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N.º 22

SESSÃO DE 21 DE ABRIL DE 1900

Presidencia do exmo. sr. Eduardo José Coelho

Secretarios - os dignos pares

Julio Carlos de Abreu e Sousa
Antonio Luiz Rebello da Silva

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia.- O sr. presidente faz a commemoração funebre do digno par fallecido Guilhermino Augusto de Barros, propondo um voto de sentimento, que é approvado por acclamação, depois de palavras allusivas pronunciadas pelos srs. ministro dos negocios estrangeiros, Frederico Laranjo e Hintze Ribeiro. - O sr. Frederico Laranjo requer que se reuna a commissão de obras publicas durante a sessão. E concedido. - O sr. conde de Bertiandos refere-se ao desastre succedido no elevador da Estrella e aos factos que se deram no asylo municipal de surdos-mudos. Responde o sr. ministro dos negocios estrangeiros.- O sr. Cypriano Jardim apresenta um requerimento, que acompanha de algumas considerações.- O sr. Mattoso Corte Real faz observações sobre a legislação vigente da contribuição de registo. Responde o sr. ministro da fazenda, agradecendo em seguida aquelle digno par. - Têem depois a palavra os srs. Hintze Ribeiro e ministro da fazenda, que d'ella usam successivas vezes.- O sr. Frederico Laranjo manda para a mesa o parecer da commissão de obras publicas sobre o projecto do cabo submarino.-É encerrada a sessão e aprasada a subsequente.

Pelas duas horas e cincoenta minutos da tarde, verificando-se a presença de 24 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte

EXPEDIENTE

Officio do sr. ministro da guerra, satisfazendo a um requerimento do digno par conde do Bomfim, sobre as despezas feitas em diversos quarteis, escolas e estabelecimentos militares desde 1898.

Á secretaria.

Officio da direcção geral de instrucção publica, remettendo, em satisfação de um requerimento do digno par Almeida Garrett, as copias das actas da faculdade de mathematica da universidade de Coimbra, de 10 de dezembro de 1879, de 23 de outubro e de 9 de dezembro de 1884, de 10 de março de 1888 e de 15 de abril de 1893.

Á secretaria.

Officio do comité central da paz, enviando uma mensagem na qual se pede o emprego de diligencias que logrem á celebração da paz entre a Inglaterra e as republicas da Africa do sul.

Á secretaria.

Officio do sr. ministro da marinha, remettendo, em satisfação de um requerimento do digno par conde de Bertiandos, uma copia do auto de vistoria mandada passar ao vapor Açor da empreza insulana de navegação.

Á secretaria.

(Ao começo da sessão achavam-se do governo os srs. ministros da fazenda e dos negocios estrangeiros; entraram mais tarde os srs. ministros da guerra e das obras publicas.)

O sr. Presidente: - Cumpro o doloroso dever de participar á camara a morte do digno par Guilhermino Augusto de Barros, em cujo funeral a camara foi representada pela deputação nomeada na conformidade do regimento.

A camara, sem duvida, deseja que na acta se lance um voto de sentimento pela morte do illustre extincto, o qual nas variadas manifestações da sua poderosa, e culta intelligencia, tão dignamente e com tão superior distincção, serviu e honrou o paiz.

Guilhermino de Barros, desde o principio da sua carreira estudiosa e publica, revelou como o seu espirito se adaptava ao que para muitos parece tarefa impraticavel.

Disse e escreveu Feliciano de Castilho, que, sem um Mondego para consolo, não haveria moço que resistisse ao secco, peco e senil estudo da jurisprudencia; e, todavia, Guilhermino de Barros, que já então era poeta distincto, mereceu á veneranda universidade o galardão conquistado no estudo secco e senil da jurisprudencia, no estudo serio e reflectido das pandectas e do direito romano.

Opinam graves philosophos que aos poetas e litteratos se póde e deve levantar estatuas; mas a quem quizer arruinar qualquer serviço publico, é suficiente entregar-lhes a direcção d'elles. Guilhermino. de Barros, que amou e cultivou, as boas lettras, foi modelo no desempenho das mais arduas funcções do serviço publico: apostolo e propagandista e executor assiduo, tenaz e paciente, em especial, os serviços publicos dos telegraphos e correios, que tanto concorreu para o fomento e para elevar o nivel intellectual de um paiz, deveu-lhe relevantissimos melhoramentos que jamais serão esquecidos. Os seus trabalhos são volumes que todos hão de ainda, e por largo tempo, compulsar e aproveitar.

Na vida politica, e entrando n'ella no periodo mais ardente das luctas partidarias, depois do quasi pacto de treguas da revolução de 1851, foi Guilhermino de Barros intransigente, intractavel no dogma, primoroso na tolerancia e respeito pelas opiniões alheias.

Não era calculo; era virtude e prenda de caracter, o que vale mais.

Ainda ha pouco esta camara lhe ouviu um d'esses discursos formosissimo na fórma e não esquecendo até a mais pequena minudencia, e que podia realçar a efficacia e utilidade da proposta ministerial, que relatava.

Ouvira-o a camara com profunda attenção e respeito; e eu tambem com profunda tristeza, porque bem sabia que aquillo era um esforço supremo,, porque a morte, na sua ferocidade implacavel, matara desde tempos aquelle organismo, avassalava-o dia a dia, e a breve trecho o prostrou.

Sinto não poder fazer um elogio mais completo das virtudes do illustre extincto, como funccionario publico, como litterato, como politico e como parlamentar; mas o que disse e o que todos sabem, é sufficiente para convencer a camara a votar por acclamação que se exare um voto de sentimento na acta, enviando-se copia d'ella á familia do extincto.

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O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Veiga Beirão): - Sr. presidente, não tenho a honra de pertencer a esta camara, mas, fazendo parte do governe, não posso deixar de me associar com toda a sinceridade, e em nome do mesmo governo, ao voto de sentimento proposto, assim como ás palavras tão justas e sinceras com que v. exa. acaba de manifestar a sua magua pelo fallecimento do digno par Guilhermino de Barros, que era ao mesmo tempo um litterato primoroso, um politico honesto e um parlamentar distinctissimo.

O Frederico Laranjo: - Sr. presidente, a maioria d'esta camara sente profundamente o fallecimento do digno par, o sr. Guilhermino de Barros, que ha tão pouco tempo aqui tomou assento, que tão pouco tempo aqui esteve, e que tão distincto era como funccionario publico, como litterato e como parlamentar.

Bella figura de homem, illuminada ainda pela luz do talento, talento que em Coimbra, onde frequentou a universidade e se formou em direito, se manifestava nas aulas e cá fóra nas lettras, dictincções que nem sempre se reunem; saido d'alli, entrou na carreira administrativa, que illustrou e honrou, sendo secretario geral e governador civil em diversos districtos, um d'elles o de Lisboa, passando d'aqui para a direcção geral dos correios e telegraphos. N'esta qualidade nos representou lá fora com brilho em diversos congressos postaes; e dizem os conhecedores do assumpto que a elle se deve uma boa parte do desenvolvimento entre DÓS dos serviços do correio e telegrapho, que, sendo um resultado inevitavel do progresso do mundo, não dispensa todavia as iniciativas fecundas.

Do que elle era n'esse elevado cargo para o numeroso pessoal que lhe estava subordinado, da sua bondada e lhaneza foi um testemunho incontestavel o que se passou no seu enterro, em que, á beira, da campa, humildes carteiros encontraram na agudeza da sua magua ousadia e eloquen-para exprimirem bem o seu reconhecimento.

Como litterato deixou dois livros de merito; um o Castello de Monsanto romance referido ao seculo XV; outro, Canticos do fim do seculo, livro de poesias, em que canta os portuguezes que, de 1817 a 1834, pela conspiração infeliz, mas generosa, pelas ousadias da revolução triumphante, pela estrategia da guerra e valor das espadas, pelas lucubrações do pensamento e pela legislação, pela politica e pelas lettras, fizeram o Portugal moderno, que, diga-se o que se disser na hora presente, é superior áquelle a que succedeu. Estudou os homens que canta e caracterisa-os bem; passa ás vezes pelo livro um sopro da Legenda dos seculos; é um livro de poeta e de portuguez, mais ufano das glorias portuguezas do que em gerai costumamos ser. (Apoiados.)

Como politico, o seu papel foi mais esmaecido do que talvez poderá ser, porque seguiu quasi sempre mais um pequeno grupo de amigos intimos do que um grande partido ; mas todos que aqui estamos nos recordamos ainda da distincção innegavel dos seus dotes parlamentares. Relator de um projecto de lei sobre o estabelecimento e exploração de cabos submarinos entre os Açores, a America do Norte, a Gran-Bretanha e a Allemanha, fallou durante duas horas, sem que ninguem se cansasse de o ouvir, dando um tal colorido e poesia ao assumpto, de si arido, que a desconsoladora frieza d'esta camara, que parece que faz parte da gravidade da assembléa, quebrou as suas habituaes reservas para applaudir, felicitando-o todos no fim. Parecia uma estreia auspiciosa; eram infelizmente as suas ultimas palavras em publico; era o canto do cysne, um meteoro que passava para deixar um rasto de luz e de saudades.

Pouco depois faltava á camara; um dia, ao recolher da sessão, encontreio-o n'um carro descoberto, acompanhado de alguns amigos, com o rosto já descorado pela doença; ia ao estrangeiro procurar allivios e de lá voltou para morrer na patria. A illacrimavel natureza, cujas mudas injustiças na distribuição da dor e do goso, tantas vezes fazem esquecer as dos homens, converteu o leito dos seus derradeiros e prolongados dias n'um eculeo atrocissimo de dores, que elle tornou respeitavel pela resignação e coragem com que soffreu.

Por todos estes motivos, sr. presidente, a maioria d'esta camara associa-se ao voto de sentimento proposto por v. exa.; é digna a memoria d'este homem d'esta homenagem; é justo que ella fique consignada nas nossas actas.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, em meu nome e dos meus amigos politicos associo-me ao voto de sentimento que v. exa. acaba de propor pelo fallecimento do nosso bom e digno collega o sr. conselheiro Guilhermino de Barros.

Não posso nunca esquecer, quando pela primeira vez fui chamado aos conselhos da coroa, com a pasta das obras publicas, que encontrei n'aquelle ministerio, como director geral dos correios, o nosso chorado collega e por isso n'esta occasião posso bem dar testemunho da competencia, lealdade e constante dedicação com que dirigia e conhecia os serviços de tão importante ramo publico, não só no paiz, como lá fóra, onde por diversas vezes, em differentes congressos, teve occasião de attestar a sua proficiencia e defender os interesses do paiz.

Foi meu companheiro no supremo tribunal administrativo, e ahi o conheci como um magistrado digno a todos os respeitos.

Por ultimo, foi meu collega n'esta camara e não me esquecerei nunca das palavras primorosas e francas que aqui proferiu. Apesar do seu modo de ver ser diverso do meu, isso não me impediu de lhe consagrar a grande estima, que desde muito lhe tinha.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara, considero a proposta approvada por acclamação. (Apoiados geraes,)

O sr. Conde de Bertiandos: - Sr. presidente, associo-me inteiramente aos votos de sentimento prestados á memoria do nosso collega Guilhermino de Barros.

Apresentada esta homenagem de consideração e respeito ao illustre extincto, permitta-me v. exa. que eu diga algumas palavras com relação a dois factos gravissimos que sobresaltaram a opinião publica durante esta semana.

Vejo presentes dois membros do governo, e peço a attenção de s. exas. para os assumptos a que me vou referir, assumptos graves que todos nós conhecemos e lamentâmos.

O primeiro, em ordem chronologica, é o desastre acontecido no elevador da Estrella, que veiu mostrar a falta de vigilancia, a inteira deficiencia de fiscalisação n'estes serviços. Viu-se que os carros d'aquelle elevador, que precisam a cada passo de fazer uso do travão, carros que em toda a parte têem dois travões, não têem, aqui, senão um unico. Sabe-se que esses carros, em tempo rejeitados, foram admittidos a funccionar, sem se conhecer porquê; e, tendo-se dado já desastres, similhantes a este ultimo, nem por isso tem havido a mais pequena modificação n'esses meios de transporte.

Sabe-se mais, sr. prasidente, que n'outros elevadores, em que existem dois travões, são necessarios quatro empregados, dois para o carro que sobe e dois para o que desce. Ora, sr. presidente, isto não se cumpre, a companhia sophisma as cousas de fórma que emprega n'esses carros apenas tres homens, e da fórma seguinte: quando um dos carros vae para cima ou para baixo, e leva os dois empregados, um d'elles, a meia viagem, salta para o outro carro; de fórma que meia viagem é feita com grave risco de vida dos passageiros.

Reuniu-se, segundo dizem os jornaes, uma commissão de peritos para examinar e dar o seu parecer sobre as causas que motivaram o horrivel desastre do elevador da

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Estrella, mas não sei quaes foram os quesitos apresentados a essa commissão. Dizem tambem os jornaes que essa commissão de peritos foi de parecer que não havia responsabilidade para ninguem, e que se póde dar o caso sem que haja falta de cuidado por parte do pessoal ou da companhia! Ninguem é responsavel; não ha responsabilidade para ninguem!!

Não trato de saber se houve crime, nem venho pedir o castigo para os delinquentes, se os ha. Não é d'isso que trato agora. O que eu peço, e desejo, é que as cousas se arranjem por fórma a evitar desastres similhantes, e que o governo veja se póde fazer com que aquella companhia cumpra os seus deveres de maneira a não serem sophismados.

Mas, sr. presidente, de tudo isto uma cousa se apurou, e é que a responsabilidade escorrega, a responsabilidade está dividida por tal fórma que, ou não chega a ninguem, ou não se póde dizer quem foi o culpado do desastre succedido.

Se, para que o governo exerça uma vigilancia directa sobre este assumpto, caso ella esteja fora das suas attribuições, é necessario uma proposta de lei, traga essa proposta ao parlamento; mas não se acoberte nenhum governo dizendo que o culpado não foi elle, foi esta ou aquella entidade.

Este facto é de uma responsabilidade gravissima para todos nós que nos calamos; mas eu não me calo, porque, embora se reconheça que não ha responsabilidade criminal para ninguem, conheço que a final somos nós todos, desde que nos calámos diante de factos similhantes os verdadeiros responsaveis moraes.

Ha outro acontecimento de diversa ordem, sr. presidente, para que desejo chamar tambem a attenção do governo, acontecimento que denota o estado a que chegaram as nossas instituições de instrucção, a depravação dos mestres das creanças, a falta de fiscalisação das regentes e dos directores e fieis d'esses estabelecimentos, (Apoiados.} a falta de fiscalisação de toda essa gente que anda por ahi a fiscalisar e não fiscalisa nada, (Apoiados.) antes é cumplice d'esses actos, directa ou indirectamente. (Apoiados.)

O mal virá de longe, com responsabilidades muito divididas.

Sr. presidente, eu olho para as galerias e não vejo lá nenhuma senhora; pois, apesar d'isso, tenho vergonha de dizer diante de homens o que succedeu no asylo de surdos-mudos. Eram creanças que nem podiam queixar-se - uma d'ellas paralytica... Tirava-se á sorte qual seria aquella em que havia de saciar-se p monstro, e essas creanças só em casa, depois de muitos mezes, é que disseram a suas mães, por gestos, o que lhes succedêra! Signal de que não havia ali uma professora, uma regente carinhosa a quem ellas podessem fazer uma confidencia; não havia um inspector, não havia ninguem!

Havia talvez uma grande escripturação, havia de certo muitos papeis, e muitos officios e muitos orçamentos e muitas contas, e talvez muitos estuques, muitos parquets e um grande luxo...

É possivel que houvesse tudo isso, mas o que_ era necessario que houvesse é que não existia.

Por fóra cordas de mola, por dentro pão bolorento é o que haveria por lá.

Este assumpto está entregue aos tribunaes, e, seja ou não castigado o criminoso, ou os criminosos, o que vae acontecer é que ámanhã entrará para o asylo outro professor, apenas porque fez um concurso, e mostrou uma carta de habilitação. A regente será nomeada pela mesma fórma, e o inpector continuará a ir ao asylo nas mesmas occasiões. De sorte que a responsabilidade da fiscalisação continuará a escorregar e a não ser de ninguem.

O que succedêra em muitos outros asylos, collegios e institutos publicos ou particulares ? Não sei; mas basta-me gaber o que n'este succedeu, basta-me o que vejo ahi por essas ruas, por onde as creanças são levadas em massa a proposito de qualquer manifestação anti-religiosa. Não sei o que se ensina n'essas aulas; pois é preciso que isso se saiba.

Lembro ao governo a necessidade absoluta de que se nomeie quanto antes uma grande commissão permanente de individuos conhecidos, com tempo disponivel, á altura das circumstancias, a cada um dês quaes se dê um bilhete, com que possam entrar a qualquer hora do dia ou da noite n'estes estabelecimentos publicos ou perticulares, a fim de os inspeccionar, de assistir ás lições, de saber o que ali se faz, de vigiar o procedimento .dos mestres e das regentes. Estes individuos reunir-se-iam depois em certos dias para darem conta uns aos outros do que apurassem, e informarem o ministerio do reino do que entendessem necessario fazer para melhorar as condições do ensino.

Emquanto se não fizer isto, dar-se-hão de quando em quando factos como aquelle a que me referi, que serão julgados pelos tribunaes, e depois d'isso ninguem se lembrará mais d'elles e tudo ficará na mesma. (Apoiados.)

Vozes: - Muito bem.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Veiga Beirão): - Sr. presidente, ouvi com toda a attenção, e serão tomadas na consideração que merecem, as nobilissimas e sentidas palavras do digno par e meu amigo o sr. conde de Bertiandos.

São graves e são lamentaveis os dois assumptos a que s. exa. se referiu.

As instituições e entidades a que concernem, e á conta de quem succederam os factos a que o digno par se referiu, não ,estão immediatamente sob a responsabilidade do governo, como o digno par sabe; respeitam a outra corporação mas isto não quer dizer que o governo por fórma alguma decline o dever que tem de mandar fiscalisar e tomar as providencias necessarias não só para que d'esses factos se exija a responsabilidade legal a que estão sujeitos, mas para que taes factos sirvam de lição para se poderem evitar outros similhantes.

Se dentro das attribuições legaes o governo não encontrar os meios necessarios para esse fim, tenha o digno par a certeza de que virá pedir ao parlamento auctorisação para o fazer e conta desde já com a corporação dos homens publicos na adopção das mais acertadas providencias.

O sr. Cypriano Jardim: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a. mesa um requerimento para que me sejam enviados pelo ministerio da guerra uns apontamentos de que preciso.

Aproveitei estar com a palavra, porque desejava perguntar a v; exa. quem é que está nomeado para presidente da commissão de guerra d'esta camara.

V. exa., estando hoje n'esse logar, devia assumir tambem, no meu entender, a presidencia d'aquella commissão; papel que lhe está muito bem entregue, por isso que v. exa. pertence á commissão, é ministro d'estado honorario, e creio que o herdeiro da presidencia que o sr. Francisco Maria da Cunha tinha n'esta casa do parlamento.

N'este caso, pedia a v. exa. que se esforçasse por ver se se discutiam os projectos de lei que tive a honra de apresentar o anno passado, e cuja iniciativa renovei n'esta

Já disse outro dia, da ultima vez que fallei sobre este assumpto, que realmente a commissão de guerra nas sessões que tem tido, pouco ou nada tem feito, no desempenho do seu mester.

Tem mandado para a camara uns pareceres sobre projectos que não tem discussão; tem chegado mesmo a ter pressa de mandar para aqui projectos já refundidos na outra camara, e isto com tanta sem cerimonia, que até tem commettido, talvez irregularmente, um acto que não está dentro do regimento d'esta; casa, qual é o do presidente

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da camara e presidente da commissão ser tambem o relator dos seus pareceres!

Isto parece-me tão extraordinario, que eu peço a v. ex. que não consinta que o caso se repita, e que a respeito dos meus projectos de lei, imponha a sua auctoridade de presidente da commissão, para que não se repita o caso de se ver que a maioria de uma das casas do parlamento portuguez, ou o governo do paiz, têem medo da discussão livre e aberta de um projecto de lei qualquer!

Todo o par cio reino que apresenta um projecto de lei, de sua iniciativa, tem o direito de que elle vá á commissão respectiva, a qual tem o dever e obrigação de apresentar o seu parecer sobre o projecto apresentado.

Mas abafar o projecto, deixal-o ficar no limbo da pasta do secretario, porque não se tem a coragem de o registar, nem relator que o discuta, nem maioria que se defronte com a instituição a quem o projecto iria beneficiar, declaro que acho o processo tão irregular, que chego a julgar que o procedimento do governo, da commissão, ou da maioria, desce ás raias de uma palavra, que eu não quero pronunciar.

Peço, pois, a v. exa. que insista com a commissão, a fim de ella se reunir; eu não desistirei de pedir isto todos os dias, embora esta insistencia não seja agradavel á maioria d'esta casa; mas hei de fazel-o, para que se veja como o governo e maioria procedem com a corporação que mais lhes convem proteger e attender na sua justiça e direitos. E por hoje, tenho dito.

Leu-se na mesa o requerimento do digno par, que é do teor seguinte:

Requerimento

Para apontamentos de que preciso requeiro que, pelo ministerio da guerra, me seja remettido para esta camara um exemplar do ultimo almanach do exercito publicado (1899).

Sala das sessões, 21 de abril de 1900. = O par do reino, Cypriano Jardim.

Mandou-se expedir.

O sr. Mattoso Corte Real: - Sr. presidente, pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro da fazenda sobre as difficuldades que se estão levantando á execução da lei da contribuição de registo, e isto devido á applicação do seu regulamento.

O regulamento tem disposições que vão alem do estabelecido na lei, e por isso venho pedir ao governo que adopte quaesquer providencias tendentes a pôr termo aos embaraços e inconvenientes que vou apontar.

Ha duas disposições no regulamento, para as quaes chamo a attenção de s. exa.

D'antes, ao proprietario que quizesse dispor do seu immobiliario, não se exigia o que agora se exige,, Tinha apenas de fazer uma declaração que lhe era pedida pela auctoridade fiscal. Agora, ou ha de apresentar o titulo comprovativo da proveniencia da sua posse, ou, não apresentando esse titulo, tem de recorrer ao governo, para que este lhe dê a necessaria licença para a transmissão.

Veja s. exa. as dificuldades e embaraços a que fica sujeito o proprietario, a seguir-se o systema estabelecido no artigo do regulamento. Mas, não é só esta disposição, para que chamo a attenção de s. exa.; ha muitas outras que vou citar. Uma outra que tem levantado graves resistencias por parte do contribuinte, e motivado questões que têem vindo aos tribunaes, onde se tem reconhecido que o regulamento foi alem, do que lhe permittia a lei, e que por isso é inexequivel, é a que respeita á contribuição devida pelas tornas nas partilhas judiciaes.

A lei no seu artigo 2.° diz:

"É sujeita á contribuição de registo, por titulo oneroso, a transmissão de propriedade immobiliaria em acto de divisão e partilhas por meio de arrematação, licitação, accordo, transacção ou encabeçamento por sorteio, em tudo que exceder o valor da quota parte do adquirente, que for co-proprietario ou co-herdeiro."

É devida á contribuição, sempre que haja tornas que excedam a legitima do herdeiro, que excedam a quota hereditaria tanto de bens mobiliarios, como immobiliarios; nem outra podia ser a intelligencia dada a este artigo. Suscitando-se, porem, duvidas por parte dos exactores da fazenda, vem a portaria de 9 de agosto de 1884, que muito explicitamente em o n.° 52.° declara que as tornas são sujeitas á contribuição de registo só na parte que excedesse a quota hereditaria, quer essa quota fosse de bens mobiliarios, quer fosse de bens immobiliarios. Quer a camara saber o que diz. o regulamento ? Vae ver.

No regulamento, artigo 1.°, diz-se:

"São sujeitos, em geral, á contribuição de registo os actos que importam transmissão perpetua ou temporaria de propriedade immobiliaria de qualquer valor, especie e natureza."

Até agora era sujeito á contribuição o excesso da quota, sem distincção entre mobiliarios e immobiliarios; agora é só pelos immobiliarios que se deve o imposto. Eu não quero alongar-me em considerações, para mostrar quanto tem de absurda similhante disposição. O que a lei disse foi que o adquirente pagasse contribuição sobre o que excedesse a sua quota hereditaria de todos os bens. Agora quer v. exa. saber quaes são os inconvenientes que se estão levantando por toda a parte?

As partes recusam-se a pagar, e recusam-se com o fundamento de que a lei não auctorisa similhante disposição.

Esta questão tem vindo aos tribunaes, e v. exa., sr. presidente, que é um magistrado distincto, sabe bem que o regulamento tem disposições que a lei não auctorisa.

Eu bem sei que trabalhos d'esta natureza, regulamentos, não são feitos pelos srs. ministros, e longe de mim, portanto, a idéa de censurar o sr. ministro da fazenda. Mas a verdade é que se torna absolutamente indispensavel acabar com esta desintelligencia entre a lei e o regulamento. E é isso o que venho pedir, quer dizer que se removam os inconvenientes e os embaraços que se estão dando na execução da lei, tanto mais que os proprios tribunaes já reconheceram que o regulamento excede o estatuido na lei.

Desejo, pois, ouvir sobre este assumpto o sr. ministro da fazenda, pedindo a v. exa. que me reserve a palavra para o caso de ter de replicar a s. exa.

(O digno par não reviu.)

O sr. Ministro da Fazenda (Manuel Affonso de Espregueira): - Responde quê não são estranhas ao governo as duvidas que se têem suscitado na interpretação da lei e por isso procura um meio de evitar as difficuldades que se levantam n'este periodo transitorio e que preciso é não obstem á livre transmissão de bens. O regulamento contem disposições eminentemente justas, tendentes a normalisar um assumpto que em muitos districtos do paiz estava completamente fóra da legalidade, carecendo uma grande parte dos proprietarios dos titulos constitutivos do seu direito. A lei quiz obviar a esta irregularidade preceituando a instancia perante a direcção geral das contribuições directas, a que o digno par alludíra.

Disse mais que na camara dos senhores deputados se tratou já d'esse assumpto e a respectiva commissão de fazenda tinha-se occupado d'elle, com o intento de n'este regimen transitorio se facilitar ,a execução da lei.

Entende que nas leis que se vão promulgando, se devem estabelecer disposições reconhecidamente justas e acertadas, embora no inicio haja difficuldades que convenha ir removendo. Essas difficuldades devem levar os governos, não a desistir do estabelecimento de principios justos, mas a achar os meios de as remover, de as attenuar, promovendo a execução gradual e moderada d'aquelles, principalmente no principio.

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É indispensavel pôr um termo ao estado em que por todo o paiz se encontra a propriedade, de fórma que os respectivos registos se façam com toda a segurança e legalidade.

O governo não tem descurado o assumpto; está estudando as melhores providencias para evitar os attritos que o digno par adduziu.

Relativamente á segunda parte do discurso do digno par, embora o orador não tenha competencia para tratar a questão, juridicamente, poderá dizer que os principios da portaria de 1886 não foram reconhecidos pelos tribunaes. Ha até um accordão do supremo tribunal de justiça que contraria aquella doutrina.

Não entende que o regulamento tenha excedido a lei, porque a quota parte da herança a que a lei se refere é em bens immobiliarios, unicos sobre cuja transmissão recáe a contribuição de registo. O regulamento veiu obstar a duvidas e a fraudes, cujo resultado era lesar o estado.

Assegura que todas as observações feitas á execução d'aquelles diplomas serão tomadas em consideração e n'esse sentido tem instado perante a commissão da outra casa do parlamento.

O seu desejo é que, n'este periodo transitorio, se estabeleçam disposições equitativas tendentes a harmonisar os principios consignados na lei com as circumstancias da sua execução.

(Este resumo das palavras ao sr. ministro não foi revisto por s. exa.)

O sr. Francisco de Castro Mattoso: - Sr. presidente, permitta-me v. exa. que eu observe ao sr. ministro da fazenda que, na presente occasião, não me proponho, como ainda agora me não propuz tambem, a discutir a rasão da justiça ou injustiça das disposições da lei. O que eu disse a s. exa., e á camara, com toda a lealdade, foi que o regulamento dá logar á pratica de actos contrarios á lei e que a lei não permitte, como os tribunaes já reconheceram.

A este respeito não ha divergencia juridica e o supremo tribunal de justiça já assim o reconheceu tambem.

Quanto ás licenças que os proprietarios são obrigados a pedir ao governo, o sr. ministro da fazenda não póde deixar de concordar comungo e de dizer, como eu digo, que isso não tem rasão de ser.

Tanto o regulamento como a lei já exigem as declarações dos proprietarios e consignam a tal respeito energicas prescripções, não vendo eu, portanto, rasão alguma para mais aquella violencia.

Em vista, pois, das declarações do sr. ministro dá fazenda, espero que s. exa. não deixará de providenciar, como lhe cumpre, sobre este assumpto.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Não vê presente á sessão da camara o sr. presidente do conselho e ministro do reino, a quem desejava dirigir-se.

Crê bem que a ausencia de s. exa. é devida não só a impedimento seu de saude; mas, infelizmente, a verdade é que a ausencia de s. exa. priva os membros do parlamento de poderem chamar á attenção do chefe do governo para factos que se estão dando absolutamente contrarios ás leis e que ferem e escandalisam a opinião publica. (Apoiados.)

Ninguem mais do que o orador estima e respeita o sr. presidente do conselho; mas, não póde deixar de lamentar que por toda a parte, a administração publica vá correndo absolutamente tumultuaria.

Citará um facto apenas,- porque não quer fazer largas considerações sobre assumptos da pasta do reino, na ausencia do titular, e cital-o-ha para a camara ver quanto é ! exacta e rigorosa a sua affirmação.

O sr. ministro do reino, por decreto de 8 de fevereiro d'este anno, dissolveu a camara municipal de Moncorvo e dissolveu-a por entender que havia n'aquella administração irregularidades graves.

Não vem discutir se essas irregularidades existem ou não, tira apenas os corollarios dos actos praticados pelo sr. ministro do reino. §

O codigo, administrativo determina que, dissolvida uma camara municipal, seja nomeada uma commissão para gerir os trabalhos do municipio até que se proceda á nova eleição, mas esta eleição tem de forçosamente realisar-se n'um praso que não vae alem de quarenta dias. Devendo, pois, ter-se procedido a essa eleição até o dia 20 de março, succede que ainda hoje não ha camara eleita.

Refere ainda que, por virtude de omissões de formalidades legaes, a cargo de delegados do governo, a eleição que devia realisar-se no dia 22 de abril, por effeito de um alvará da auctoridade districtal, ainda d'esta vez se não poderá realisar.

Este estado de cousas não póde continuar; é uma situação irregular a que é preciso pôr cobro.

Sobre este assumpto não se alongará, porém, em mais considerações.

Vae agora dirigir-se ao sr. ministro da fazenda.

Diz que o systema que s. exa. adoptou não pecca por habil sequer, quando leva o exagero até ao ponto de privar o parlamento das informações, dos esclarecimentos, que lhe são mais necessarios para bem cumprir o seu dever de fiscal da execução das leis.

O sr. ministro da fazenda, quando n'um assumpto grave, sobre uma questão importante, é interrogado em qualquer das casas do parlamento, refugia-se n'um persistente systema, não direi de guardar um silencio absoluto, porque s. exa. falia, mas de pronunciar palavras que ninguem comprehende.

Todavia, ha questões que se impõem aos poderes publicos, ha assumptos de tamanha monta, a que o governo não póde deixar de prestar os esclarecimentos que se lhe pedem.

Um d'estes é o que diz respeito ás negociações do convenio.

Se s. exa. se limitasse a dar execução á lei, comprehendia-se que elle, orador, aguardasse o resultado das negociações, para s. exa. poder dar conta inteira dos seus actos.

Desde que, porém, o sr. ministro da fazenda vae mais longe do que deve n'um assumpto que interessa vitalmente ao nosso credito, sem se importar com os tramites legaes, sem seguir os preceitos da auctorisação que foi votada pelo parlamento, lançando-se n'uma negociação perigosa, n'uma negociação nociva, em que os interesses publicos são sacrificados, em que os encargos do thesouro se avolumam, tem o direito de esperar precisas explicações.

É publico lá fóra, na imprensa estrangeira, e em Portugal na nossa imprensa, que, primeiro em Londres, depois em Berlim, e por ultimo, em França, têem corrido negociações por parte de um delegado do sr. ministro da fazenda, negociações que saem fóra das condições explicitas e precisas da lei votada pelo parlamento; negociações que acarretam novos e mais pesados encargos para o thesouro, e que compromettem a autonomia financeira do paiz, pois admittem a intrusão de uns delegados dos representantes dos credores externos no funccionamento dos serviços da divida publica.

Tem, pois, o direito de perguntar ao sr. ministro da fazenda se são exactas estas noticias.

Se não são conformes á verdade, o orador proporciona ao sr. ministro o ensejo de declarar que não falta ao que deve ao seu paiz, e que não exorbita das condições e preceitos que o parlamento lhe impoz.

Dizem essas noticias que uma das bases para o convenio, é que por contratos successivos, e n'um periodo de quinze annos, póde o pagamento em oiro aos nossos cre-

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dores elevar-se ao dobro do que é hoje. Diz-se tambem que um dos termos d'esse convénio é a ingerencia de representantes dos nossos credores na instituição que haja de realisar o pagamento, embora sejam portuguezes esses representantes; e por ultimo, falla-se tambem em ficarem adstrictos aos encargos do pagamento todos os nossos rendimentos aduaneiros.

Elle, orador, que na camara se insurgiu contra o projecto que dava ao governo auctorisação para consignar os rendimentos aduaneiros ao pagamento do juro da divida externa, considerando tal disposição como uma gargalheira, cujas malhas não quer ver mais cerradas, deseja que o sr. ministro lhe diga claramente, sem ambages, se são verdadeiras ou qual o fundamento que têem aquellas noticias e se exa. auctorisou ou auctorisa qualquer clausula, base ou termo que vá alem dos limites da auctorisação votada pelo parlamento.

Se mais longe do que a. lei auctorisa, se vae ainda nas negociações do convénio, a camara comprehendia de certo que, muito embora qualquer ajuste n'esse sentido não podesse ficar definitivo sem que de novo o parlamento se pronunciasse, a situação, dado esse ajuste, firmado pelo representante do governo, posto que ad referendum e dependente de sancção parlamentar, seria absolutamente desgraçada: ou tem de se rejeitar a obra de um delegado do governo portuguez ou contrahir compromissos com os quaes o paiz não póde.

As suas perguntas são dictadas por um sentimento de interesse por aquillo que ha de mais vital para o paiz, e a que se acha mais intimamente vinculado o seu futuro e o seu credito.

Aguarda, pois, a resposta do sr. ministro da fazenda.

(Tanto este como os seguintes extractos dos discursos do digno par não foram revistos por s. exa.)

O sr. Ministro da Fazenda (Manuel Affonso de Espregueira): - Responderá ao digno par, invocando exactamente as palavras que s. exa. acabava de pronunciar.

É, em nome dos interesses do paiz e das circumstancias especiaes que reveste a questão de que se trata, que o orador entende do seu dever não responder ás perguntas do digno par.

Não se diga que deseja illudir o paiz, deixando de dar uma resposta precisa ás perguntas que lhe foram feitas; se não responde, é, porque, para a conclusão de um assumpto a que o proprio digno par ligou tanta importancia, reputa inconvenientissimo dizer á camara o estado das negociações no momento actual.

Quando negociações d'esta natureza se encontram pendentes, poderia ser altamente nocivo que o governo viesse á camara fazer declarações sobre os pontos em discussão.

Receava o digno par a realisação de um. accordo contrario á disposição da lei, accordo que depois o parlamento se veria na necessidade de rejeitar com manifesta desauctorisação para o governo e para os seus agentes, ou então de acceitar uma obra má e nefasta?

Podia s. exa. ficar descansado.

O governo não tomará compromisso algum alem d'aquelles que póde tomar em vista das auctorisações vigentes, sem que previamente seja consultado o parlamento a esse respeito.

As negociações têem tido em vista destruir as difficuldades, attritos e exigencias que desde o começo se apresentaram para a resolução da questão.

Isto se tem conseguido em grande parte.

Diz em seguida que algumas das informações a que o digno par alludiu e que foram transmittidas por jornaes estrangeiros, já produziram resultados prejudiciaes ao bom andamento das negociações.

Parece-lhe, pois, que todos deveriam acautelar mais os interesses do paiz, e é por isso que o governo tem a coragem de declarar que não julga conveniente dizer o estado actual das negociações.

Poderia o digno par dizer que o governo conduzia o paiz a uma situação nefasta, mas elle, orador, tambem podia affirmar categoricamente que tem procedido sempre de um modo seguro e correcto, de que o paiz não tem tirado senão vantagens.

(Este discurso de s. exa. bem como os que se lhe seguem, publicam-se em extracto não revisto pelo orador.)

O sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - A resposta do sr. ministro da fazenda assombra-o e aterra-o.

É parlamentar bastante antigo, conhece bastantemente os seus deveres politicos, de homem de governo e de homem do seu paiz, para que na sua situação e em assumpto internacional em que houvesse negociações pendentes, e o ministro da respectiva pasta declarasse que perigavam os interesses do paiz, não soubesse calar-se até que o governo podesse vir dar conta dos seus actos e do seu procedimento.

Mas não se tratava agora d'isso; do que se tratava era de impedir uma obra nefasta, a que o sr. ministro da fazenda se abalançava.

Quando s. exa. viesse com um projecto de lei, para que o parlamento apreciasse as negociações realisadas, seria tarde, porque qualquer voto contrario, não faria senão causar o recomeço da guerra contra o paiz, contra os nossos interesses.

É isto que o orador não quer. É a isto que se oppõe com todas as veras, com toda a sinceridade da sua palavra.

Se o sr. ministro declarasse que as negociações não se afastariam dos limites marcados na lei votada pelo parlamento, o orador não poria duvida em se abster de quaesquer perguntas que podessem prejudicar .o seguimento e bom êxito da questão, mas desde que s. exa., pondo de parte a lei, entra n'um caminho que está fora das auctorisações fixadas, não pôde, bem que s. exa. lh'o peça, persistir no silencio, porque não sabe o que se negoceia e precisamente o que teme é o perigo que antevê.

O que receia é que o governo, saindo para fora dos termos da lei que o parlamento votou, e indo por isso alem dos recursos que o thesouro comporta, venha depois dizer ao parlamento, como em 1891, ou isto se vota, ou o credito do paiz se afunda; ou a votação immediata, ou a perda total da nossa honra e do nosso credito.

Se as informações da imprensa, cuja publicação o sr. ministro deplorara, são verdadeiras e exactas, abençoada indiscripção a d'esses jornaes que veiu dar ao orador ensejo para protestar contra taes manejos, que só tendem á ruina total e completa do nosso credito!

Abençoada indiscripção, se ella produzir o mallogro de uma tentativa tão nefasta ao paiz!

E considerar-se-ha feliz elle, orador, se as suas palavras e a manifestação do seu sentir fizerem naufragar um accordo que ha de ser um estygma indelével lançado ás faces da nação. (Apoiados.)

O sr. Ministro da Fazenda (Manuel Affonso de Espregueira): - Pouco mais tem que accrescentar ao que já disse.

O sr. Hintze Ribeiro começou por dizer que, se se tratasse de uma questão internacional, certamente teria accedido á observação do ministro que lhe suggerisse a inconveniencia de explicações sobre ajustes pendentes.

O orador já disse n'esta camara, em resposta a s. exa., que era um erro, ou talvez mais do que isso, não julgar esta questão de tal ordem, não suppor que ella envolve interesses de tal grandeza, que para ninguem póde ser considerada indifferente. O que ha simplesmente é um convénio para regalar a nossa situação com os credores.

Para a marcha do thesouro, não julga o convénio indispensavel; mas para o que elle é indispensavel é para tirar o paiz da situação absolutamente anormal de ter reduzido o pagamento d'aquillo a que se tinha obrigado, sem accordo previo com os seus, credores. É esta situação que con-

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SESSÃO N.° 22 DE 21 DE ABRIL DE 1900 157

vem que cesse, porque nos embaraça e nos fecha completamente os mercados estrangeiros.

Hoje as circumstancias são inteiramente diversas das de 1891.

O thesouro não carece hoje para a sua marcha normal de recursos extraordinarios.

Se o governo pedir á camara uma modificação na lei que auctorisou o convenio, esse pedido não será, nem uma gargalheira, como dissera o digno par, nem tão pouco creará uma situação tão desesperada que seja preciso acceitar uma operarão funestissima para o futuro da nação.

Podia s. exa. estar perfeitamente tranquillo.

O governo não trata estas questões de animo leve. Pelo contrario, tem empenhado os seus esforços em regularisar da melhor fórma a situação com os nossos credores, tem procurado destruir resistencias que de principio se julgavam insuperaveis, para se chegar a um accordo honroso que o paiz possa cumprir dentro dos proprios recursos de que dispõe.

O sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Estranha que o sr. ministro da fazenda considere um accordo com credores, não como uma questão entre o governo e os nossos credores, mas como uma questão internacional de governo para governo. Comprehende-se que os governos estrangeiros recommendem á attenção do governo portuguez os interesses dos seus nacionaes, mas nada mais.

O que se está passando assombra-o e aterra-o mais uma vez.

Seria uma situação verdadeiramente intoleravel aquella em que o parlamento se encontrasse no dia em que o sr. ministro da fazenda se lhe apresentava com um convénio, não moldado pelas auctorisações dotadas, mas negociado entre o governo portuguez e os governos estrangeiros para ser acceito pelo parlamento.

A situação da fazenda publica tem-se aggravado, pois ha trinta ou quarenta annos nenhum exercicio se apresentou com menor desequilibrio de que debaixo da administração de que fez parte o orador.

Muitos recursos de que dispõe o actual governo são devidos aos esforços e previdencia do governo de então. O orador em occasião opportuna mostrará o que tem sido a gerencia financeira d'este governo e como é grave a nossa situação para supportar os resultados das negociações do sr. ministro da fazenda.

Nota que nas suas respostas o sr. ministro não contestou a veracidade das informações e boatos a que o orador alludíra, nem assegurou que as negociações se continham dentro dos limites da lei. De onde se conclue que é exacto tudo o que disse á camara. Não crê que o sr. ministro deixasse de repudiar taes noticias, se ellas fossem falsas.

Lavrou portanto o seu energico protesto, porque a sua consciencia não póde ficar tranquilla na previsão de um accordo que trará ao paiz a perda da autonomia financeira e será a sua ruina, por ser incompativel com os seus recursos.

Finalmente, pois, declara em nome do partido que representa que se oppõe terminantemente a quaesquer negociações que excedam as auctorisações votadas e não reconhecerá nenhum ajuste firmado n'esses termos.

O sr. Presidente: - Como já deu a hora, não posso dar a palavra ao sr. ministro da fazenda, sem auctorisada camara.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda (Manuel Affonso de Espregueira): - Lamenta que o digno par o sr. Hintze Ribeiro desse ás suas palavras uma intrepretação que ellas não podem ter. Foi necessario a s. exa. transformal-as completamente para architectar o discurso que s. exa. acabava de pronunciar e, dizer que o orador estava em negociações com os governos estrangeiros acêrca do convénio com os credores. Não fez similhante affirmação; nunca disse nem podia dizer que estava em negociações com os governos estrangeiros.

Vozes: - Disse, disse!

Outras vozes: - Não disse!

O Orador: - Só responde pelas proposições que enuncia e ninguem póde deixar de lhe reconhecer o direito de definir o sentido das suas proprias expressões.

Ora, nunca disse o que o digno par lhe attribuiu. (Apoiados.)

O sr. Ernesto Hintze Ribeiro (interrompendo): - Rectifica então o que disse.

O sr. Pereira de Miranda: - Não rectifica, não tem que rectificar.

(Sussurro.)

Vozes: - Ordem, ordem!

O sr. Presidente (agitando a campainha): - Peço a attenção da camara.

O Orador: - Declara que por sua parte se tem conservado n'uma situação correcta. (Apoiados.)

Muitas vezes tem affirmado e declarado que o convénio é unicamente com os nossos credores} mas, sendo este assumpto de grande importancia, os governos estrangeiros não podem ser indifferentes aos interesses que se debatem.

Repito: não disse nem podia dizer que estava em negociações com os governos estrangeiros.

(Ápartes. Sussurro.)

O sr. Presidente: - Peço aos dignos pares a devida serenidade.

O Orador (continuando):- Allega que o proprio digno par lhe dá rasão, quando diz que os governos estrangeiros recommendam e protegem os interesses dos seus nacionaes.

Estas palavras explicam perfeitamente o que o orador sempre tem dito.

Escusa de repetir á camara tudo o que ha dois ou tres annos se ha nos jornaes mais conceituados do mundo.

Dizia-se lá fóra que Portugal era um paiz sem honra e sem brio, que tinha falseado os seus contratos, que não pagava aos seus credores, que se apossara de sommas enormes para a realisação dos seus melhoramentos materiaes mais importantes e satisfazer os vencimentos dos seus funccionarios, e que depois fizera bancarrota sem ter a menor attenção com os seus credores.

Não inventa; leiam-se os jornaes d'esse tempo.

A situação de hoje é muito differente.

Os que nos guerreavam e queriam a partilha das nossas colonias, estão hoje mais affectuosamente ligados ao. nosso paiz, prestando-lhe serviços, e reconhecendo que elle tem recursos e que póde prosperar sob uma administração zelosa.

Em resposta ao sr. Hintze Ribeiro dirá ainda que se os exercicios dos annos em que o digno par geriu a pasta da fazenda foram aquelles em que menor desequilibrio se deu, é porque s. exa. se utilisou de liquidações anteriores que custaram grandes sacrificios ao estado e ainda assim a verdade é que, se os primeiros annos foram excellentes, os ultimos foram absolutamente desgraçados.

O sr. Moraes Carvalho (interrompendo): - Com as contas falsificadas.

O sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Falsificadas pelo governo que entrou.

Nem uma só affirmação exacta!

O sr. Moraes Carvalho: - Eu demonstrarei como as contas foram feitas.

Vozes: - Ordem, ordem.

O Orador (continuando): - Faz notar que até ali houvera o recurso de asseverar que elle, orador, tinha dito o que realmente não disse; e sobre isso architectou o sr.

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Hintze Ribeiro um discurso inflammado; depois vinha insinuar-se que as contas eram falsas!

As contas do thesouro são hoje, como eram n'aquelle tempo, feitas, examinadas e approvadas exactamente pela mesma fórma, segundo os mesmos regulamentos.

Dizer-se que são falsas as contas que se referem ao exercicio de 1896-1897, é um recurso de que se lança mão quando se aponta a enormidade de despezas que ficaram para ser pagas pela administração seguinte. (Apoiados.)

(Apartes.)

O orador não póde deixar de dizer com toda a tranquillidade o que entende da sua justiça e ha de responder sempre com a verdade dos factos. (Apoiados.)

Por sua parte tem havido toda a sinceridade e clareza em expor todos os actos da sua administração financeira, como quem tem a consciencia de cumprir honestamente o que considera do seu dever.

A idéa do governo era combinar definitivamente com os credores uma concessão ou desistencia d'aquillo a que ainda se julgam com direito a favor do estado, e estabelecer uma norma que fosse acceita por todos e que facilitasse ao paiz as praças estrangeiras.

De resto o orador procura empregar de preferencia toda a sua actividade em prevenir o futuro em bem do paiz, e em promover o credito da nação do que em responder a allegações, nem sempre apresentadas com inteiro espirito de convicção.

O sr. Frederico Laranjo: - Mando para a mesa um parecer da commissão de obras publicas sobre o projecto de lei referente ao cabo submarino.

Foi a imprimir.

O sr. Presidente: - A proxima sessão é na sexta-feira, 27, sendo a ordem do dia a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e vinte minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 21 de abril de 1900

Exmos. srs.: Eduardo José Coelho; Marquezes, de Fontes Pereira de Mello, de Penafiel; Condes, do Alto Mearim, da Azarujinha, de Bertiandos, do Casal Ribeiro, de Lagoaça, de Macedo, de Magalhães, de Mártens Ferrão, de Monsaraz; Bispo de Bethsaida; Viscondes, de Asseca, de Athouguia; Moraes Carvalho, Antonio Abranches de Queiroz, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Costa Lobo, Arthur Hintze Ribeiro, Palmeirim, Cypriano Jardim, Elvino de Brito, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Francisco de Castro Mattoso, Almeida Garrett, D. João de Alarcão, Correia de Barros, Frederico Laranjo, Abreu e Sousa, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Camara Leme, Luiz Bivar, Bandeira Coelho e Sebastião Telles.

O redactor = A. Alves Pereira.

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