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298 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

brava então, para cair um anno depois com os desastres da guerra franco-prussiana.

Em todo o caso, em 1885, num famoso discurso pronunciado em Bordéus, Ferry, que pela experiencia do Governo e pelo conhecimento da administração, tinha já pratica e serenidade bastante para fazer exame da sua consciencia, Ferry teve esta phrase, que a meu ver, é a critica applicavel a todos os movimentos das sociedades em lucta com os elementos avançados. Eu trago aqui reproduzidas as palavras de Ferry que são significativas e me parecem apropriadas. Dizia este eminente orador:

(Leu).

Elle, que em 1869 proclamava n'um discurso celebre, imitando outro de Thiers, as liberdades naturaes, elle que combatera o Imperio, vinha dezaseis annos depois declarar que a obra de então não era uma obra de justiça, era uma obra de sectarios; não se procurava reformar, procurava-se desarmar o Imperio para o derrubar. A critica de Ferry pode-se applicar ás circumstancias actuaes em Portugal.

E eu sinto que o Governo dê razão a certas reclamações que, como então, não tratam senão de destruir o existente em proveito de ideias, não direi mais avançadas, mas com certeza mais perturbadoras.

Este é o ponto fundamental da minha intransigencia com o Sr. Presidente do Conselho, o que não influe para que eu, tratando do assumpto de que vou occupar-me, não faça um appello áquelles protestos de sinceridade, áquelles bons desejos com que S. Exa. frequentemente matiza os seus discursos. Venho tratar das subsistencias publicas, d'esse grave problema que, affectando a nação inteira, se tornou agudo em Lisboa e nas grandes cidades.

Quem tiver o cuidado de percorrer os livros e os mappas do recenseamento da população, e reduzir a um graphico o movimento realizado n'estes ultimos vinte annos, pode verificar que a população portugueza tende a diminuir profundamente nos campos, tende a concentrar-se nas grandes cidades. Se porventura se procurar uma relação entre a natalidade e este movimento da população, cujas causas depois definirei, verifica-se que essa relação não segue parallelamente; succede até que a natalidade pode diminuir, e no entanto as emigrações tendem a aug-mentar a população das cidades grandes.

De 1864 a 1868, a relação de crescimento da população do paiz, por mil habitantes, era de cinco, a que correspondia aproximadamente a relação entre os nascimentos e as mortes.

A população transportou-se do campo para os grandes centros.

Em Lisboa a relação era de 15,3 por mil habitantes e no Porto era de 16 tambem por mil habitantes, e com o progresso do tempo foi de : (Leu).

A que corresponde este augmento de população?

Ha duas causas differentes: a primeira resulta do empobrecimento da população rural que determinou uma diminuição de trabalho e uma tendencia natural de ir procurar nos grandes centros de maior actividade uma compensação.

Em Portugal este acrescimo de população urbana sentiu-se muito especialmente nos Açores e Minho.

Depois, em 1860, a emigração cresceu extraordinariamente, sobretudo nas provincias de Trás os Montes e Beiras.

Duas grandes crises agricolas appareceram coincidindo com o apparecimento do phyloxera.

Então a população rural afflicta pedia recursos. O Brasil começava a transformar-se. A lucta pela existencia e a incapacidade do paiz para se lançar no commercio em lucta com os povos modernos, e por outro lado as desillusões, por isso mesmo que a percentagem dos emigrantes que voltam á patria é de 15 por milhar; no meio de tudo isto veio o phenomeno physico da capillaridade, em virtude do qual as populações ruraes emigraram para os grandes centros, e, portanto, Lisboa e Porto não podiam fugir a esta lei que occasionou o augmento de população n'estas duas cidades; mas essa emigra cão veio para Lisboa encontrar os meios pelo trabalho já em condições bastante onerosas.

Quaes são as origens d'esta crise de subsistencias que se dá em Lisboa?

São variadas e principalmente as leis protectoras, o exaggero dos impostos e a diminuição das receitas particulares, porque, mantendo-se o preço dos generos o mesmo, desde que diminuam os meios de os adquirir, é como se esse preço se agravasse.

Para se ver como actua na economia particular a carestia das subsistencias, não tenho bastantes elementos; mas dois mappas que vou indicar á Camara são muito significativos.

Todos sabem que a alimentação dos estabelecimentos de caridade da capital se faz por grosso e a arrematação com um cuidado e uma solicitude que constituem o elogio de quem os dirige, tanto mais que, a ,maior parte das vezes, quem os dirige o faz por philantropia. Um dos mappas a que me refiro diz respeito ás rações alimentares da Santa Casa da Misericordia, desde 1860 até 1900.

N'este periodo de quarenta annos as rações alimentares vão em media desde 16 réis até 167.

Este mappa torna-se ainda muito mais eloquente, se porventura for comparado com um outro identico do asylo das criadas, onde o preço medio das rações alimentares, n'um periodo incomparavelmente inferior, desde 1889 a 1900, se eleva de 75 a 91 réis.

A carestia das subsistencias publicas manifesta-se em todos os generos, mas torna-se principalmente frisante na carne, no pão, no peixe e no leite.

Vou, n'um rapido exame, tratar d'esses quatro generos de subsistencia, para mostrar á Camara o que a respeito d'elles se tem passado.

Todos sabem que a carne se vende em Lisboa por um preço exaggerado, que varia entre 360 e 800 réis por kilogramma.

Quando eu tive a honra de exercer essas tão inuteis quanto decorativas funcções de governador civil de Lisboa, á falta de melhor, procurei dedicar-me ao estudo dos problemas da alimentação da capital.

Fi-lo cheio de boa vontade e acompanhado de pessoas competentes que me prestaram as luzes dos seus esclarecimentos,

Organizei assim um projecto que tinha em vista melhorar as condições da venda e realizar para a economia de Lisboa um grande e avultado beneficio.

Depois de longo trabalho, consegui effectivamente dar forma ás minhas ideias, por me parecer ter achado com os meus distinctos collegas uma forma .dentro da qual se podia resolver o problema da alimentação publica, com respeito a este artigo alimentar.

Desculpe-me V. Exa. e a Camara que eu rapidamente lhe dê uma ideia de qual era o meu plano.

A agricultura da epoca queixava-se de opprimida pelos acambarcadores da carne ; não podia offerecer no mercado de Lisboa esse producto em condições de ser remunerador á agricultura.

Por outro lado os fornecedores de carne diziam que não podiam vender barato, pelas exigencias dos acambarcadores marchantes. Tal era a situação pelo lado dos agricultores e dos marchantes; para o publico a circunstancia era a de pagar caro um producto mau, aggravado com a alcavala da distribuição domiciliaria, que representa um augmento de 25 réis em cada kilo.

Em vista d'esta desegualdade, entendi que o primeiro caminho a seguir para a resolução do problema da carne seria socializar esse serviço. Podia, socializá-lo incumbindo simplesmente a administração municipal; mas entendi que não convinha, porque era uma entidade que pela circunstancia do descredito que pesava sobre a sua adminis-