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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.º 22

EM 13 DE NOVEMBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - A Camara auctoriza o Digno Par Ressano Garcia a depor como testemunha n'um processo.- O Digno Par Teixeira de Sousa envia para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao Sr. Ministro da Fazenda. - O Digno Par Sr. José de Azevedo Castello Branco trata da questão das snbsistencias. - Dando a hora de passar-se á ordem do dia, o Sr. Presidente de Conselho promette responder ao Digno Par, na sessão seguinte.

Ordem do dia. - Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa.- Usa da palavra o Digno Par Sr. Sebastião. Baracho. - O Digno Par Sr. Luciano Monteiro manda para a mesa dois pareceres da commissão de agricultura.- O Digno Par Sr. Conde do Cartaxo apresenta um parecer da commissão dos negocios externos, Foram a imprimir. - Encerra-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se a presença de 27 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão anterior, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Ministerio da Fazenda, enviando mais 40 exemplares do orçamento para serem distribuidos.

Officio do juizo do terceiro districto criminal de Lisboa solicitando autorização para que o Digno Par Ressano Garcia possa ser citado e prestar esclarecimentos n'um processo pendente n'aquelle juizo.

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que auctorizam o Sr. Ressano Garcia a prestar esclarecimentos em juizo, n'um processo em que é queixoso, tenham a bondade de se levantar.

(A Camara pronunciou-se affirmativamente).

O Sr. Teixeira de Sousa: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que pelo Ministerio da Fazenda seja remettida a esta camara copia de todo o processo que no Tribunal Superior do Contencioso Fisca teve o n.° 2:603 e relativo á apprehensão de 15 caixas com espingardas.

Sala das sessões da Camara dos Pares, em 13 de novembro de 1906. = Teixeira de Sousa.

Mandou-se expedir.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Sr. Presidente: o assumpto sobre o qual vou chamar a attenção do Governo não é d'aquelles que se prestam a effeitos politicos. Pela sua vital importancia, demanda um estudo attento das Camaras Legislativas e um cuidado solicito da parte de quem tem a seu cargo a administração publica.

Não é uma interpellação que vou fazer ao Sr. Presidente do Conselho; é um appelo aos seus desejos de bem governar o paiz; é procurar proporcionar ao Governo occasião de praticar um acto de boa administração e, até certo ponto, um acto de grande moral.

Sou adversario politico do Sr. Presidente do Conselho, mas não sou seu inimigo, nem pessoal nem politicamente. Posso assegurar a S. Exa. que nem mesmo entre os seus mais devotados amigos encontra pessoa que com mais imparcialidade lhe aprecie as boas qualidades, nem pessoa que tenha melhor disposição para ter benevolencia para os seus defeitos, se porventura os tem. Devo dizer, comtudo, que sou irreductivel adversario nos aspectos differentes das questões politicas.

A sociedade portugueza enferma de dois males fundamentaes: a anarchia hierarchica - que produz a indisciplina, com a qual não é possivel haver a ordem, que em todos os Estados é um elemento de progresso e de harmonia - e a depauperação d'aquillo que se chama os meios de vida, o que produz um Thesouro sempre lesado de deficits e um progressivo augmento da pobreza publica, a par de uma péssima distribuição da riqueza. E manifesto que a nossa sociedade, soffrendo d'estes dois males, não pode ter para elles senão dois remedios. Á anarchia hierarchica é preciso oppor a disciplina, e ao depauperam ento economico é preciso oppor uma solução tambem economica.

Não é por este caminho, que envereda o Sr. Presidente do Conselho e o Governo a que preside, que se chegará a estas soluções.

Lembra-me a esse respeito o seguinte:

Em 1869 - e desculpe V. Exa. esta pequena divagação de caracter historico - em 1869 foi violentissima em França a campanha contra o Imperio. Data d'esse anno a entrada no Parlamento francez d'aquella geração nova de republicanos, que se notabilisaram no transcurso de tempo que vae desde o golpe de Estado de 1852 até 1869. Foi a epoca notavel e brilhante dá campanha de Léon Gambetta, que pela primeira vez se apresentou por Belleville; a epoca do glorioso apparecimento de Ferry; foi, emfim, a grande, colossal e definitiva campanha dos revolucionarios contra o Imperio, que não sosso-

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brava então, para cair um anno depois com os desastres da guerra franco-prussiana.

Em todo o caso, em 1885, num famoso discurso pronunciado em Bordéus, Ferry, que pela experiencia do Governo e pelo conhecimento da administração, tinha já pratica e serenidade bastante para fazer exame da sua consciencia, Ferry teve esta phrase, que a meu ver, é a critica applicavel a todos os movimentos das sociedades em lucta com os elementos avançados. Eu trago aqui reproduzidas as palavras de Ferry que são significativas e me parecem apropriadas. Dizia este eminente orador:

(Leu).

Elle, que em 1869 proclamava n'um discurso celebre, imitando outro de Thiers, as liberdades naturaes, elle que combatera o Imperio, vinha dezaseis annos depois declarar que a obra de então não era uma obra de justiça, era uma obra de sectarios; não se procurava reformar, procurava-se desarmar o Imperio para o derrubar. A critica de Ferry pode-se applicar ás circumstancias actuaes em Portugal.

E eu sinto que o Governo dê razão a certas reclamações que, como então, não tratam senão de destruir o existente em proveito de ideias, não direi mais avançadas, mas com certeza mais perturbadoras.

Este é o ponto fundamental da minha intransigencia com o Sr. Presidente do Conselho, o que não influe para que eu, tratando do assumpto de que vou occupar-me, não faça um appello áquelles protestos de sinceridade, áquelles bons desejos com que S. Exa. frequentemente matiza os seus discursos. Venho tratar das subsistencias publicas, d'esse grave problema que, affectando a nação inteira, se tornou agudo em Lisboa e nas grandes cidades.

Quem tiver o cuidado de percorrer os livros e os mappas do recenseamento da população, e reduzir a um graphico o movimento realizado n'estes ultimos vinte annos, pode verificar que a população portugueza tende a diminuir profundamente nos campos, tende a concentrar-se nas grandes cidades. Se porventura se procurar uma relação entre a natalidade e este movimento da população, cujas causas depois definirei, verifica-se que essa relação não segue parallelamente; succede até que a natalidade pode diminuir, e no entanto as emigrações tendem a aug-mentar a população das cidades grandes.

De 1864 a 1868, a relação de crescimento da população do paiz, por mil habitantes, era de cinco, a que correspondia aproximadamente a relação entre os nascimentos e as mortes.

A população transportou-se do campo para os grandes centros.

Em Lisboa a relação era de 15,3 por mil habitantes e no Porto era de 16 tambem por mil habitantes, e com o progresso do tempo foi de : (Leu).

A que corresponde este augmento de população?

Ha duas causas differentes: a primeira resulta do empobrecimento da população rural que determinou uma diminuição de trabalho e uma tendencia natural de ir procurar nos grandes centros de maior actividade uma compensação.

Em Portugal este acrescimo de população urbana sentiu-se muito especialmente nos Açores e Minho.

Depois, em 1860, a emigração cresceu extraordinariamente, sobretudo nas provincias de Trás os Montes e Beiras.

Duas grandes crises agricolas appareceram coincidindo com o apparecimento do phyloxera.

Então a população rural afflicta pedia recursos. O Brasil começava a transformar-se. A lucta pela existencia e a incapacidade do paiz para se lançar no commercio em lucta com os povos modernos, e por outro lado as desillusões, por isso mesmo que a percentagem dos emigrantes que voltam á patria é de 15 por milhar; no meio de tudo isto veio o phenomeno physico da capillaridade, em virtude do qual as populações ruraes emigraram para os grandes centros, e, portanto, Lisboa e Porto não podiam fugir a esta lei que occasionou o augmento de população n'estas duas cidades; mas essa emigra cão veio para Lisboa encontrar os meios pelo trabalho já em condições bastante onerosas.

Quaes são as origens d'esta crise de subsistencias que se dá em Lisboa?

São variadas e principalmente as leis protectoras, o exaggero dos impostos e a diminuição das receitas particulares, porque, mantendo-se o preço dos generos o mesmo, desde que diminuam os meios de os adquirir, é como se esse preço se agravasse.

Para se ver como actua na economia particular a carestia das subsistencias, não tenho bastantes elementos; mas dois mappas que vou indicar á Camara são muito significativos.

Todos sabem que a alimentação dos estabelecimentos de caridade da capital se faz por grosso e a arrematação com um cuidado e uma solicitude que constituem o elogio de quem os dirige, tanto mais que, a ,maior parte das vezes, quem os dirige o faz por philantropia. Um dos mappas a que me refiro diz respeito ás rações alimentares da Santa Casa da Misericordia, desde 1860 até 1900.

N'este periodo de quarenta annos as rações alimentares vão em media desde 16 réis até 167.

Este mappa torna-se ainda muito mais eloquente, se porventura for comparado com um outro identico do asylo das criadas, onde o preço medio das rações alimentares, n'um periodo incomparavelmente inferior, desde 1889 a 1900, se eleva de 75 a 91 réis.

A carestia das subsistencias publicas manifesta-se em todos os generos, mas torna-se principalmente frisante na carne, no pão, no peixe e no leite.

Vou, n'um rapido exame, tratar d'esses quatro generos de subsistencia, para mostrar á Camara o que a respeito d'elles se tem passado.

Todos sabem que a carne se vende em Lisboa por um preço exaggerado, que varia entre 360 e 800 réis por kilogramma.

Quando eu tive a honra de exercer essas tão inuteis quanto decorativas funcções de governador civil de Lisboa, á falta de melhor, procurei dedicar-me ao estudo dos problemas da alimentação da capital.

Fi-lo cheio de boa vontade e acompanhado de pessoas competentes que me prestaram as luzes dos seus esclarecimentos,

Organizei assim um projecto que tinha em vista melhorar as condições da venda e realizar para a economia de Lisboa um grande e avultado beneficio.

Depois de longo trabalho, consegui effectivamente dar forma ás minhas ideias, por me parecer ter achado com os meus distinctos collegas uma forma .dentro da qual se podia resolver o problema da alimentação publica, com respeito a este artigo alimentar.

Desculpe-me V. Exa. e a Camara que eu rapidamente lhe dê uma ideia de qual era o meu plano.

A agricultura da epoca queixava-se de opprimida pelos acambarcadores da carne ; não podia offerecer no mercado de Lisboa esse producto em condições de ser remunerador á agricultura.

Por outro lado os fornecedores de carne diziam que não podiam vender barato, pelas exigencias dos acambarcadores marchantes. Tal era a situação pelo lado dos agricultores e dos marchantes; para o publico a circunstancia era a de pagar caro um producto mau, aggravado com a alcavala da distribuição domiciliaria, que representa um augmento de 25 réis em cada kilo.

Em vista d'esta desegualdade, entendi que o primeiro caminho a seguir para a resolução do problema da carne seria socializar esse serviço. Podia, socializá-lo incumbindo simplesmente a administração municipal; mas entendi que não convinha, porque era uma entidade que pela circunstancia do descredito que pesava sobre a sua adminis-

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tração, no capitulo das carnes, podia não merecer confiança fosse qual fosse
a respeitabilidade de quem lá estivesse. Não se poderia acreditar que a Camara, embora n'outro regime, que não podia manter os talhos municipaes, pudesse bem administrar esse serviço e, então, procurei attender por uma forma positiva e concreta ás reclamações do publico e dos lavradores, estabelecendo as condições da apresentação do producto no mercado de Lisboa, em condições de ter preço remunerador, marcando o preço de 34900 réis por cada 15 kilos. Isto representava um beneficio que nunca existiu durante 25 annos.

Esse preço, distribuido pelas diversas classes de carnes, permittia estabelecer uma tabella de preços que representava para a economia de Lisboa 19,5 decimos, quer dizer, representava 300 contos de réis de economia.

Mas se eu evitava por aquelle processo o açarnbarcamento dos marchantes, outras circumstancias se davam com os lavradores, e para isso tive de me soccorrer de um expediente que ainda hoje representa a mola real do systema.

Então dizia-se que era verdade haver um deficit de producção na carne para consumo, não inferior a dois milhões de kilos por anno, que era preciso remediar.

Procurei, pelo meu systema, ter um deposito de carne limpa, despida de aponevroses, economica, saudavel, que me servisse para abastecer Lisboa, e obviar ao deficit de carne existente, trazendo carne frigorifica em boas condições da Argentina, que é o grande mercado da carne frigorifica da Europa.

Esse projecto representava uma economia não inferior a duzentos contos por anno.

Para que a Camara possa fazer uma ideia das vantagens que isto representava para o consumidor, tenho aqui as tabellas de preços pelas quaes se podera ver a origem d'essa economia.

A carne de primeira classe... (Leu:)

Havia uma quarta classe de carne que poderia vender-se pelo preço de 220 réis.

Ha, pois, uma grande differença entre uma e outra tabella.

Este projecto tinha unica e exclusivamente por fito beneficiar o ramo da agricultura. Não tinha outra despesa senão a da acquisição da materia prima, porque, de resto, bastavam as pequenas differenças para dar rendimento vantajoso, e remunerar os respectivos funccionarios.

Sr. Presidente: sinto, e muito, que aquelle projecto se não realizasse. Não attribuo a culpa a ninguem. Somente sinto que apenas falte da parte dos Governos o apoio necessario, e haja descredito lançado sobre as intenções alheias, quando, por um espirito de altruismo, qualquer pessoa se lance no estudo das questões que interessam á sociedade.

O meu projecto foi recebido pela imprensa com um clamor de elogio, apenas contrariado, poucos dias depois, por artigos despertados pelos interesses que ia ferir, o que era natural e de prever.

Mas o facto foi que não logrei fazer adoptar um projecto, que ainda hoje se me afigura o melhor para resolver o problema das carnes.

O Sr. Presidente: - V. Exa. dá-me licença. Já passou a hora de se passar á ordem do. dia.

O Orador: - Pouco mais tempo tomarei á Camara, e, como não desejo voltar de novo a este assumpto, pedia a V. Exa. para a consultar sobre se permitte que use da palavra por mais alguns minutos.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que permittem que o Sr. José de Azevedo Castello Branco continue no uso da palavra, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Orador: - Agradeço á Camara o permittir que continue no uso da palavra, e saberei corresponder a essa gentileza, sendo muito breve nas considerações que me resta fazer.

Sr. Presidente: desejaria ainda hoje ver applicado este projecto, que me parece concebido em termos de poder resolver este problema, em volta do qual se agitam bastantes interesses e intrigas.

Ao lado das carnes temos o problema do pão, que é a base da alimentação publica.

Em Portugal vive-se no mais extraordinario dos regimes, em materia de pão.

Em virtude de uma lei, o pão ou antes o trigo não pode ser vendido senão por um minimo preço, que constitue o maximo dentro do qual o regime da panificação não pode subsistir, quando porventura não tenha occasião de recorrer á importação de trigo estrangeiro.

O absurdo d'este systema está no seguinte: é que esta lei feita para determinar um augmento de cultura de cereaes, na hora em que em Portugal produzir o trigo sufficiente para a sua alimentação, não pode viver a industria da panificação, nem da moagem apparece, desde que não haja a importação.

Bastava ver que em Portugal, fosse qual fosse a abundancia de trigo nos mercados estrangeiros, se amanhã a nossa vizinha Hespanha, ou o Egypto tivessem os seus celleiros inexgotaveis em Portugal, o preço do pão não podia baixar, porque era necessario manter uma lei, que garanta o minimo da venda que constitue como maximo.

Por este absurdo da lei, o pão é viciado no peso e na qualidade, nocivo á saude e origem mais constante d'esta percentagem que avulta nas estatisticas das doenças, dyspepsia, tuberculose e outras.

Assim, a população portugueza é representada na Europa por um algarismo, pelo qual se vê ser a ultima consumidora de carne, sendo o pão que come o de peor qualidade.

Sr. Presidente: eu reconheço a necessidade que houve de se fazer uma lei sobre os cereaes, que era de primeira necessidade para a industria agricola; mas, como applaudi esta lei em tempo, hoje venho dizer que este meu applauso já não tem razão de ser e que esta lei precisa de ser modificada.

Isto n'um anno como este, em que tinha havido producção sufficiente para dez mezes de fornecimento regular de cereaes para moagens.

Os preços por que o grande industrial agricultor vendia eram inferiores, e não se diga que o pequeno agricultor apertado pela necessidade de encargos, faz com que os artigos fornecidos em abundancia percam o valor, e, Dor consequencia, assim como é compativel ao agricultor o fornecimento espontaneo de trigo por preço inferior, manifestamente é preciso rever essa lei e modificar as condições em que o pão é fornecido hoje no mercado.

Sr. Presidente: uma das grandes glorias socialistas belgas foi que resolveu o problema da economia do pão, que foi admiravel para as classes pobres, operarias.

Este espirito luminoso dedicou-se, antes das evoluções de caracter politico, a resolver este problema tão vital e tão essencial.

Em Portugal tem-se procurado modificar as condições do fornecimento do pão, por meio de cooperativas. Não entro no ponto capital d'este assumpto, porque a hora vae muito adeantada, mas devo dizer que o meio tem sido insuficiente, por mal comprehendido. As cooperativas do pão teem servido para fazer concorrencia a outras industrias que vivem á sombra da lei. Os que são conhecedores do assunto sabem bem ao que me refiro. Como tenho

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pouco tempo, não entro em mais largas considerações.

Ao lado da carne e do pão está o peixe. Portugal produz em media 4:000 contos de réis. Exporta dois terços com relação ao que produz.

O peixe entre nós chegou a um preço que pode-se considerar um alimento só de gente rica, por isso que a capitação dá dois kilogrammas por habitante.

A carestia resulta dos impostos de toda a ordem a que está exposto e á concorrencia dos mercados de fora e do desapparecimento, porventura, de algumas especies. Não é só em Portugal, como na Allemanha, em França e em Inglaterra que dentro em pouco o peixe só constituirá alimento das classes ricas.

Em Portugal é representado por esta capitação. Cada cidadão come dois ki-logrammas por anno.

Agora os leites.

Tem-se melhorado a questão dos leites e o consumo d'elles.

Quem conhece a industria dos lacticinios lá fora é que pode avaliar bem se se tem melhorado ou peorado na industria dos lacticinios em Portugal.

Lisboa tem vacarias estabuladas, tem maior consumo de leite e tem a industria das manteigas; mas por que preço e de que qualidade?!

Se se comparar o preço dos lacticinios em Portugal com os da França, verifica-se que estes productos entre nós teem o duplo valor, porque ainda se não comprehendeu a vantagem de organizar os syndicatos que em França teem permittido apresentar preços altamente convidativos ás manteigas produzidas pelas associações agricolas. Por este mappa da Santa Casa da Misericordia vê-se que tem augmentado o consumo de leite e que a qualidade é inferior.

Basta pensar que em Lisboa se pode vender leite desnatado, que todos os trabalhos de fiscalização n'esse sentido teem sido improficuos, ou pelo defeito dos processos ou pela tolerancia de quem fiscaliza, para reconhecer que esse consumo de leite deve ter sido 9mrdesproveito da qualidade.

É facto tambem que augmentou o consumo do vinho, o que é natural; porque o operario, não tendo pão, não tendo carne, não tendo estes alimentos essenciaes para a sua sustentação, lança-se, e em toda a parte é assim, no consumo dos alcooes.

Tem progredido enormemente o consumo do vinho e sobretudo o consumo das bebidas fortemente alcoolicas. Mas em que condições? Nas seguintes: determinando, por um phenomeno verdadeiramente excepcional e particular de Portugal, o que vou expor.

Com o augmento da população, com a diminuição dos salarios, com o augmento do preço das substancias, com as difficuldades da vida nos grandes centros, teem progredido duas grandes doenças: a anemia e a tuberculose.

Em toda a parte do mundo a mortalidade é grande; mas em Portugal morrem mais homens que mulheres, o que é devido ao abuso das bebidas alcoolicas a que as classes operarias se entregam, porque lhes falta o pão, a carne, o peixe.

São variadas as causas que determinam o actual estado das subsistencias publicas, para conjurar o qual eu chamo a attenção do Governo; mas tambem são variados os remedios.

O primeiro que ao espirito de todos acode, é a diminuição dos impostos.

Esse remedio é em toda a parte empirico; em Portugal é perigosissimo.

Naturalmente a V. Exa. não passam despercebidos os phenomenos politicos e sociaes que se dão no paiz, e por isso não terá deixado de reconhecer o movimento que se está operando em volta da1 abolição do imposto do consumo; por toda a parte se levantam protestos contra esse imposto; e como hoje a grande maioria lê pela manhã o que dizem os jornaes e com os raciocinios que elles fazem se abstem de pensar, como ha muitissima gente que nem quer discutir comsigo mesma a conveniencia de manter ou abolir tal imposto, eu tenho receio que a breve trecho os Governos não possam com o movimento da opinião.

É muito bom abolir o imposto do consumo, mas o Thesouro não pode resistir a isso.

Os Governos não manteem o imposto do consumo por prazer; manteem-no porque representa uma necessidade e não teem com que o substituir.

É preciso modificá-lo?

Sim, e até é possivel fazê-lo desapparecer de todo, mas n'um periodo largo e por meio de modificações successivas; de um momento para o outro, causaria perturbações tão grandes que o remedio seria mais violentamente peor que o mal.

É preciso estudar as tabellas para que se vão modificando pouco a pouco. Mas ha outra ordem de medidas que tambem se podiam adoptar.

Se tivermos maneira de trazer a Lisboa os generos necessarios á alimentação publica, em melhores condições de barateza, teremos diminuido os encargos da alimentação.

Na nossa costa do Algarve ha abundancia de peixe, a ponto de muitas vezes grandes porções só se aproveitarem para o guano.

Não seria possivel estabelecer vagons frigoriferos e dar á industria particular ou tomar o Estado o encargo de, por meio d'esses vagons, apresentar no mercado central de Lisboa aquelle peixe em condições de ser aproveitado pelo consumidor?

Isto seria um elemento de valorização dos rendimentos do caminho de ferro e faria com que a carestia do peixe em Lisboa se tornasse menos sensivel.

Não tenho a pretensão de resolver o problema da alimentação publica; apenas chamo para elle a attenção do Governo.

Sei que é necessario para a resolução d'este problema a collaboração de todos, mas pergunto ao Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino se, perante os factos que indiquei, S. Exa. não tem uma opinião definida e um proposito traçado.

Perante a situação angustiosa de uma população que esmorece e morre pouco a pouco, entendo que deviamos dar autoridade ao Governo para nomear uma commissão parlamentar, sem caracter politico, incumbida de agrupar, de estudar os meios para poder remediar a crise das subsistencias, com a cooperação de todos, mas completamente alheia á politica, porque as paixões politicas trazem veneno, e quando ellas interveem nestas questões não ha maneira de se chegar a um fim. Só por concerto geral de opiniões e apoio de todos se poderá realizar esta medida de salvação publica.

Pode o Sr. Ministro do Reino decretar cousas mirabolantes em materia de liberdade; mas, se o actual regimen continuar por alguns annos, S. Exa. poderá decretá-las, mas serão liberdades para um paiz de mortos.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho (João Franco Castello Branco): - Pedi a palavra v simplesmente para declarar ao Sr. José de Azevedo, que responderei amanhã, antes da ordem do dia, ás suas considerações.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa

O Sr. Presidente: - Continua no uso da palavra o Digno Par Sr. Baracho.

O Sr. Sebastião Baracho: - Recebi hoje, ao entrar na Camara, um officio assignado por sete negociantes respeitaveis da praça de Lisboa, e que me foi entregue por um d'elles, o qual me assegurou, relativamente á representação do commercio da capital a favor do Governo, o seguinte:

Que ella tinha sido espontanea;

Que fora formulada e assignada em oito dias;

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E que, depois de ella estar na posse do Sr. Presidente do Conselho, appareceram ainda commerciantes pretendendo assigná-la.

Na declaração que faço, creio ter correspondido á amabilidade com que se me dirigiram os signatarios do officio, a quem compete a responsabilidade das asseverações de que fui apenas o porta-voz.

Posto isto, recordarei o que Urbano Rattazzi dizia acêrca da batalha de Custozza, em que os italianos foram derrotados em 1866:

O plano de Lamarmora era excellente. Simplesmente os austriacos não o quiseram seguir.

Com o chefe do Gabinete succede outro tanto, Os seus planos são primorosos. Apenas a Nação não está disposta a segui-los, por serem1 na pratica o reverso do que foram celebrados em theoria.

Os factos numerosos por mim adduzidos comprovam o meu asserto, cuja confirmação ainda hontem se patenteou na Camara Electiva, perante as affirmações do Sr. Presidente do Conselho, concernentemente aos adeantamentos ou dividas da Casa Real ao Estado.

Chamo a attenção da Camara para a gravidade de tão audaciosa declaração, e permitto-me lembrar ao Governo que medite nas melindrosas consequencias, que, sem duvida, resultarão dos seus propositos, se procurar torná-los effectivos. ..

O Sr. Pimentel Pinto: - Apoiado, apoiado.

O Orador: - A questão da liquidação d'esses adeantamentos, por contado Thesouro, é gravissima. Não pode ser.

Regularize-se a situação. É indispensavel fazê-lo quanto antes. Mas esclareça-se simultaneamente o assumpto, em todos os seus ramos, pedindo-se a quem quer que seja as responsabilidades pelas infracções commettidas; e reembolse integralmente o Estado quem aproveitou com os desmandos referidos.

Na serie de atropelos - para lhe não dar nome mais adequado - que me proponho pôr em relevo, seguem-se, ao que acabo de registar, os que, pelo Ministerio da Guerra, visam ao engrandecimento do poder real - ao nefasto, funesto e inconstitucional poder real. São d'essa indole gafada:

O projecto de lei de 9 de outubro, auctorizando o Governo a organizar o Supremo Conselho de Defesa Nacional, e a remodelar as organizações das Secretarias da Guerra e da Marinha;

A circular respeitante a cumprimentos;

E a circular referente ao hymno da Carta.

O Supremo Conselho de Defesa Nacional, que aspira a estabelecer sequencia na administração dos negocios da guerra, não pode, perante o seu organismo e funccionamento, attingir esse fim. Em sessão nocturna de 24 de abril de 1901, o Sr. Presidente do Conselho, versando esta materia, apparentou preferencias pelo figurino allemão. A par d'isto, a proposta submettida á apreciação parlamentar, e que é assignada tambem por S. Exa. % apresenta-se-nos com resaibos de afrance-zada.

Mas como o proverbio italiano nos ensina: tradutore tradittore, quando esse projecto for discutido, reconhecer-se-ha que, sem ser allemão, neni genuinamente francez, o producto indigena representa um aborto espectaculoso, que mal, muito mal mesmo, substituirá a modesta commissão superior de guerra, cuja instabilidade, na sua organica, devida a antagonismos ministeriaes indesculpaveis, nunca a inhibiu de trabalhar com idoneidade e proficiencia, na resolução dos mais complexos problemas da defesa da Patria.

A sequencia que eu preconizo de longa data derivaria do bom criterio dos dirigentes, os quaes deveriam sobrepor os interesses supremos da nação aos despeites de sectarios e de rivaes. Nunca me passou pela mente concorrer para a criação de um instrumento feudal, com pretensões a impor-se ao Parlamento, calcando abertamente os artigos 45.° e 46.° da Carta, os quaes dispõem:

Art. 45.° A proposição, opposição e approvação dos projectos de lei compete a cada uma das Camaras.

Art. 46.° O Poder Executivo exerce por qualquer dos Ministros de Estado a preposição que lhe compete na formação das leis; e só depois de examinada por uma commissão da Camara dos Senhores Deputados, aonde deve ter principio, poderá ser convertida em projecto de lei.

Sob o seu aspecto anti-constitucional, ao projecto em questão nada falta desgraçadamente. Investe o reinante em funcções descabidas, que lhe estão vedadas pela letra expressa da Carta, trazendo-o para a discussão a que não pode furtar-se, visto fazer parte de um orgão deliberativo, a que preside.

É certo que elle não tem voto nos assumptos submettidos a debate. Mas este facto, que imprime seguramente caracter, não resgata a presidencia de responsabilidades. Apenas a diminue no seu exercicio. É o que acontece sempre que se despreza o caminho direito, para enveredar por bêcos e vielas.

Segundo a previdente formula consagrada, o Rei reina e não governa, nem tão pouco commanda.

As attribuições do Chefe do Estado estão definidas pela Carta Constitucional e respectivos Actos Addicionaes. Pelo artigo 6.° da lei de 3 de abril de 1896, o Rei exerce o Poder Moderador com a responsabilidade dos Ministros. Pelo artigo 75.° da Carta, é elle o Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos Ministros de Estado. Entre as suas attribuições, ha a mencionar, para o caso sujeito, a que dimana do § 5.° d'esse mesmo artigo, concebido n'estes termos:

Nomear os commandantes da força de terra e mar, e removê-los, quando assim o pedir o bem do Estado.

O Rei nomeia, não se nomeia, para desempenhar funcções de commando ou similares, por que não está, em casos taes, coberto pela responsabilidade dos Ministros.

Nem é o chefe superior do exercito, nem tão pouco lhe pertence o posto de marechal general. Estes predicados são-lhe indevida e inconstitucionalmente attribuidos pela organização militar de 30 de outubro de 1884, e subsequentes. Elle é unicamente, consoante o artigo 71.° da Carta, o chefe supremo da nação.

Demais, a legislação em vigor não destoa das tradições, nitidamente affirmadas pela Constituição de 23 de setembro de 1822, e pela de 20 de março de 1838.

Em taes circunstancias, a constituição de 1822 estabelecia:

Art. 123.° Especialmente competem ao Rei as attribuições seguintes:

VI. - Nomear os commandantes da força armada de terra e mar, e empregá-la como entender que melhor convem ao serviço publico;

Porem quando perigar a liberdade da nação e o systema constitucional, poderão as Côrtes fazer estas nomeações.

Em tempo de paz não haverá commandante em chefe do exercito nem da armada.

Quão afastados estamos do liberalismo castiço de ha cerca de um seculo!...

Então era preceito constitucional que a auctoridade do Rei provinha da nação. Na actualidade, ainda as leis são encimadas por estes dizeres, deprimentes para a soberania nacional:

Dom fulano, por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, etc.

Por graça de Deus!...

Mas voltemos á Constituição de 23 de setembro de 1823, que mais determinava :

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302 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Artigo 124.° O Rei não pode:

VI. Commandar a força armada.

É claro e explicito; e não menos o são as disposições da Constituição de 20 de março de 1838, a qual preceituava:

Artigo 82.° Compete tambem ao Rei:

V. Nomear e remover os commandantes da força armada da terra e mar.

Artigo 82.° O Rei não pode:

III. Nomear em tempo de paz commandante em chefe do exercito ou da armada.

IV. Commandar a força armada, ou nomear para commandante em chefe o Principe Real ou os Infantes.

Nada ha, pois, mais evidente: nem a legislação constitucional hodierna, nem a que a antecedeu, em 1823 e em 1838, conferem ao Rei o posto de marechal general, nem tão pouco o investem em chefe superior do exercito.

É, repito, chefe supremo da nação, cujas funcções são incompativeis com outras quaesquer de responsabilidade directa, como a que cabe ao futuro presidente do Supremo Conselho de Defesa Nacional.

De resto, mal se comprehende que semelhante papel, tão compromettedor, se distribua ao Chefe do Estado, quando elle pode assistir, sempre que o deseje, a todos os actos do viver da nação, desde que elles não envolvam resoluções de administração responsavel a tomar.

O Sr. Pimentel Pinto: - Apoiado.

O Orador: - No gozo d'essa faculdade, toma parte nas sessões solemnes da Academia das Sciencias, da Sociedade de Geographia, das varias escolas militares e outros estabelecimentos de ensino, conservando, porem, n'estes actos a feição exclusivamente decorativa, alem da qual as normas constitucionaes seriam postergadas.

Nos outros dois factos por mim anteriormente citados, evidenceia-se tambem o proposito de engrandecer o poder real, com menoscabo dos demais poderes constitucionaes, e com indiscutivel prejuizo para o paiz.

Não o entende assim, ao que parece, o Sr. Ministro da Guerra, que, em desacatos d'esta ordem, excede, porventura, o Sr. Presidente do Conselho. É typica, na especialidade, a circular de 30 de agosto passado.

N'ella se estabelece o formulario acêrca dos cumprimentos palacianos, tornados violentamente obrigatorios. N'ella se attinge o cumulo de regulamentar o arbitrio, o que naturalmente incita á desobediencia, fundamentalmente legitima em taes condições.

Pelo que me respeita, limito-me a affirmar mais uma vez principios: - Não cumpro ordens illegaes, partam de onde partirem.

Os cumprimentos não se impõem. Fazem-se espontanea e livremente, ou deixam de ter a significação que devem ter.

Para que elles representem homenagem de estima e respeito, basta que as pessoas a quem são dirigidos se recommendem pelo culto estricto do dever, como cidadãos prestantes e como funccionarios escrupulosos, por mais elevada que seja a sua categoria.

De outro modo, com formalismos de forçada liturgia, não se destruirão, nem sequer serão attenuadas as faltas de respeitabilidade de que enfermem os cumprimentados. A seriedade e a compostura não se inventam. É proverbial.

Igualmente não se improvisam os hymnos nacionaes, que nascem de actos grandiosos, transportados para musica que os exalte, e encontre echo enthu-siastico no sentir dos patriotas.

Satisfaz o hynmo da Carta a estes requisitos primordiaes?

Ninguem o dirá em boa razão.

Depois de oitenta annos de carta outorgada, depois d'ella feita em farrapos, erigir-lhe o hymno em nacional, chega a ser funambulesco.

Nacional não é o que aulicos e cortesãos decretam; mas o que o merece, e tem o applauso e a consagração do Paiz.

Quando muito, é official, simplesmente, o hymno da Carta caduca, que apenas representa ,o anachronismo doentio.

Perante a ara da Liberdade de que está sedento o povo portuguez, a musica a , cultivar é muito outra. Nada tem que ver com a felonia anti-liberal da actualidade.

Como attenuante, em questão de circulares, o Sr. Ministro da Guerra só tem a marcar no seu activo a de 30 de julho derradeiro, que derogou a de 14 de julho de 1903, que não permittia que, sobre qualquer assumpto, os officiaes fizessem conferencias publicas, fora dos quarteis e estabelecimentos militares, sem auctorização do Ministerio da Guerra.

Combati insistentemente essa prohibição. Folgo, portanto, com que os officiaes fossem reintegrados no direito de communicar com o publico, emittindo as suas ideias e a sua critica, em narrativas apropriadas.

Tambem é de justiça registar favoravelmente a forma economica e util como se tem ministrado a instrucção, recorrendo-se abundantemente aos exercicios de quadros, por mim preconizados ha muito tempo. N'elles apenas tenho a estranhar, nos destinados especialmente ao estado maior general, que os themas, á semelhança do que succede no estrangeiro, não tivessem sido distribuidos com maior antecedencia, e as dissertações de apuro final não fossem vocaes. Das conferencias, em que a leitura substitue a oratoria, pode ficar a impressão de que o conferente não é o auctor do trabalho que vulgariza.

N'um paiz com o erario pobre, como o nosso, e cujo orçamento da guerra se encontra assaz onerado, a instrucção ministrada em exercicios de quadros está indicada naturalmente.

Por essa maneira, poder-se-hão realizar economias, que teriam util emprego na acquisição de material de guerra, a começar pelo municiamento que tanto nos escasseia, fabricado sem dependencias de especie alguma do estrangeiro, de quem devemos deixar de ser tributarios, custe o que custar.

Fugindo a tradições artificiosas e caras, que não occultavam a miseria predominante, em todos os seus ramos e minucias, e que frequentemente descrevo, foi modestamente patenteado ao Imperador da Allemanha, quando esteve entre nós, um especimen do nosso exercito, representado por pequenas fracções das differentes armas, cujo trabalho a todos, sem excepção, deixou satisfeitos.

Convem ter presentes estes factos, a fim de que se preparem identicas exibições, em circunstancias similares, podendo orgulhar-nos de que em materia prima militar, em soldados, não receamos confrontos. Pena é que o Sr. Ministro os sujeitasse, pelo que respeita a instrucção primaria regimental, a um systema que não se coaduna com os bons principios, alheando os capitães de tão importante serviço. Ninguem melhor do que os commandantes de baterias, esquadrões e companhias poderiam superintender n'esse ensino, que muito util seria que fosse acompanhado de incitamentos viris, que fortificassem no espirito dos preleccionados o valor, a abnegação e a disciplina.

N'este genero, pode ser citado como modelo o Japão, cujos progressos, diga-se de passagem, na campanha com a Russia, foram aproveitados na reforma da tactica da infantaria allemã, datada de maio do corrente anno.

Possue elle, o Japão, um Manual de Instrucção dos Recrutas, que muito se recommenda, e de que vou ler alguns proverbios e sentenças. Eil-os:

- O que é o espirito militar?

- A obediencia e o sacrificio.

- O que entendes por valor e coragem?

- Marchar para a frente sem olhar ao numero.

- De onde provem esta nódoa de sangue na nossa bandeira?

- Do que a empunhava durante a batalha.

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- E em que faz tal acção pensar?

- Na felicidade d'elle.

- Que resta do tomem morto em combate?

A gloria.

Com este catecismo marcial, preparam-se servidores da Patria, que constituem a antithese do conceito expressado por um sceptico Rei de Nápoles, acêrca dos seus soldados, cuja mudança de fardamento lhe era proposta:

Podem fardá-los de encarnado, de azul, de amarello, da cor que quizerem. Nunca deixárão de fugir.

Relativamente á instrucção, ainda citarei com agrado os exercicios de fogo, pela artilharia do campo entrincheirado de Lisboa. Persistentemente indiquei a necessidade de entrar n'esse caminho, que o Sr. Ministro acaba de franquear, com experiencias que é de crer que tenham seguimento, em repetições annuaes.

Para outro ponto chamo a attenção da Camara: para a urgencia inilludivel de adquirir potentes canhões de penetração, de 34 centimetros, cuja falta muito se sente n'aquelle campo. As bocas de fogo que actualmente o guarnecem são de insufficiente calibre, e em não menos insufficiente numero, para as necessidades da defesa terrestre e maritima.

Tanto a defesa fixa, como a defesa movei da capital do reino, deixam ainda muito a desejar.

Quando me occupar do Ministerio da Marinha, voltarei ao assumpto que, por todos os motivos, é de molde a merecer a attenção do paiz, e dos seus mandatarios no Parlamento.

O campo entrincheirado vae ser modificado na sua lei organica. Era verdadeiramente do que menos carecia. A proposta correspondente, apresentada á Camara Electiva, tem a data de 26 de outubro, e nem menos de 26 bases, de que a segunda preceitua que o commandante da defesa fixa maritima de Lisboa será um official general do quadro activo, que tenha feito carreira na arma de artilharia.

Sem entrar na analyse do projecto, que seria extemporanea, protesto desde já contra o exclusivismo estabelecido no cominando.

Mal norteado, muito mal, vae o Sr. Ministro, resuscitando os antagonismos, que outrora tão nocivos foram entre as armas geraes e especiaes. O projecto a que venho alludindo, e bem assim o do Supremo Conselho de Defesa Nacional e o dos segundos capitães, patenteiam que a cavallaria e a infantaria são constituidas por parias. A casta privilegiada é composta pelo serviço do estado maior, e pela engenharia e artilharia.

Sempre me pronunciei contra o brhamanismo odiosamente differencial, applicado ao exercito, como instrumento de sisania e de desconfiança lançadas n'uma familia, que mais do que outra qualquer necessita de ser unida e nivelada por iguaes aspirações e regalias.

E, no caso sujeito, o que quer dizer general de brigada d'esta ou d'aquella procedencia?

Porventura exigem-se provas differentes, conforme a origem dos candidatos a(c) generalato?

Se a distincção é indispensavel para os generaes de brigada, por que não se mantem igualmente para os generaes de divisão?

O estrangeirismo, tão querido do Sr. Ministro, reconhece apenas as armas tácticas e os serviços auxiliares, sendo aquellas constituidas pela artilharia, cavallaria e a infantaria, d'onde exclusivamente saem os officiaes para o serviço do estado maior.

Esta classificação, porem, autorizada universalmente pelos mais abalisados profissionaes, não convem ao Sr. Ministro, como engenheiro que é, e, peor ainda, que mostra ser, no seu estreito sectarismo. Não a adoptará por certo.

Pois deveria esquecer a sua qualidade originaria, para se lembrar apenas que mal vae a quem usa do poder para reavivar rivalidades, que dividem e enfraquecem o que devia ser fundamentalmente homogeneo, solido e possante.

Mas deseja S. Exa. cultivar a differenciação? Use d'ella dentro da propria artilharia. Agrupe os officiaes em tacticos e em technicos.

A utilidade d'esta reforma é patente. Frequentemente a tenho demonstrado. Por isso mesmo não constituirá, em breve, realidade.

O que é indispensavel, para o Sr. Ministro, é que a remodelação do organismo do campo entrincheirado de Lisboa, represente um suculento bodo para a arma de artilharia especialmente, com prejuizo e damno incontroverso de terceiros.

Bayaid, o cavalleiro sem medo e sem macula, affirmava:

Não ha praça de guerra fraca, com defensores fortes.

Alimentará o Sr. Ministro a veleidade de que só os artilheiros são valentes?

Não. é crivel.

O aphorismo de Bayard é de todas as epocas. Ha de sempre prevalecer.

Faça-se a selecção, mas extremando-se simplesmente os valentes dos outros, sem preoccupações da sua procedencia.

Nada de castas Indianas, nada de privilegiados, nada de exclusivismos mesquinhos, odiosos e odientos.

Por obedecer, por sempre ter obedecido a esta orientação, é que eu lamento que a proposta de lei de 10 de outubro, criando, com caracter provisorio, o posto de segundo capitão, comprehenda apenas a artilharia.

A providencia projectada é-me essencialmente sympatica. A sua applicação, no sentido restrictamente artilheiro, é, pelo menos, para sentir e estranhar.

Igualmente merece a minha adhesão a proposta apresentada na outra casa do Parlamento em 9 de outubro, e referente ao augmento de soldo aos officiaes do exercito. Afigura-se-me, por todos os motivos, licita esta minha expansão, tanto mais que cousa alguma lucro com ella. Os generaes em effectivo serviço, a cujo numero tenho a honra de pertencer, não experimentam augmento algum nos seus vencimentos; e, sem que elles melhorem pecuniariamente, muito conviria que outras classes, esquecidas na proposta, fossem contempladas, como é de justiça.

Para occorrer á despesa resultante da modificação nas tarifas de soldos, basta realizar parte, e minima, das economias que eu tenho indicado ha annos, combatendo o perdularismo e os esbanjamentos caracteristicos do predominante absolutismo bastardo, com os seus apaniguados e orçamentivoros, a começar do mais alto, inherentes a todas as situações degeneradas e putridas.

Não me preoccupo, portanto, com a fonte d'onde deve sair a receita, para "ocorrer aos encargos derivantes do projecto a que me reporto.

Mais me impressiona, n'este momento, a ausencia do Sr. Ministro da Guerra, que tão afastado anda d'esta Casa, e a quem me proponho pedir explicações acêrca de ainda não ter satisfeito os meus pedidos de informação, constantes dos meus requerimentos de 2 de junho e de 1 de outubro preteritos.

Entre os documentos que solicitei em junho, figura o seguinte:

1.° Indicação das providencias adoptadas em presença do manifesto firmado por um grupo de sargentos do exercito, e distribuido por occasião dos actos de indisciplina succedidos no couraçado Vasco da Gama. A tal respeito pergunto:

a) Procedeu-se a syndicancia militar com o fim de descobrir os inspiradores, autores e distribuidores d'esse papel subversivo?

b) Procurou se apurar officialmente se o manifesto circulou nos quarteis?

Se, acêrca dos assumptos que constituem as perguntas formuladas, existem esclarecimentos de qualquer ordem, d'elles peço conhecimento.

Por se me afigurar muito grave este assumpto, d'elle me occupei já, quando apreciei os negocios relativos ao Ministerio do Reino. Então aventei o pare-

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cer de que a papeleta subversiva a que me refiro, tresandava a policia preventiva, em manigancias de gestação de pavorosa.

Ainda não mudei de opinião, e por isso chamarei a terreno o Sr. Ministro da Guerra, a fim de que se deixe, de usar e abusar policialmente do exercito, desacreditando-o, no intuito perverso de illudir ingeriuos e papalvos, preparando terreno para repressões, cujo fundamento falta completam ente.

Ao Sr. Ministro da Marinha, de cujo Ministerio me vou occupar, não pedirei explicações d'este estranho caso policial, não obstante elle visar tambem a armada. Alveja-a porem de reflexo, e por isso chamarei S. Exa. preferentemente a campo, pelos atropelos e abusos em que as suas responsabilidades são directas e accentuadas.

N'este proposito, notarei succintamente a má situação em que se encontra o Sr. Ministro, perfilhando as duas circulares de que me tenho occupado: - a que se refere aos recalcitrantes em materia de cortesanismo cumprimenteiro; e a que arvora inconvenientemente o hymno da Carta em hymno nacional, com as exterioridades rituaes, vazadas pelo espavento caracteristico da megalomania retumbante.

Igualmente apparece o Sr. Ministro da Marinha e Ultramar, firmando, em-parceirado com o Sr. Presidente do Conselho e com o Sr. Ministro da Guerra, a proposta acêrca do Conselho Superior de Defesa Nacional. Quem tal nos havia de dizer! - o Sr. Conselheiro Ornellas, com 03 seus conhecidos antecedentes anglophilos!...

Por este modo, mais se identifica S. Exa. com o Sr. Presidente do Conselho, que é impenitente em fazer propaganda do contrario do que pratica. Na questão sujeita, conforme registei já, exaltou a culinaria allemã em 1901, para em 1906 affirmar a sua predilecção pela cozinha francesa, que, de resto, é a preferida, morbida e tradicionalmente.

Exalta os molhos francezes
Dos banquetes que lhe deram;
E balbuciará ás vezes, Fingindo que lhe esqueceram
Muitos termos portuguezes.

Pelo que se observa, ainda tem admiradores o vão peralta descripto por Nicolau Tolentino; e o peor é que os casquilhos politicos da actualidade são muito mais nocivos do que o antepassado alludido, que não ia alem do jocoso, sem ,maior damno.

Para não tomar tempo á Camara, não farei nova edição dos argumentos que adduzi quando versei os assumptos em que o Sr. Ministro da Marinha compartilhou de responsabilidades com outros seus collegas. Limito, pois, ao que deixo exposto, as minhas reflexões a tal respeito, e passo adeante, registando com magua que perante os graves e ultimos actos de insubordinação dados a bordo de alguns navios de guerra não se teve presente que, em questões de disciplina, as responsabilidades apuram-se de cima para baixo.

Fazer o contrario, pode harmonizar-se com a anarchia tão querida dos altos poderes do Estado - dos satrapas de todas as epocas. Mas com taes desmandos padecem indubitavelmente a rectidão e a justiça, cujo cultivo constitue requisito imprescindivel para quem governa e para quem commanda.

Na armada, como em todas as sociedades ou corporações solidamente estabelecidas, não se podem separar os elos da cadeia que a compõe. E indispensavel haver absoluta concordancia entre todos - entre superiores e subordinados. Dos primeiros teem que partir os bons exemplos, que fructificam a estima reciproca, inherente ao viver pautado e correcto. Os rigores excessivos são contraproducentes, nomeadamente quando na sua incidencia os grandes são poupados, para só os pequenos serem punidos.

Attentas as circumstancias occorrentes e o caracter melindroso da questão, não serei mais explicito. Creio, porem, ter dito o sufficiente para ser compre-hendido; e oxalá de futuro mais respeitada seja a sã doutrina que explanei, ou antes esbocei.

Sr. Presidente: estudando as questões da defesa maritima, desde 1888 que aconselho a acquisição de torpedos e torpedeiros. Então servia-me de incentivo p procedimento do almirante Aube, que vira melhor do que os seus contemporaneos, enaltecendo aquelles engenhos de guerra, e adquirindo-os em grande quantidade, como Ministro da Marinha em França. Agora impul sionam-me para proseguir em identica propaganda:

A declaração do Ministro Britannico Goschen, em 1899, na Camara dos Communs, de que o submarino é sobretudo a arma do fraco - a arma do pobre;

A lição colhida com a guerra russo-japoneza;

A affirmativa attribuida, sem contestação, ao almirante Fournier, de que uma numerosa esquadrilha de torpedeiros e de submergiveis basta para defender as extensas costas maritimas francezas;

O ensino resultante de experiencias varias de recente data;

Os meios escassos do nosso erario.

Os tres ou quatro torpedeiros de que dispomos notabilizam-se pela sua idade. São, por assim dizer, pre-historicos.

Foi Fontes que os adquiriu, ha trinta annos contados.

Como durante a vida d'aquelle estadista, não se conheciam praticamente o submarino e o submergivel, ainda nenhum possuimos.

Nem a acção efficaz que, por muito conhecida, ocioso é pormenorizar, dos torpedeiros e torpedos, na guerra entre a Russia e o Japão, arrancou os nossos dirigentes á inercia com que compromettem indiscutivelmente a defesa nacional.

Reforçando a lição russo-japoneza, apparecem as manobras navaes francezas no Atlantico e no Mediteraneo; e as manobras italianas no Adriático. Todas são de recente data: são d'este anno.

Todas aconselham o emprego, frequentemente preponderante sobre outros instrumentos de guerra, do modesto torpedo, servido por não menos modestos submarinos, submergiveis e torpedeiros de varias lotações.

Concernentemente á Italia, em seguida ás ultimas grandes evoluções navaes no mar Adriatico, mandou ella construir vinte e* quatro submergiveis.

Aprendam n'estes exemplos os nossos dirigentes, e convençam-se de que não dispomos de meios para adquirir uma esquadra de combate de alto mar.

Temos, com as nossas fortalezas costeiras, de substituir, na defesa maritima, os couraçados, cujo fabuloso custo nos não permitte alimentar veleidades acêrca da sua acquisição.

Serão os seus canhões, d'ellas, que darão apoio, nas suas investidas, aos torpedeiros e submergiveis, a quem cumpre a audaciosa offensiva contra os poderosos navios inimigos, que procurem bloquear e atacar o porto da capital, ou outro qualquer ponto da costa.

Dotados com a materia prima naval, para o desempenho d'esta ardua e arrojada missão, resta-nos preparar dois ou tres navios de parada e cumprimentos, dois navios escolas e outros tantos transportes, e remodelar parcimoniosamente a marinha colonial.

A magreza do erario não nos consente mais: - a magreza e o desleixo administrativo.

Acerca d'este assumpto recebi, gerindo a pasta da Marinha o Sr. Conselheiro Moreira Junior, um interessante trabalho, elaborado por um funccionario idóneo, e que não leio agora para não tomar tempo á Camara. Publica-lo-hei, porem, nos Annaes 1, e desde já chamo para elle a attenção dos poderes publicos, porque merece ser consi-

1 Veja-se adeante o documento n.º 1.

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derado em muitas das observaç5es n'elle explanadas.

Os desperdicios, a inercia e a negligencia n'elle evidenciados, não são exclusivo apanagio da metropole. No ultramar succede o mesmo.

Tenha-se presente o recente alcance alfandegario na Praia, Cabo Verde, sequencia de outros de identica origem em Lourenço Marques, onde, demais, excede propriamente a folgada bitola exotica, a rapinagem exercida, por largo periodo, no respectivo caminho de ferro.

Referentemente ao desvio aduaneiro da Praia, foram-me prontamente fornecidos os esclarecimentos 1 que requeri, pelos quaes se reconhece que a prevaricação incidiu sobre 216 despachos de mercadorias contados e não pagos, na importancia de 15:418$344 réis, e tendo ellas saido da alfandega e sido entregues aos importadores.

O crime só foi descoberto pela morte do prevaricador, que era o administrador do circulo alfandegario.

Com os anteriores alcances do mesmo genero, em Lourenço Marques, nunca obtive dos Ministerios transactos, a quem interpellei, informações concretas, nem concomittante apuramento de responsabilidades.

É certo que os indigitados concussionarios não tinham morrido; e outrotanto succede com os que, por avultada de fraudação do Estado, exploraram por bastantes annos a linha ferroviaria naquelle districto.

Debalde tenho procurado documentar-me a tal respeito, para tratar a fundo de tão escandaloso assumpto.

Aproveito a presença do Sr. Ministro da Marinha para instar pela remessa dos documentos que requeri mais de uma vez, sendo a ultima em 2 de junho, e nos precisos termos:

Copia da syndicancia ao caminho de ferro de Lourenço Marques, determinada pelos alcances que ali se deram, e dos quaes peço desde já separadamente a importancia e os nomes dos seus responsaveis; e bem assim que me sejam indicadas as providencias administrativas e judiciarias havidas para com elles.

Por essa occasião, e relativamente a outra fraude famosa, requeri tambem:

Nota acêrca da apprehensão feita, no fim do anno preterito, na alfandega de Mossamedes, de cartuchos que se pretendia esquivar á fiscalização, misturando-os com figos e nozes, e que em caixa devidamente acondicionada, eram destinados ás missões dos frades do Espirito Santo, na Huilla.

Esta nota ou informação deve obedecer aos seguintes preceitos:

a) O numero de cartuchos apprehendidos, e se eram embalados:

b) Qual o systema de espingardas ou carabinas e a que se destinavam:

1 Veja-se adeante o documento n.º 8.

c) A importancia, em dinheiro, da fraude commettida;

d) As providencias de ordem administrativa, judiciaria e aduaneira, adoptadas contra os infractores.

Fui mais promptamente attendido neste meu pedido.

Infelizmente, porem, as informações officiaes, constantes de um officio do procurador geral das missões do Espirito Santo, destoam dos esclarecimentos que alcancei de outra procedencia.

Com effeito, em 23 de julho preterito communicava-me de Mossamedes pessoa de todo o credito, contrariando o optimismo do padre José Maria Antunes:

Eu supponho que V. nada apurará acêrca do contrabando para as missões, porque tudo isso se concertou na alfandega de Mossamedes.

Eis o caso: o despachante official é um antigo colono madeirense, com numerosissima familia e estimado pelos funccionarios aduaneiros, principalmente pelo director, Conselheiro Pereira Rodrigues.

Ora foi esse pobre homem que metteu a despacho o caixote destinado ás missões, e de que o conhecimento dizia conter ameixas. Aberto, viu-se que tinha cartuchame.

Diz a lei que o despachante que fizer falsas declarações paga dez vezes a importancia da multa, e não pode continuar a despachar.

Afflictissimo, o despachante foi dar parte ao director da alfandega do que succedia, e este para o livrar da entalação, mandou de novo pregar o caixote, inutilizar o despacho e fazer outro, em que o despachante declarava submetter a despacho a caixa com a marca tal, não sabendo, porem, o que ella continha.

E assim se fez.

Veio mais tarde o irmão do Padre Antunes, da Huilla, e pagou a multa, declarando porem que aguillo era para um irmão que já não estava nas missões, e que ignorava que destino tomara.

O Padre Antunes confessa a apprehensão dos cartuchos e a imposição da multa no valor de 100$000 réis, procurando diminuir a importancia d'estes factos, em todo o ponto symptomaticos.

Por seu turno, o meu correspondente de novo me certifica que, pelas alfandegas, cousa alguma se apurará acêrca do contrabando de guerra, que largamente se faz, a avaliar pelo remate das suas informações a tal respeito.

Expressa-se assim:

Imagine v. que em Mossamedes ha apenas um guarda fiscal, quando a bahia é enor-missima e frequentada por muitos navios de vela, que vêem ameudadamente do Zaire, para onde levam peixe seco.

Entram, ou podem entrar de noite.

E até de manha não teem tempo de descarregar o que quizerem?

Lá em cima, no planalto, não faltam armas, muitas d'ellas vindas da colonia allemã, e até outras do Cabo.

Os boers sabem como isso se faz...

Não é tudo isto edificante?

Narrando os factos que deixo expostos, não pretendo que o Sr. Ministro da Marinha e Ultramar proceda rigorosamente contra os funccionarios n'elles visados.

Dadas as normas relaxistas coloniaes, pode haver para com elles uma certa benevolencia.

O que é indispensavel, e n'esse intuito trouxe a publico a questão, é que se adoptem providencias attinentes a pôr cobro ás facilidades com que, na actualidade, se contrabandeia em Angola, com prejuizo dos rendimentos da Fazenda, o que não é pouco, e, simultaneamente, com enfraquecimento da segurança publica, o que é mais.

Quanto aos frades do Espirito Santo, é certo que teem abusado da protecção que indevida e officialmente lhes é dispensada, e bem assim das facilidades de toda a ordem que lhes são proporcionadas, a despeito do seu irregular, senão hostil procedimento, a começar por prestarem homenagem ás disposições emanadas da cosmopolita Propaganda Fidei, eximindo-se á jurisdicção espiritual do Bispo de Angola.

O Sr. Ministro da Marinha (Ayres de Ornellas) (interrompendo): - Já estão todos sujeitos á jurisdicção do prelado de Angola.

O Orador: - Muito folgo com a noticia que o Sr. Ministro da Marinha me dá, e desejaria saber desde quando existe essa sujeição.

O Sr. Ministro da Marinha (Ayres de Ornellas): - Foi um dos assumptos de que me occupei ao tomar conta da pasta que me foi confiada.

O Orador: - Do mal-o menos. Folgo, repito, com a noticia que o Sr. Ministro deu á Camara, sem que o facto attenue as razoes de queixa contra aquella congregação, que, como disse, tanto tem abusado dos beneficios com gue é contemplada na mais larga escala.

Os frades do Espirito Santo disfructam situação especial, privilegiada, no ultramar e na metropole. Ali teem recebido, alem de outras prebendas, o subsidio monetario, desde 1887-1888 a 1901-1902, de 540:880$000 réis, dos quaes 65:000$000 réis n'aquelle ultimo exercicio. A contar de então, mais se teem avolumado, sob pretextos varios, os subsidios, e parallelamente as immunidades e concessões de differentes generos.

Cá, no continente, não são menos protegidos pelo ultramontanismo official, a cuja sombra vão impunemente captando heranças, que representam revoltantes expoliações de herdeiros legitmos e pobres, consoante p que succe-

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de com a successão da Condessa de Camarido.

Alardearam elles que iam desistir da parte que tinham d'essa herança. Até hoje, porem, ainda não tive confirmação da noticia, apesar de ter requerido, pelo Ministerio da Justiça, informação urgente a tal respeito.

O silencio burocratico não me deixa duvidas acêrca do desinteresse d'aquelles santos varões, o que não me impede de instar pelos esclarecimentos solicitados, quando o julgue conveniente, e esteja presente o titular da pasta da Justiça.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Tem estado presente. Saiu agora.

O Orador: - Esteve, mas já não está. Dir-se-hia ter advinhado que lhe ia cair qualquer cousa em cima, e pesada. E certo que S. Exa. tambem não pode contar com a perpetua resistencia da fallivel cadeira dos Srs. Ministros...

O Sr. Ministro da Marinha o que sabe com relação ao curioso caso?

(Signal negativo do Sr. Ministro).

Muito sinto que S. Exa. me não possa esclarecer.

Serei n'outros pontos mais feliz ? Vou tentá-lo, insistindo por que o Sr. Ministro se digne corresponder aos meus requerimentos com as competentes informações. Só depois poderei, por exemplo, saber a quanto ascende a despesa com a mallograda expedição ao sul da Africa Occidental. N'ella se gastaram inutilmente, se desbarataram muitas centenas de contos de réis, entre os quaes, segundo a imprensa noticiosa, cerca de 24 contos para indemnizar a Empresa Nacional de Navegação!

E emquanto por esta fórma são esbanjados os reditos do Thesouro, em bellicas aventuras africanas, que não passam de projecto, e projecto inglorio, em Macau especula-se usurariamente com o pagamento dos soldos e ordenados aos funccionarios do Estado. Em logar de lhes pagarem em réis, conforme dispõe o orçamento respectivo, pagam-lhes em patacas, cujo valor real de 450 a 460 réis, é officialmente computado em 540 réis! E este esbulho odioso pratica-se numa possessão, em que o saldo positivo orçamental sobe a centenares de contos de réis, contra o qual o Ministerio da Marinha faz frequentes saques, com prejuizo do desenvolvimento da colonia, e elevando-se alguns d'elles a 10:000 e a 12:000 libras.

Eu peço ao Sr. Ministro que se digne adoptar as necessarias medidas, a fim de que tenha breve termo esta situação anomala, injusta e intoleravel.

Sem a menor duvida, o filão ultramarino seria inesgotavel para a critica acerada e recta. Mas como não quero ainda hoje ficar com a palavra reservada, vou referir-me apenas, para concluir a analyse aos negocios d'este Ministerio, ao abuso com que ameudadamente se invoca d § 1.° do artigo 15.° do Acto Adicional de 5 de julho de 1852, o qual estabelece:

Não estando reunidas as Côrtes, o Governo, ouvidas e consultadas as estações competentes, poderá decretar em conselho as providencias legislativas que forem julgadas urgentes.

É claro e explicito. Mas não menos claro, e não menos explicito, é o § 3.° do mesmo artigo, que expressa e nitidamente estatue:

... o Governo submetterá ás Côrtes, logo que se reunirem, as providencias tomadas.

E como os Governos nada submettem, de longa data, á apreciação das Côrtes, não obstante as tradições de bom quilate os impulsionarem para diverso caminho do que trilham, recorre-se capciosamente, sem peso, conta, nem medida, ao § 1.° do artigo 15.° para evitar a discussão parlamentar. Apella-se para um transparente sofisma, com o proposito de se cultivar grosseiramente o absolutismo bastardo.

E, todavia, os debates no Parlamento estão por tal modo viciados, que a ninguem deviam .causar receios. Para isso concorrem os processos degenerados, vigentes, que se podem assim concatenar :

Impossibilidade de se exercer razoavel fiscalização, perante a difficuldade, por vezes insuperavel, de obter das estações officiaes, imprescindiveis documentos instructivos da discussão;

Uso ininterrupto e astucioso de auctorizações, com as quaes se restringem e adulteram os debates;

Substituição dos artigos, integros, das antigas propostas de lei, por numerosas e modernas bases incompletas, condensadas num unico artigo, a fim de haver uma unica discussão, em que, demais, muito poucas ou nenhumas emendas se admittem, mormente de origem opposicionista;

Repetido e excessivo. soccorro á prorogação das sessões, no proposito fraudulento de tornar mais restricta a apreciação;

É, com identicos intuitos, julga-se abusiva e frequentemente a inateria discutida na Camara electiva, cujo draconiano regimento, restrictivo, sob todos os aspectos, da emissão do pensamento, colloca os Deputados portuguezes em condições de inferioridade, que não admittem confronto com os de outro qualquer paiz, por menos culto que seja.

N'estas condições, tanto a metropole como o ultramar estão sob o signo do mais exauctorante e retinto despotismo. Para legislar para a metropole, ainda não se dispensou completamente o Parlamento, cujo sectarismo de procedencia lhe attesta a parcialidade damnosa, com a absorpção associada da auctoridade, que é inherente aos genuinos representantes da Nação, por delegação d'ella.

Para decretar para o ultramar, nem o culto externo se respeita.

Entretanto, é preferivel o despotismo ultramarino ao metropolitano.

É mais simplista, e menos pharisaico.

Passando a occupar-me - muito perfunctoriamente, por o tempo o exigir - do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, lembrarei que, segundo Talleyrand, a diplomacia é a arte de bem saber mentir.

Assim seja, o que não obsta a que eu prosiga obstinadamente na campanha que levo seguida, para que a publicação dos Livros Brancos se faça com regularidade. E indispensavel que n'elles se dê brevemente conta ao paiz dos documentos concernentes:

Ao convenio com os credores externos;

Ao porto de Lisboa;

Aos vinhos falsificados que entraram no Brasil como portuguezes, sendo hespanhoes;

Ao contrato dos tabacos;

Á questão marroquina, e adstricta conferencia de Algeciras;

Aos varios tratados e convenções, cuja discussão parlamentar está, porventura, para breve;

A conferencia de Bruxellas;

As diversas negociações com a Inglaterra, e designadamente ás relativas á mão de obra africana, e demais, assumptos coloniaes;

Emfim, a todas as questões de interesse nacional, em que tenhamos litigado, ou meramente tratado, com o estrangeiro.

Mal se comprehende, por exemplo, que, pelo que respeita aos desastrado convenio com os credores externos, apenas fossem trazidas por instancias minhas, a esta Camara, em 10 de janeiro de 1903, as duas notas diplomaticas, allemã e franceza, pelas quaes a fiscalização estrangeira, com os seus deprimentes attributos, ficou sendo uma triste realidade.

Pois é crivei que acêrca do assumpto de tanta magnitude, e dada a orientação da diplomacia moderna ser

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mais de negocios do que politica, é crivei, repito, que só existam as duas notas conhecidas, que tão desamoravelmente nos trataram?

Relativamente ao porto de Lisboa, á sua construcção e exploração, 6 notorio que pejam a chancellaria portugueza numerosissimos documentos. E podem elles licitamente continuar sequestrados á apreciação do paiz?

Outro tanto direi acêrca do contrato dos tabacos, cujos tramites diplomaticos convem conhecer circumstanciadamente. A avaliar pelos telegrammas e notas, cuja leitura fiz d'este mesmo logar, em sessão de 30 de agosto de 1905, muito util seria a publicação das restantes peças, referentes a esta materia.

O sigilo mantido principalmente depois de ultimadas as negociações diplomaticas pode concorrer para justificar a definição, que recordei, da diplomacia, da inventiva do ardiloso, arguto e subtil Ministro francez das relações externas, que foi, por assim dizer, de irradiação, servindo com o Directorio, com o Consulado, com o Imperio e com a Restauração; e pode bem assim contribuir para evidenciar o absolutismo bastardo hodierno. O que não pode, porem, é ser proveitoso aos legitimos interesses nacionaes.

N'esta crença, convido o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros a renegar a nociva tradição, que lhe foi legada pelos seus antecessores, e a cultivar a publicidade fortificante, leal e instructiva. A discreção, devidamente doseada, entende-se, e tem o seu tempo marcado.

O silencio extemporaneo, e teimoso não pode colher proselytos sinceros. E, em regra, o refugio dos incompetentes, se não dos criminosos.

Posto isto, seja-me licito versar dois assumptos, em que o Brasil é compar-tilhante. Refiro-me á falta de reprentação, por um vaso de guerra portuguez, na cerimonia da posse do novo Presidente, o Sr. Dr. Affonso Pena; e á repatriação, ou antes, canalização para as nossas provincia,s ultramarinas, do compatriotas nossos, cujas circumstancias a recommendam instantemente.

Quanto ao primeiro ponto, pode ser mais protocolar a elevação provisoria de categoria do nosso representante n'aquella Republica, com o motivo expresso da ascensão á Presidencia do Sr. Dr. Affonso Pena. Eu prefiriria, porem, que se conjugassem os dois projecto?. Não era excessiva a sua accu-mulação, perante o conceito e a estima que nos merece a nação irmã; e, por certo, produziria enthusiastico regozijo, entre os nossos nacionaes, que o pavilhão portuguez tremulasse por alguns dias na formosa bahia do Rio de Janeiro.

Quanto ao repatriamento alludido, está a pretensão affecta á commissão dos negocios externos d'esta casa, e consta de uma representação, com numerosas assignaturas, e que eu mandei para a mesa em sessão de 29 de outubro de 1904, e foi publicada no Diario do Governo. Acompanha-a um artigo inserto no periodico fluminense, o Portugal Moderno e cuja transcripção apparece nos Annaes correspondentes a essa mesma sessão.

Com estes esclarecimentos fica o Sr. Ministro habilitado a estudar a questão, e a interessar-se pelos impetrantes, dignos, no meu conceito, de serem attendidos.

Sr. Presidente: iniciando a analyse dos assumptos referentes ao Ministerio das Obras Publicas, vou occupar-me dos dois emprestimos para os caminhos de ferro do Estado, o primeiro contratado em 12 de outubro de 1903, e o segundo em 19 de dezembro de 1904; cada um d'elles na importancia de 1:500 contos de réis; e para cuja negociação o Governo usou das autorizações que lhe confere a base 3.ª anne-xa á carta de lei de 14 de julho de 1899, e o artigo 63.° do respectivo regulamento, approvado por decreto de 2 de novembro do mesmo anno.

Ambos os contratos foram celebrados com a privilegiada Companhia dos Tabacos, que não os podendo emittir no paiz, a despeito de se ter a isso obrigado, appellou para o Governo que, por decreto de 2 de setembro de 1905, permittiu a reunião das duas series em uma só emissão, onde e pela forma julgada mais conveniente, sem augmento de encargos para o Thesouro.

Com tão perigosa concessão, e conforme o euphemismo consagrado, foram internacionalizadas, com sede em Francfort, as duas operações, que deviam ser internas; e satisfeitas, por tão estranho expediente, as aspirações do polvo financeiro que tudo pode, entre nós, com prejuizo dos mais respeitaveis interesses da nação.

Se alguma duvida houvesse a tal respeito, bastaria lançar a vista pelos documentos que me foram fornecidos, e que, por falta de tempo, não posso ler á Camara, e muito menos, por consequencia, apreciar.

Em taes condições, limito-me a chamar a attenção publica para mais este acto de favoritismo, em proveito do banqueiro, cujas garras aduncas sangram inexoravelmente o erario, ha longos annos; e passo a referir-me tambem muito ligeiramente á viação ordinaria.

Este importante ramo de serviço, que deveria estar a cargo dos districtos e municipios, conserva-se sob a viciosa administração do despotico e absorvente poder central, o qual, em gerencias transactas, mandou proceder, para servir apaniguados, á construcção de novas estradas, com patente infracção do artigo 3.° da lei de 3 de abril de 1896, e do decreto de 24 de setembro de 1898.

Segundo um mappa que elaborei, concernente ao anno civil de 1905, foram decretadas, contra o parecer do Conselho Superior de Obras Publicas e Minas, trinta e oito estradas, das quaes dezasete, durante o mandarinato do Sr. Eduardo José Coelho, e vinte e uma, durante o consulado do Sr. D. João de Alarcão.

Com o carimbo da legalidade, não excedeu meia duzia as que foram decretadas no mesmo periodo.

Para combater efficazmente este estado anarchico, não são suficientes os anodynos calmantes, como o do decreto de 16 de julho ultimo, e o do projecto de lei de 8 de outubro, da iniciativa do actual titular da pasta das Obras Publicas. É indispensavel fazer a regressão ao regimen liberal descentraliza-dor, consignado no Codigo Administrativo de 1878, de Antonio Rodrigues Sampaio.

Com a sua inconcebivel revogação, a viação ordinaria caiu na miseria em que se encontra, essencialmente nociva, qualquer que seja o aspecto por que este importante serviço seja considerado. E uma vergonha.

E identica impressão causa a circunstancia de a exploração do porto de Lisboa estar ha annos confiada á empresa Hersent, que usou e abusou da acção diplomatica franceza para fazer valer os seus interesses, com menoscabo do decoro e brio nacionaes.

Depois de formulada a minha moção de ordem, recebi novos dados, acêrca de quanto teem custado á Fazenda as obras e a exploração do porto da capital. A nota que tenho á vista é eloquente pelos algarismos que menciona. Não carece de commentarios. Ei-la:

Pagamentos ao empreiteiro, de 1887-1888 até 30 de junho de 1905 6.383:462$214

Desde 1 de julho de 1905 até 30 de junho de 1906 420:601$505

Somma 6.804:063$719

Exploração do porto

Receita bruta, desde junho de 1894 a 30 de junho de 1905 2.652:096$526

Desde 1 de julho a 31 de dezembro de 1905 204:085$710

Somma 2.856:182$236

Resumo

Obras 6.804:063$719

Exploração 2.856:182$236

Total 9.660:245$955

1 Veja-se adeante o doc. n.° 3.

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308 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Nove mil seiscentos e sessenta contos, numeros redondos, vão consumidos, e o porto encontra-se no mau estado de todos conhecido, demandando completa transformação, para que possa constituir, consoante é mister, o grande emporio commercial e maritimo da Europa Occidental.

E havia ainda paladinos da construcção e exploração por particulares, por companhia portuguesa, muito portuguesa; mas em que o actual empresario teria logar marcado, senão preponderante.

A empresa Hersent tambem está, por todos os effeitos, sujeita ás leis portuguesas: e, nem por isso, deixámos de ser açoitados pela vexatoria acção diplomatica estrangeira.

A dura lição que experimentámos não foi sufficiente para convencer os recalcitrantes, que ainda os ha.

Desde 1902, em que assumi a autonomia politica, para mim tão agradavel, levo campanha seguida, para que o Estado revindique a administração e a exploração do porto da capital do reino.

N'esse norteamento, apresentou o Sr. Conselheiro Malheiro Reymão, em 8 de outubro ultimo, á Camara Electiva, uma proposta, com cujo espirito estou naturalmente de accordo, mas com cuja letra não me posso conformar. Basta para isso recordar que n'ella se encontra inoculado o virus de diversas auc-torizações e de um emprestimo, com a aggravante de os tradicionaes artigos correntios de leis em preparo serem substituidos por bases menos explicitas, tanto da predilecção dos cultores do absolutismo bastardo, triumphante na actualidade.

Pelo que respeita á questão vinicola, entendo que ella tem de ser resolvida por maneira, não a attender uma ou outra região, mas no sentido geral, em que caibam todos os interesses legitimos.

Para se conseguir esse desideratum. é imprescindivel que na lei, que se temem mim, se preceitue:

A repressão da fraude, sem contemplações de especie alguma, quer no paiz quer no estrangeiro;

A adopção da marca official da região productora, gratuita e obrigatoria;

E a prohibição absoluta do alcool industrial, na lotação dos vinhos.

Mais uma vez insisto pela promulgação das providencias que deixo indicadas, e cuja justificação tenho explanado por differentes occasiões n'esta Casa.

Só leis honestas produzem resultados honestos. E,, obtidos estes, poderá ser efficazmente combatida a contrafacção estrangeira. Agora, não.

Não tem auctoridade para reclamar

contra as mixordias externas quem consente que ellas sejam praticadas, sem rebuço, pelos nacionaes.

D'essas condemnaveis complacencias deriva o descredito do producto, de que dá ideia o jornal dinamarquez Dannebrog de 16 de outubro derradeiro, num artigo concernente ás condições de fabrico e exportação do vinho da Madeira, e cujo auctor é o Sr. Albert Thorup, que propositadamente foi áquella região estudar o assumpto, é cujas apreciações são transcritas pelo Heralão da mesma ilha, nos seguintes termos:

De volta de uma excursão profissional de inspecção á Madeira, tive occasião dê fazer nesta ilha as seguintes observações:

Durante alguns annos os exportadores de vinho venderam genuino vinho novo por um preço que lhes dava um bello lucro.

A crescente concorrencia entre elles proprios, deu em resultado, no decorrer do tem do, que nenhum d'elles podia já d'ahi tirar qualquer proveito.

A questão apresentava-se, pois, sob este aspecto: como poderemos produzir ou obter um substituto que nos dê os mesmos lucros do producto antigo?

A solução foi esta: começaram a preparar, então, artificialmente, uma composição feita de agua das fontes, alcool de melaço, importado na ilha livre de direitos (?) e xarope da mesma proveniencia misturado com muito poaco mosto genuino, producto exportado como vinho Madeira, dando isto margem novamente a bons proventos.

O caso é que os viticultores madeirenses teem tido cada vez mais difficuldade em obter a compra dos seus mostos por parte dos exportadores - pois os lavradores são pela sua maior parte pequenos proprietarios, inhabilitados, pela falta de capital, de armazenarem os seus vinhos até estarem claros, quando os exportadores, com excepção de duas ou tres acreditadas firmas que sempre teem vendido vinhos genuinos, se recusam abertamente a comprar lhes o producto da ultima colheita.

O Governo Portuguez é actualmente impotente para acabar com este abuso, não dis pondo de leis severas contra taes adulterações.

A unica medida radical contra este estado de cousas seria lançar um pesado imposto sobre a importação do melaço na ilha.....

Na Madeira tive conhecimento directo d'esta producção artificial, publicando os jornaes diarios da localidade artigos contra ella, em que propunham medidas para a sua cohibição mostrando a desvantagem em que ficavam os viticultores.

Não tenho duvida alguma em dar publicidade a estes factos e fazer o Governo Dinamarquez sciente d'elles, tanto mais que obtive provas convincentes da sua existencia.

Segundo a minha opinião, o unico e seguro caminho a seguir para obstar a esta fraude - pelo menos pela que respeita á Dinamarca, caso a lei de 1 de abril de 1894, relativa ás adulterações não possa ter por quaesquer rabões politicas ligadas aos nossos tratados com Portugal, alguma influencia benefica sobre o assumpto - seria que cada exportação de vinho Madeira para este paiz fosse acompanhada por uma declaração do carregador, concebida nos seguintes termos:

F. declara e certifica que o liquido contido nos cascos mareados...... remettidos por mim ao Sr. F......pelo vapor......para Copenhague segundo o meu conhecimento e factura datados de...... é puro e genuino vinho feito de uvas frescas cultivadas na Ilha da Madeira e não contem nenhuma substancia prohibida pelas leis dinamarquezas.

Quando o destinatario das remessas não possa mostrar na occasião do despacho na alfandega todas estas declarações, os productos enviados não serão admittidos em territorio dinamarquez, devendo ser inutilizados, ou remettidos á procedencia.

Aarhus, 10-10-906. = Albert Thorup, negociante de vinhos.

A que intenso grau chegou o descredito no negocio dos vinhos!

E não procurará o Governo pôr cobro, quanto antes, a tão perniciosos desmandos, adoptando providencias que, punindo rigorosamente os mixordeiros, dêem simultaneamente todas as garantias aos viticultores e commerciantes probos e honrados?

Attente em que da adopção de medidas d'essa indole está dependente, alem do bom nome nacional, a riqueza publica.

Se o dolo, a fraude e a contrafacção continuam a prevalecer, dentro em pouco desapparece completamente do mercado, ou pouco menos, o producto genuino; e, em tal caso, dar-se-ha a fallencia geral, moralmente, fraudulenta, com todos os funestos attributos de tão grande calamidade.

Por ora, infelizmente não ha, para combater o mal, mais do que promessas, em que é fertil o actual Gabinete, e não menos fertil em reservar o cumprimento d'ellas para as kalendas gregas, o que cousa alguma tem de bom; quando não as torna em realidade, fundamental e perniciosamente transformadas, o que ainda é muito peor.

Na questão operaria evidenceiam se mais uma vez esses tortuosos processos. O relatorio que acompanhou a proposta de lei, acêrca da renovação do monopolio dos tabacos, consigna estas declarações:

Alem das vantagens que, nos termos d'esta proposta, são de novo concedidas ao pessoal operario e não operario dos tabacos, entende o Governo que pelo augmento das receitas, proveniente d'este contrato, devem ser attendidas e melhoradas as condições? das classes operarias e trabalhadoras em geral, attendendo-se assim a uma das mais urgentes necessidades e a uma das mais instantes reclamações das sociedades modernas.

A criação da caixa de aposentação para as classes trabalhadoras é já hoje um facto em quasi todos os paizes cultos, e a intervenção e contribuição do Estado é não só justificada pela natureza e extensão dos interesses que esse problema envolve mas tambem justa, como contribuição patronal, visto ser o Estado o primeiro interessado no producto do trabalho nacional.

Para esse fim tenciona o Governo apresentar-vos uma proposta de lei especial, na qual será consignada a subsidiar uma caixa de aposentação para as classes operarias e trabalhadoras a quantia de 200 contos de réis, proveniente do augmento da renda dos tabacos.

É completo o panegyrico ao opera-

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riado. Da sua sinceridade, porem, é que é licito duvidar.

Com effeito, tendo o Governo apresentado já numerosas propostas ao Parlamento, em nenhuma d'ellas é cumprida a solemne promessa feita; e, todavia, a situarão da mão de obra, que me tem merecido particular interesse, nada tem de lisonjeira.

Em 8 de março de 1902, mandei para a mesa uma representação, que foi publicada, no Diario do Governo de 12 do mesmo mez, e em que as classes textis, por 78:000 dos seus aggremiados, pediam, n'um articulado de quatorze numeros, concessões essencialmente razoaveis, que tinham a recommenda-las a justiça e o humanitarismo.

A despeito da insistencia com que as advoguei n'esta tribuna, nada consegui. Os Ministerios dos ultimos annos conhecem a rectidão e o altruismo, apenas por ouvir dizer. Não tomam com elles contacto.

Ha poucos dias, em 9 do mez corrente, recebi nova representação, reavivando as aspirações operarias textis de 1902, e patenteando as dificuldades com que lucta aquella classe.

A questão é complexa, por n'ella haver a attender aos interesses do consumidor, do trabalho e do capital, os quaes, em regra, não se harmonizam.

Este, o capital, influenceia, junto dos poderes publicos, para obter nova elevação das pautas. É a panaceia do industrial indigena, a qual cousa alguma resolveria; e, pelo contrario, aggravaria, em curto periodo, a crise existente. De formar dirigentes dignos d'este nome; de aperfeiçoar a producção; de empregar machinismo de bom systema; de adoptar expedientes e methodos garantidos pela pratica no estrangeiro, ninguem cuida entre os nossos industriaes, cuja msufficiencia é attestada pelos seus actos, sem contestação.

Unicamente pensam e operam, salvas honrosas excepções, para explorar o consumidor e o trabalho, instando pelo aggravamento das tarifas, as quaes são já pouco menos do que prohibitivas. Não pode ser.

Contra tal pretensão me tenho insurgido, e continuarei a protestar, porque alem de tudo, de tão odioso privilegio, não resultaria beneficio algum palpavel, duradouro. A sciencia economica o assevera; e a propria experiencia, entre nós, o confirma.

Repito, não pode ser, o que não me impede, e antes me incita a reconhecer, pelo que respeita ao proletariado, que o socialismo official é pedra angular de todo o Governo que se preze, na actualidade.

O retrahimento em tão util e delicada materia produzirá, mais tarde ou mais cedo, perturbações, de que resultarão, sem duvida, consequencias desastrosas.

A estaduação de serviços, e o impulso ao movimento associativo, syndical e mutualista, das diversas classes sociaes, merecem a mais seria attenção aos povos previdentes.

Pode esta minha crença não ser do agrado de tibios e de retrogrados. Mas foi, em parte para poder vulgarizar, sem a menor peia, assumptos d'esta feição, e ainda mais avançados, que eu me afastei da engrenagem partidaria, adoptando a divisa, que, de quando em vez, relembro: Mais vale só, do que mal acompanhado. Para meu uso pessoal, additei ainda o sabio proloquio, por este modo: - Mais vale só do que mal ou bem acompanhado.

N'este meu programma de isolado politico, combato todos os despotismos, e encareço o culto da legalidade. Desgraçadamente, os poderes publicos enveredam, a começar da culminancia, por differente senda, multiplicando os descontentes, e affixando provocadoramente as suas preferencias pelo arbitrio e pelas leis de excepção, que nos deprimem e depreciam perante o mundo civilizado.

O Governo, em logar de ser a resultante das indicações parlamentares, é, com frequencia, o producto, contaminado do capricho, e até de impulsivo nervosismo.

As classicas linguas de Esopo nunca foram recordadas com mais propriedade do que n'esta occasião. O Parlamento, que deveria impor-se ao respeito nacional pela sua origem imaculada e pelo seu funccionamento espartano, vegeta na mais Ínfima, decadencia, derivante da sua procedencia impura, e da ruidosa e degradante tutela ministerial que o suffoca. Todas as propostas de lei merecem a sua appro-vação, comtanto que exibam o carimbo do Governo.

A sua docilidade morbida entristece e exautora.

Mas ouçamos um perito na materia, e que n'ella tem as maiores responsa-bilidades. Refiro-me ao Sr. José Luciano de Castro, que, em 21 de janeiro de 1902, discutindo-se a resposta ao Discurso da Coroa, n'esta Casa, pronunciou as seguintes palavras:

Em nenhuma das nações da Europa culta, que se regem pelo systema representativo, na Italia, na Hespanha, na França, na Inglaterra, na Hollanda, na Belgica, na Suissa, ha, como entre nós. "ma tão constante absorpcão das prerogativas parlamentares.

No Parlamento Portuguez, nunca uma medida julgada util naufragou pelos esforços das minorias.

Qual foi o Ministerio que deixou de ver approvadas pelo Parlamento as suas medidas?

Qual é o facto que demonstra ou justifica

esta aversão que os Srs. Ministros votam ao Parlamento ?

A situação parlamentar não mudou, desde 1902. A successão dos factos o attesta.

Quem experimentou radical transformismo foi o Sr. José Luciano. Passou pelo Lethes, e as aguas que n'elle bebeu, sem para isso ter de usar de afroforos, produziram-lhe o esquecimento d'aquellas e de outras affirmativas, algumas d'ellas desempoeiradas exclusivamente nas occasiões solemnes de propaganda de liberalismo theorico, opposicionista. Na pratica do poder, a lithurgia e o evangelho adoptados e seguidos foram muito outros. Todos o teem presente.

Foi n'esse incoherente estado de alma que o requestou o Sr. João Franco, cujo liberalismo á ingleza, reforçado pela hybrida concentração e pelo seu espirito revolucionario recentemente aparentado, estão julgados e liquidados, como merecem, pelo Paiz.

Faz em farrapos o falso liberalismo, em que se encadernou, a tunica de Nesso, que vestiu ?

Queixe-se da sua Dejanira.

Se tivesse escolhido o biblico Samsão para modelo, teria de lastimar-se pela sua Dalila.

Em tempos menos remotos, poderia imitar Romeu nas suas ardencias amorosas pela sua Julieta, tragicamente celebradas por Shakespeare.

Lançado n'essa aventura de trovador, o seu disfarce em alegre e seductor Almaviva, estaria naturalmente indicado, se á sua Rosina pudesse caber o desempenho de tão desenvolto papel, com os correspondentes e estimulantes meneios e requebros.

Com o pé pesado que a afflige, nem quero pensar, e muito menos descrever, a scena que teria de dar-se.

Castigai ridendo mores.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - A moção de ordem do Digno Par Sr. Baracho foi lida por S. Exa. quando a mandou para a mesa.

Creio que pode dispensar-se nova leitura. (Apoiados).

Os Dignos Pares que a admittem á discussão, juntamente com o projecto de resposta ao Discurso da Coroa, tenham a bondade de levantar-se.

Foi admittida.

O Sr. Luciano Monteiro: - Mando para a mesa dois pareceres da commissão de negocios externos; o primeiro relativo á convenção commercial com a Suissa e outro á convenção com a Suecia.

Foram a imprimir.

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310 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Sr. Conde do Cartaxo: - Mando para a mesa um parecer da commissão de agricultura relativa á convenção internacional assignada em Paris.

Foi a imprimir.

É lida na mesa uma proposta e approvada, que tende a permittir que o Digno Par Eduardo Villaça possa accumular as funcções legislativas com outras.

O Sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje e mais os pareceres n.ºs 10, 11 e 12.

Está levantada a sessão.

Eram 5 cinco e 35 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 13 de novembro de 1906

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha; Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquez-Barão de Alvito; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Pombal, de Sousa Holstein; Condes : de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Paraty, de Sabugosa, de Valenças, do Villar Secco ; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Costa e Silva, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Vellez Caldeira, Eduardo José Coelho, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, D. João de Alarcao, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, Mello e Sousa, José de Azevedo, José Dias Ferreira, Moraes Sarmento, José Luiz Freire, José de- Alpoim, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Luciano Monteiro, Campos Henriques, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Sebastião Dantas Baracho, Deslandes Correia Caldeira e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

ALBERTO RRAMÃO.

DOCUMENTO N.° 1

Administração naval

Informações e esclarecimentos succintos o positivos sobre diversos serviços que competem á classe de administração naval, dirigidos por entidades da marinha militar. Estado anterior e actual dos funccionarios e das attribuiçõe que lhes são inherentes. Varias providencias de seguro effeito e inadiaveis.

Os serviços complexos attinentes a esta especialidade importantissima e seu respectivo quadro, carecem de ha muito total remodelação, em harmonia com o projectado aumento da marinha de guerra, imprescindivel num país colonial.

A administração naval attingiu a estrema decadencia, não só pelo iriegularissimo exercicio das suas disposições, mas tambem pela absoluta falta de pessoal.

Citaremos como simples bosquejo do estado anomalo de tal ramificação official o seguinte:

Que os aspirantes da administração naval, irresponsaveis segundo a lei, estão servindo como encarregados a bordo dos navios, com gratificação de commissarios de 3.ª classe.

Que os 2.ºs tenentes, combatentes, que fazem falta ao seu technico serviço, substituem os commissarios a bordo, por motivo do seu diminuto numero. Esta disposição é da lei: era inutil e deverá ser revogada, havendo o pessoal necessario para a sua especial missão.

Que a 4.ª Repartição da Direcção Geral da Marinha está impossibilitada de cumprir as suas legaes obrigações, absorvidas pela 6.ª repartição da Direcção Geral de Contabilidade, servindo nellas chefes a mais e pessoal a menos: dois officiaes de marinha, capitães de fragata, um commissario inspector, um commissario de 1.ª classe, provisoriamente, isto é, emquanto a direcção geral ou a maioria não o nomearem para serviço julgado urgente; um escriturario e um auxiliar de escrituração.

Que não se ajustam centenares de contas de material dos responsaveis para com a fazenda nacional, as quaes já estavam em atraso de liquidação muitos annos antes de terem sido suspensas as gratificações, abonadas por tal serviço, em julho de 1900.

O Ministro d'essa epoca nada providenciou, embora se reclamasse contra a ficticia economia : allegou. segundo se disse, que os responsaveis assim nada pagavam; nem tão pouca precisavam de receber!

Que não se exerce regular administração, nem fiscalização alguma em todos os serviços do Ministerio da Marinha, dependentes da Majoria General ou da Direcção Geral da Armada, embora tudo esteja providenciado e determinado, mormente na "Inspecção da Administração Naval" (resumo de preceitos e disposições, referentes ao decreto de 14 de maio de 1891) que regulamentou devidamente a actividade e alçada do serviço de fazenda, e as obrigações e direitos dos competentes funccionarios.

Que a lacuna de uma administração, sem fiscalização, sem o necessario pessoal, origina abusos e fraudes que revertem em prejuizo da nação e em detrimento da classe, (querendo até justificar-se, com uma carencia lamentavel de criterio, o estacionamento da classe, sem promoção, sem regalias, por causa da prevaricação ou desleixo excepcionaes!) resultando de semelhante anarchia não ser uniforme o serviço, nem normaes, para os navios e estabelecimentos do Estado, os processos de acquisição de material, sendo, tanto na metropole como no ultramar, differentes as despesas e contas da sua gerencia. Os mesmos artigo, da mesma qualidade, attingem variados preços; a escrituração diverge arbitrariamente; nas divisões navaes, cada navio segue o seu systema de serviço, contando todos, com a falta de ajustamento das contas, e consequentemente com uma impunidade absoluta.

Que a 6.ª Repartição de Contabilidade de Marinha, delegada do Ministerio da Fazenda, açambarca a alçada das outras repartições da Direcção Gerai da Marinha, processando e dispondo dos dinheiros publicos, administrando por conta propria, não tendo sido nunca fiscalizada a sua arbitraria gerencia, limitando-se a conferir as contas de numerario dos responsaveis pela totalidade do "Deve e Haver"; não funccionando o "Conselho Fiscal" (existente em letra morta) para verificar a legalidade dos processos administrativos, no que respeita a contas de contratos, a pagamentos de diversas despesas variaveis, de gratificações extraordinarias, pretextadas por urgencia de serviços, etc., etc.

Que a commissão de compras de marinha, criada por decreto de 14 de maio de 1891, é um dos principaes cancros a extirpar do organismo da Fazenda Nacional; nem nas arrematações, nem nas compras avulsas no mercado, produz economia alguma, senão prejuizos e perdas importantissimas de material e numerario. Na mais simples satisfação de quaesquer artigos, ha que contar com uma morosidade inevitivel, proveniente do exame dos peritos, da confecção dos indispensaveis orçamentos e ainda do ultimalum da 6.ª Repartição, que emfim esclarece se ha ou não a competente verba para a liquidação.

Que as arrematações são feitas, cumprida a formalidade das amostras, segundo o caderno dos encargos; mas que, aos fornecedores é permittida depois a entrada do material em differentes condições das estipuladas no contrato, assinado e superiormente approvado.

Que as compras são feitas mediante informações dos preços obtidos, por um guarda do arsenal, em diversos estabelecimentos da capital; em logar da "Commissão de compras de marinha", por intermedio de um membro competente, possuir um mostruario de artigos e preços minimos dos referidos artigos. A falta d'esta observancia dá logar a compras de custo elevado de material, ás vezes, ordinario.

Que o fornecimento do material á feito aos diversos requisitantes, examinado pelos peritos da commissão de compras, sendo muitas vezes rejeitado pelos peritos dos navios ou dos estabelecimentos do Estado, por não satisfazer na qualidade ou especiaes dimensões, dando tal pratica logar a dispendios consideraveis e inuteis, accumulando-se materia prima ou artefactos armazenados, sem applicação futura, noa depositos.

Que a Cordoaria Nacional está actualmente fornecendo artigos, n'ella manufacturados, ao corpo de marinheiros, aos navios-escolas, ás divisões navaes (por intermedio da Direcção Geral do Ultramar), pagos a dinheiro; e dos quaes a direcção d'aquella fabrica, auctorizada superiormente, manda organizar a conta especial, administrando, sem conselho administrativo, os fundos e obtendo o material preciso para a laboração dos mesmos artigos.

Que a referida Cordoaria não pode, nem deve fornecer a dinheiro, regulando-se pelo que está disposto, isto é, obtendo o material requisitado dos depositos de marinha e por meio da commissão de compras unicamente; e satisfazendo directamente as requisições do Arsenal de Marinha.

Tanto bastará para avaliar-se a irregularidade de toda a engrenagem dos serviços e do modo como são executados em terra e a bordo; derivando de tal confusão chaotica a irresponsabilidade dos dirigentes e dos subordinados.

Na commissão de compras, nos depositos de marinha (como chefe dos mesmos), em todas as repartições da direcção geral e da majoria general, dirigem os diversos serviços, officiaes combatentes, alheados do seu especial munus, excedentes ao seu quadro e ao limitado numero de navios.

Reduziu-se o quadro administrativo naval, criado em 31 de março de 1890 e somente em execução pela reforma geral decretada em 14 de maio de 1891, pelo ulterior plano economico promulgado em 31 de março de 1895, ainda hoje vigente.

D'esta reforma, só do pessoal, nos termos injustos em que foi concebida, dimanou a paralysação no accesso aos postos superiores, aggravando-se a regularidade do exercicio

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geral dos serviços da Fazenda, por deficiencia do pessoal.

Na applicação da reforma equiparativa ás differentes classes da armada, uma commissão official adrede nomeada, propoz e foi decretado: que os mais antigos e modernos officiaes commissarios tivessem mais vantajosa aposentação, do que os membros intermedios da classe - a unica corporação da armada contemplada com uma disposição sobremaneira compensadora!

Tal applicação deriva das varias reformas, que teem alterado este quadro, dando-lhe ou tirando-lhe um chefe, com menor ou maior graduação: capitão de mar e guerra, capitão tenente, e posteriormente (em 1891) capitão de fragata, voltando a ser graduado em capitão-tenente (em 1895).

Ha addido ao quadro um official, com a graduação de capitão de fragata, em serviço effectivo na majoria general; e dois que foram reformados em contra-almirantes, por o chefe, na data da sua admissão, ter o posto de capitão de mar e guerra.

Os officiaes, com a graduação de primeiros tenentes, alem de prejudicados na aposentação, não teem probabilidade de promoção, nem quaesquer vantagens pecuniarias, por diuturnidade de serviço; nem, emfim, a faculdade de exercerem no ultramar - a não ser por mui privilegiada excepção - commissões que se relacionem com as suas habilitações profissionaes.

Todas proporcionalmente se resentem da situação precaria e insoluvel, a respeito da qual se teem feito legaes reclamações ao Parlamento, ao Rei e na imprensa.

Nada ha que justifique a disparidade de vantagens em duas classes por igual prestimosas: a administração militar e a naval, ambas merecedoras de iguaes estimulos e prerogativas.

Uma commissão foi nomeada no anno findo, para resumir n'um unico diploma as variadissimas reformas que teem sido decretadas sobre os serviços administrativos da fazenda da armada.

Acham-se impressos esses trabalhos, determinando o pessoal em harmonia com as indispensaveis commissões a desempenhar, em ordem a manter-se a impreterivel regularidade de fiscalização, a bem dos interesses da Fazenda Nacional.

O actual Ministro, segundo consta, tenciona conjunctamente com outros projectos da reforma do arsenal, do augmento da marinha de guerra e do material naval, propor e apresentar um nucleo de medidas officiaes, sujeitas á sancção parlamentar.

De entre varias providencias que a mencionada commissão alvitrou, poderemos citar: a remodelação e nova organização dos conselhos administrativos, a dotação annual dos diversos estabelecimentos do Estado, por elles administrada, a vigencia permanente e rigorosa do conselho fiscal, a separação ou antes limite das attribuições que cabem á 6.ª repartição, o mais amplo significado dos direitos e deveres dos officiaes de fazenda, a abolição do deposito ou caução, como exactores de fazenda, designação impropria de funccionarios militares, etc.

De todas estas providencias urgentemente necessita a classe da administração naval e os serviços que a ella cumprem, a bem dos interesses da fazenda nacional; mas de ha muitos annos que assim vae funccionando, importando este statu que em quantioso e consideravel damno para o Thesouro, prejudicando o serviço publico, desgostando uma classe servidora e que sempre se tem sacrifi • cado, sem justos incentivos, pelo cumprimento dos seus deveres officiaes nos insalubres climas do ultramar.

No relatorio apresentado ás Côrtes pelo Ministro da Marinha, na ultima legislatura, propondo o augmento dos vencimentos dos officiaes de todas as classes da armada, unificam-se nos mesmos direitos as corporações militares - terrestre e maritima - como igualmente prestantes e dignas de serem beneficiadas.

Das promessas á realidade vae um abysmo de impossibilidades, attentas as circumstancias precarias do Thesouro e a intricada solução de tantos problemas essenciaes á prosperidade do país.

DOCUMENTO n.° 2

Ministerio da Marinha e Ultramar. - Secretaria Geral. - N.° 19. - Illmo. e Exmo. Sr. - Relativamente ao n.° 7.° do requerimento do Digno Par Sebastião de Sousa Dantas Baracho, a que se refere o officio de V. Exa. n.° 156 de 1 de corrente, tenho a honra de informar a V. Exa. o seguinte:

1.° Que tendo fallecido, em 2 de julho ultimo, o administrador do circulo aduaneiro de Cabo Verde foram encontrados no seu gabinete, na Alfandega da Praia, pelo funccionario que o foi substituir, 216 despachos de mercadorias, contados e não pagos na importancia total de 15:418$344 réis, tendo, todavia, as mercadorias sido entregues aos importadores e saido da alfandega;

2.° Que a auctoridade superior administrativa, logo que teve conhecimento do facto, mandou proceder a balanço, inventario e inquerito, com exame á escripturação, demittindo o porteiro e suspendendo o chefe de serviço e o thesoureiro da alfandega, fazendo intimar os importadores para realizarem o pagamento das importancias dos despachos e prestarem declarações;

3.° Que por esta Secretaria de Estado foi logo em seguida ordenada uma syndicancia, de que foi encarregado, como era conveniente um empregado superior aduaneiro estranho ao quadro, encarregado de apurar, com os factos e circumstancias, as responsabilidades que fossem reconhecidas nos funccionarios da Alfandega da Praia e adoptar as providencias necessarias para restabelecer a ordem nos serviços;

4.° Que das importancias dos despachos encontrados em debito foi logo paga a importancia de 2:725$871 réis, somma correspondente aos direitos e impostos e juros de mora de 6 por cento, instaurando-se os respectivos processos fiscaes, que correm os seus termos, para completo reembolso da Fazenda, tomando-se como garantia, mercadorias existentes na alfandega e pertencentes aos importadores responsaveis;

5.° Que o syndicante, assumindo a administração interina do circulo aduaneiro, immediatamente adoptou todas as medidas necessarias para regularidade dos despachos e garantia da fiscalização, applicando á Alfandega de Cabo Verde, invocando a urgencia e a titulo provisorio, disposições legaes e regulamentares em vigor nas outras provincias ultramarinas, até que uma remodelação geral dos serviços possa ser decretada sobre projecto formulado pelo syndicante e que succederá ao relatorio da syndicancia;

6.° Que finalmente, os serviços entraram na normalidade legal e que se aguarda o resultado da syndicancia para se conhecer e julgar das responsabilidades que nos factos decorridos possam e devam caber a outros funccionarios, visto ter fallecido o administrador do circulo.

Deus guarde a V. Exa. a Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 31 de outubro de 1906. Illmo. e Exmo. Sr. Secretario da Camara dos Dignos Pares do Reino. = Ayres de Ornellas de Vasconcellos.

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ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

DOCUMENTO N.° 3

Dezasete estradas decretadas com menosprezo dos preceitos legaes, e sob a responsabilidade do Sr. Conselheiro Eduardo José Coelho

(Concessões publicadas desde 1 de janeiro de 1905)

[ Ver valores da tabela na imagem]

Observações. - A formula consignando o parecer contrario é a seguinte:

"Hei por bem determinar, tendo ouvido o Conselho Superior de Obras Publicas e Minas...".

A formula designando o parecer favoravel é d'este teor:

"Hei por bem determinar, conformando-me com o parecer...".

Todas estas 38 estradas foram mandadas construir com infracção manifesta do artigo 3.° da lei de 3 de abril de 1896, e do decreto de 24 de setembro de 1898. Contra todas ellas, consoante vae exarado, se pronunciou o Conselho Superior de Obras Publicas e Minas.

(a) N'este decreto não se menciona que fosse ouvido o Conselho Superior de Obras Publicas e Minas.

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Estudo comparativo da despesa com a marinha desde 1851-18S2 até 1900-1901, de dez em dez annos suas alterações para mais ou menos

[ Ver valores da tabela na imagem]


Arsenal da marinha. - Nota da despesa com a fabrica nos ultimos doze annos economicos (1893-1894 a 1904-1995)

[ ver valores da tabela na imagem)

N.B. - Nas verbas correspondentes ao "pessoal", não vão incluidas as que se despenderam com operarios e trabalhadores empregados em servidos estranhos á fabrica, nem as pagas ao "pessoal reformado".

(a) O aumento provém do pessoal extraordinario admittido para a construcção da canhoneira Patria.

Rectificações

Na sessão n.° 20, de 10 de novembro de 1906, pag. 271, col. 3.ª e linha 8, onde se diz : "novembro", deve ler-se: "outubro".

Na sessão n.° 21, de 12 de novembro de 1906, ha a fazer as seguintes rectificações:

A pag. 278, col. 2.ª e penultima linha, onde está: "a de peor", deve ler-se: "a peor de".

A pag. 279, col. 3.ª e linha 63, onde está: "jcencias", deve ler-se: "adjacencias".

Na mesma pagina e na mesma columna, linha 68, onde está: "nem tão pouco", deve ler-se: "nem ainda".

A pag. 280, col. 2.ª e linha 44, onde está: "de tradição liberal", deve ler-se: "da tradição liberal".

A pag. 282, col. 2.ª e linhaa-31 e 32, onde está: "viveiro de juizes de 2.ª classe", deve ler-se: "viveiro de juizes de 2.ª instancia".

No summario da mesma sessão n.° 21, pag. 275, onde se lê: "O Digno Par Sr. Francisco José Machado, que tinha pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão, encarregou-o de requerer que seja enviado á commissão de agricultura o projecto n.° 9", deve ler-se:"O Digno Par Francisco José Machado, que tinha pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão, requereu por incumbencia do Digno Par Avellar Machado, que se retirou da sala por incommodo de saude, que o parecer n.° 9 seja enviado á commissão de agricultura.

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