individuos suspeitos de crimes a que se refere o artigo 1.°

É claro e positivo o que acabo de ler. Estava, portanto, em erro o Sr. Presidente do Conselho. Não pode haver duvidas a tal respeito, como tambem não são admissiveis, acêrca da elevada quantia a que ascenderam as despesas com a policia preventiva, no anno economico de 1905-1906. Falam os documentos officiaes. Ei-los:

Verba inscripta no orçamento em vigor de 1904-1905 36:000$000

Pelos decretos de 28 de maio e de 15 de junho de 1906 71:005$025

Segundo os mappas mensaes do Ministerio do Reino:

Em dezembro de 1905, transferencia mediante os decretos de 15 de dezembro de 190á e 17 de setembro de 1905 8:100$000

Em junho de 1906, transferencia por decreto de 15 do mesmo mez e anno 5:000$000
Somma 120:105$025

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D'esta avultada importancia apenas 36:000$000 réis figuram no orçamento, e d'estes só 1:800$000 réis são auctorizados pelo decreto de 19 de setembro de 1902. O calhamaço orçamental, referente a 1906-1907, da responsabilidade do actual Ministerio, e que hontem recebi, não se afasta da gafada tradição.

É assim que se prática a legalidade, tão divinizada, em theoria, pelo Chefe do Gabinete?

Em 1900-1901, a despesa com a policia preventiva era orçamental e exclusivamente de 25:000$000 réis.

Na actualidade é o que se observa, e deixo narrado, amoldando-me para isso pelos documentos officiaes.

Mas augmentaria, porventura, a criminalidade? Multiplicar-se-hiam os anarchistas, de então para cá?

Nada mais inexacto. Anarchistas, entre nós, conforme já tenho notado, são os dirigentes officiaes, a começar pelos Ministros. São elles que postergam e calcam as leis, como ninguem.

Demais, ha muito boa vontade em ter talher no bodo preventivo. Pela minha parte, porem, não deixarei de insistir, consoante é meu direito, para que me seja fornecida a distribuição da verba de policia preventiva, em conformidade com o meu requerimento apresentado em sessão de 29 de outubro ultimo, e reproduzido na anterior.

Um dos caracteristicos do absolutismo bastardo vigente consiste em não serem fornecidos aos representantes da nação os esclarecimentos, que elles legitimamente requerem, e lhes são indispensaveis para fiscalizarem os actos do Governo. De resto, os erros que de longe vêem são de especie varia, so-bresahindo, por indesculpaveis, os que se acobertam com a inexactidão e com o pharisaismo.

Sem sahir, por ora, da questão sujeita, recordarei que appellaram para tão condemnaveis artificios os auctores da reforma dos serviços policiaes de Lisboa, de 20 de janeiro de 1898, em cujo relatorio se assegura:

O projecto de reforma da policia civil de Lisboa, que temos a honra de submetter á approvação de Vossa Majestade, tem por fim modificar a organisação que lhe foi dada pelo decreto de 28 de agosto de 1893 e pela lei de 3 de abril de 1896. A ideia que presidiu á sua elaboração, foi a de eliminar as disposições restrictivas dos direitos e garantias individuaes, que tantas e tão intensas reclamações haviam suscitado ao publicar-se a reforma de 1893, aproveitando ao mesmo tempo as lições da experiencia, corrigindo os defeitos, que esta poz em relevo, e melhorando, quanto possivel, os differentes serviços da policia.

Este diploma é firmado pelos Srs. José Luciano de Castro, como Ministro do Reino, e Francisco Beirão, como Ministro da Justiça, cujas asseverações se não pautam pela verdade dos factos.

Com effeito, o decreto de 28 de agosto de 1893 determinava que o juiz de ins-trucção criminal podia ordenar, por seu alvedrio, a detenção dos individuos suspeitos. A lei de 3 de abril de 1896 despojou-o d'essa faculdade. Pois o decreto de 20 de janeiro de 1898, investiu-o de novo n'esse inqualificavel arbitrio, que lhe entrega a liberdade de todos os cidadãos, e esfarrapa as garantias individuaes, constantes do artigo 145.° da Carta Constitucional.

Para engodo de ingenuos, intitula-se pomposamente - liberal, a concentração dominante. Mais apropriadamente se devia designar: - concentração despotica. Nunca a houve mais completa.

As infracções á Constituição representam materia corrente, imprescindivel. Senão, vejamos ainda.

Ha quasi dois meses e meio que o Parlamento funcciona. Já está cumprido o preceito constitucional, que manda apreciar de preferencia a todos os outros assumptos o Orçamento Geral do Estado e as leis fixando as forças de terra e mar e respectivos contingentes de recrutas?

Não!

Mas não fica por aqui o legalismo, ao invez, do actual Governo. [Com o decreto de 18 de abril de 1901 foram restabelecidas, sob o euphemismo de associações, as ordens religiosas, cujos perniciosos antecedentes, motivantes da sua extincção, pelo decreto de 28 de maio de 1834, são sobejamente conhecidos.

Uma d'essas congregações - a das Irmãzinhas dos Pobres - pediu auctorização para vender o legado de sete titulos de cinco acções cada um, e cinco de uma acção, do Banco de Portugal.

Quer a Camara saber qual a resposta que as Irmãzinhas obtiveram do Sr. Presidente do Conselho?

Obtiveram a portaria de 18 de junho do anno corrente, declarando-lhes que não carecem de auctorização para alienar quer os bens que são obrigadas a desamortizar, quer outros cuja conservação lhes seja prohibida ou facultada pelos seus estatutos.

Na sua qualidade de ultramontano, de clerical irreductivel, o Sr. João Franco excede, segundo se observa, os proprios profissionaes.

Ás congregações, cujo pernicioso ensino não tem sido, pelo menos, fiscalizado, apparecem igualmente isentas, pela portaria de 18 de junho, da intervenção official na alienação dos seus bens.

A instrucção popular, que devia ser neutra e ministrada exclusivamente por seculares, deixou de ter este feitio liberal, para cahir, em grande parte, nas garras aduncas do jesuitismo. - Ó manes de Joaquim Antonio de Aguiar!

Não admira, pois, que eu ainda não obtivesse resposta ao requerimento,
apresentado na sessão de 1 de outubro derradeiro, e em que pedia, pelo Ministerio do Reino, as seguintes informações:

Nota das associações religiosas no continente do reino e nas ilhas adjacentes, e cuja existencia lhes é permittida pelo decreto de 18 de abril de 1901. Esta nota deve obedecer aos seguintes preceitos:

a) Designação do numero de associações, sem distincção de sexo; e da ordem a que pertence cada uma d'ellas;

b) Especificação dos estabelecimentos e suas succursaes, respeitantes a cada ordem, com indicação das localidades onde estão installados;

c) Numero dos religiosos, ou religiosas, e demais pessoal accessorio em cada estabelecimento principal, e em cada uma das succursaes.

d) Designação da naturalidade, sexo, idade, estado e nacionalidade de cada associado.

Em presença de tão significativo silencio, recorri ao Manual Politico do Cidadão Portuguez, do Dr. Trindade Coelho, que indica não menos de cincoenta e cinco associações dos dois sexos, com especialização das suas sedes e filiaes. E ainda no mesmo excellente livro que, sob a epigraphe de - Associações jesuiticas, se lê:

Alem das associações que acabamos de mencionar, em muitas das quaes superintendem os jesuitas, estes que em Portugal teem uma casa de noviciado e outra de estudos, afora collegios e residencias, possuem tambem associações proprias.

Cita seguidamente o Manual:

A Congregação de S. Luiz Gonzaga, cuja sede é no Collegio de Campolide;

A Congregação de Maria, eu Mariana, para os dois sexos, sendo a sua sede na Rua do Quelhas, 6, Lisboa;

E o Apostolado da Oração, o grande orgão da Companhia de Jesus, estendendo os tentaculos por todo o continente, ilhas adjacentes e colonias, tendo a sede no Quelhas, e por orgão a publicação semanal intitulada - Novo Mensageiro do Coração de Jesus.

O Apostolado, prosegue o Manual, contava em 1902, a dar credito ao relatorio que lhe é respeitante:

831 centros;

707:868 associados do 1.° grau;

252:178 do 2.° grau;

55:236 do 3.° grau ;

19:161 zeladores e zeladoras.

Como tudo isto é desolador! Mas a ninguem deve causar estranheza, dado o absolutismo bastardo predominante.

N'esta, como em outras manifestações reaccionarias, o rotativismo e suas jacencias vivem na mais incontroversa conformidade. Não ha, pois, esperança de tornarem brevemente a vigorar de facto, o decreto extinguindo os jesuitas, de 3 de setembro de 1759, do Marquez de Pombal, nem tão pouco o de 28 de maio de 1834, a que ha pouco me reportei, e é da referenda de Aguiar.

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Corre a monção a preceito para a propaganda anti-liberal. Os seus sequazes contando, em todo o ponto, com a impunidade, perturbam a paz das familias com a distribuição clandestina de orações muito suggestivas, em que as promessas correm parelhas com as ameaças feitas aos desobedientes.

Não obstante a imprensa ter chamado com insistencia a attenção dos poderes publicos para este escandalo, cuja existencia data d'este anno, a policia preventiva manteve-se na mais completa inacção, digerindo beatificamente os 120 contos de réis, na sua quasi totalidade illegaes, com que se locupletou - mais uma vez o consigno - no anno economico de 1905-1906.

Para remate, n'este momento, serie de feitos clericaes em que o Governo se sobreleva, com a collaboração dos seus parciaes, lembrarei o estranho caso do Dr. Agostinho de Campos que, muito é para sentir, trocou o logar distincto que occupava no jornalismo, pelo de Director Geral da Instrucção Publica, em que se diminuia indubitavelmente pouco depois, com a carta que passo a ler:

... Sr. director da Opinião.

Nos seus numeros de 28 e 29 do corrente referiu-se a A Opinião a mim, dizendo que eu professo a religião protestante e frequento a "Presbyterian Church", no antigo convento das Mariannas.

Lamento que o jornal que V. dirige se fizesse echo de semelhante falsidade, escolhendo de mais a mais para isso a occasião em que eu acabo de ser nomeado director geral da instrucção publica, carão absolutamente incompativel com a profissão de qualquer religião que não seja a do Estado.

Visto, porem, que V. assisa o entendeu, resta-me pedir-lhe a subida fineza de dar publicidade no seu jornal a esta minha carta, em que muito categoricamente affirmo que professo a religião catholica, que sempre a professei, e que nunca, nem uma só vez, entrei sequer na Presbyterian Church, apesar de ter vivido durante mais de quatro annos perto d'ella.

Já hontem, pelas 5 e meia da tarde, me dirigi a essa redacção, por causa do assumpto de que se trata, mas foi-me ali dito que todos os Srs. redactores tinham saido.

Com a devida consideração - De V. etc. = Agostinho de Campos.

Contra esta peregrina asserção, que não veio decerto a publico sem o placet, ou antes com a instigação do Sr. João Franco, protesto com todo o vigor. É ella vasada pelo mais retinto reaccionarismo, e é fundamentalmente attentatoria da liberdade de consciencia.

A religião catholica é a religião do Estado. Não ha duvida. Mas o Sr. Agostinho de Campos não é o Estado. E apenas um funccionario publico, o que é muito differente.

E jacta-se o Sr. Presidente do Conselho de ser revolucionario!

- V. Exa. não é revolucionario; é reaccionario.

E como o Sr. João Franco faça um pequeno movimento, o orador interpreta-o por um signal affirmativo e diz:

- Estimo que V. Exa. esteja de acordo commigo...

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco): - Perdão, eu achei a phrase simplesmente engraçada. Creio que não sou nem reaccionario nem revolucionario: o meio-termo; o meio termo, talvez.

O Orador: - O meio termo, para... reaccionario.

Que estranha theoria, na verdade! Em pleno seculo XX ha quem ouse affirmar que o logar de director geral da instrucção publica é incompativel com outra religião que não seja a catholica, ou com a ausencia completa de religião!...

Os proprios textos constitucionaes desmentem semelhante heresia. Eis o que nitidamente estabelece a Carta, no seu artigo 145.°:

§ 4.° Ninguem pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do Estado e não offenda a moral publica.

§ 13.° Todo o cidadão pode ser admittido aos cargos publicos civis, politicos ou militares, sem outra differença que não seja a dos seus talentos e virtudes.

Estes são os bons preceitos de tolerancia, sempre até hoje cultivados entre nós. Os cidadãos portuguezes podem ter a religião que quizerem, ou não ter religião, o que não obsta a que tenham direito ao desempenho dos cargos publicos.

Aspirará o Sr. Presidente do Conselho a afastar-se tambem, n'este ponto, de tradição liberal?

Attentos os seus actos hodiernos, não admiraria que por tal modo praticasse.

O que demonstra tudo isto?

Que o Sr. João Franco se define pelas simples palavras que proferi, e torno a anunciar:

- Revolucionario, não; reaccionario, sim.

De resto, os factos apontados comprehendem mais um argumento irrespondivel para derruir a anachronica e bolorenta Carta outorgada. A religião do Estado tem indispensavelmente de ser substituida pela igualdade de cultos, com a associada separação das igrejas e do Estado, realizada em condições equitativas, conforme se effectuou no Brasil, que, nos ultimos annos, nos offerece exemplos de liberalismo, muito para serem ponderados e transplantados para a antiga mãe-patria.

Sr. Presidente: na moção que li á Camara disse sufficiente relativamente á instrucção e beneficiencia publicas, cuja indole descentralizadora, e exclusivamente secular, tem de ser estabelecida, quando estes dois ramos tão importantes do serviço administrativo forem devidamente reformados. Não podem elles continuar arvorados, como até agora, em logradouro do insaciavel poder central, com prejuizo manifesto da educação popular e do altruismo castiço, de boa lei.

Estes mesmos principios descentralizadores teem adequado cabimento, quando se transformem as praxes existentes, acêrca do cultivo da hygiene publica. As municipalidades, cujas attribuições estão hoje tão reduzidas, como nunca o estiveram em tempo algum, caberiam a iniciativa e direcção nas tres especialidades designadas: - instrucção, beneficencia e prophylaxia publicas.

Mas não cabem, por certo, estes justos incitamentos no programma do Sr. João Franco cujo ideal, em tudo e por tudo, é a intolerante tutela, sendo elle, é claro, o absorvente tutor. - Tutelados, sejam os outros.

Emquanto o paiz, ardilosamente arvorado em autómato do engrandecimento do poder real, supportar a actual escravidão, tudo correrá pelo melhor, no melhor dos absolutismos bastardos. Mas quando elle se desentorpecer completamente do longo lethargo em que tem jazido, as reformas que deixo esboçadas constituirão apetecida realidade, e outras ainda as acompanharão, que não são menos recommendaveis nem menos urgentes.

Entre estas, seja-me licito mencionar, mais uma vez, a que torne obrigatorio, para todos os cidadãos, o registo civil de nascimentos, matrimonios e óbitos, e a que extinga a legislação de excepção, composta de cinco leis e tres decretos, consoante a especificação feita pelo Dr. Trindade Coelho no Mundo Legal e Judiciario, correspondente a 25 de julho de 1905.

Effectivamente, sob a epigraphe - Leis de excepção - exprime-se nos seguintes termos aquelle jurisconsulto:

"Pertencem a estas categorias os diplomas seguintes: - o decreto de 2 de fevereiro de 1891 (Antonio Candido) determinando que seja da exclusiva competencia dos tribunaes instituidos pelo Codigo de Justiça Militar o conhecimento e julgamento do crime de rebellião, previsto e punido no artigo 170.° do Codigo Penal ordinario; - a lei de 21 de abril de 1892 (Ayres de Gouveia), que manda deportar por tempo indefinido os reus, aos quaes tiverem sido applicadas certas penas, deixando-os, portanto, á mercê e arbitrio dos Governos; - a lei de 13 de fevereiro de 1896

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(João Franco), que estabelece as penas applicaveis aos delictos de anarchismo; - a lei de 3 de abril, de 1896 (Antonio de Azevedo) na parte, artigo 7.°, em que manda applicar a novas categorias de delinquentes (vadios, mendigos e outras) a citada lei de 21 de abril de 1892, isto é, a deportação indefinida; - a lei de 23 de abril de 1896 (João Franco), que no artigo 12.° punia com pena maior os que promovessem ou favorecessem a emigração clandestina, mandando que fossem julgados sem a intervenção do jury, o que foi derogado pelo decreto de 27 de setembro de 1901 (Campos Henriques) que estabeleceu para aquelle delicto "pena correccional", ficando portanto o seu julgamento da competencia do juiz de direito; - o decreto de 23 de março de 1899 (Alpoim), que no artigo 6.° regula as disposições da lei de 21 de abril de 1892 relativamente ao destino de vadios e mendigos deportados; - a lei de 12 de junho de 1901 (Campos Henriques), que estabelece que os crimes de falsificação de moeda, notas de banco e titulos do Estado, sejam julgados por um tribunal collectivo sem intervenção do jury, não obstante caber-lhes pena maior; - e finalmente para não alongarmos, o decreto de 19 de setembro de 1902 (Hintze Ribeiro), que entregou ao Juiz de Instrucção Criminal de Lisboa, em todo o continente, a direcção superior das investigações e diligencias para a verificação dos crimes contra a segurança interior e exterior do Estado; dos atentatorios da ordem social e das do fabrico e passagem de moeda e notas falsas; e, bem assim, dos previstos nas leis de 13 de fevereiro de 1896 (anarchistas) e 21 de julho de 1899 (não anarchistas, reus, todavia, de alguns dos delictos incriminados na lei o e 13 de fevereiro); bem como a direcção superior das diligencias de vigilancia e fiscalização dos individuos suspeitos d'aquelles crimes".

Que lhes parece o sudario?

Pois todos estes instrumentos de decadencia e oppressão ainda vigoram, a despeito de o Sr. João Franco se ter declarado arrependido do seu procedimento passado.

Nem sequer derrogou o decreto inqualificavel de 19 de setembro de 1902, para que não carecia da intervenção parlamentar, e apesar das minhas instancias, formuladas n'esse sentido, no proprio dia em que o actual Ministerio se apresentou n'esta Casa.

Engrandecer o poder real continua, portanto, sendo a sua despotica divisa.

N'esse norteamento, referiu-se já a Antonio Rodrigues Sampaio, o qual affirmava que quem tinha verdadeiro poder era o Rei.

Mas é preciso ter presente que esse poder deriva dos privilegios e prerogativas que lhe concede a Carta, e não de outra qualquer circumstancia, o que prova que, se outras muitas razoes não houvesse, bastaria essa para lançar no limbo esse anachronico diploma, tio completamente divorciado do predominio legitimo, resultante da soberania nacional.

De defeito de origem padece igualmente a proposta de lei de responsabilidade ministerial, apresentada na Camara electiva em 6 de outubro ultimo. Se não experimentar profundas modificações, não passará do que é: - de mais
uma mistificação; da mascara do que devia ser; e de resto, com resaibo de inconstitucional.

Oxalá a lei que se annuncia, respeitante ao anarchismo, seja vasada por differentes moldes, visto o Sr. Presidente do Conselho não querer integrar-se com a opinião geral, por mim persistentemente preconizada, a favor da abolição pura e simples da lei preversa de 13 de fevereiro de 1896.

Se outros motivos não houvesse que aconselhassem a extincção de tal lei, bastaria o mappa que vou ler á Camara, para justificar essa medida, tão justa quanto humanitaria. Por esse mappa, officialmente fornecido pelo Juizo de Instrucção Criminal, reconhece-se o que mais de uma vez tenho affirmado: - não ha anarchistas em Portugal. Nos ultimos seis annos civis, apenas foram julgados nove individuos, dos quaes quatro unicamente foram condemnados. A nota official menciona três, indicando como absolvido Bartholomeu Constantino, a quem, na verdade, foram impostos seis mezes de prisão. Mas tanto elle, como Antonio Vieira Mendes, tambem condemnado, no Porto, não commetteram crime algum de anarchismo. É notorio e sabido.

Conforme se observa, o Juizo de Instrucção não contradiz, n'essa nota, o seu proverbial descredito. Perseguiu como anarchista quem o não era, tendo por esse motivo os tribunaes de pôr geralmente de parte a lei de 13 de fevereiro de 1896, para applicarem aos calummosamente incriminados a de 21 de julho de 1899. É o que se evidencia pelo proprio mappa.

E, para o quadro ser completo, informou erradamente acêrca de Bartholomeu Constantino. Ninguem dirá, depois d'isto, que a choruda dotação preventivo policial não é bem applicada; e não é só a preventiva, segundo adeante se reconhecerá.

Demais, deportados tem havido sem julgamento. Assim o denunciou em comicio publico, no dia 12 de agosto preterito, sem contestação immediata ou ulterior, o Sr. Deputado Antonio José de Almeida, que citou dois casos, ambos tendo por epilogo a morte, em Loanda.

Um dos fallecidos era um tenente boer, o outro um jornalista de origem franceza. Ambos tinham sido para ali desterrados arbitrariamente, encontrando-se o ultimo em estado adeantado de tuberculose.

Com relação á sua installação e passadio, basta dizer que o boer teve por moradia a Cova da Onça, do forte de j S. Miguel.

1 O mappa vae publicado no final do discurso (doc. 1).

De Timor não são mais lisonjeiras as noticias concernentes aos deportados, suppostos anarchistas. Confirmando este parecer publicou a Epoca, de 14 de junho de 1900, uma carta de Dilly de que destaco os pormenores que vou ler:

Chegamos a 14 de setembro de 1896. A 22 de dezembro do mesmo anno morreu José Miranda, victimado pelas febres palustres. Cahiram-lhe os dentes com as febres.

Em 18 de novembro de 1897 morria o nosso camarada Bernardo Caldas, victima das febres palustres.

Em 13 de agosto de 1899 morreu José Dias de Loureira, com uma biliosa. Durou apenas tres dias.

Em 25 de maio de 1900 morre Rodrigo da Silva, deixando dois filhos que muito estimava.

Em 10 de outubro de 1903 morre Carlos Augusto da Fonseca, com uma biliosa. Este desgraçado durou apenas 3 dias.

A situação dos vivos não é mais agradavel, porque em casos d'estes vale mais morrer do que viver na miseria. Temos camaradas que mal ganham para comer, pois o seu ordenado é de 540 réis e como pode um homem viver, quando um kilo de bacalhau custa 400 réis; um kilo de massa, 45U; um litro de azeite, 540; um kilo de atum, 750; e as casas, simples palhotas, custam 3$780por mez e são das peores.

O que se passou com Manoel Antonio Caldeira Feio, na sua triste odysseiade perseguido, inexoravelmente, varias referencias me tem merecido n'esta casa. Não as reeditarei para não me repetir.

Darei, porem, a palavra ao Jornal do Commercio de 25 de dezembro de 1904, que não vacila em classificar a lei scelerada, de lei demedo, o qual não póde deixar de ser em países civilizados um péssimo inspirador de leis; e acrescenta:

Temos ouvido, não sabemos se com verdade, que á sombra, muito má sombra, da lei de 13 de fevereiro, teem sido mandados para Timor dezenas ou centenas de individuos. Mas do que não sabemos é de nenhum caso autentico de anarchismo entre nós.

Pondere o Sr. Presidente do Conselho tudo o que tenho exposto; e; visto não haver motivos, por mais justos e humanitarios, que possam vencer a sua obstinação, revogando a lei cruel, faça ao menos repatriar quanto antes, gratuitamente, os que por ella teem sido alcançados, clara ou snbrepticiamente, e expiam no exilio as fraquezas dos dirigentes, as quaes transformaram, em presidio aberto e patente o nosso formoso torrão patrio, que d'antes era, quando havia homens de Estado, mansão de liberalismo e de justiça. Mais uma vez insto, pois, pela repatriação total d'esses infelizes, a qual solicito, desde que este Governo se apresentou ao Parlamento.

Não haja só larguezas de animo para com o primeiro algoz dos desterrados;

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para com quem engendrou anarchistas, sem para isso possuir a materia prima: - para o juiz de instrucção criminal. Este goza de immunidades e privilegios, como ninguem n'este paiz se lhe equipara. Não fora elle o emblema mais completo do existente!...

E porque esses privilegios e essas immunidades são incommensuraveis, de novo tenho de me occupar, mau grado meu, de tão repugnante criatura, que o Sr. Ministro da Justiça consente illegalmente á testa da espionagem indigena que, diga-se de passagem, não representa a mais degradante parcela das suas funcções. - Taes ellas são!... Mas vejamos o que diz o decreto de 20 de janeiro de 1898, cujas disposições, na parte relativa ao assumpto, são d'este teor:

Artigo 14.° Os serviços pertencentes ao Juizo de Instrucção Criminal ficam a cargo de um magistrado...

Artigo 15.° A direcção dos serviços de que trata o artigo antecedente será exercida em commissão por um juiz do direito de instrucção criminal, que o Governo nomeará de entre os juizes de 1.ª classe, sem prejuizo de antiguidade n "m de promoção.

Artigo 42.° O actual Juiz de Instrucção Criminal continuará a exercer as suas funcções nos termos d'este decreto.

Ora os termos d'este decreto constam dos artigos 14.° e 15.° que acabo de mencionar, e que determinam que o juiz nomeado será de 1.ª classe, e exercerá o cargo em commissão.

Do artigo 42.° nitidamente transparece que o actual Juiz de Instrucção continuaria a exercer as suas funcções depois da reforma policial, mas emquanto elle fosse de 1.ª classe. Longe de deixa- campo vasto para o exercicio do cargo, depois da promoção, lembra que o mesmo exercicio está adstricto aos magistrados de 1.ª classe, sem prejuizo de antiguidade nem de promoção.

Esta interpretação, por ser a genuina, não admitte duas opiniões. Foi por isso que no projecto agora sujeito ao Parlamento, reformando esse juizo, foi adoptada uma differente redacção, a qual permitte, com indubitavel desdouro para a alta magistratura, que o actuai titular da Bastilha lá continue, até depois de investido em Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça!

No decurso porem da legislação vigente, não é licito ali manter esse func-cionario.

Em taes circumstancias, attribuem-Ihe o dom da ubiquidade, e conservam-n'o na relação dos Açores, para onde foi promovido por decreto de 14 de dezembro de 1905, e cumulativamente reconduzido, no Juizo de Instrucção, por diploma da mesma data, concebido n'estes termos:

Tendo sido promovido á segunda instancia da magistratura judicial o Conselheiro
Francisco Maria Veiga: Hei por bem reconduzi-lo, em nome de El-Rei, nas funcções de Juiz de Instrucção Criminal de Lisboa, que exerce em commissão.

Desnecessario seria dizer que o referendario d'este decreto é o Sr. Eduardo José Coelho, o mesmo que sujeitou a imprensa ao ignaro regimen policial, nas condições degradantes e arbitrarias que eu patenteei á Camara na sessão anterior; e ainda o mesmo que trouxe á suppuração a pre-historica portaria carola, acêrca das procissões de Corpus Chrisli.

Nada mais é preciso acrescentar.

Dispondo de tão assignalados recursos e aptidões, para consignar é que S. Exa. não desenterrasse, ao menos, qualquer legislação do tempo dos Affonsinhos, e com ella esmaltasse o seu decreto de reconducção do chefe da policia preventiva, - decreto que tão ermo veio a lume, de textos legaes.

Tudo isto e muito mais lhe seria tolerado, por não haver uma lei de responsabilidade ministerial a valer, e não como a que se projecta, positivamente irrisoria e anti-constitucional.

Para registar é, apropositadamente, que a Relação dos Açores constitue, por assim dizer, um alfobre ou viveiro de juizes de 2.ª classe, in partibus alguns d'elles.

O seu quadro é composto: - de um presidente, um vice-presidente e seis vogaes. Ao todo 8.

Em 30 de setembro ultimo existiam: - em Ponta Delgada, sete juizes, dos quaes um aggregado; e um com licença de quarenta e cinco dias. Preenchiam portanto estes oito o quadro.

Como é, pois, que havia mais seis juizes, d'ali desviados em diversas com-missões, vencendo os respectivos ordenados?

Para estes, como para outros privilegiados, nunca existiu o decreto de 6 de setembro, que mandou regressar aos seus logares os funccionarios d'elles afastados. Para Bulhão Pato, não esqueceu.

Mas quem auctorizou taes dobradiças, que o Sr. Ministro da Justiça illegalmente cultiva e conserva?

Este facto evidencia que infelizmente S. Exa. se inspira no legalismo sui generis do Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Apoiado! Apoiado!

O Orador: - V. Exa. apoia? Muito bem. Isto demonstra apenas que V. Exa. tem feito escola de illegalista.

Eu bem sei que, quando chegou ao poder o actual Sr. Ministro da Justiça já estavam na Relação dos Açores os juizes a que me refiro...

O Sr. Ministro da Justiça (José Novaes): - Sim, senhor.

O Orador: - Mas, se já lá estavam, qual a razão por que lhes não deu o apropriado e devido destino?

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (João Franco Castello Branco): - O Digno Par Sr. Baracho sabe perfeitamente que do facto citado nenhuma responsabilidade cabe ao actual Governo.

O Orador: - Se assim é, a quem pertence a culpa?

O Sr. Ministro da Justiça (José Novaes): - Devo affirmar ao Digno Par Sr. Sebastião Baracho que, ao tomar conta da pasta da Justiça, já encontrei na Relação dos Açores os seis juizes a que alludio S. Exa.; e devo acrescentar que, se procedesse conforme os desejos do Digno Par, só prejudicava o Estado, porquanto esses juizes regressavam na qualidade de desembargadores.

O Orador: - E acha pouco prejudicar só o Estado? Em tal caso, convem, talvez, fazer toda a gente juiz da Relação dos Açores, e pô-la em commissão commoda e rendosa.

Mas a verdade é que ao actual Governo cabe a inteira responsabilidade de manter na Relação dos Açores mais seis juizes do que os que comporta o respectivo quadro. Só pelo legalismo do avesso, tão querido do Sr. Presidente do Conselho, se pode tolerar tão escandalosa situação; escandalosa e cara, porque, a despeito de o orçamento em vigor de 1904-1905 inscrever apenas verba para oito juizes, são quatorze os que cobram. E d'elles ainda ha a destacar o chefe da policia preventiva e juiz de instrucção criminal, cujas pingues prebendas, como lábaro, ou cousa parecida, do systema que nos rege, merece menção especial.

N'estas condições, começo por destacar do Diario do Governo de 15 de fevereiro do anno corrente o seguinte despacho, respeitante a 25 de janeiro anterior.

Conselheiro Francisco Maria Veiga, juiz da Relação dos Açores - declarado nos termos de receber a terça parte, mais de seu ordenado, que lhe será paga desde o dia 14 de dezembro de 1905. (Tem o visto do Tribunal de Contas).

O orçamento em vigor inscreve réis 1:000$000, como ordenado do juiz de instrucção criminal.

Dá-se, porém, este caso, que é en-

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genhoso, e sobretudo honesto: - Para exercer as correspondentes funcções, o inquilino por excellencia da Bastilha não é juiz da Relação dos Açores. Para receber os vencimentos, sim. Nem na Mademoiselle Nitouche o excede Borromeu, que tambem é Floridor, conforme a utilidade das circumstancias.

Por este processo, positivamente de preventivo autenticado, aufere:
Ordenado 1:600$000

Aumento do terço do ordenado 533$5333

Somma 2:133$333

Demais, como juiz de instrucção, embolsou de emolumentos em 1905-1906 1, 1:847$240 réis, que, addicionados a 2:133$333 réis, perfazem réis 3:980$573, sem que cousa alguma tenha que ver com tão amimada individualidade, esteio das instituições, o § 5.° do artigo 1.° da lei de salvação publica de 26 de fevereiro de 1892, o qual estabelece que nenhum funccionario em serviço activo poderá receber ao Thesouro, por accumulação, mais de 2:000$000 réis.

A questão da accumulação, motivada pelos emolumentos, apresenta ainda este caracter odioso. Por ella se dar, não teem alguns agentes subalternos, consoante menciona a nota official, podido compartilhar d'esses lucros.

Reconhece-se, por isto, que este estranho chefe é dos que sabe apenas duas operações arithmeticas: - sommar para elle, e subtrahir para os subordinados. É completo.

E fico por aqui, n'esta especialidade de vencimentos, visto não me terem sido ainda fornecidos outros esclarecimentos que requeri, relativos a identico assumpto. Mas, nem por isto, cesso ainda de ser chronista dos actos de favoritismo de que é alvo o juiz e policia, mais policia do que juiz, com superintendencia na Bastilha. Depois das inqualificaveis condescendencias para com elle de Governos varios, cabe a vez aos tribunaes, ou antes, ao Supremo Tribunal de Justiça.

Na constancia das anteriores oligarchias rotativas, em que a imprensa estava sob o signo de feroz perseguição, o jornal mais draconianamente atacado era O Mundo, com cujo director, França Borges, eu mantenho estreitas relações de amizade.

Repetidas vezes foi O Mundo arbitrariamente apprehendido, com notorios prejuizos de toda a ordem. Como desforço legitimo contra tão acintosa perseguição, França Borges intentou causa, por perdas e damnos, contra o juiz

1 Veja-se adeante o documento n.° 2.

de instrucção criminal. Attendeu-o o Tribunal Commercial e a Relação; mas ascendendo o pleito ao Supremo Tribunal, foi proferida esta sentença:

Acoordão a fl. 57

Accordam os do Conselho do Supremo Tribunal de Justiça que conhecem do presente recurso ws termos do artigo vinte e quatro do decreto numero dois de 15 de setembro de 1892; e conhecendo dão provimento ao aggravante, annullando o processo commercial contra elle intentado, pela incompetencia do juiz e do meio, a que o aggravado recorreu, em vista do que dispõe a Novissima Reforma Judiciaria nos artigos 20.° e 823.°, e Codigo do Pró cesso Civil nos artigos 41.° n.° 3.°, 1:173.° e 1:174.o

Lisboa, 30 de outubro de 1909. = Martins = Pereira = Serra e Moura.

D'este accordão resalta a mais revoltante parcialidade. N'elle é citado o artigo 24.° do decreto n.° 2 de 15 de setembro de 1892, revogado pelo Codigo de Processo de 13 de maio de 1896, que insere a disposição seguinte, de cuja applicação abundam os exemplos:

Artigo 382.° Do accordão sobre aggravo não haverá recurso algum.

Attinge-se, conforme se observa, no tribunal mais graduado, até ao falseamento da legislação, a fim de conservar nas immunidades exepcionaes que desfructa, e caracterizam a epoca, a entidade odienta e odiada, cuja existencia é sufficiente para desconceito de um regimen.

Ponha se termo, e quanto antes, a tão perniciosos feitos. Reforme-se, n'esse salutar intento, a magistratura, de que é indispensavel expurgar o pessoal avariado, que a exautora.

N'esta orientação, estabeleça-se, como providencia primordial, o limite de idade - mais uma vez o recommendo - porque d'elle advirá o depuramento, senão completo, pelo menos em condições de melhorar o estado subexistente, o que tão necessario se torna.

Para considerar é tambem que todos os processos criminaes devem ser instruidos contradictoriamente, de forma que os réus tenham assistencia imprescindivel de advogado, desde o momento da sua prisão, tornando-se igualmente indispensavel assegurar-lhes o direito constitucional do habeas corpus, tão postergado entre nós. Uma syndicancia imparcial á Bastilha poria em relevo os crimes ali commettidos, n'esse e n'outros generos, por quem compete cumprir e fazer cumprir a lei.

O ampliamento no emprego do jury não é do mesmo modo para esquecer. Pelo contrario.

Quer nos tribunaes collectivos, quer nos de um unico juiz, não pode dispensar-se o jury, que seria elemento precioso de rectidão nas resoluções que se adoptassem, resgatando-nos do sectarismo inherente aos profissionaes.

Na mesma ordem de ideias, deveria effectuar-se a reforma da lei de imprensa de 7 de julho de 1898. Perante as necessidades occorrentes, de novo recordo a utilidade da immedita regressão á lei de 1866, referendada por Barjona de Freitas, se mais não puderem, ou antes não quizerem avançar os poderes publicos, no culto da livre emissão do pensamento.

E proseguindo na analyse dos negocios sob a alçada do Ministerio da Justica, o que direi, Sr. Presidente, da provisão patriarchal, que tão justa e acerba critica levantou entre ecclesiasticos e seculares?

Na elaboração de tal diploma foram, desprezadas as leis do reino. Elle circula e produz effeitos, sem auctorização do poder civil, e sem o previo e indis pensavel beneplacito regio.

Acerca da sua illegalidade foi mandada ouvir a Procuradoria Geral da Coroa, que se mantem no mais absoluto e condemnavel silencio. As infracções do mesmo diploma resultantes alcançaram varias disposições legaes, e entre ellas citarei a carta regia de 31 de janeiro de 1775 1, que regula a cobrança das conhecenças, em parte applicadas em proveito das misericordias.

De tal ordem é a provisão que o clero não a cumpre; e assim, uma providencia que visava a disciplinar, fomentou, ao revés, o relaxismo.

Não admira, porem, que tal succeda. N'ella escasseavam effectivamente os requisitos que a recommendem, a começar pelos que deveriam emanar do são criterio e do respeito pelas leis cujo desprezo, por parte do Prelado lisbonense, é proverbial e correntio. Haja em vista as perseguições com que alveja os seus subordinados, fulminando-os com suspensões pelo processo de ex informata conscientia, em todo o ponto abusivo.

Infelizmente o Sr. Patriarcha tem feito prosélitos entre o episcopado, da quaes se destaca o Prelado de Bragança, eximio no cultivo de infracções e prepotencias. Ainda ultimamente o padre Amado, d'aquella cidade, interpoz recurso, á Corôa, da decisão pela qual o Bispo, sem motivos nem forma alguma de processo, o substituiu no exercicio de escrivão do Juizo Apostolico.

O recurso está affecto á Relação do Porto, e tem effeito suspensivo. Apesar d'isto, não é permittido ao sacerdote perseguido desempenhar o seu logar.

Não teem, porem, os prelados que delinquem, a recear qualquer legitimo

1 Veja-se adeante o documento n.° 3.

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284 ANNAES DA CAMARA DOS DI0NOS PARES DO REINO

correctivo, por parte d'este Governo, cujo clericalismo é incontroverso. N'este norteamento, tanto o Sr. Presidente do Conselho como o Sr. Ministro da Justiça esquivam-se a fornecer-me esclarecimentos que solicitei, attinentes a contrariar a acção ultramontana, que alastra, com desmedida protecção official, por todo o paiz.

Com effeito, na sessão de 1 de outubro ultimo, requeri pelo Ministerio do Reino, nos precisos termos que ha pouco designei, documentos mui fáceis de fornecer, acêrca do numero e composição das congregações que depauperam o nosso organismo social, á sombra do decreto de 18 de abril de 1901.

Não obstante eu instar para que estas informações me fossem fornecidas antes de se iniciar a discussão da resposta ao Discurso da Corôa, não fui - permitia-se me a insistencia - ouvido pelo Sr. João Franco.

N'este sitio solitario.
Onde a desgraça me tem,
Chamo, ninguem me responde;
Olho, não vejo ninguem.

Ao persistente mutismo official, contraporei as ultimas narrativas da imprensa, acêrca da invasão jesuitica. Assim, a Vanguarda de 9 do mez corrente noticia:

De março a outubro chegaram 800 clericaes estrangeiros de ambos os sexos e no mez de outubro, só no mez de outubro, chegaram aqui 100 clericaes.

Encontram-se, por conseguinte, entre nós, perto de 900 clericaes foragidos da Hespanha e da França, e que procuram fazer do nosso paiz um verdadeiro campo de combate contra as ideias novas.

Estas são as ultimas levas. Porque, se se procedesse a um arrolamento consciencioso de regrantes, sem distincção de sexo, apurar-se-hia materia prima ultramontana em tal abundancia, que a sua mobilização talvez excedesse, em numero, á da primeira divisão militar, em pé de guerra.

Os dados produzidos pelo Manual Politico do Cidadão Portuguez, ha pouco por mim invocados, fundamentam este meu asserto.

Posto isto, notarei que em 2 de junho derradeiro, requeri pelo Ministerio da Justiça:

Que tendo sido, pelo testamento da finada Condessa de Camarido, nomeados herdeiros, entre outros, o Papa Leão XIII, os Reverendos Eigarnam, Felix Girolet e Ambrosio Ubaldo Silvand e as Sras. Orancie, Alzen e Maria Sabonie, pergunto:

Desistiram, por si, ou por qualquer dos seus herdeiros, alguns dos contemplados que se designam, da parte que tinham na herança?

No caso affirmativo, solicito copia das desistencias que se tenham dado, e bem assim de outros quaesquer documentos correlativos e connexos com o assumpto.

O que motivou o meu pedido de esclarecimentos?

O ter-se propalado em setembro do anno preterito que os frades do Espirito Santo tinham repudiado a parte que lhes caberia na herança Camarido, que está sendo disputada nos tribunaes.

O impenetravel silencio, que me é dado como resposta, deixa-me naturalmente suppor que o repudio não se tornou effectivo. Os clamores e indignação que produziu a captação, por parte d'esses religiosos, da abastada herança d'aquella titular, com prejuizo patente de herdeiros legitimos em precarias circumstancias, motivaram - é de crer - os actos equivocos praticados, e correspondentes boatos ardilosamente postos em giro, pelos proprios interessados.

Passado o fragor da tormenta, os frades co-herdeiros entenderam por melhor manter-se nos seus interesses testamentarios, quê nem sempre são interesses legaes, e muito menos interesses ajustados pelos mais elementares preceitos da equidade, da decencia e do decoro.

A forma por que tem corrido esta questão, verdadeiramente escandalosa, investe os varios Ministros que a ella hão assistido, no indiscutivel direito do uso, como uniforme mais adequado, do balandrau carola vulgarizado pelo não menos carola Sr. Eduardo José Coelho, esquadrinhador de beatificas portarias, para enlevo de beatas e quejandas.

Depois do que fica historiado, e para ser agradavel ao Sr. Presidente do Conselho e ao Sr. Ministro da Justiça, mais especialmente visados na questão sujeita, direi que tudo succede ad majorem Dei Gloriam. E a divisa dos jesuitas, tão queridos, elles e ella, do rotativismo mais ou menos concentrado.

Concluidas as reflexões que entendi dever fazer concernentemente ao Ministerio dos Eclesiasticos e da Justiça, e passando a occupar-me dos negocios da Fazenda, pergunto: - Quando termina a infracção constitucional, que parece ter se tornado chronica, de estar em vigor o orçamento de 1904-1905?

Não é facil prevê-lo. Mas o que se pode desde já assegurar é que o calhamaço orçamentologico para 1906-1907, que ha tres dias recebi, reproduz em alguns pontos, aggravadas, as deficiencias dos anteriores.

N'elle superabundam os erros tradicionaes que o tornam obscuro e destituido de sinceridade, havendo a acrescentar que, aonde a rotina deu logar á innovação, foi para peor, - inuito peor.

Não phantasio; vou citar factos.

Até 1905-1906, os orçamentos estavam elaborados por modo que as verbas, respeitantes a um determinado anno economico, se encontravam concatenadas exclusivamente no grosso volume correspondente a esse anno.

Agora não, consoante se poderá verificar pelo orçamento de previsão de 1906-1907, a que ha pouco alludi.

N'elle se fazem amendadas referencias ao de 1904-1905, como remedio indispensavel para combater as proprias omissões, em que é fertil.

Em taes circumstancias, as buscas orçamentaes, que eram já demoradas e fastidiosas, mais prolongadas e penosas se tornam, com o novo aspecto dado á orçamentologia indigena. - Synthese: - Muito mais trabalho, sem lucro de especie alguma para o Estado ou para os investigantes; e, no applauso do Sr. Ministro da Fazenda e concomitantes, bastos loiros para o orçamentologo a quem se deve a genial invenção.

É o caso de paraphrasear Boileau: - Um orçamentologo encontra sempre outro mais orçamentologo que o admire.

Nos jogos malabares da orcamentologia, a concentração pseudo-liberal não se afastou das suas conhecidas normas de processos. Promettendo clareza e legalidade orçamentaes, produziu confusão e illegalidade orçamentologas.

Na lei de receita e despesa, para o exercicio de 1906-1907, e orçamento respectivo de previsão, são, como nos anteriores, mencionadas verbas que não são legaes, e outras foram eliminadas tambem illegalmente. Superabundam em qualquer dos generos.

Sem lei que derrogasse a de salvação publica de 26 de fevereiro de 1892, determina-se que o limite de vencimento para os funccionarios em serviço activo, se eleve de 2 a 3 contos de réis.

No arbitrio de que se usou, poderia ao menos haver equidade na distribuição dos beneficios. Mas nem essa attenuante ha a registar. Para as classes passivas, o limite maximo continua sendo de 1:5000000 réis.

Se amanhã, conforme se annuncia,. for diminuido em 50 por cento o imposto de rendimento, que onera o funccionalismo, haverá quem, n'aquellas classes, coisa alguma aproveite com tal medida, não obstante ter concorrido, para a aposentação de que desfructa sendo civil, ou para a reforma, sendo militar. A injustiça, na questão sujeita, attinge proporções de revoltante expoliação.

A considerar ha igualmente que da Caixa Nacional de aposentações ainda se faz uma ideia, mais ou menos vaga, do que ella produz. Tem escrita especial, administrativa.

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SESSÃO N.° 21 DE 12 DE NOVEMBRO DE 1906 286

Com o tributo, porem, de 2 por cento para a reforma, apenas se sabe que elle foi estabelecido pela lei de 22 de agosto de 1887, e ampliado pela de 26 de julho de 1899. O que tem produzido tem sido arrecadado como receita geral do Estado, sem escripturação especial de especie alguma, que indique em quanto elle attenua a despesa do Erario com os reformados.

Por este proceder, que não prima pela honestidade, faz-se impender sobre a classe inactiva militar a critica descabida de que ella constitue uma das mais nedias sanguesugas do Thesouro,- um dos mais perfeitos exemplares orçamen-tivoros.

Ora é preciso que esta lenda acabe, e que appareçam discriminadas no orçamento as quantias com que os militares contribuem para a sua reforma. Por esta maneira, praticar se-ha um acto de regular e correcta administração, e deixarão de existir os motivos com que infundadamente é alvejada, como sorvedoiro publico, uma classe que sempre se tem recommendado pela sua parcimonia, e economia no viver.

Na mesma ordem de ideias, citarei mais dois exemplos, entre os numerosos que pejam o orçamento, demonstrativos das minhas asserções, e a que seguramente não porá cobro a projectada lei de contabilidade publica com os seus alçapões e tortuosidades, alimentadores da classica orçamentologia, de que levo indicados alguns especimens.

Segundo tenho já consignado, o decreto de 19 de setembro de 1902 destina a verba de 1:800$000 réis para occorrer, no continente do reino, ás inconfessaveis despesas com policia preventiva.

Não existe outro diploma que autorize maior dispêndio; e, todavia, o orçamento insere 36:000 contos de réis, para custear esse ascoroso serviço.

Evidenciado por este, modo mais um abuso de inscripção orçamentalmente mais avultada do que a autorizada por lei, vou citar tambem um exemplo de eliminação de verba legal, com o fim não menos esbanjador do que o que deriva da ampliação indicada.

Debaixo da égide da carta de lei de 11 de fevereiro de 1862, foram inscriptos no orçamento, até 1898-1899, sob a rubrica Obras nos Paços Reaes, réis 6 contos.

Para se avaliar da leviandade e desacerto com que se elaboram os orçamentos indigenas basta recordar one a lei de 1862 é a da dotação do Rei D. Luiz, cujo termo findou com a morte d'aquelle Soberano.

Substituiu-a a de 28 de junho de 1890, que, amoldada em todo o ponto pela anterior, estabelece a dotação e outros benesses do actual reinante.

Ao laboratorio orçamentologo nunca chegou noticia d'essa substituição, e por isso continuou a ser mencionada erradamente, depois de morto o Rei D. Luiz, a lei de 1862.

Quer, porem, vigorando este diploma, quer o de 1890, não admitte duvidas que a verba destinada a obras nos Paços Reaes é de 6 contos de réis, e nem mais um real. Com o seu desapparecimento do orçamento, a contar do exercicio de 1898-1899, inclusive, realizam-se individamente trabalhos, como os da nova sala de jantar do Paço das Necessidades, acêrca dos quaes me foram fornecidas officialmente, pelo Ministerio das Obras Publicas, as informações que passo a ler:

Nota da despesa effectuada com a construcção da nova sala de jantar, de gala do Real Paço das Necessidades, desde o seu começo, em 17 de fevereiro de 1903, a 30 de setembro de 1906.

Anno economico de 1902-1903 2:999$745

Idem em 1903-1904 9:999$960

Idem em 1904-1905 58:902$045

Idem em 1905-1906 19:995$795

Idem em 1906-1907 39:994$170

Somma em réis 131:891$715

Para a conclusão da obra, falta executar o trabalho de douradura e de pintura. Actualmente trabalha-se na douradura, estando, n'esta data, em pouco mais de um terço. A piutura decorativa não começou ainda.

Lisboa, 23 de outubro de 1906. = O Conselheiro Director, Arthur Alberto Falcão Rodrigues.

Segundo os dados officiaes que aduzi, quando se discutiu o contrato dos tabacos, com a illuminação electrica dos Paços das Necessidades, da Ajuda e de Belem, ha já despendidos 353:082$333 réis 1. Na casa de jantar das Necessidades tem-se gasto 13l:891$7l5 réis. As duas verbas perfazem 484:974$048 réis.

E, no entanto, qualquer das duas obras está longe de lindar!

Para que se reconheça quanto tudo isto é tumultuario. vejamos o que estatue a lei dotal de 28 de junho de 1890 retro-invocada:

rtigo 1.º A dotação de Sua Majestade El-Rei o Sr. D. Carlos I é fixada, como nos reinados constitucionaes anteriores, na quantia de 1:000$000 réis diarios, e será abonada desde o dia 19 de outubro de 1889 inclusive.

Artigo 5.° São declaradas em vigor, no presente reinado do Sr. D. Carlos I, as disposições da lei de 16 de julho de 1855, artigos 3.°, 4.º, 5.º, 6.º na parte applicaveis das leis de 23 de maio de 1859, de 30 de junho de 1860, de 2 de maio de 1885 e de 25 de junho de 1889.

Artigo 6.º Nenhuma outra quantia, alem das mencionadas nos artigos antecedentes,

1 Veja-se adtante o documento n.° 4.

qualquer que seja a sua natureza ou denominação, será abonada para as despesas da Casa Real.

As condições em que o reinante pode arrendar os bens da Corôa constam do artigo 3.° da lei de 16 de julho de 1855, cujo § unico é assim concebido:

A disposição d'este artigo não comprehende os jardins de recreio, nem os palacios destinados para residencia ou recreio do Rei, os quaes nunca poderão ser arrendados.

A mesma lei de 1855 preceitua mais:

Artigo 4.° É auctorizado o Governo a despender annualmente até a quantia de 6 contos de réis para os concertos e reparações que forem necessarios á conservação dos palacios e jardina, que nos termos do artigo antecedente não podem ser arrendados. A todos os outros bens são applicaveis as regras geraes de direito, relativas aos concertos e reparações a que é obrigado qualquer usufructuario.

Sempre, repito, até 1898-1899 se procedeu assim. Aonde não chegava a verba orçamental de 6 contos de réis, supria o usufructuario. Com a faina do nocivo engrandecimento do poder real, saltou-se para fora da legalidade, até com a aggravante, por parte do actual Governo, de augmentar as despesas com obras nos edificios publicos, das quaes saem os desperdicios que deixo apontados, e ainda outros do mesmo jaez, realizados nos paços reaes e adjacencias.

A verba adequada, que era de 500 contos de réis, foi elevada a 580 contos, com prejuizo indiscutivel da viação publica e de outros importantes serviços, cujas exiguas dotações estão reclamando avultado acrescimento, no interesse geral do paiz.

Todas as outras leis a que faz referencia a lei dotal de 1890, fortificam e fortalecem o apanagio real, a começar pela de 23 de maio de 1859, que autoriza a conversão de diamantes da Coroa em 1:000 contos de réis, de titulos da divida publica de 3 por cento, de cujos dividendos o Rei dispõe.

Semelhantemente, a lei de 30 de junho de 1860 permitte a venda de 3:690 quilates de brilhantes da Coroa, cujo producto se converteria em inscripções.

A lei de 2 de maio de 1885 auctoriza a Junta do Credito Publico a adeantar, pela Caixa Geral de Depositos, as quantias necessarias para pagamento de determinados emprestimos da Casa Real recebendo era caução inscripções de usufructo da Corôa, as quaes, para seu reembolso, a Junta poderá alienar, de accordo com o Governo. Mais estabelece que o producto dos bens, que fossem vendidos, da Casa Real, de que tratam as leis de 7 de abril de 1877 e de 14 de maio de 1880,

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se convertesse em inscripções, com averbamento á Coroa de Portugal.

A lei de 7 de abril de 1877 auctoriza a "venda das cavallariças reaes, em Belem, e de outros predios em terrenos ás mesmas contiguos, e um emprestimo de 120:000$000 réis para outras se construirem junto do Paço da Ajuda, sendo as obras dirigidas e fiscalizadas pelo Governo. A lei de 14 de maio de 1880 auctoriza a administração da fazenda da Casa Real a levantar um em prestimo de 80:000$000 réis, para a conclusão das novas cavallariças do palacio da Ajuda, e para varias reparações no mesmo edificio.

A lei de 25 de junho de 1889, auctoriza o Governo a adquirir, para a nação, as propriedades que, em Cintra, pertenciam ao Rei D. Fernando, e cujo usufructo da Coroa seria regulado pelo artigo 85 ° da Carta Constitucional, pelas citadas leis de 16 de julho de 1855 e de 23 de maio de 1859, e, ainda, pelas mais que regem o exercicio dos direitos de propriedade e de usufructuario de taes bens.

Se a questão for encarada por outro aspecto, - pela cifra, a que ascende toda a lista civil, e designadamente a dotação do Chefe do Estado, reconhece-se que a primeira se eleva a 525 contos de réis, e a segunda a 365 contos.

Na Dinamarca, que é modelar na sua administração, a lista civil e apanagios, isto é, toda a despesa com a Familia Real, é apenas de 1.203:200 krôas, o que equivale em réis, ao par, a 301:040$640 réis.

A Noruega, que apenas teve o trabalho de escolha, entre os varios candidatos que se habilitaram a occupar-lhe o throno, instituiu a sua lista civil e apanagios com a dotação unica do Soberano, na importancia de 481:700 krôas, o que corresponde em réis, ao par, a 120:520$080.

Não serão, por certo, os exemplos apontados que modificarão os erros entre nós existentes, e que promettem tornar-se ainda mais odiosos. Tenha-se presente o que succede com a lei de salvação publica de 26 de fevereiro de 1892, cuja derogação venho pedindo ha longo tempo, e que seria uma realidade, se houvesse o tino devido por parte dos dirigentes.

Em logar d'isto, porem, projecta-se a reducção do imposto de rendimento do funccionalismo, sem que esta medida se amplie aos prestamistas do Estado, que, do mesmo modo que os funccionarios publicos, foram esbulhados dos seus legitimos haveres, para pagamento das faltas commettidas pelas oligarchias que ha annos se revezam no poder, e cuja incapacidade é incontestavel.

Mas promessas de arrependimento não faltam. Infelizmente - mais uma vez o registo - os actos praticados não lhes correspondem.

As promessas ministeriaes são como o cha de Tolentino:

Em bule chamado inglez,
Que já para pouco serve,
Duas folhas lança ou tres,
De cansado cha que ferve
Com esta a setima vez.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Comtanto que seja cha já não é mau.

O Orador: - Cansado cha, cha cansado. Vale tanto como agua chilra.

Não escasseiam os factos a attestá-lo. N'este momento, porem, seja-me permittido dar a preferencia ao meu protesto pelo esquecimento em que faz a reforma, por todos os principios, fundamental, da extincção do imposto do consumo.

A tuberculose faz estragos irremediaveis, depauperando a raça a olhos vistos.

Sem vigor physico, conforme a sabedoria dos nossos maiores, não ha valor moral possivel, nem tão pouco intellectual; e, todavia, não se ataca o mal pela raiz, proporcionando melhor e mais barata alimentação ás laboriosas classes populares.

As preferencias no dispendio das receitas da nação são todas em proveito dos poderosos e privilegiados, consoante venho demonstrando. Para os desprotegidos, nem recurso lhes fica na emigração, que o regimen dos passaportes, contra o qual frequentemente me insurgo, difficulta escandalosamente, a despeito de ser d'ella que advem, pelas suas constantes remessas de numerario, a maior verba para mitigar o desequilibrio da balança commercial, com a sua associada drenagem de ouro para o estrangeiro.

Se, por seu turno, os poderes publicos tivessem collaborado patrioticamente com ella, a convertibilidade da nota em ouro estaria assegurada. Bastaria para isso que se tivesse celebrado novo contrato com o Banco de Portugal, e cujas principaes condições se traduzissem pela diminuição da circulação fiduciaria e pelo aumento das reservas em ouro.

Em logar d'isso, ascendia, em 31 de outubro, a 74:846 contos de réis a divida fluctuante interna e externa, podendo esta ultima, principalmente, originar-nos embaraços mui difficeis de superar.

É certo que, de momento, ella beneficia os cambios; mas, parallelamente, encaminha nos para a situação de 1891, que nos forçou ao monopolio dos tabacos, com o seu adstricto emprestimo, e bancarrota subsequente.

Ao que parece, prepara-se na actualidade situação identica. Oxalá se malogre a tentativa do grande emprestimo em que se bosqueja, e que completaria a nossa ruina.

O plano financeiro do Sr. Ministro da Fazenda, se o tem, não é do conhecimento do publico. Este obstinado silencio, que não se justifica, nem sequer se explica, traz-me á memoria o politico criado por Labiche, e que se expressava n'estes termos alegres:

Alliviar o contribuinte, fazendo render mais o imposto, tal é o nosso programma.

Conforme, porem, se observa, fora do campo do devaneio, a melhoria de cambios dos ultimos tempos resulta de circunstancias estranhas á acção dos Governos, os quaes, pelas loucuras em que são impenitentes, só os sabem prejudicar, de longa data.

Melhor orientação não tiveram, recorrendo á venda de titulos na posse da Fazenda. Depois de assidua campanha parlamentar, alcancei a fiscalização da Junta do Credito Publico sobre os titulos criados, para caução das operações de thesouraria, e que até 1904 se vendiam, por assim dizer, ao desbarato.

Apesar da acção fiscal da Junta, de 1 de abril de 1905 a 30 de setembro de 1906, foram alienados 10:226$000$000 réis nominaes de titulos internos de 3 por cento, que produziam em titulos externos (ouro), 4.104:516$020 réis 1.

Quando discuti o projecto acêrca do contrato dos tabacos, conjecturei que essa providencia visava a habilitar o Governo com os meios precisos para estabelecer a régie...

O Sr. Teixeira de Sousa: - Apoiado.

O Orador: - O apoiado do titular que foi, na epoca, da pasta da Fazenda, confirma os meus vaticinios, o que não obsta a que eu formule as seguintes perguntas:

1.° Qual é a disposição lega que auctorizou a operação?

2.ª Houve audiencia previa da Junta do Credito Publico?

3.ª Se a houve, em que sentido se patenteou?

4.ª Que destino tiveram, ou hão de ter, os fundos externos adquiridos?

O assumpto é tão importante que a elle hei de voltar, se não tiverem resposta, com brevidade, as minhas perguntas.

Pela nota dos supprimentos que havia por liquidar no país2, em 30 de se-

1 Veja-se adeante o documento n.° 5.

2 Veja se adeante o documento n.° 6.

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SESSÃO N.° 21 DE 12 DE NOVEMBRO DE 1906 287

tembro ultimo, e pela nota dos que aã mesma data havia por liquidar no estrangeiro 1, mais se arraiga a convicção do estado periclitante em que se encontram as finanças nacionaes. Não ha optimismos possiveis, em presença do sudario que venho desenrolando, o qual tristemente continua a exibir-se, tendo presente que, desde que predomina o illegitimo engrandecimento do Rei e correlativo poder pessoal, o deficit tem attingido, em media, milhares de contos de réis, em cada anno.

Em 1894, foram as Côrtes tumultuariamente encerradas sine die, por um verdadeiro golpe de Estado, e o deficit começou a avolumar-se, como producto natural da falta de fiscalização idonea aos actos dos governantes. Desde então, ficou demonstrado que o Sr. Presidente do Conselho sustenta a Liberdade como a corda sustenta o enforcado.

No terreno financeiro os bons principios não são mais caritativamente observados. Alem das documentadas affirmações que tenho feito, outros factos vou trazer a pelo, succintamente, para não tomar demasiado tempo á Camara, confirmativos da ruindade da situação.

Assim, causam sem a menor duvida, reparo:

A diminuição de 132:963$540 réis na receita geral da Alfandega de Lisboa, no anno civil de 1905;

Connexamente com esse cerceamento, as reclamações concernentes à exploração do porto de Lisboa pela empresa Hersent.

Associadamente ainda, a impunidade com que os defraudadores do fisco sub-metteram, a despacho aduaneiro, contrabando de guerra, - carabinas por espelhos;

A gravosa concessão eleitoral de 11 de julho preterito, de avenças - aos depositos de generos sujeitos ao imposto do real de agua, no Porto e Gaia;

O recurso aos creditos extraordinarios e especiaes, o que demonstra pessimos processos administrativos.

Referentemente aos creditos especiaes, uma excepção ha a fazer, toda em favor do Governo.

Reporto-me á disposição adoptada, com respeito á viagem do herdeiro presumptivo do throno a Hespanha, Antes d'ella emprehendida, foi auctorizada a verba correspondente ao seu custo.

Nesse sentido, me tinha aqui pronunciado, sem ter sido attendido pelas situações transactas.

Folgo com que o Gabinete presidido pelo Sr. João Franco enveredasse por outro caminho, que é o que indu-

Veja-se adeante o documento n.° 7.

bitavelmente se recommenda, na honesta administração dos dinheiros publicos.

Outro tanto não posso dizer tratando dos creditos especiaes, cujo producto tem applicação para compra de material de guerra, á sombra do emprestimo que nunca se realizou, constante da carta de lei de 30 de junho de 1903, que dispõe.

Artigo 1.° É o Governo auctorizado a levantar por emprestimo a quantia de réis 4.500:000$000, destinada á compra de 100:000 armas para as tropas de infantaria, de 36 baterias de artilharia de campanha e das correspondentes munições.

§ 1.° Este emprestimo será emittido por serie" suecessivas e annuaes de 900:000$000 réis cada uma, a partir do anno economico de 1903-1904, pela forma que mais convier aos interesses do Thesouro, não podendo, porem, o encargo effectivo do juro, exceder 51/2 por cento ao anno.

§ 2.° Se o emprestimo for emittido por meio de obrigações amortizaveis, serão estas isentas do imposto de rendimento.

Nenhuma das cinco series do emprestimo foi collocada, nem sequer negociada; e, todavia, os creditos especiaes destinados a occorrer ás despesas com a acquisição do material de guerra especificado na lei de 30 de junho figuram no Diario do Governo, acompanhados d'estes dizeres:

Por conta da 2.ª serie do emprestimo de 4.500:000$000 réis, auctorizado pela lei de 30 de junho de 1903.

Designo a segunda serie, por ser a que corresponde ao mappa respeitante ao exercicio de 1904-1905, por mim elaborado 1.

Quando, na sessão de 8 de setembro de 1905, eu apresentei o mappa referente a 1903-1904, estranhei simultaneamente que se mencionasse como emittido um emprestimo que nunca o tinha sido; e perguntei:

De onde sae a importancia de taes verbas, quando é certo que semelhantes emissões se não realizaram?

O Sr. Teixeira de Sousa: - Da venda titulos.

O Orador: - Já o sabia. Já conhecia essa illegalidade.

Ha verdade, não tem justificação, nem sequer se desculpa - permitia-se-me a expressão - tão grande carrapata.

Identicos dizeres aos que deixo registados teem apparecido na Folha official depois do advento do actual Ministerio. Pergunto: - Continua a venda de titulos na posse da Fazenda?

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - O Governo

Veja-se adeante o documento n.° S.

actual não vendeu um unico titulo. Essas verbas estão representadas na divida fluctuante. O Governo é o juiz da opportunidade de contrahir o emprestimo.

O Orador: - Mas tem-se aguardado essa opportunidade desde 30 de junho de 1903...

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (João Franco Castello Branco): - O que prova que é mais facil votar emprestimos do que realizá-los.

O Orador: - Quando não ha credito, decerto.

Esta é a verdade, aggravada ainda pela errónea menção, no Diario do Governo, de que a importancia para a compra do armamento é fornecida pelo producto das emissões de um emprestimo, nunca até hoje effectuado.

Para que se consente tal declaração no Diario, quando é o proprio Sr. Presidente do Conselho que a capitula de falsa?

Por estes gafados expedientes, na gerencia dos negocios publicos, os creditos especiaes no anno economico de 1904-1905, elevaram-se 4.425:974$683 réis, dos quaes, por conta do producto das remissões, 1.280:216$515 réis. Abatendo esta da verba anterior, apura-se que á receita geral do Estado se foi pedir a importante somma de réis 3.145:758$168.

É fertil a orçamentalogia n'esta e n'outras manifestações similares, patenteadas em exercicios subsequentes, cujos correspondentes mappas estou organizando.

Mas nem todas as taras e deficiencias resultam dos creditos especiaes decretados pelo executivo. Tenha-se presente a proposta parlamentar do Sr. Espregueira, de 16 de agosto de 1905, apresentada com o intuito de regularizar a situação da contabilidade de diversos Ministerios, e cuja cifra attingia, na sua totalidade, 7.230:780$045 réis. É espantoso, mas é exacto.

Em identico proposito de regularização foram decretados, na vigencia do actual Governo, e com audiencia previa do Conselho de Estado, differentes creditos extraordinarios, cuja analyse, para não alongar n'esta occasião as minhas reflexões, reservo para mais tarde.

Bastante tenho dito para comprovar o chãos existente, que está reclamando rigoroso inquerito a todas as secretarias de Estado e suas dependencias, e não apenas syndicancias isoladas, que mais denunciam má vontade contra um ou outro funccionario, do que desejos de normalização dos serviços publicos.

Na sessão de 11 de abril de 1902,

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288 ANNAES DA CÂMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

instava eu, n'este mesmo logar, por uma providencia d'estas, cuja necessidade se fazia já instantemente sentir.

Com o decorrer do tempo, em que o arbitrio e a folia tudo teem anarchizado, mais urgico se torna o appello para um balanço geral, consciencioso, que representaria o inicio de praxes e de methodos, modelados pelos salutares preceitos de liberdade, moralidade e economia.

Perco, porem, o meu tempo e o meu latim. O absolutismo bastardo que nos tritura, continuará prevalecendo até que se verifique o violento ajuste de contas, consoante o formulario que a Historia fornece. As secretarias de Estado continuarão sendo repositorio de perniciosos exemplos, e aos seus mais nedios inquilinos poderá applicar-se o epitaphio que Ernesto Renan dedicou a um sabio, ainda hoje vivo, e cumulativamente orçamentivoro insaciavel:

Aqui jaz fulano de tal, no unico logar que não solicitou.

O Sr. Francisco José Machado: - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Presidente: - Como o Digno Par Sr. Francisco José Machado pede a palavra para antes de se encerrar a sessão, e como faltam apenas 5 minutos para dar a hora, pode o Digno Par Sr. Baracho ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte.

O Sr. Sebastião Baracho: - Concordo com a indicação do Sr. Presidente, e ponho ponto agora nas minhas considerações.

(O orador não reviu).

O Sr. Francisco José Machado: - Eu só preciso de meio minuto.

O nosso collega, o Digno Par Sr. Avellar Machado, retirou-se incommodado da Camara, mas encarregou-me de pedir a V. Exa. que consultasse a Camara sobre se permitte que o projecto n.° 9, que se refere ao tratado de commercio com a Suissa, seja remettida á commissão de agricultura, visto como contem assumptos que exigem que essa commissão seja ouvida.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente: - A seguinte sessão é amanhã, terça feira. A ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 5 horas e 30 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 12 de novembro de 1906

Exmos. Srs.: Augusto José da Cu" nhã, Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Pombal; Arcebispo-Bispo da Guarda; Condes: de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Sabugosa, de Villar Seco; Viscondes: de Asseca, de Monte São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Costa e Silva, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Ayres de Ornellas, Vellez Caldeira, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Almeida Garret, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, Mello e Sousa, Avellar Machado, José de Azevedo, José Dias Ferreira, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José Luiz Freire, José de Alpoim, José Maria dos Santos, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Sebastião Dantas Baracho e Deslandes Correia Caldeira.

O Redactor,

F. ALVES PEREIRA.

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SESSÃO N.º 21 DE 12 DE NOVEMBRO DE 1906

DOCUMENTO N.° 1

Juizo de Instrucção Criminal

Nota dos individuos contra quem se adoptaram providencias nos ultimos seis annos civis, por este juizo, em observancia da lei de 13 de fevereiro de 1906

[ Ver valores da tabela na imagem]

(a) Ha engano nesta indicação. Foi preso em 14-6-904, e condemnado pelo tribunal de Olhão a tres meses de prisão, que a Relação elevou a seis, e elle cumpriu. = Baracho.

Lisboa, 22 de outubro de 1906. = O Secretario, D. Manoel de Lencastre.

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ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

DOCUMENTO N.° 2

Nota dos emolumentos arrecadados pelo conselho administrativo do corpo de policia civil de Lisboa nos tres annos economicos abaixo mencionados, com designação da quota que em cada anno foi distribuida ao Sr. juiz de instrucção criminal.

[ Ver valores da tabela na imagem]

A distribuição para o Sr. juiz é feita segundo o artigo 49.° da lei de 3 de abril de 1896, mantida pelo artigo 82.° do regulamento de 4 de. agosto de 1898, isto é, recebe na razão de 2/3 de uma quinta parte do producto liquido.

Não tem ainda chegado o producto para preenchimento da, percentagem aos agentes que coadjuvam o secretario da inspecção administrativa, e por esse motivo nada tem pertencido por emquanto aos juizes auxiliares que pela ordem da tabella da distribuição decretada em 4 de agosto de 1898 somente podem ter parte nos emolumentos em seguida aos referidos agentes.

Não tem havido saldo. A differença resultante das vacaturas de funccionarios a quem pertenciam emolumentos tem sido applicada á quota que pertence ao terceiro official auxiliar, em harmonia com o determinado no § 1.° do artigo 82.° do citado regulamento, quota que antes d'isso era paga pelo fundo de pensões, conforme o n.° 8 do artigo 69.° do mesmo regulamento.

Lisboa, 9 de outubro de 1906. = O Presidente do Conselho Administrativo, João Dias da Silva, tenente-coronel.

DOCUMENTO N.° 3

Carta Regia

Illustrissimo e Eeverendissimo em Christo Padre Cardeal Patriarcha, Meu como Irmão muito amado. Eu El-Rei vos envio muito Saudar, como aquelle que muito amo, e prézo. Havendo sempre constituido a creação dos Innocentes Expostos bom objecto muito digno da Minha Real Clemencia, para os favorecer com os donativos, que tem feito a maior parte da sustentação d'aquelle Hospital: Havendo o augmento da Povoação da Cidade de Lisboa feito crescer cada dia mais o numero dos mesmos Expostos, em termos que as suas rendas só podem chegar a huma terça parte das despezas: Fazendo-se nestas circumstancias necessario, que se occorra a huma tão urgente necessidade com Providencias, que a facão cessar: Sendo sempre a sustentação dos mesmos Expostos hum encargo commum dos Póvos em todos os Reinos, e Estados-Christãos: E havendo Eu novamente Mandado fazer diversas applicações mais importantes em beneficio dos sobreditos Innocentes Expostos: Me parecêo suavizar, commutar a caritativa, e urgente obrigação, que os Póvos tem de concorrer para a creação dos Expostos das suas respectivas terras, na pequena imposição de dez réis, sobre cada Pessoa das que na Cidade de Lisboa, e seu Termo recebem Sacramentos, e pagão Conhecenças: E, que para a facilidade da arrecadação de huma Collecta destinada a obra tão pia, e tanto do Serviço de Deos, e Meu, será muito proprio da vossa Religiosa piedade, e Pastoral Officio, que encarregueis todos os Parochos de a arrecadarem dos seus respectivos freguezes, ao tempo das desobrigas, na forma em que cobrão as suas Conhecenças, e de fazerem entregar pelos seus Thesoureiros, em cada anno, até ao fim do mez de Maio, no Cofre da Misericordia os seus recebimentos, com Certidão jurada pelos mesmos Parochos, que fizerem as ditas cobranças, referindo o numero dós seus respectivos freguezes, e reportando-se aos Livros das desobrigas, d'onde forem extrahidas as ditas Certidões. Illustrissimo e Reverendissimo em Christo Padre Cardeal Patriarcha, Meu como Irmão muito amado, Nosso Senhor haja a Vossa Pessoa em sua Santa guarda. Escripta em Salvaterra de Magos a trinta e um de Janeiro de mil setecentos setenta e cinco. = REI.

DOCUMENTO N.° 4

Illuminação electrica nos paços reaes

1.ª Direcção de Obras Publicas do Districto de Lisboa. - Expediente. - N.º 765.- Illmo. e Exmo. Sr.- Em referencia á ordem de serviço n.° 587 de 11 do corrente mez, relativa á illuminação electrica dos Paços Reaes, cumpre-me informar V. Exa. do seguinte:

São quatro os quesitos e passarei a responder a cada um de per si.

O 1.° quesito divide-se em duas partes: a primeira refere-se ao orçamento da installação e a segunda ao orçamento do edificio projectado na Tapada da Ajuda.

O primeiro orçamento é o que consta do contrato feito com a casa Allgemeine Elektricitats Gesellschaft. Por este contrato obrigou-se essa casa a fazer a installação completa da illuminação electrica nos tres palacios reaes - Necessidades, Ajuda e Belem - pela quantia total de 1.113:300 francos, pagos em quatro prestações iguaes de 278:825 francos, nos dias 1.º de julho de 1904,1905, 1906 e 1907, vencendo, a partir do 1.° de janeiro de 1905, o juro de 5 por cento ao anno as prestações ainda não satisfeitas até a data do seu vencimento.

Por esta forma já se pagaram as tres primeiras prestações e respectivos juros, que importaram respectivamente, ao cambio do dia, em 58:925$016 réis, 58:348$777 réis e 55:207$450 réis...

O segundo orçamento, relativo ao edificio da Tapada, foi de 154:830$000 réis, estando já concluido o edificio e tendo-se despendido 154:829$535 réis.

O 2.° quesito refere-se ao orçamento da abertura das valias entre o edificio central da Tapada e os Paços Reaes das Necessidades, Ajuda e Belem. Esse orçamento foi de réis 12:770$000. Todos os trabalhos estão concluidos e importaram em 12:762$790 réis.

O 3.° quesito divide-se em duas partes. A primeira refere-se á importancia da adaptação dos lustres existentes e custo dos novos 3 a segunda parte a todo o outro material da illuminação.

Quanto á primeira parte, ainda se não sabe qual a sua importancia, por isso que está dependente do orçamento, que foi encarregado de fazer um architecto da casa contratante os installação da illuminação electrica. Quanto á segunda parte, referente a todo o outro material de illuminação, está incluida no preço do contrato.

O 4.º quesito refere-se ao estado de adeantamento das obras e nota de quanto já ha despendido com ellas. Quanto ao estado das obras, estão ellas já concluidas, faltando apenas fazer a adaptação dos lustres e os lustres novos. Quanto á despesa já feita, é ella em resumo a seguinte:

1.° quesito. - Importancia das tres prestações já pagas e respectivos juros, 172:481$143 réis. Importancia despendida com o edificio projectado na Tapada da Ajuda, 154:829$535 réis.

2.° quesito. - Importancia despendida com a abertura das valias entre o edificio centrai e os Paços Reaes, 12:762$790 réis.

3 ° quesito. - Importanciadespendida.com o pessoal auxiliar, ferramentas, utensilios, em harmonia com o contrato, 13:008$865 réis Total, 353:082$333 réis.

Falta ainda pagar a quarta prestação, a vencer em 1 de julho de 1907, e a despesa a° fazer com a adaptação dos lustres existentes e o custo dos novos.

Deus Guarde a V. Exa. Lisboa, 17 de setembro de 1906. - Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Director Geral das Obras Publicas e Minas. = O Conselheiro Director, Arthur Arthur to Falcão Rodrigues

Está conforme. Em 27 de setembro de 1906. = Julio Cesar da Silva Freitas, segundo official.

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DOCUMENTO N.° 5

Nota, por meses, do fundo interno vendido em Portugal e no estrangeiro desde 1 de abril de 1905 a 30 de setembro ultimo, com indicação da sua totalidade e do fundamento da venda

[ Ver valores da tabela na imagem]

Documentos N.º 6

Nota dos supprimentos por liquidar no paiz em 30 de setembro de 1906 com designação do penhor, nomes dos mutuantes e encargo annual das operações - Conta bilhetes do Thesouro

[ Ver valores da tabela na imagem]

1.ª Repartição da Direcção Geral da Thesouraria, 25 de Outubro de 1906. = José Alberto Rosado.

DOCUMENTO N.° 7

Nota dos supprimentos por liquidar no estrangeiro em 30 de setembro de 1906 com designação do penhor. Nomes dos mutuantes e encargo annual das operações

1.ª Repartição da Direcção Geral da Thesouraria, 20 de outubro de 1906. = José Alberto Rosado.

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[ Ver valores da tabela na imagem]

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[ Ver valores da tabela na imagem]

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[ Ver valores da tabela na imagem]

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[ Ver valores da tabela na imagem]

divida publica interna em posse da fazenda, por alguns milhares de contos, em grande parte applicados á acquisição de material de guerra. A illegalidade é em taes condições visivel e series, não emittidas? Será para satisfazer o juro dos tiiulos da divida interna vendidos em substituição das duas series do emprestimo de 4.500:000$000 réis, não emittidasou pelo menos tão avultada, e de mais annual? Assumpto é este tambem para deslindar. 4.412:121 $470 pela venda do fundo interno, cujo producto foi, em grande parte, applicado á compra de material de guerra.

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