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Nós vemos também Bocehmer attribuir ao soberano o poder espiritual supremo ém toda a sua extensão, instituin-do-o, por assim dizer, summo pontífice: mas repetirei eu, sr. presidente, a quantos desvarios conduz o seguimento d'estas doutrinas! A revolução franceza em seus annaes de sangue, forneceu-nos nas suas paginas tremendos exemplos dos corolários de similhantes principios. A revolução francesa do século xvni veiu fazer a applicação das theorias dos antigos philosophos e dos mofinos sophistas, que em eras mais remotas tinham começado a infernal cruzada do espirito do mal contra o espirito do bem.

Recordemos por um momento esses discursos pronunciados na assembléa constituinte da França, e nas differentes assembléas nacionaes d'aquelle paiz n'aquella epocha nefasta; e eu terei de estabelecer com muito sentimento meu, o paralello entre o meu nobre amigo o sr. ministro da fazenda e o abbade de Perigord, quando elle abriu na assembléa franceza os debates sobre a questão dos bens da igreja, e que, lamentando o estado de apuro financeiro, e o quanto urgia prover de prompto remédio a similhante mal, elle lembrou, sustentou e defendeu a encorporação dos bens da igreja no estado, attribuindo a este o mesmo direito que hoje lhe reconhece o sr. Antonio José d'Avila.

Que argumentos, sr. presidente, em favor d'essa statola-tria, permitta-se-me a expressão, ou adoração do estado! Thouret, n'essa assembléa a que me refiro, teve a audácia de sustentar, que sendo os bens da igreja para a manutenção dos ministros do culto, e para a sustentação dos pobres, ao estado incumbia gerir os seus rendimentos, por isso que a sua disposição tinha melhores meios para prover á administração de similhantes rendimentos, ao mesmo tempo que outro seu consócio e collega, Treillard, sustenta que, sendo a igreja a assembléa dos fieis, e que sendo a nação composta dos fieis, as doações feitas á igreja são feitas aos fieis, e por consequência á nação, e portanto a nação tem direito a dispor d'ellas. Aonde nos conduzem estas theorias! Não queiramos nós imitar estes revolucionários, seguindo a mesma senda errada e tortuosa, e apartando-nos da verdadeira estrada do bem, da verdade, e da justiça. Permitta-me a camará citar uma observação chistosa do abbade Proyart em relação a uma resposta dos Independentes de Londres aos de Charles-town, os quaes lhe perguntaram: — O que é o rei? O primeiro súbdito.—O que é o povo in glez? O poder soberano.—A quem pertence a coroa? A quem a pôde tirar.

Vejamos agora o commentario do abbade Proyart. «Postos estes principios, diz elle, devemos conbluir que a bolsa do viajante pertence de direito ao ladrão de estrada ».

Todas estas doutrinas, todos estes principios que eu acabo de passar em revista, fundam-se no culto desasisado da matéria, baseiam-se em um certo systema utilitário que está bem longe de ser o que desejara Platão, quando disse: «nihil est utile nisi quoã est justus». Todos estes principios, repetirei, resumem-se na doutrina a que eu me referi no exórdio d'este meu discurso—doutrina inteiramente impre gnada de matéria, e completamente vasia de espirito—sys tema fatal, aonde a vontade pôde tudo, aonde a rasão pura pôde nada.

Passemos agora á historia da propriedade da igreja, e vejamos depois como os soberanos pontífices e a igreja se tem pronunciado n'este ponto importante.

Tem-se negado com pasmosa obstinação a famosa doação de Constantino. Bem frívolos são os argumentos em que se estribam os impugnadores d'este acto. Anastácio, o biblio thecario, e o historiador Eusébio nos certificam em suas obras monumentaes das immensas dotações e fundações de igrejas por este imperador, sendo alem d'isso certo que a igreja de Roma possuirá muito tempo antes da doação de Constantino, e mesmo desde a sua origem. O senador Pudendo que hospedara em sua casa S. Pedro, o primeiro pontífice da igreja de Christo, consagrou elle, e a sua familia todos os seus bens á igreja, Essa casa a que me refiro, que communicava com as catacumbas de Santa Priscilla, é tra-dicção ser a primeira igreja catholica de Roma, que pelo correr do tempo foi dedicada a Santa Pudenciana. Alem d'isto existem documentos incontestáveis sobre o facto permanente das propriedades ecclesiasticas: refiro-me a differentes edictos, ou rescriptos imperiaes. Constantino, senhor de Roma pela derrota de Maxencio, ordenou de accordo com o outro imperador Licínio, que todos os logares aonde os christãos faziam as suas assembléas lhes fossem restituídos, quer os donos d'elles os tivessem comprado do fisco, ou de quem quer que fosse. E vejamos as próprias palavras do edicto, alem daquellas a que acabamos de nos referir:

inimigos, Galério e Maximino II. Quando estes dois horríveis tyrannos se sentiram abatidos, um por uma doença incurável, e o outro pela ruina inteira do seu exercito, a sua crueldade se mudou em medo. O edicto de Galério (311) assas conhecido: basta recordar que elle permittiu aos christãos de tornar a tomar posse, e restabelecer os edeficios onde faziam as suas assembléas, etc. O edicto de Maximino (312) leva a tolerância muito mais longe. Citaremos d'elle as palavras mais notáveis, e que são um grande reforço para 03 nossos argumentos: «Ut si quoz ãomus auta loc ad jus christianorum aute hac pertinentia, exjussione divorumpa-entum nostrorum ad jus fisci devoluta sint, aut ab aliqua civitate oceupata, aut certe vendita, aut alicui dono data, cuncta ad pristinum jus ac ãominium christianorum revo-centur». Isto é: «se algumas casas ou terrenos anteriormente dependentes da propriedade dos christãos tem sido por or-«dem dos nossos divinos paes devolvidos á pripriedade do «fisco, ou por qualquer cidade oceupados, ou mesmo ven-«didos, ou concedidos como doação a alguem, seja tudo re3-tituido ao antigo ãireito e ãominio ãos christãos». Peço á camará que note bem estas palavras. Os christãos possuíram pois como christãos, e como sociedade, e isto publicamente mesmo sob a perseguição. Reconheceu-se pois desde o principio a propriedade ecclesiastica. Constantino ainda não era christão, mas apenas se sentia disposto á fé. Licínio nunca o fora, e Maximino apenas desistira de proscrever o chistianismo. Esses tres homens, pois, tão oppostos de coração, e de intelligencia, não pretendiam igualmente mais do que cumprir um acto de estricta justiça, e Maximino que affecta tanta indulgência é aquelle que mais se apoia sobre o direito dos christãos. Eis,aqui como o poder mais despótico, o governo mais arbitrário, comprehendia a liberdade! Bella lição para os nossos modernos liberaes: melhor seria se elles a podessem comprehender.

Permitta-me pois o digno par o sr. Ferrão, cuja erudição eu sou o primeiro a reconhecer, e a prestar homenagem aos seus muitos conhecimentos, pois que s. ex.a se não assemelha a certos improvisados sábios que não leram mais do que uns poucos de romances, e uns poucos de artigos de revistas, e cujas composições se resumem todas em miseráveis folhetins, ou em artigos insolentes com que pretendem meter medo a algum capitalista; nem tão pouco se assemelha a outros que desde que abandonaram as escolas ou as universidades declararam crua guerra aos livros e á civilisação—permitta-me s. ex.a que eu ouse não concordar com o digno par, emquanto aos principios que sustentou em relação ao assumpto; e acolha o nobre par esta minha res posta, tanto em relação aos principios de philosophia de di reito que no seu relatório se encontram, como emTelação á parte histórica: e s. ex.a que tanto amor consagra ao trabalho, e tanto tempo dedica ao estudo, de que eu posso dar amplo testemunho, porque sei que s. ex.a procura pela leitura estar a par da civilisação, não dev.e levar a mal, nem desconhecer o direito que eu tenho, como s. ex.a, de com bater no campo da philosophia e da historia, os principios que s. ex.a apresentou, as doutrinas que sustentou, e as conclusões que d'ellas tirou.

Apresentou-nos s. ex.a em toda a sua força as leis de amortisação e desamortisação, evocou do sepulchro os nos sos finados reis, e trouxe-nos á memoria toda a velha legis lação sobre o assumpto. E comtudo é certo que os nossos reis eram absolutos, e que essas leis por elles promulgadas não eram executadas, e a igreja continuava a possuir: e esse direito, que embora era combatido pelos nossos reis nos seus decretos, era comtudo acatado no intimo dos seus corações.

O" digno par citou-nos o código de Justiniano. Passo a ler o texto (leu). O que se prova creste texto? Que a proprie dade da igreja deveria ser mantida e intacta. E verdade que havia uma excepção a ella, e que o digno par também leu, acrescentando que a igreja tinha reconhecido a sua doutrina; mas vejamos como a igreja reconheceu, e esta ci tacão que eu vou fazer não a fez o digno par. Encontra-se entre as decretaes que encerra o direito canónico: De rerum permutatione titulo 19.° capitulo 1.°

«Princeps potest rem ecclesiat immobilem per permutatio-nem' acquirire, ãata re meliori vel mquali, h. ã. Et in hoc quoã dicit, vel oequali, est casus notabilis*.

«Si princeps voluerit rem mobilem sanctis locis prozstare, et accepere ab eis aliam immobilem: eóque modo de communi voluntate permutationem contrahere: liceat ei hoc facere, si causa rationábilis lã exposeat, et res quamprestiterit, maior fuerit, vel cequalis; pragmática sanctione super hocpromul gata».

Prova-se pois do que acabo de referir que só de commum accordo-se poderia levar a effeito a permutação; alem do que a igreja, que nós devemos respeitar como depositaria das verdades eternas, se tem constantemente opposto a ques-quer actos que tendam a despoja-la da propriedade. Eu vejo na constituição do papa Paulo II chamada a constituição ambitiosm, a condemnação formal de todos os que attentam contra a propriedade da igreja nas palavras que passo a ler:

«Si quis autem contra hujus nostras prohibitionis seriem ãe bonis et rebus ejusdem quiequam alienare proesumpserit, alienatio, hypotheca, concessio, locatio, conductio, ete. infeu,-ãatio hujus moãi nullus omnino sint roboris vel momenti Et tam qui alienat, quam is qui alienatas res et bona pre ãicta receperit, sententiam excommunicationis incurrat».

Sr. presidente, disse o digno par o sr. Aguiar, que sup punha que se tratava de um accordo com a santa sé; todos nós o sabemos. É publico e o sr. Avila aqui nos disse que o negociador não só se oceupava de tratar corn o núncio sobre o negocio de que agora tratamos n'esta casa do par lamento, mas e muito especialmente de dar execução á con cordata de 1848, assignada pelo sr. cardeal di Pietro, por

parte da santa sé, e pelo sr. conde de Thomar por parte do nosso governo, na qual concordata o nosso governo se obrigava a resolver de accordo com a santa sé o negocio da reducção e fixação dos conventos de religiosas permittindo-lhe as profissões. Ora se ha negociações pendentes, parece-me necessário, decente e conveniente o esperar-se pela resolução do accordo para se tratar d'esta matéria, por isso que não reputo a camará tribunal competente para de per si somente resolver este negocio. Mas, direi mais: aquelles que julgam o accordo necessário, entendem comigo que o negocio não deveria agora ser tratado, aquelles que o julgam conveniente, opinam de uma maneira igual e até aquelles que nem o julgam necessário nem conveniente, censuram o procedimento do governo que parece ter querido enganar, um governo com quem trata e cujo augusto chefe é igualmente chefe da grande republica dos fieis. O sr. Avila, ministro dos negócios estrangeiros, declarou aqui já, por parte do governo, que estava tratando com o núncio de sua santidade, que se tratava de dar execução á concordata de 21 de outubro de 1848, * assignada pelo meu muito particular amigo, o digno par, o sr. conde de Thomar, e pelo sr. cardeal di'Pietro; os artigos d'essa concordata em parte estão cumpridos; tratou-se n'ella da instituição do tribunal da bulia da cruzada, e de diversos outros negócios a que já se deu execução, mas porque não se deu á parte que se referia a creação de conventos ? Ora eis aqui está porque o governo de Roma não pôde ter boa fé no nosso governo; eu sou o primeiro a acreditar na palavra do sr. ministro dos negócios estrangeiros como homem particular; mas, como ministro, permitta-me s. ex.a que lhe não preste tanto credito em vista dos actos recentes do ministério de que s. ex.a com muito sentimento meu faz parte. Terrível condição dos homens quando se acham unidos em um ministério que não tem unidade de pensamento! Quando nos recordamos do que se passou, e a que eu já alludi, quando o sr. Avila declarou em outra parte, e parece-me que isto está escripto, que era conveniente e necessário o accordo com a santa sé, temos uma prova bem evidente d'esta falta de unidade depensamento no governo d'este paiz. Appello para o Diário no qual se acham as palavras que o sr. ministro proferiu n'essa occasião. E não foi só na camará que s. ex.a assim se exprimiu, mas eu sei que particularmente o sr. ministro a alguem asseverou ser o, accordo necessário, mas quando s. ex.a o asseverou na camará dos senhores deputados le-vanta-se o sr. presidente do conselho, e diz: — quer o accordo se faça, quer não, ha de cumprir-se a lei. — Isto agradou muito a essa gente que se arroga o nome de povo, e que tem por seu chefe o sr. marquez de Loulé, porque o sr. Avila não agrada nada a essa gente. O sr. Avila ficou de tal modo ferido com esta revelação do sr. marquez de Loulé, que apesar de tudo quanto tem dito, fazendo crer que se não deve dar valor ao que por ahi se espalhou n'essa occasião sobre o desgosto que teve o sr. Avila com o sr. marquez de Loulé, s. ex.a mostrou-se summamente agastado n'essa occasião, e até se espalhou que houvera crise ministerial, mas depois ficou tudo como estava, porque, diga-se de passagem, o sr. Avila que é um homem de talento e de probidade que ninguém ousa contestar, gosta de ser ministro (O sr. Ministro ãa Fazenãa:—Está enganado), e está persuadido que ninguém pôde, passar sem elle, pelo desejo e dedicação que s. ex.* tem pelas cousas publicas; isto não é uma offensa: s. ex.a entende que os seus serviços são muito convenientes, não a este governo, mas ao estado; e se não fosse isto s. ex.a teria aproveitado a occasião para largar, este ministério e mostrar que ainda sustentava as suas antigas opiniões conservadoras, e não se assentar mais ao lado do sr. marquez de Loulé que é o chefe do partido revolucionário d'este paiz. (O sr. Marquez ãe Loulé: — Apoiado.) O sr. marquez de Loulé acaba de dar um apoiado, e este apoiado equivale a uma declaração, e deve por isso ser registado, e com esta é a quinta declaração inconveniente que s. ex.a faz! (O sr. Marquez ãe Loulé:—E ainda hão de haver mais.) D'isso estou eu persuadido, e das declarações hovemos de passar aos factos; mas espero, sr. presidente, que havemos de escapar d'essas ondas revolucionarias, que tão gratas são ao sr. marquez de Loulé. Sabemos perfeitamente o que se prepara contra a camará dos pares, sabemo-1'o todos, e percebemos que debaixo do manto da moderação encobrem-se desejos e propósitos que muito conviria a certas pessoas pôr em pratica, assim como certos projectos damnados em certa epocha preparados, se realisariam mais. tarde, se o bom senso d'este povo com o auxilio de potencias estrangeiras lhe não tivesse posto impedimento; porém eu confio que os falsos amigos da liberdade e os pretendidos defensores da dynastia não poderão lograr seus damnados intentos, e confiio que a verdadeira liberdade ha de ser mantida, e o throno do Senhor D. Pedro V não ha de baquear! (O sr. Avila: — Apoiado.) A casa de Bragança tem sido guerreada por aquelles que mais lhe devem, mais tarde porém ou mais cedo têem soffrido o seu castigo. Queira Deus que aquelles que ainda podem arrepender-se se arrependam. Releve-se-me esta digressão, que eu continuo já a tratar da matéria.

Sr. presidente, eu folgo com o sr. Ferrão por algumas expressões que vi no relatório; e não posso deixar de declarar que me satisfaz bastante o saber, pelo que disseram o sr. ministro dos negócios estrangeiros, e o sr. Ferrão, como relator da commissão que examinou o projecto de que tratamos, de que ás religiosas não faltarão, em vista do projecto, os meios de subsistência, e que ellas não terão a sorte que tiveram os egressos, que muitos morreram por essas ruas abandonados, outros foram acabar ao hospital!

Sr. presidente, os bens das religiosas, dizem os seus adversários, estão mal administrados! Não haverá tanta