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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 179

Em vão, por parte da commissão, foi ponderado ao sr. Ministro da guerra que não parecia consentaneo aos interesses do estado e aos da disciplina militar que, em materia tão ponderosa e sendo já passados cinco mezes depois da publicação d'aquelles decretos, ainda o governo não tivesse opinião assentada ácerca da sua legalidade ou illegalidade, mas que bastava o estado de duvida, em que o governo dizia estar, para tornar precisa, necessaria, indispensavel a confirmação legislativa, d'elles; confirmação que cada dia se tornava mais urgente, porque nem era regular que no exercito existisse tão grande numero de officiaes superiores, exercendo commandos ou outras commissões importantes de serviço, sendo duvidosa a legalidade da sua situação nem era accommodado ás necessidades de disciplina militar que continuasse pendente e indecisa, por tempo indeterminado, uma questão que suscitava conflictos de interesse e malquerenças entre os officiaes do exercito, os quaes deviam viver entre si como camaradas, como amigos, e como irmãos, e não como rivaes interessados e offendidos: - O sr. Ministro da guerra não se dignou modificar, em cousa alguma; as suas anteriores declarações, dizendo de novo, por parte do governo, que ácerca da legalidade ou illegalidade dos decretos que haviam concedido antiguidade retroactiva a alguns coroneis do exercito não tinha opinião assentava, porque era um ponto duvidoso e questionado.

Em vista de tão terminante declaração, a vossa commissão perdeu a esperança de poder obter do governo quaesquer informações ou esclarecimentos que habilitassem a formular um parecer fundamentado; e por isso procurou alcançar, pelo exame e estudo dos documentos officiaes que pôde descobrir, os elementos possiveis de informação; e é em resultado d'esse estudo que hoje vem submetter á vossa sabedoria o projecto de lei que abaixo vae transcripto, e cujos fundamentos passa a expor.

I

Por decreto de 10 de setembro do anno findo, publicado na ordem do exercito n.º 19 de 13 do mesmo mez e referendado pelo sr. Ex-ministro da guerra o general Abreu e Sousa, foi concedida, para os effeitos da reforma, a antiguidade retroactiva no posto de tenente ao então coronel Affonso de Campos. - Os fundamentos da concessão são: 1.º, que Affonso de Campos havia sido prejudicado pelo actualmente general Damasio, o qual esteve fóra do serviço onze annos, cinco mezes e vinte e um dias, e que descontado este periodo de tempo, na antiguidade do posto de tenente, ficaria, Damasio, considerado tenente só de 14 de janeiro de 1846; - 2.º, que, concedendo esta indemnisação, o governo se conformava com a opinião da secção administrativa do conselho d'estado.

Posteriormente foram publicados mais tres decretos, pelos quaes foi feita igual concessão a vinte outros coroneis de infanteria, ficando todos em circumstancias de poderem obter a reforma no posto de general de divisão com o soldo de 120$000 réis.

Pelo decreto de 9 de dezembro foi mandada suspender a execução d'aquelles mencionados decretos indemnisadores, a fim de, depois de ouvidas as estações competentes, se adoptar resolução definitiva.

Em portaria de 10 de dezembro foi mandada consultar sobre o assumpto a conferencia dos fiscaes da corôa, designando-se-lhe que devia responder especificadamente: 1.º, se a collocação que o general Damasio tem na escala deve ser considerada legal; 2.º, se, no caso affirmativo, o governo podia annullar o decreto de 10 de setembro, e os mais que a este se referem, ou se só por providencia legislativa podia resolver-se sobre o assumpto.

Do contexto d'esta portaria deduz-se que, na opinião do sr. Ministro da guerra, a legalidade ou illegalidade dos decretos indemnisadores dependia e era correlativa á legalidade ou illegalidade da situação do general Damasio. Se a situação de Damasio era illegal, a concessão da indemnisação a Affonso de Campos, e aos mais coroneis, tinha justo fundamento e rasão de existencia; - mas pelo contrario, se a situação militar de Damasio era legal - isto é - conforme a lei, nenhum fundamento legitimo havia para a concessão da indemnisação a Affonso de Campos e aos mais coroneis. - N'esta hypothese, os sr. Ministro pretendia ser informado pela conferencia fiscal de - quaes eram os meios legaes para poderem ser annullados os decretos indemnisadores. Poderia o governo annullal-os por outro decreto? - Seria necessario recorrer ao poder legislativo? - Admittir á legalidade da situação militar de Damasio e subsistirem os decretos indemnisadores importava, na opinião do sr. Ministro; contradicção flagrante; e no entanto foi este o parecer que, apesar de contraditorio, prevaleceu e foi adoptado.

Pelo decreto de 27 de dezembro foi levantada a suspensão d'aquelles decretos e entraram em plena execução. - No relatorio que precede este decreto declara-se, que a suspensão anterior havia sido motivada pela duvida, em que estava o governo, ácerca da sua legalidade e dos meios que poderia empregar para os annullar ou revogar, quando estivessem em desaccordo com a lei. Declara-se tambem que, sem entrar na apreciação da legalidade ou illegalidade dos decretos suspensos, o governo se conformára com a opinião da minoria dos fiscaes da corôa, porque, depois de publicados, só pelos tribunaes do contencioso administrativo podiam ser annullados. - Assim, tendo sido a duvida, ácerca da legalidade, a que motivou a suspensão; foi essa suspensão levantada, continuando a mesma duvida e deixando de ser empregado o meio contencioso, que era o unico legitimo para desvanecer todas as duvidas.

II

Julga a vossa commissão que não deve entrar desde já na apreciação do fundo da materia é assumpto que nos occupa, sem primeiro chamar á vossa attenção para algumas circumstancias talvez dignas de reparo.

Ácerca da legalidade da situação militar do actual general Damasio, foi ouvido em 1861 o individuo que então exercia funcções consultivas no ministerio da guerra; e foi de parecer affirmativo á legalidade de tal situação.

Em 1866 foi consultado o supremo conselho de justiça militar, e a opinião de todos os seus membros; excepto um, foi favoravel a legalidade da situação do general Damasio.

Em fevereiro de 1868 foi consultado outro fiscal, que então exercia as funcções consultivas no ministerio da guerra, e foi de parecer que só ao parlamento competia decidir esta questão.

Mais tarde, em 17 de abril de 1868, foi ouvida a secção consultiva do conselho d'estado, a qual foi de opinião que effectivamente Damasio havia causado preterição a Affonso de Campos, e a mais dois tenentes coroneis reclamantes, os quaes deviam ser indemnisados pelo governo dentro da esphera legal das suas attribuições; e que á falta de outros meios (legaes) devia gradual-os no posto de coronel. - Assim, na opinião do conselho d'estado, o unico meio legal de indemnisar os tres reclamantes era a concessão da graduação no posto de coronel, e nunca por aquelle tribunal foi aconselhado, como meio legal e legitimo de indemnisação, a concessão de antiguidades retroactivos ao anno de 1834 e ao posto de tenente, meio de que o governo lançou mão e poz em pratica. - Resulta pois claramente que a referencia feita no decreto de 10 de setembro ultimo á consulta do conselho d'estado, dizendo que o governo com ella se conformava, não é perfeitamente exacta, e que póde induzir em erro a quem não tiver perfeito conhecimento do texto d'essa consulta.

Em 1771, ventilava-se no ministerio da guerra uma questão similhante, quasi identica á actual, entre outros officiaes do exercito, porque se tratava tambem de decidir.