O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 127

N.º 23

SESSÃO DE 19 DE MARÇO DE 1878

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

Assistiram os srs. presidente do conselho, e ministros dos estrangeiros e da fazenda.

Ás duas horas, sendo presente numero legal, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Dois officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as seguintes propostas de lei:

1.ª Fixando em 4:000 recrutas o resto do contigente para o exercito no anno de 1877 e distribuindo 10:000 recrutas por conta do contingente de 1878;

2.ª Fixando a força do exercito no corrente anno em 30:000 praças de pret.

Foi remettida á commissão de guerra.

Um officio do exmo. sr. Francisco de Assis de Gamboa e Liz, participando o fallecimento do seu irmão, o digno par Antonio de Gamboa e Liz.

O sr. Presidente: - A camara acaba de ouvir a participação dirigida á mesa pelo irmão do digno par o sr. Gamboa e Liz, que annuiicia a infausta noticia do fallecimento d'este nosso collega.

Proponho á camara que se lance na acta um voto de profundo sentimento pela morte d'este nosso collega, e que se do conhecimento d'esta resolução á sua familia. Os dignos pares que approvam esta proposta, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Passo a ler os nomes dos dignos pares que devem formar a deputação que ha de acompanhar os restos mortaes d'aquelle nosso collega á ultima morada.

(Leu.)

Para que os dignos pares tenham perfeito conhecimento de qual é a hora, em que deve ter logar o enterro, vae passar-se a ler novamente a participação que foi dirigida a esta camara.

O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco): - (Leu.)

O sr. Presidente: - Não havendo mais correspondencia, tem a palavra o sr. conde da Ribeira Grande.

O sr. Conde da Ribeira Grande: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Almeirim, contra a approvação do projecto do real de agua.

Peço a v. exa. que consulte a camara se approva que esta representação seja enviada á respectiva commissão, e publicada no Diario do governo.

Consultada a camara foi approvada.

O sr. Visconde de Bivar: - Pedi a palavra para declarar á camara que ha muito tempo tenho deixado de comparecer ás sessões pelo meu mau estado de saude.

Sendo esta uma das primeiras vezes que aqui compareço n'esta sessão legislativa, de certo, como natural do Algarve, desejava chamar a attenção do governo sobre as tristes condicções d'aquella provincia.

Eu poderia servir-me de cartas particulares que tenho, em que se me commuiiicam as tristes circumstancias que ali se estão dando; porém, para poder ouvir o governo com mais convicção e mais certeza, mando para a mesa um requerimento, em que peco uns dados officiaes, para poder tratar d'este assumpto.

O sr. Presidente: - Vão ler-se os requerimentos do digno par o sr. visconde de Bivar.

(Entrou o sr. presidente do conselho.)

O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco): - (Leu.)

Requerimentos

1.° Requeiro que o governo, pelo ministerio das obras publicas, mande a esta camara os seguintes esclarecimentos, a respeito do caminho de ferro do Algarve:

Quanto custaram os estudos feitos em virtude da lei de 26 de janeiro de 1876?

Quanto custam as reparações feitas, na parte entre Faro e Boliqueime, em virtude do decreto de 1 de julho de 1875?

Qual foi o valor attribuido a esta parte do mesmo caminho, na indemnisação mandada pagar pelo decreto de 10 de março de 1869?

Quanto têem custado até hoje as obras feitas entre Boliqueime e a Portella dos Silveiros?

Em que estado se acham estas obras?

Quantos kilometros ha de distancia, segundo os alludidos estudos, entre a Portella dos Silveiros e Cazevel e qual será o termo medio do custo de cada um dos mencionados kilometros?

Qual a somma que provavelmente se despenderá ainda, para o completo acabamento do predito caminho entre Faro e a Portella dos Silveiros?

Sala das sessões da camara dos dignos pares, 19 de março de 187S. = Visconde de Bivar, par do reino.

2.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, venham a esta camara quaesquer informações que ali tenham chegado do director das obras publicas do districto de Faro, ou se ainda não tiverem vindo, apenas cheguem, saber os meios que convirá empregar pela repartição a seu cargo, para attenuar os effeitos da grande calamidade que uma prolongadissima estiagem tem affligido o mencionado districto durante o anno agricola corrente.

Sala das sessões, 19 de março de 1878. = Visconde de Bivar, par do reino.

3.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, venham a esta camara copia de quaesquer informações que ali tenham chegado do governo civil do districto de Faro, ou, se ainda não tiverem vindo, apenas cheguem, sobre a crise que assola o mesmo districto em consequencia da prolongadissima esr tiagem, que tanto o tem affligido no anno agricola corrente.

Sala das sessões da camara dos dignos pares, 19 de março de 1878. = Visconde de Bivar par do reino.

4.° Requeiro que, pelo ministerio das obras, publicas venham a esta camara quaesquer informações que ali tenham chegado, ou, se ainda não tiverem vindo, apenas cheguem, do agronomo e do intendente de pecuaria do districto de Faro, a respeito da crise que tem affligido o referido districto durante o anno agricola corrente.

23

Página 128

128 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sala das sessões da camara dos dignos pares, 19 de março de 1878. = Visconde de Bivar, par do reino.

Estes quatro requerimentos mandaram-se expedir.

Requeiro para tomar parte na interpellação a anunciada pelo digno par o sr. Carlos Bento, sobre as nossas relações commerciaes com a França.

Sala das sessões da camara dos dignos pares, 10 de março de 1878. = Visconde de Bivar, par do reino.

Este requerimento ficou sobre a mesa.

O sr. Vaz Preto: - Hontem, quando cheguei á camara, foi um pouco mais tarde em consequencia dos meus padecimentos, e achei a sessão, já fechada.

Tinha-se dado para ordem do dia a continuação da interpellação do digno par o sr. marquez de Vallada ao sr. ministro da marinha e ultramar, e se houvesse tempo o projecto da reforma d'esta camara, e por ultimo o projecto de lei sobre a construcção do caminho de ferro da Beira Alta.

Corn relação a este ultimo assumpto, tinha eu tenção de fazer largas considerações, mas como infelizmente não as pude fazer, mando para a mesa uma nota de intrpellação aos srs. presidente do conselho de ministros e ministro das obras publicas, ácerca do uso que o governo fez da auctorisação que lhe foi concedida, na lei de 26 de janeiro de 1876, a respeito do caminho de ferro da Beira Baixa.

Mando tambem para a mesa um requerimento, nobre o qual peço a urgencia. Já em outra, occasião pedi estes esclarecimentos, mas foi debalde.

Desejo que o governo mande a esta camara uma nota de todas as gratificações e ajudas de custo que têem sido concedidas aos funccionarios publicos sem auctorisação legal.

É necessario que o paiz saiba como se gasta o dinheiro, e em que se gasta.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - V. exa. deseja a nota das gratificações e ajudas de custo concedidas n'estes ultimos dez annos?

O Orador: - Sim, senhor, desejo essa nota com relação aos ultimos dez annos.

O sr. Presidente: - Vão ler-se na mesa o requerimento e a nota de interpellação do digno par o sr. Vaz Preto.

Requerimento

Roqueiro que pelos differentes ministerios seja enviada a esta camara uma nota de todas as gratificações e ajudas de custo que têem sido dadas, em lei que as appvove, durante estes dez annos. = Vaz Preto.

Nota de interpellação

Pretendo interpellar os srs. presidente do conselho e ministro das obras publicas, ácerca do uso que fizeram da auctorisação concedida na lei de 26 de janeiro de 1876, pelo que respeita ao caminho de ferro da Beira Baixa. = Vaz Preto.

Foram expedidos.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia, que é a discussão do parecer n.° 270.

Leu-se na mesa e é o seguinte:

Parecer n.° 270

Senhores. - A commissão especial eleita para estudar e dar parecer ácerca do projecto de lei regulamentar dos artigos 39.° e 40.º da carta constitucional da monarchia tendo dedicado ao estudo da materia a attenção que a importancia e a magnitude do assumpto reclama, vem hoje submetter á sabedoria das vossas deliberações o resultado dos seus trabalhos.

Divide-se o projecto em tres partes distinctas, as quaes, ainda que entre si tenham intima ligação, podem sem inconveniente ser apreciadas separadamente, e por isso a vossa commissão exporá tambem a respeito de cada uma d'ellas a sua opinião em separado.

Destina-se a primeira parte do projecto a estabelecer as regras e a regular as condições em que os pares do reino podem ser nomeados pelo Rei e admittidos a tomar assento na camara. A segunda destina-se a estabelecer as condições em que devem ser admittidos a fimccionar os pares que por direito hereditario obtiveram esta dignidade. Á terceira, finalmente, tem por fim declarar os casos em que se perde a dignidade de par do reino, e aquelles em que se suspendo o exercicio das funcções inherentes a esta alta magistratura. O conjimcto de todas as disposições contidas no projecto constituirá, se merecerem a approvação do parlamento, a lei organica do pariato.

Não é nova entre nós a tentativa de fazer uma lei organica da camara dos pares. Quem examinar os annaes parlamentares relativos aos annos de 1842 a 1845 achará ahi sobejas provas das diligencias e esforços que para isso fizeram es antigos membros d'esta camara, entre os quaes ainda se achava a mais distincta parte dos insignes varões e eminentes homens d'estado que, com sua intelligencia ou com a sua espada, poderosamente concorreram para a restauração politica o liberal de 1834. - Não se fez então tudo, nem se construiu obra perfeita, mas muito se trabalhou, e alguma cousa se adiantou; porque, alem das lições que pelos nossos antecessores nos foram deixadas, nas quaes muito temos que aprender; dos exemplos que elles nos deram, nos quaes temos muito que imitar e seguir; dos principios que proclamaram, e que devem merecer todo o nosso respeito,
legaram-nos as disposições decretadas na lei de 11 de abril de 1845, a qual ainda hoje vigora, e que nós n'esta occasião somos chamados a melhorar e a additar.

Não se trata pois, senhores, nem tratar se podia, de resolver e determinar a fórma por que deve ser constituido, entre nós, o poder legislativo, nem do alguma outra questão relativa á ponderação dos poderes nas quaes os homens d'estado jamais ousam tocar sem susto e sem hesitação. - Estas questões estão resolvidas na constituição, e portanto fóra da luta dos partidos. - A carta estabelecendo e constituindo duas camaras legislativas com origem differente, reconhecei: e deu sancção a uma verdade, a uma maxima da sciencia politica, admittida já como axioma pela generalidade dos publicistas e dos homens d'estado, quasi universalmente adoptada em todos os povos civilisados como garantia de estabilidade e de liberdade. - A historia, disse sabiamente o tão distincto quanto infeliz conde de Rossi, ensina que as revoluções se fazem por meio das assembléas unicas, mas que se desfazem pelo auxilio e cooperação das duas camaras: - e não é menos digno de notar-se, observou prudentemente um ministro do segundo imperio, quanto tem sido precarias as constituições, monarchicas ou republicanas, que se recusaram e, admittir as segundas camaras, e quanto, pelo contrario, tem sido duraveis aquellas que as admittiram. - A revolução de 1648 na Inglaterra foi obra do longo parlamento, e a de 1688 conservou o systema das duas camaras que a restauração já tinha restabelecido. A impotencia das constituições de 1791, 1793 e de 1848 em França, contrasta perfeitamente com a estabilidade da constituição ingleza o as dos Estados Unidos da America, que admittiram e ainda conservam as duas camaras.

Em verdade; ha principios que são communs a todos os povos e a todas as fórmas do governo, que são inherentes a todo o regimen legal, condições impreteriveis de todo o governo regular, e termos de conciliação entre os direitos do governo e os da liberdade do cidadão.

O primeiro d'estes principios é o da separação dos poderes.- Se num estado aquelle que faz a lei é o menino que está encarregado de a executar e applicar não ha ahi senão tyrannia, seja qual for o nome com que se pretenda disfarçal-a, e o chefe d'estado não e senão um dictador.

Um outro principio, do mesmo genero, que não tem menor fundamento na rasão, nem menos auctoridade na pratica, é o da divisão da acção legislativa, ou da instituição de duas assembléas deliberautes. - Em toda a sociedade constituida em estado ha sempre grandes perigos que

Página 129

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 129

temer e acautelar, nascidos do arrebatamento, da precipitação, do ardor e da violencia das paixões da politica; e estes perigos são muito mais a receiar quando ha só uma assembléa unica, filha do suffragio popular, accessivel a todas as impressões do momento, susceptivel e facil de se deixar dominar pelas impaciencias da occasião e da hora presente. Não deve conceder-se tudo á força impulsiva: cumpro que á força da resistencia seja dada a sua parte correspondente, para que da acção d'estas duas forcas resulte um regimen devidamente ponderado, que permitta todas as reformas uteis e evite as revoluções.

É precisa, pois, uma segunda camara, uma assembléa, que menos sujeita ás influencias externas e ás paixões, mais pacifica e socegada, mais estavel, mais reservada, menos disposta ás mudanças e ás innovacões, que reprimindo o ardor da camara popular quando intempestivo, e moderando-lhe os movimentos irreflectidos, prepare a opinião publica para receber as leis e as instituições que parecerem uteis ao paiz, e sirva, ao mesmo tempo, de intermediario conciliador entre o poder executivo e a camara electiva.

Esto principio da divisão da acção legislativa não é privativo dos governos monarchicos nem dos republicanos. Em todos os povos onde a liberdade se pratica regularmente no antigo e no novo mundo, tem sido sempre assim comprehendido e observado, constituindo-se um corpo intermediario, destinado a fazer contrapeso á opinião popular representada na camara dos deputados. A antiguidade praticou-o e tirou d'elle proveito, pois entre os senados de Sparta, de Roma e de Carthago, o areópago o senado de Athenas, e as modernas camaras altas existem grandes similhanças e muitas anaogias. No tempo presente é só a Grecia na Europa, o Mexico, Bolivia e o Honduras na America que fazem excepção á regra geral; mas as convulsões politicas por que tem passado, e que ainda agitam ou destroem estes estados infelizes, não podem convidar a que taes exemplos sejam seguidos e imitados.

Reconhecida a necessidade de uma segunda assembléa politica e legislativa é claro que nem as duas camaras podiam confundir-se na mesma origem, nem a composição da primeira podia coherentemente ser confiada aos mesmos elementos que concorrem para a composição da camara popular. - Duas assembléas que emanassem do mesmo principio e tivessem a mesma origem seriam sempre dominadas pelo mesmo espirito ou pelas mesmas paixões, e o principio da estabilidade, ficaria privado dos seus defensores naturaes, dos seus alliados indispensaveis.

Alem de que, na sociedade existem muitos interesses que devem ser protegidos contra a dominação exclusiva do suffragio popular, ao qual concorrem a titulo igual quasi todos os cidadãos sem diffcrenca alguma, quarquer que seja a sua capacidade, a sua educação, as suas luzes, e a situação social adquirida pelo emprego util do talento, do trabalho, e da fortuna. - As assembléas assim nascidas são sempre o reflexo e a imagem da maioria numerica que as creou, e não dão representação proporcional nem ao merito, nem aos serviços, nem, áquillo que por qualquer titulo se eleva acima do vulgar.

Foi por isso que o nosso legislador, seguindo os exemplos e tradições dos estados monarchicos da Europa, e as idéas que dominavam entre os publicistas mais notaveis da epocha, repellindo a intervenção do principio electivo na designação e escolha dos membros da primeira camara, admittiu e sanccionou a combinação do dois elementos distinctos, mas homogeneos - a nomeação regia, com livre accesso para todos sem excepção algum a, para premiar o merito e os serviços - e a herança, para prudentemente contrabalançar a influencia do poder executivo, e produzir o respeito que é devido á tradição e á independencia da opinião -.

Não quiz o legislador constituinte confiar a constituição da primeira camara nem á exclusiva e directa eleição popular, nem á indirecta ou mixta pela apresentação de candidaturas nascidas da mesma eleição. - Da eleição directa nasceria inevitavelmente a repetição da camara dos deputados, da camara popular, e portanto a duplicação da mesma representação. Seria a mesma camara repartida em duas secções. - E a apresentação de candidaturas electivas, na opinião e parecer do mesmo legislador, não serviria senão para, frouxa e fracamente, dissimular a origem commum das duas assembléas, ou a identidade do principio, valeria o mesmo que a eleição directa, seria a sua reproducção sob outra fórma. - O systema das candidaturas, mais seductor que o da eleição directa e exclusiva, importaria a imposição ao chefe do estado de candidatos emanados do mesmo principio, dominados pelo mesmo espirito e pelos mesmos interesses; e, encerrado - dentro de um circulo apertado, o Rei seria coagido a constituir um corpo homogeneo com a camara popular. Este systema, não seria mais que uma formalidade, vã e illusoria, que não deixava a ninguem nem o merito da escolha, nem a responsabilidade da nomeação.

A camara alta ou senatorial foi assim constituida para ser a alliada natural do principio da auctoridade; para ser o seu baluarte e fortaleza contra a invasão successiva e immoderada do espirito de innovação; - para ser o corpo politico destinado a defender a corôa contra as aggressõos da demagogia; - á corôa, portanto, devia pertencer a escolha dos membros d'essa camara, a designação dos seus defensores. - E na verdade, que poderia dizer-se, ou como deveria ser considerada uma camara de deputados que fosse escolhida com a intervenção do Rei, e para a qual ou a corôa propozesse candidatos entre os quaes unicamente o suffragio popular podesse ser exercido, ou em que ella nomeasse d'entre os que lhe fossem propostos pelos comicios eleitoraes?!

A nomeação de pares ou senadores, não importava para o legislador constituinte, uma questão de pariato unicamente, - era tambem questão de realeza e de monarchia. Privar o Rei da faculdade de nomear os membros da primeira camara seria o mesmo que decretar o seu isolamento e collocal-o entre duas eleições,- entre duas democracias. N'este caso, dizia Cazimiro Perier, o throno não seria mais que uma cadeira, o Rei seria um presidente, e a monarchia seria uma republica.

Ao Rei, a este ser que não morre, a esta instituição que é permanente, e o apoio de todos os interesses permanentes da sociedade, não podia ser negada, pelo legislador da constituição, a faculdade da nomeação dos membros da camara alta. Só elle, pela elevação em que está, póde bem discernir quaes os cidadãos que, pelo seu caracter, pela sua posição, pelos seus antecedentes, e pelos seus serviços, devem ser chamados a exercer a alta magistratura politica confiada aos membros da camara dos pares; - e foi por isso que sabiamente se estabeleceu na carta que a nomeação dos pares fosse attribuição exclusiva da corôa, e que não ficasse limitada, nem fosie restringida, pela fixação de numero certo e determinado. - A illimitação do numero era uma condição essencial para poder conservar-se a harmonia entre as duas camaras, e o unico meio de pacificamente se resolverem os conflictos que entre ellas podessem occorrer.

Effectivamente; quando, no jogo regular das instituições constitucionaes, a camara dos deputados deixa de representar a opinião da nação, ou de corresponder ás necessidades do paiz, o Rei póde dissolvel-a. Se é o ministerio que não corresponde ás exigencias do estado, o Rei póde demittil-o. Mas se é a camara dos pares que, tornando-se facciosa, impossibilita ou impede o regular andamento do governo, não podendo ser dissolvida, não ha outro meio, para restabelecer, a harmonia e deslocar uma maioria intransigente, senão a faculdade de nomear novos pares.

Sem a faculdade de dissolver a camara dos deputados, a de demittir os ministros, e a de nomear novos pares, o governo representativo seria impossivel. - Em casolde conflicto, ou de desaccordo entre alguma d'estas rodas essenciaes,

Página 130

130 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

não restaria outro recurso senão a revolução ou o golpe de estado.

Todo o poder que não tem contrapeso converte-se em despotismo. No governo constitucional a realeza é contida pela responsabilidade dos ministros. A camara dos deputados póde ser contida pela imminencia da dissolução, e a camara dos pares não póde ser contida senão pelo receio de nomeações novas. O direito de nomear pares corresponde, no jogo do governo parlamentar, á faculdade de demittir os ministros e á de dissolver a camara dos deputados.-Esta faculdade constitue um recurso heroico, applicavel só em casos graves e extremos, para salvar a liberdade ou algum grande interesse do estado, e da qual nada ha que receiar, porque o Rei nunca governa só, mas precisa, sempre, do concurso dos ministros: e desde que o principio da responsabilidade ministerial está sanccionado na constituição, - desde que existe uma camara popular deliberante que com a sua intervenção concorre para a escolha dos ministros, e da qual depende a sua conservação, - desde que a confiança da nação é tão necessaria aos ministros como a confiança do Rei para o exercicio do poder, as instituições não correm perigo. - Com a responsabilidade ministerial a nação é sempre senhora dos seus destinos, sejam quaes forem as faculdades que compitam ao chefe do estado, e os defeitos ou imperfeições que possam notar-se na constituição. Com responsabilidade ministerial jámais se póde temer um governo pessoal.

Bastaria, porém, e seria sufficiente que a camara dos pares fosse nomeada pelo Rei, e não tivesse numero fixo para corresponder plenamente á missão a que é destinada, de medianeira e intermediaria entre os outros dois orgãos da soberania, fazendo-os manter sempre nos justos limites marcados á sua auctoridade? - Teria esta magistratura o poder, a independencia indispensavel para corresponder ao seu fim? - Seria ella bastante animada dos sentimentos de estabilidade que deve constituir o seu caracter?

Ao nosso legislador constituinte pareceu que não, e foi por isso que, alem de a tornar dependente exclusivamente da nomeação regia e de lhe dar a garantia da inamobilidade, a constituiu tambem hereditaria.

Não nos pertence discutir agora este principio, nem nos compete apreciar n'esta occasião a gravissima questão de hereditariedade do pariato, a qual tem dividido as opiniões dos mais eminentes publicistas, a dos homens d'estado mais notaveis, e a respeito da qual ainda estão divergentes as constituições dos paizes mais prosperos, mais livres e mais bem governados da Europa. - Este problema, para nós, está resolvido na constituição, e falta-nos a jurisdicção constitucional precisa para de novo a pôr em litigio e sujeital-a a nova resolução. - Escusado e inutil é portanto dar-lhe aqui o amplo desenvolvimento que comporta; mas não podemos fugir á tentação, e ao dever, de indicar que, no espirito da carta e na intenção do legislador, a hereditariedade do pariato não significa a idéa, nem envolve o pensamento, de estabelecer uma oligarchia de casta e de privilegio, isenta do cumprimento da lei, e da observancia da preceitos do direito commum.-Dizer que a hereditariedade do pariato constitue um privilegio, ou que offende o principio de igualdade, exclamava Mr. Thiers em 1831, é desconhecer que o pariato está aberto a todos os homens eminentes de todas as origens.

A hereditariedade do pariato foi estabelecida na carta para garantir a independencia da instituição, e para obviar á excessiva ascendencia que sobre ella teria o principe se fosse creatura exclusivamente sua, tornando mais raras as occasiões de fazer uso da prerogativa, e dos pretendentes recorrerem a elle. Não significa hostilidade contra o principio da liberdade, é, pelo contrario, uma garantia para ella, porque é um contrapeso posto á corôa, emquanto lhe diminue os meios de preponderancia e de influencia.

Muitos paizes na Europa ha ainda que são prosperos, livres e bem governados, e que admittem e conservam esta instituição. - Entre nós, a hereditariedade do pariato é um facto constitucional, do qual, em differentes periodos da nossa pequena historia moderna, já temos tirado fructo e proveito, porque o pariato na nossa terra nunca foi hostil á liberdade nem ao progresso util, e a justiça da nação não poderá esquecer os seus serviços.

Não desconhecemos, nem negâmos, que de todas as instituições constitucionaes a hereditariedade do pariato é aquella que com mais persistencia é repellida pela opinião, a qual se pronuncia sempre com tal violencia e paixão, que póde fazer nascer duvidas nos espiritos, ainda mais convictos, não ácerca da necessidade, mas sobre a possibilidade da sua conservação e permanencia. Apesar d'isto; reconhecendo quanto é imperiosa a força e a corrente das idéas, diremos com Benjamin Constant que, se é difficil introduzir o pariato hereditario nos paizes onde não existe, ha grande conveniencia e utilidade em conserval-o n'aquelles em que existe com vantagem.

II

A nomeação dos pares pertence ao Rei. - O pariato é hereditario. Mas o direito que tem a corôa de nomear pares será amplo, absoluto e illimitado?

Poderá o Rei, arbitraria e incondicionalmente, exercer esta prerogativa fóra de todas as condições de capacidade, escolha e acerto?

Poderá o principio da hereditariedade ser executado o applicado illimitadamente sem condição alguma de garantia para a sociedade e para o estado?

Poderá o exercicio do pariato depender, só e exclusivamente, do acaso do nascimento e da morte?

Deverá o exercicio d'esta magistratura ser uma consequencia inevitavel, impreterivel, forçosa, do facto da herança e da successão?

Que regras podem ser postas para o exercicio da faculdade que compete á corôa, e do direito que resulta da herança?

Quem póde estabelecer essas regras e legislar essas garantias necessarias ao bem da sociedade e do estado?

Taes são, senhores, as questões que o projecto submettido á nossa approvação procura resolver, - ou directa ou implicitamente.

Se a existencia de uma camara alta se admitte e justifica como protesto solemne contra o imperio exclusivo do principio do numero e como segurança de estabilidade nas instituições, - como garantia de madureza e de sabedoria na organisação das leis e na direcção dos negocios do estado, - como elemento protector e conservador de todas as forças vitaes da sociedade, as materiaes, as intellectuaes e as moraes, - e finalmente, como intermedio mediador entre o poder executivo e a camara popular; - é claro, é manifesto, que a entrada na camara senatorial e o exercicio d'esta alta magistratura politica, deve ser reservada, sempre e só, aos cidadãos eminentes e distinctos pela intelligencia, pela educação, pelos serviços prestados ao paiz, e pelos grandes interesses que representam; - a todos aquelles que, sem differença de origem, se elevam acima do commum e do vulgar; - a todos os recem chegados do talento e do trabalho, em fórma a attestar que o principio da igualdade civil e politica, admittida e proclamada nas nossas leis, se distingue essencialmente do nivelamento grosseiro e baixo que annulla todas as superioridades legitimas.

Em todas as sociedades, senhores, ainda nas mais igualitarias e democraticas, forma-se sempre uma classe de homens distinctos pola intelligencia, pelo talento, pela coragem e pelos serviços; e é aos representantes deáta classe que deve pertencer, a quem compete, o exercicio da alta magistratura politica a que nos referimos, para lhe dar lustre e prestigio superior ao nivel do corpo politico que é nomeado pelo suffragio popular.

Esta primeira classe constitue, em verdade, e constituirá sempre em toda a parte, minoria; mas é certo tambem que o governo dos estados foi e será sempre obra

Página 131

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 131

e officio da minoria. O povo, - a generalidade dos cidadãos, sem distincção de fortuna, de capacidade e de situação, nunca constituiu, nunca foi capaz de constituir governo estavel. A democracia pura nunca existiu, nem mesmo nas republicas as mais igualitarias da antiguidade. Os cidadãos que ahi exerciam direitos politicos eram muito poucos, e as classes que formavam aquillo a que hoje chamamos povo estavam privadas de direitos, até mesmo dos civis. - eram escravos. Em Athenas havia 20:000 cidadãos para 300:000 escravos, e em Roma os cidadãos estavam divididos em classes ou categorias, de modo que a plebe exercia uma parte minima do poder publico. Nas florecentes republicas da idade media, em Genova, em Veneza e nas cidades Hansiaticas o poder estava na mão de uma minoria pouco numerosa, mas forte pela intelligencia e pela riqueza, a qual ainda hoje serve de base e de alicerce aos modernos governos constitucionaes. Assim, a direcção dos negocios do estado pertenceu e pertencerá sempre á minoria, á classe que possue capacidade politica, e que dá garantias de ordem e de independencia.

Tal é a natureza das cousas. Este phenomeno observa-se sempre, e sob o imperio dos governos os mais differentes, e e tal a sua força, que nem as revoluções são capazes de o destruir e eliminar, pois logo que a tempestade passa, esta primeira classe, esta classe directora, reconstrue-se e organisa-se, sob bases mais largas ás vezes e juntando novos elementos, mas ficando sempre minoria.

A camara alta, esta camara conservadora, deve ser recrutada exclusivamente entre essa minoria, entre essa aristocracia do merito, da riqueza e dos serviços que em toda a parte é constituida pelos homens distinctos e pelas summidades sociaes. - Assim pois; como poderão negar-se as vantagens, ou desconhecer-se as conveniencias, tanto para o estado como para o proprio soberano, de se indicarem, por meio de regras geraes previamente estabelecidas na lei, quaes são essas summidades que devem ter entrada na camara alta, em fórma a prevenir o erro ou a surpreza, a impedir as nomeações de favor, e a moderar as ambições que não têem justificação possivel nos serviços?

É certo que com exactidão mathematica não é possivel fixar, nem delimitar, onde começa e onde acaba essa classe superior e distincta a que aqui nos temos referido; mas quando se trata de factos moraes e politicos não é precisa a exactidão mathematica, bastam as approximações: - por isso, e como regra geral podemos dizer, que as summidades sociaes para constituir a primeira camara, a camara dos próceres do reino, devem procurar-se entre os representantes de todas as forças que dão vida á sociedade; - nos representantes dos interesses materiaes, e principalmente da propriedade territorial, a qual offerece sempre garantia solida de ordem e de conservação; - nos representantes dos interesses moraes, entre os quaes, e em primeiro logar, figura a religião, que moralisa o homem, e que é capaz de preserval-o contra a seducção das doutrinas
anti-sociaes; - veem depois as letras, as sciencias e as artes, que fazem o brilho e o esplendor da nossa civilisação, e que são o titulo mais bello da sua gloria; - em seguida, vem o exercito e a magistratura, que são a nossa salvaguarda;- a agricultura, que é o fundamento de todas as instituições estaveis; - o commercio e a industria, finalmente, que fazem a prosperidade das nações.

O que fica dito relativamente aos pares nomeados pela corôa, procede a respeito d'aquelles que adquirem esta dignidade pelo direito hereditario. - Muita mais rasão ha para que seja preciso estabelecer condições de garantia para o exercicio do pariato áquelles que por titulo de herança são chamados á mais alta magistratura de estado, do que áquelles que são escolhidos e nomeados pelo Rei. Emquanto a estes poderia dizer-se que existe a garantia da escolha do soberano e da responsabilidade dos ministros, mas quanto aos pares hereditarios, nem essa ténue e insufficiente garantia existe; por isso, mais, muito mais, indispensavel é que sejam acautelados os perigos que podem resultar ao estado, e á propria instituição, do principio incondicional e illimitado da hereditariedade.

Porque o pariato é hereditario não póde seguir-se, necessaria e inevitavelmente, que todo e qualquer herdeiro de par fallecido deva ser admittido a tomar assento na camara alta, sejam quaes forem as suas condições pessoaes e sociaes, - tenha, ou não tenha, meios de subsistencia, - seja rico ou proletario, - tenha, ou não, vida honesta e costumes probos,- quer seja bem considerado na opinião publica, quer-seja por ella stigmatisado, - seja habil e apto para exercer as altas funcções do pariato, ou seja inhabil e inepto, - quer esteja no goso e uso completo das faculdades intellectuaes, quer seja imbecil ou sandeu.

Se a lei constitucional exigiu nos artigos 65.° e 66.° condições de independencia e de capacidade para qualquer cidadão ser eleitor e elegivel para uma junta de parochia, para uma camara municipal, para uma junta de districto, e finalmente para a camara dos deputados, como poderia o mesmo legislador ter a intenção e o pensamento de dispensar proporcionaes condições de garantia para o exercicio da mais alta e da primeira magistratura do estado?

Acresce que, se o principio de hereditariedade do pariato está sanccionado na carta, não estão ahi especificadas as regras e a ordem da successão. E, se não se organisava uma lei regulamentar, como poderia dizer-se se o pariato deve ser transmittido por herança testamentaria ou só pela successão legitima, se deve seguir a linha recta da successão ou se tambem a collateral, se n'elle succedeu as femeas ou só os varões, se ha de seguir todos os graus de successão in infinitum ou se para em algum, e aonde?

Todas estas duvidas e incertezas, naturalmente nascidas da generica e apparentemente incondicional disposição da lei, appareceram na pratica logo que a carta foi promulgada, a resolução das quaes não podia deixar de competir ao legislador ordinario porque, de outro modo, o principio de hereditariedade seria inapplicavel e ficaria suspenso. - Tanto mais necessarias eram estas providencias que, estando admittidas pela legislação, da epocha em que foi promulgada a carta, differentes ordens de successão, taes como a dos vinculos, a dos bens da corôa, a dos prazos, e a dos bens allodiaes, era forçoso que por medida legislativa se declarasse qual d'estas ordens de successão devia seguir-se e ser observada na hereditariedade do pariato, e que ao mesmo tempo se estabelecessem todas as mais condições indispensaveis para o exercicio do pariato, prevenindo-se por este modo, ou quanto possivel attenuando-se, os inconvenientes que resultariam do principio absoluto e illimitado da hereditariedade. - Foi o que effectivamente fez a lei de 11 de abril de 1845, na qual a experiencia de mais de trinta annos tem mostrado que é urgente introduzir modificações e additamentos accommodados ás circumstancias do tempo e ás necessidades da occasião, e é o que nós, n'esta occasião, somos chamados a fazer.

Admittida a conveniencia, a utilidade, e a necessidade de se marcarem regras certas, pelas quaes se deva dirigir o poder moderador na nomeação dos pares, e por que deva regular-se o direito successorio do pariato, qual é a auctoridade que tem poder e jurisdicção constitucional para legislar essas regras?

Podemos nós, em legislatura ordinaria, estabelecer essas regras ou decretar taes preceitos?

Acaso, attribuindo-nos poderes para tanto, não ultrapassaremos os limites da nossa jurisdicção e competencia constitucional marcada no artigo 15.° da carta?

Não serão precisos poderes especiaes e extraordinarios de revisão, nos termos do artigo 142.°?

Não desconhecemos que no animo e no espirito de muitos e mui respeitaveis homens publicos tem havido, e ha ainda, duvidas e incerteza a este respeito, opinando alguns que, para se legislarem as regras a que nos temos referido, para!se estabelecerem categorias dentro das quaes unicamente o po-

Página 132

132 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

der moderador possa exercer a sua prerogativa, e se verifique o direito successorio do pariato, não são bastantes os poderes ordinarios da legislatura, mas se precisam poderes extraordinarios e especiaes, como para os casos de revisão constitucional.

Respeitando estas opiniões, convencidamente adoptâmos e seguimos parecer opposto e opinião contraria.

Entendemos que nos poderes de legislatura ordinaria cabe a faculdade de regulamentar ou completar as as disposições dos artigos da carta a que nos temos referido, e a de estabelecer categorias, assim para a nomeação como para a successão, para que, em logar dos beneficios e vantagens que o legislador constituinte teve em vista, não resultem os inconvenientes e perigos sociaes que o mesmo legislador quiz acautelar instituindo uma primeira camara legislativa.

O estabelecimento de categorias não importa limitação, restricção, ou cerceamento da faculdade constitucional dada ao Rei; - destina-se, pelo contrario, a esclarecer a consciencia do monarcha, e a dirigil-o na sua escolha; - ou, como dizia n'esta casa o nosso fallecido e chorado collega conde do Lavradio, - não tem por fim coarctar o poder moderador, mas sim fortifical-o, para evitar as ciladas dos maus ministros.

A prerogativa regia, apesar da apparente generalidade da disposição constitucional, não é, não póde ser, ampla, absoluta, illimitada, incondicional e arbitraria. - Tem limitas moraes e naturaes, e são os que resultam da rasão politica que justifica a instituição da primeira camara, dos fins a que ella se destina, e da missão que lhe está incumbida. - Se a instituição da camara alta, da camara senatorial, tem por fim moderar os impetos o arrebatamentos da camara popular, - servir de conciliadora e intermediaria, mitigando os impulsos que veem de baixo e resistindo ás arbitrariedades que vierem de cima, - desempenhar a missão de elemento conservador e de estabilidade na formação das leis e na direcção dos negocios d'estado, - segue-se, incontestavelmente, que o Rei não póde, sem faltar á sua propria missão e sem abusar das faculdades que a constituição depositou na sua mão nomear membros da camara alta senão ás pessoas que têem os requisitos e reunem as circumstancias ou condições indispensaveis para bem desempenhar as funcções que pela constituição do estado estão marcadas á camara dos pares.- Pois, porque a carta concedeu ao Rei a nomeação dos pares, poderá dizer-se que o legislador constituinte quiz aitribuir-lhe a faculdade illimitada e arbitraria de nomear pares fóra de todas as condições intellectuaes, moraes e sociaes, impre-teriveis para poderem desempenhar a difficil e elevada missão que está confiada á camara dos pares?

Poderá racionalmente dizer-se, exclamava aqui o digno par a que já nos referimos, que, ao Rei é permittido nomear par do reino a um condemnado a trabalhos publicos? - A faculdade do Rei está moralmente limitada pelos fins da instituição do pariato, e se o Rei não pôde, nem moral nem constitucionalmente, ultrapassar esses limites sem commetter abuso da auctoridade que a constituição confiou á sua guarda e deposito, é visto que a legislatura ordinaria convertendo em preceito positivo de lei escripta esses limites, não desconhece, não offende, não ataca o principio e a prerogativa constitucional, mas dá, estabelece e sancciona uma garantia para o seu leal, fiel cumprimento e execução. Não restringe nem limita a prerogativa regia, mas esclarece a consciencia do Rei dirigindo-o na escolha que deve fazer, a fim de prevenir os erros possiveis, de evitar os enganos, e de acautelar os abusos. - Aquillo que ao Rei não era licito moralmente fazer, fica-lhe defezo legalmente. O que era impossivel moral, fica sendo tambem impossivel legal. - Nem com isto ficam mais restringidas as suas faculdades constitucionaes, porque a liberdade do erro, a liberdade do engano a liberdade do abuso não se comprehende, não se admitte, não póde suppor-se que estivesse na mente ou na intenção do legislador constituinte.

A legislatura ordinaria convertendo era preceito legal aquillo que já era preceito da rasão e da moral, não pratica excesso de poder, aliás tambem se poderia dizer que o legislador, tendo sanccionado com a imposição de penas a prohibição de homicidio e do roubo, excedeu os limites da sua jurisdição e competencia.

Demais: - de todas as attribuições, faculdades e direitos constitucionaes, que a carta dá e confere aos differentes poderes publicos do estado, nenhum ha que não seja susceptivel de ser regulamentado, excepto o de nomear os ministros da corôa.

Pertence ao executivo nomear os empregados do estado, e nenhuma limitação expressa ha na constituição que restrinja essa attnbuiçao; no emianto muitas vezes, e em muitos casos, se têem estabelecido, por lei ordinaria, regras e precauções tendentes a dirigir o poder executivo na escolha, admissão e accesso dos empregados publicos, exigindo-se, ciano garantias de capacidade, os concursos previos.

E poderá dizer-se, por isso, que as faculdades e as attribuições do poder executivo foram cerceadas, limitadas ou restringidas, e portanto que o legislador exorbitou das suas attribuições constitucionaes, ou que as leis assim feitas são inconstitucionaes?

Pertence do mesmo modo ao executivo nomear magistrados. - Esta attribuição está redigida na carta com tanta amplitude como a de nomear pares. Nenhuma limitação, nenhuma restricção, nenhuma cautela, nenhuma garantia de bom e discreto uso está ahi prevista e legislada. E poderá dizer alguem que ao executivo cabe a faculdade ampla e illimitada de nomear, para exercer as funcções da magistratura, um homem qualquer, um simples cidadão, que não tenha condições scientiiicas de bom desempenho das funcções judiciaes? Ninguem o dirá. - Esta attribuição constitucional está natural e essencialmente limitada pela natureza das funcções que são incumbidas aos juizos e aos magistrados. Ao prudente arbitrio e ao uso discreto do poder executivo confiou a carta constitucional o direito e faculdade de nomear os juizes mas para o dirigir e guiar no exercicio d'esta attribuição veiu a lei, feita na legislatura ordinaria, estabelecer regras certas de admissão ao quadro judicial e condições de accesso, sem que por isso se entendesse que eram cerceadas ou restringidas as atiribniçõcs do poder executivo.

O mesmo se poderia dizer relativamente á nomeação dos officiaes militares do exercito e da armada. - A faculdade de nomear os commandantes da força publica pertence ao executivo, e está legislada na carta com tanta amplitude e illimitação como a da nomeação da magistrados e dos pares do reino. E poderá dizer-so que tendo a lei posterior e ordinaria estabelecido regras e condições de admissão e de accesso ao quadro do exercito e armada, commetteu um excesso de poder e abuso, ou que praticou uma invasão nas attribuições do poder executivo, e que portanto é inconstitucional? - A propria faculdade de conceder amnistias e indultos tem sido, e em parte foi, regulamentada pelas disposições dos artigos 105.º e seguintes do codigo penal, mas ninguem se escandalisou porque n'uma lei ordinaria foram determinadas regras para exercicio d'esta prerogativa. Ninguem disse que o codigo penal era inconstitucional, e que o legislador ordinario havia praticado uma invasão nas attribuiçoes do poder moderador.

Repetindo, pois, diremos - que de todas as faculdades constitucionaes que a carta confere aos differentes poderes politicos do estado só uma, a de nomear os ministros da corôa, é que não comporta regulamentação; e foi para isso que na carta se declarou, explicita e terminantemente, que o Rei nomeia livremente os ministros; declaração que não se encontra em mais parte alguma, o que designa uma especialidade, privativa e unicamente applicavel á nomeação dos ministros. -Apesar do que, bem podemos dizer, ainda que esta faculdade do Rei não póde ser exercida arbitraria e incondicionalmente, porque desde que ás camaras legislativas pertence e compete a votação do imposto, e desde que a

Página 133

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 133

confiança das camaras é tão essencial ao exercicio do poder com a confiança do Rei, póde sustentar-se que esta attribuição da corôa está realmente limitada, está sujeita a regras e a condições que excluem o arbitrio.

É de ver de todos aquelles a quem cumpre dar observancia e execução ás disposições da carta interpretal-as sempre scientifica e racionalmente, de modo que da sua execução não resultem inevitavelmente consequencias absurdas ou desastrosas, etaes que o exercicio regular, o jogo natural dos differentes orgãos da soberania nacional seja impossivel, ou que o estado não possa ter vida normal. - Se esta não fosse a norma por que em differentes epochas se dirigiram os legisladores nossos antepassados, como poderiam elles ter estabelecido a lei do censo eleitoral de um modo e fórma tão differente da que estava legislada nos artigos 65.° e seguintes da carta constitucional? Como poderiam elles ter decretado, por duas vezes, uma lei da regencia distincta, differente, e totalmente diversa da que está estabelecida na carta? Como poderiam elles, por duas vezes tambem ter dispensado na clara, expressa, terminante, e incondicional disposição do artigo 90.° da carta? Como poderam elles, ainda, ter dispensado uma vez na disposição do artigo 91.°?

Longe, muito longe, nos levaria a indicação das rasões da perfeita analogia que existem entre todos estes precedentes e a materia do projecto de que agora nos occupâmos. Esta demonstração excederia os limites rascaveis de um parecer e relatorio destinado a esboçar as principaes rasões da justificação do projecto que está confiado aos nossos estudos: - persuade-se porem a commissão que, sem perigo de ser contestada, póde assegurar que todas as rasões de sciencia, de boa politica e de conveniencia publica que tiveram os nossos antepassados para adoptar as leis e as providencias que ficam indicadas, são hoje applicaveis em tudo ao caso e á materia de que se trata. - Não póde porém a vossa commissão dispensar-se, ainda, de dizer que a opinião que apresenta, e que submette á vossa approvacão, está recommendada pelos exemplos e precedentes das legislações das nações estrangeiras que vivem sob o regimen, constitucional e representativo. - A carta constitucional franceza estabelecia a existencia de uma camara de pares nomeada pelo Rei sem outra alguma condição, mas pela lei de 29 de dezembro de 1831 não só foram estabelecidas categorias dentro as quaes unicamente o Rei podia escolher pares, mas foi declarado tambem que as condições de admissibilidade ao pariato, isto é - que as categorias poderiam ser modificadas por uma lei ordinaria.

Esta disposição de lei de 1831 é importante, para a materia de que tratâmos. O legislador indicou clara e distinctamente a differença que havia, não só entre o poder constituinte e o legislativo ou constituido, mas tambem a que havia entre a natureza ou caracter constitucional da camara alta e as condições de admissão dos seus membros; preceituando que a natureza e o caracter da camara dos pares não podia soffrer modificações, mas que as condições de admissibilidade ao pariato podiam soffrer alteração e entravam na esphera da legislatura ordinaria.

Temos, alem d'isto, outros exemplos e precedentes tirados das constituições da nação vizinha. Pelo artigo 15.° da constituição hespanhola de 1845, foi declarado que as condições necessarias para ser nomeado senador poderão variar por uma lei. Esta mesma declaração se encontra, ipsis verbis, transcripta no artigo 15.° da reforma constitucional de 17 de julho de 1857. - E para nada faltar de auctoridade e de valor que possa recommendar a opinião que aqui sustentâmos, ainda- na ultima constituição da monarchia hespanhola, promulgada em 2 de julho de 1876, se encontra o artigo 23.° que diz: "as condições necessarias para ser nomeado e eleito senador poderão variar por virtude de uma lei".

Em sentido opposto providenciou a constituição imperial de 1870. No artigo 24.°, tratando-se da nomeação dos senadores, declarava-se: "que nenhuma condição poderia ser posta á escolha do Imperador". - Entendia e entendeu o legislador constituinte que, se esta declaração não ficasse assim expressamente feita na constituição, a legislatura ordinaria poderia estabelecer categorias, e por isso fez essa próhibição. O legislador constituinte limitou expressamente os poderes da legislatura ordinaria.

Nada ha mais claro, o mais procedente, que estes exemplos tirados das leis e das constituições dos povos que se regem por constituições analogas á nossa. Fazem ellas expressa e radical distincção entre o poder constituinte, que tinha o direito de estabelecer a camara alta e de fixar a sua natureza, e o poder legislativo ao qual ficou confiada a missão, e incumbida a obrigação de regular o modo pratico, o methodo de realisar o pensamento primitivo e a idéa primordial.

Assim a camara dos pares é hereditaria, vitalicia ou inamovivel, não tem numero fixo, e a nomeação dos seus membros pertence ao Rei, - foi esta a obra do poder constituinte, e por é isso inalteravel; - tudo quanto respeita ao methodo, ao modo e á fórma de nomeação dos pares, pertence ao poder legislativo, do mesmo modo que, estando dogmaticamente estabelecido, na carta, que a camara dos deputados seja temporaria e electiva, não se elevou o methodo e o modo de eleição á categoria de principio fundamental, ou de base cardeal da sua constituição.

Alem d'isto: - á camara, dos pares pertence o direito de verificar os poderes dos seus membros, hereditarios ou nomeados (artigo 21.° da carta), e, consequentemente, não póde deixar de lhe pertencer tambem o direito de apreciar e resolver ácerca das condições legaes da sua admissibilidade ao exercicio das funcções do pariato. O direito de nomear pares, ou o de succeder no pariato, não deve confundir-se com o exercicio das funcções do pariato. A prerogativa da ctirôa, ou direito successorio, e o exercicio do pariato são cousas essencialmente distinctas. Se a carta concede ao Rei a faculdade de nomear pares e estabelece o direito de hereditariedade no pariato, concede igualmente á camara dos pares a faculdade de apreciar e resolver ácerca da verificação de poderes dos seus membros, e de os admittir ao exercicio do pariato.

Assim; ou se ha de dizer, e suppor, que a faculdade que pertence á camara - de verificar os poderes dos seus membros - nada vale e nada significa,
cumprindo-lhe acceitar e admittir, sempre e em todos os casos, ao exercicio do pariato todo aquelle que se apresentar com uma carta regia de nomeação, sejam quaes forem as suas circumstancias legaes e moraes, o que equivaleria a supprimir a parte correspondente do artigo 21.° da carta; - ou se ha de dizer e reconhecer que na mente e na intuição do legislador constituinte esteve presente a distincção supra indicada.

O direito que pertence á camara de verificar os poderes dos seus membros, e portanto a capacidade legal d'elles para o exercicio do pariato, não é incompativel nem inconciliavel, com a faculdade e prerogativa que pertence ao Rei. Ambas estas attribuicões estão garantidas na carta, e ambas devem ser respeitadas, em modo que não se destruam reciprocamente, mas se auxiliem e se fortifiquem.

Admittida, reconhecida e justificada a distincção entre a faculdade de nomear pares e o direito de apreciar as condições legaes do admissibilidade ao exercicio do pariato, podemos dizer que as disposições do projecto, quer se considerem só e directamente, em relação á faculdade e prerogativa regia, quer se considerem tambem e conjunctamente em relação ao direito da camara verificar os poderes dos seus membros, podem muito bem ser votadas por todos, até mesmo pelos mais suspeitosos ácerca da sua inconstitucionalidade.

Nem esta distincção é nova ou inventada agora para sophismar e restringir a prerogativa regia. - É velha e antiga, porque está no nosso regimento, o qual tambem não foi feito n'esta occasião para resolver a questão que na actualidade

Página 134

134 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

nos occupa. - Está nos nossos fastos parlamentares, e na legislação dos paizes estrangeiros.

O artigo 105.° do nosso regimento, em perfeita harmonia com a disposição do artigo 21.° da carta, determina que a commissão de poderes verificará não só a carta regia da nomeação, mas tambem a idade, nacionalidade, e mais circumstancias do novo par. - Se a camara pois, por si só, podia, e póde, fixar a idade em que deve dar entrada a um novo par, é evidente que póde recusar a entrada, e portanto resolver ácerca d'esta condição de capacidade, a qual não está prevista nem foi legislada na carta.

Reconhece o regimento, que um individuo nomeado par pelo Rei, póde não ser admittido ao exercicio das funcções do pariato pela camara, que seja por causa da idade, quer por causa da nacionalidade, quer por causa de outras circumstancias essenciaes e impreteriveis, de que a carta não fez menção, e que, por isso, dependem do prudente arbitrio da legislatura ordinaria. - Se pois a camara na falta de lei ordinaria, ou se a legislatura ordinaria na falta de disposição de lei constitucional, póde estabelecer e exigir a condição de idade para ser admittido um par, nomeado pelo Rei, ao exercicio das funcções do pariato, e se póde fixar essa idade ampliando-a ou restringindo-a, não será igualmente certo que por lei ordinaria podem ser fixadas e estabelecidas todas as mais condições impreteriveis de admissibilidade para o exercicio do pariato?

Não nos faltam precedentes. Em 1826 foram nomeados muitos pares do reino, alguns dos quaes eram ainda de menor idade. A carta não havia estabelecido condição de idade para qualquer cidadão poder ser nomeado par, nem havia lei regulamentar que declarasse qual a idade precisa para tomar assento na camara, não havia tambem regimento interno da camara. - Apesar d'isso os pares menores então nomeados não tomaram assento antes de haverem alcançado a maioridade. - Não se contestou a legalidade de nomeação, mas negou-se aos nomeados a capacidade legal para o exercicio das funcções do pariato. Isto aconteceu com os dignos pares marquez de Loulé, com o nosso actual collega marquez de Ficalho, com o marquez de Ponte de Lima, com o marquez de Ribeira Grande e com outros mais. Estes factos demonstram que a faculdade do Rei nomear pares não é incompativel com o direito que assiste á camara de verificar os poderes dos nomeados, e o de apreciar as circumstancias ou condições de admissibilidade de cada um da capacidade legal dos nomeados, para entrarem no exercicio das funcções do pariato. - Precedentes mais significativos, ainda, são os que resultam do facto da rejeição absoluta da admissão ao exercicio do pariato, na sessão de 3 de janeiro de 1828, ao visconde de Rio Secco que havia sido nomeado par do reino pelo proprio dador da carta constitucional o sr. D. Pedro IV. - A camara, apreciando a legalidade da nomeação não admittiu o nomeado a tomar assento, negou-lhe a admissibilidade. Na mesma sessão foi adiada a admissão do digno par, nosso respeitavel collega marquez de Fronteira, para quando por certidão de baptismo mostrasse que tinha a idade legal. A legalidade d'estas resoluções nunca foi contestada nem posta em duvida e demonstram a verdade e rigorosa exactidão da doutrina exposta. - Mais modernamente, ainda, foi contestado aqui, por grande numero de membros d'esta camara, o direito de admissibilidade a um dos nossos actuaes collegas que havia sido nomeado par pela corôa. O resultado da votação foi favoravel á admissão do nomeado, mas se tivesse havido votação e resolução contraria, quem poderia negar á camara o direito de assim proceder? Ninguem o negou, e por ninguem foi contestado o direito e a competencia da camara para resolver e decidir ácerca de admissibilidade do nomeado.

Não faltam tambem precedentes dos parlamentos estrangeiros. Na Inglaterra, em 1856, deixou de ser acceito e admittido pela camara dos pares sir James Parcke, conhecido depois pelo nome de lord Wensleylade, o qual pela rainha Victoria havia sido nomeado par vitalicio. Este facto e exemplo prova, clara e evidentemente, que a camara dos pares está ali no direito, e na posse, de verificar a legalidade das nomeações feitas pela corôa.

Em Franca, pelo artigo 24.º da carta constitucional, estava determinado que os pares podiam ser admittidos á camara tendo vinte e cinco annos de idade, mas que só aos trinta annos teriam voto deliberativo. Esta disposição existiu e vigorou, ainda depois da abolição da hereditariedade, até 1848, e prova que ali tambem se admittia a distincção entre o direito e o seu exercicio; entre a nomeação do Rei e a verificação da capacidade do nomeado. Esta doutrina pelo Rei, póde não ser admittido ao exercicio das funcções resultava mais claramente ainda dos artigos 74.° e seguintes do pariato pela camara, quer seja por causa da idade, quer do regulamento interno da camara dos pares, o qual serviu de base e de modelo para o nosso actual regimento. - O artigo 74.° dizia: - Lorsqu'un pair a été nommé, et que l'ordonnance de sa nomination, acompagnée des titres justificatifs, est parvenue au president, celui-ci en informe la chambre dans sa plus prochaine séance. Article 75.° Trois pairs désignés par la sort sont chargés de verifier Fordonnance de nomination. Cette commission fait son rapport séance tenante-S'il ny a point de reclamation, le president declare que le nouveau pair será reçu dans Ia séance suivante. - Não bastava que a nomeação do novo par fosse communicada á camara, era preciso que esta communicação fosse acompanhada de todos os documentos justificativos. Se estes documentos não se juntavam, ou não eram conformes ao titulo da nomeação, o novo par não era admittido.- A camara tinha o direito da fiscalisação sobre as condições legaes da nomeação, e de resolver ácerca da admissibilidade dos seus membros. A distincção entre o direito de nomear, e o direito de investir na posse ao par nomeado era clara e evidente.

A constitucionalidade da doutrina do projecto parece, pois, evidente, quer se considere só e unicamente em vista da prerogativa da corôa, quer se considere tambem e ao mesmo tempo em face dos poderes da camara; - por isso a vossa commissão adoptando as provisões inicialmente contidas no projecto apresentado pelo digno par conde de Casal Ribeiro, formulou uma nomenclatura desenvolvida e detalhada de todas as notabilidades sociaes, ou dos mandatarios naturaes de todos os interesses do estado, que teem direito a ter entrada na camara alta. - Os representantes dos grandes interesses sociaes quando isolados são geralmente inertes, apathicos e indifferentes, mas quando estão reunidos em corpo, ou constituem uma assembléa politica, animam-se e inflammam-se, enchem-se de emulação, e adquirem sobre as massas uma influencia de tal modo irresistivel que chegam a dirigil-as e ás vezes a dominal-as inteiramente.

Todas as forças sociaes têem incontestavel direito a ser representadas no senado ou na camara alta, e foi por isso que nós empregámos a maior diligencia, todo o cuidado, maximo esmero, e tivemos grande escrupulo em fazer comprehender na nomenclatura das categorias senatoriaes todas as notabilidades, todas as altas capacidades, escolhidas do clero, da politica, da magistratura, dos corpos sabios, do exercito, da armada, da administração, da diplomacia, da propriedade territorial, da industria, do commercio e do capital. - Todos os grandes cargos do estado, todas as altas funccões sociaes, todos os grupos de interesses, são igualmente contemplados na lista das categorias estabelecidas no projecto, porque todas teem direito igual a serem representadas e a terem entrada no senado. As variadas influencias que nascem e se criam nas differentes posições da vida, e que produzem verdadeiras desigualdades na sociedade foram todas religiosa e igualmente attendidas, como não podiam deixar de ser, sob pena de ficarem condemnados á morte os talentos distinctos, as virtudes eminentes e os serviços relevantes, que são os elementos unicos da verdadeira aristocracia nas sociedades modernas.

Depois de estabelecidas as condições necessarias e impreteriveis para qualquer par - hereditario ou nomeado -

Página 135

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 135

poder ser admittido ao exercicio das funcções, legislativas, politicas e judiciaes, que pertencem á camara dos pares, era logico e consequente que, n'uma lei organica do pariato, se declarassem tambem as causas que fazem perder a qualidade de par, e aquellas por que se suspende o exercicio das suas funcções. - Tal é o destino dos dois ultimos artigos do projecto.

A carta estabeleceu que o pariato fosse vitalicio e inamovivel para o tornar forte e independente: - mas, parecendo ao legislador que isto só não bastava, tornou ainda os pares legalmente irresponsaveis pelas opiniões e pelos votos que emittissem no exercicio das suas funcções, e inviolaveis, ao mesmo tempo, quanto ás suas pessoas, não permittindo que podessem ser presos sem ordem da camara, nem processados ante outros juizes que não fossem os seus proprios pares constituidos em tribunal de justiça. - A taes direitos e prerogativas não podem deixar de corresponder deveres e obrigações, a primeira das quaes é a de comparecer e assistir ás sessões da camara; por isso, todo aquelle que, por acto seu proprio e voluntariamente, se colloca na situação e em circumstancias de não poder cumprir as obrigações do cargo e os deveres da dignidade, é consequencia inevitavel, que perca a posição politica que occupa no estado, ou que fique suspenso, pelo menos, das funcções que lhe correspondem.

Nenhuma disposição expressa existe na carta a similhante respeito; mas a rasão, a consciencia, e os principios geraes da sciencia sobre a organisação dos estados indicam incontroversamente que ha, ou póde haver, causas justas de perdimento inevitavel da qualidade de par e de suspensão das suas funcções. - Assim; é principio de direito publico universal que nenhum estrangeiro póde tomar parte no exercicio do poder ou da auctoridade publica no estado; e tambem que o natural do paiz que, por facto seu proprio é por causa legal, perde a qualidade de. cidadão, perde igualmente o direito a exercer direitos politicos. - D'estes principios resulta, não só, que nenhum estrangeiro póde ser nomeado par ou succeder no pariato, mas tambem que o natural portuguez que perder esta qualidade não póde continuar a ser par, nem a exercer as altas funcções sociaes que correspondem ao pariato.

É esta a doutrina estabelecida no projecto, declarando-se alem d'isto que a nacionalidade não deve ser interrompida por acto ou omissão propria. - Era preciso que assim fosse determinado, não só para collocar o pariato nas mesmas condições de igualdade, que pelo artigo 68.° da carta estão estabelecidas para os deputados, mas tambem para prevenir duvidas de futuro, e poderem resolver-se, por meio de regras geraes, as questões que podem occorrer ainda, em rasão de factos preteritos.

Outra causa de perdimento do pariato é a condemnação a alguma das penas criminaes que importem a perda dos direitos politicos. É obvia a rasão d'esta disposição, porque resulta do systema geral da nossa legislação politica e criminal, e é a consequencia logica das disposições dos artigos 53.°, 54.° e 57.° do codigo penal.

O abandono voluntario e não justificado das funcções do pariato não póde deixar de ser tambem outra causa legitima por que se deve perder a dignidade de par do reino. Se ao pariato correspondem direitos e prerogativas importantissimas, - se o par do reino gosa das immunidades que estão santificadas na constituição do estado para servirem de garantia segura ao preenchimento das obrigações e dos deveres que correspondem ao pariato, é consequencia logica e inevitavel que, quem não cumpre os deveres e não satisfaz as obrigações do cargo e da dignidade, não póde gosar d'essas prerogativas e immunidades.

Assim, o par do reino que, sem causa legitima e motivo justificado, admittido pela camara, deixar de cumprir os seus deveres de comparencia ás sessões da camara, e de exercer as funcções do pariato, resigna por isso o logar, e demitte-se da dignidade que lhe havia sido conferida por causa do bem e do interesse publico, e não por motivo de satisfação á vaidade pessoal.

N'estas circumstancias os membros da camara dos pares ficarão collocados na mesma situação que os membros da camara dos deputados, que os magistrados de justiça, que os officiaes militares, e que todos os mais empregados do estado em geral.

O que fica exposto quanto á perda do pariato pelo facto de condemnação a alguma das penas que importam o perdimento dos direitos politicos, é applicavel em tudo para a suspensão das mesmas funcções quando existir pronuncia definitiva por algum dos crimes que importam a suspensão dos direitos politicos, e tambem quanto ás condemnações a penas cotreccionaes que importem a suspensão d'esses mesmos direitos.

O par do reino inhibido de exercer direitos politicos, não poderá, por necessaria consequencia, exercer as funcções do pariato.

Taes são, senhores, as rasões principaes que, no nosso entender, justificam o projecto submettido á deliberação da vossa sabedoria, e indicando-as com a clareza e com o desenvolvimento que nos foi possivel, pomos termo á tarefa que por vós nos foi incumbida. A importancia do assumpto não precisa ser demonstrada. A vossa commissão entregou-se com dedicação a trabalhos reflectidos, porque nunca o estudo e a meditação são mais precisos do que quando se trata de completar a constituição de um dos orgãos essenciaes do poder legislativo. - Propondo-vos unanimemente, e de accorde com o governo, que adopteis, as disposições do projecto que submettemos á vossa approvação, somos determinados pelo desejo de que a camara dos pares seja objecto do maior respeito e consideração para todos; de que conserve a auctoridade real e moral necessaria para concorrer utilmente para a formação das leis; e para que, finalmente, possa concorrer tambem com os outros orgãos dos poderes sociaes para assentar em bases seguras e firmes os direitos do estado e a liberdade dos cidadãos.

Projecto de lei n.° 57

Artigo 1.° A camara dos pares é composta de membros vitalicios e hereditarios nomeados pelo Rei e sem numero fixo. (Carta constitucional, artigo 39.°)

Art. 2.° O Principe Real e os Infantes são pares por direito, e terão assento na camara, logo que cheguem á idade de vinte e cinco annos. (Carta constitucional, artigo 40.°)

Art. 3.° Tambem são pares por direito o patriarcha de Lisboa, os arcebispos e bispos do reino pelo simples acto da sua elevação ás referidas dignidades. (Decreto de 30 de abril de 1826.)

Art. 4.° Só podem ser nomeados pares do reino os cidadãos portuguezes que, tendo nascido taes, nunca perderam nem interromperam por acto ou omissão propria a sua nacionalidade, e provarem que têem trinta e cinco annos de idade, que estão no pleno goso de seus direitos civis e politicos, e que se acham comprehendidos em algumas das seguintes categorias:

1.ª Conselheiro d'estado;

2.ª Ministro d'estado com dois annos de effectivo serviço;

3.ª Presidente da camara dos deputados em quatro sessões legislativas ordinarias;

4.ª Deputado da nação em oito sessões legislativas ordinarias;

5.ª Marechal do exercito ou almirante;

6.ª General de divisão ou vice-almirante;

7.ª General de brigada ou contra-almirante com cinco annos de exercicio n'este posto;

8.ª Embaixador em missão ordinaria;

9.ª Ministro plenipotenciario com cinco annos de exercicio em missão ordinaria;

10.ª Governador geral de possessões ultramarinas com cinco annos de exercicio;

23 *

Página 136

136 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES

11.ª Conselheiro do supremo tribunal de justiça ou juiz relator do tribunal superior de guerra e marinha;

12.ª Conselheiro do supremo tribunal de contas ou do supremo tribunal administrativo com cinco annos do exercicio:

13.ª Procurador geral da corôa e fazenda com cinco annos de exercicio;

14.ª Juiz de segunda instancia em alguma das relações do continente do reino e ilhas adjacentes com cinco annos de exercicio;

15.ª Ajudante do procurador geral da corôa e fazenda com dez annos de exercicio;

16.ª Director geral em algum dos ministerios, ou governador civil, com dez annos de exercicio, tendo alem disto as habilitações exigidas no § 4.° do artigo seguinte.

17.ª Lente de prima da universidade de Coimbra;

18.ª Lente cathedratico na mesma universidade, ou professor proprietario nas escolas polytechnica, do exercito, ou medico-cirurgicas de Lisboa e Porto, ou na academia polytechnica do Porto, com dez annos de exercicio;

19.ª Proprietario ou capitalista, com rendimento não inferior a 8:000$000 réis annuaes, provado pelas respectivas matrizes de contribuição predial, ou por titulos de divida publica fundada, devidamente averbados com tres annos de antecipação pelo menos, sendo liquido e livre de quaesquer onus ou encargos.

20.ª Industrial ou commerciante que em cada um dos tres ultimos annos tenha pago ao estado 1:400$000 réis de contribuição industrial ou bancaria.

§ unico. Os diplomas de nomeação de pares do reino designarão expressamente a categoria ou categorias om que se acham coniprehendidos os nomeados em conformidade d'este artigo.

Art. 5.° Nenhum par será admittido a tomar assento na respectiva camara por direito hereditario sem provar:

1.° Que é descendente legitimo por varonia do par fallecido na linha recta de successão, e que todos que o precedem em grau são fallecidos, ou que, extincta a varonia, é filho varão legitimo mais velho da femea mais velha já fallecida;

2.° Que o par fallecido prestára juramento e tomara assento na camara, ou que só por legitimo impedimento, qualificado como tal pela mesma camara, deixara de praticar estas formalidades, e ainda de registar a sua carta, no caso de ter sido nomeado e não ter entrada na camara por successão;

3.° Que tem trinta e cinco annos completos de idade, e se acha no pleno goso dos seus direitos civis e politicos, possuindo alem disso moralidade e boa conducta, comprovada pelo attestado de tres pares;

4.° Que é bacharel pela universidade de Coimbra ou tem o curso de algumas das escolas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto, ou das polytechnicas e academias que habilitam para o corpo de estado maior do exercito, ou para alguma das armas especiaes de artilheria, engenheria, marinha, ou para a engenheria civil;

5.° Que se acha comprehendido em algumas das categorias designadas no artigo 5.°

§ unico. A disposição do n.° 5.° d'este artigo é dispensada quando o par por direito hereditario provar que é membro da magistratura judicial ou ajudante do procurador geral da corôa e fazenda no continente do reino, official superior do exercito do reino ou da armada, lente cathedratico da universidade de Coimbra ou professor proprietario em alguma das escolas superiores da instrucção publica, tendo cinco annos de exercicio no respectivo cargo ou posto, e prestando a prova de possuir o rendimento liquido de 2:000$000 réis proveniente de de algumas das origens estabelecidas no n.° 19.° do artigo 4.°, de posto ou de emprego inamovivel.

Art. 6.° Nenhum par poderá ser privado da dignidade de par, nem impedido de exercer as suas funcções senão por alguma d&s seguintes causas:

1.ª Se por alguma das causas declaradas nas leis perder a qualidade de cidadão portuguez;

2.ª Se for condemnado em algumas das penas que importam perdimento de direitos politicos;

3.ª Se deixar de prestar juramento e tomar assento na camara dentro de um anno depois de nomeado, ou de haver succedido no pariato, salvo o caso do legitimo impedimento reconhecido tal pela camara.

4.ª Se deixar de comparecer na camara durante duas sessões legislativas consecutivamente sem causa legitima.

§ unico. Consideram-se causas legitimas para dispensar o par do reino de comparecer na camara:

1.ª A doença grave e devidamente provada;

2.ª O serviço publico fóra do reino com licença da camara.

Art. 7.° Fica suspenso do exercer as funcções de par do reino:

1.° Aquelle que for condemnado á suspensão dos direitos politicos ou a qualquer pena que importe essa suspensão, emquanto durarem os seus effeitos.

2.° O que for pronunciado por algum crime, sendo a pronuncia ratificada pela camara com o effeito da suspensão.

Art. 8.° Aquelle em quem o direito de succeder no pariato se ache já adquirido por morte do seu antecessor ao tempo da promulgação da presente lei será admittido em conformidade das disposições da legislação anterior.

Ari. 9.° Ficam em vigor as disposições dos artigos 1.°, 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 7.°; 8.° e 9.° da carta de lei de 11 de abril de 1845.

Art. 10.° Fica revogada toda e, legislação em contrario.

Sala das sessões, 7 de março de 1878.= Conde do Casal Ribeiro = Augusto Xavier Palmeirim = Alberto Antonio de Moraes Carvalho = João Baptista da Silva, Ferrão de Carvalho Mártens = Antonio José de Barros e Sá, relator.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade, e tem a palavra o sr. conde de Linhares.

O sr. Conde de Linhares: - Sr. presidente, não tenho por costume importunar muitas vezes a v. exa. e a camara, occupando-lhes um tempo precioso; entretanto, ha certas questões, nas quaes entendo ser um dever o expor clara e terminantemente a minha opinião e justificar o meu voto.

Sendo d'este numero a questão de que se trata, principalmente não estando eu de accordo com o parecer da illustre commissão, composta de cavalheiros a quem muito respeito pelos seus talentos e serviços prestados ao paiz.

N'esta casa em que abundam notabilidadcs, a principiar por v. exa., que já foi ministro d'estado quinze vezes, e nalgumas dellas chefe de situação; aqui, onde vejo conselheiros d'estado, ministros do todas as pastas, magistrados e jurisconsultos do primeira ordem, oificiaes generaes de todas as armas,
achando-se tambem dignamente representadas as letras, é bem natural e justificada a minha modestia.

Se me resolvo agora a ernittir opinião sincera sobre o assumpto, creia v. exa., creia a camara, que a isto me vejo coagido pela consciencia.

Fazendo inteira justiça ás intenções do nosso illustre collega o sr. conde do Casal Ribeiro, e admirando muito o bem elaborado relatorio asssignado por s. exa. e outros membros da commissão, cumpri o agradavel dever de o estudar com a maior attenção.

Observo em primeiro logar, que s. ex.as entenderam conveniente prevenir desde logo as objecções que lhe poderiam ser offerecidas na discussão, e trataram da defeza dos pontos mais delicados, no que reconheço que se houveram com a proficiencia que lhes é propria.

Seguirei na analyse do relatorio a ordem que segui no meu estudo, e passo a apresentar as considerações que elle me suggeriu.

Página 137

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 137

A primeira, a mais importante questão que n'este projecto, cumpre apreciar, é a da constitucionalidade da reforma da camara dos pares em legislatura ordinaria.

Esta questão é gravissima, e para ser bem tratada requer competencia e auctoridade mui superiores aos mingoados recursos de que disponho.

Sei que n'esta camara alguem ha que tenciona propor a questão previa, e por essa occasião não deixaremos de ouvir certamente dignos membros d'esta assembléa elevar a questão á altura que merece, seguindo assim um costume inalteravel e de antiga data n'esta casa do parlamento..

Sr. presidente, as instituições humanas não são essencialmente perfectiveis, e a carta, por excellente que seja, não faz excepção á regra geral; mas eu entendo que devemos na sua reforma proceder com summa prudencia, e usando só dos meios que ella mesma indica e determina para seu aperfeiçoamento, em harmonia com as necessidades do tempo, com as modificações na opinião, nos costumes, e finalmente de accordo com a utilidade publica.

Sem me declarar inimigo de toda e qualquer reforma, nem comprometter inconsideradamente o meu voto no futuro, confesso que na epocha que atravessamos receio muito do zêlo reformador.

Cabe aqui perfeitamente o dito de Talleyrand - Surtont point de zele!. ..

Quem reclama, e quem applaude esta reforma da camara dos pares?

Os partidarios das idéas mais avançadas, inimigos da hereditariedade e tambem da nomeação regia, não acceitam o projecto como significativo e consoante ás idéas do progresso que desejam; e certamente por elle ser approvado, não desistem de combater a instituição, e de querer reformal-a mais, em conformidade com os seus principios.

Os conservadores; os amigos da camara dos pares, os que entendem que ella tem prestado e póde continuar a prestar bons serviços ao paiz, esses, ou acham esta lei inutil por lhes parecer que em nada modifica a situação presente, ou a rejeitam, como eu, por inconstitucional e inopportuna, trazendo como consequencia, dado este passo na escorregadia e perigosa senda das reformas, uma outra muito mais radical.

Vejamos agora a questão pelo lado constitucional.

Diz o relatorio:

"Admittida a conveniencia, a utilidade, e a necessidade de se marcarem regras certas, pelas quaes se deva dirigir o poder moderador na nomeação dos pares, e por que deva regular-se o direito successorio do pariato, qual é a auctoridade que tem poder e jurisdicção constitucional para legislar essas regras?

"Podemos nós, em legislatura ordinaria, estabelecer essas regras ou decretar taes preceitos?

"Acaso, attribuindo-nos poderes para tanto, não ultrapassaremos os limites da nossa jurisdicção e competencia constitucional marcada no artigo 15.° da carta?

"Não serão precisos poderes especiaes e extraordinarios de revisão, nos termos do artigo 142.°?

"Não desconhecemos que no animo e no espirito de muitos e mui respeitaveis homensv publicos tem havido, e ha ainda, duvidas e incerteza a este respeito, opinando alguns que, para se legislarem as regras a que nos temos referido, para se estabelecerem categorias dentro das quaes unicamente o poder moderador possa exercer a sua prerogativa, e se verifique o direito successorio do pariato, não são bastantes os poderes ordinarios da legislatura, mas se precisam poderes extraordinarios e especiaes, como para os casos de revisão constitucional."

A isto observarei que, se no animo de muitos e mui respeitaveis homens publicos tem havido, e ha ainda, duvidas e incertezas a este respeito, não admira que no meu espirito menos illustrado existam iguaes duvidas, embora proposta esta reforma e acceite por pessoas tambem de summa competencia, mas que reconhecem que nas suas opiniões são contrariadas por muito valiosas auctoridades.

Existe, pelo menos, a duvida e a discrepancia entre essas auctoridades e opiniões.

N'este caso, perguntarei se é politico e prudente fazer-se uma reforma cuja constitucionalidade é duvidosa?

Entendo que não, creio que não serei o unico que pense d'este modo.

Diz mais o relatorio:

"Repetindo, pois, diremos - que de todas as faculdades constitucionaes que a carta confere aos differentes poderes politicos do estado só uma, a de nomear os ministros da corôa, é que não comporta regulamentação; e foi para isso que na carta se declarou, explicita e terminantemente, que o Rei nomeia livremente os ministros; declaração que não se encontra em mais parte alguma, o que designa uma especialidade, privativa e unicamente applicavel á nomeação dos ministros.

"Apesar do que, bem podemos dizer, ainda que esta faculdade do Rei não póde ser exercida arbitraria e incondicionalmente, porque desde que ás camaras legislativas pertence e compete a votação do imposto, e desde que a confiança das camaras é tão essencial ao exercicio do po.-der com a confiança do Rei, póde sustentar-se que esta attribuição da corôa está realmente limitada, está sujeita a regras e a condições que excluem, o arbitrio."

"Por consequencia, a lei organica que se nos propõe, creando certas categorias entre as quaes deve recair a escolha regia, não ataca nem cerceia a prerogativa, por isso que não faz mais do que evitar legalmente que o Rei faça o que já moralmente lhe não era licito fazer.

"Aquillo que ao Rei não era licito moralmente fazer, fica-lhe defezo legalmente. O que era impossivel moral, fica sendo tambem impossivel legal.

"Nem com isto ficam mais restringidas as suas faculdades constitucionaes, porque a liberdade do erro, a liberdade do engano, a liberdade do abuso não se comprehende, não se admitte, não póde suppor-se que estivesse na mente ou na intenção do legislador constituinte."

A isto responderei facilmente, mostrando com exemplos, que este caso não era para receiar, e que nada adiantamos com esta inutil precaução, como dizia Beaumarchais.

Folheando a nossa historia parlamentar, e deixando correr a vista em de redor de nós mesmos, vejamos o que se tem passado até hoje.

N'esta camara vejo eu sentados os reverendos prelados do reino, na conformidade da lei; vejo tambem alguns, não muitos, cavalheiros, representantes da antiga aristocracia, que alguns serviços prestou ao paiz e ao throno constitucional, e entre estes alguns nomeados em 1826 pelo proprio dador da carta constitucional, por exemplo, o meu nobre amiga marquez de Fronteira. Vejo conselheiros d'estado, magistrados, ministros d'estado honorarios, talentos admiraveis em tão grande numero, que não posso mencionar uns, sem fazer injustiça a outros, que, porventura, deixasse de citar. Sem ir mais longe, vejo o auctor d'este projecto, cuja modestia espero não oifender, mencionando o seu nome como o de um brilhante ornamento da camara dos pares.

Então para que receiâmos, para que duvidâmos do futuro, quando o presente e o passado nos mostram que a preoccupação de perigo imaginario e remoto passou apenas como nuvem negra, na mente dos membros da commissão?

Lerei agora outro ponto importante do relatorio, ao qual desejo responder:

"Effectivamente, quando, no jogo regular das instituições constitucionaes, a camara dos deputados deixa de representar a opinião da nação, ou de corresponder ás necessidades do paiz, o Rei póde dissolvel-a. Se é o ministerio que não corresponde ás exigencias do estado, o Rei póde demittil-o. Mas se é a camara dos pares que, tornando-se facciosa, impossibilita ou impede o regular andamento do governo, não

Página 138

138 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

podendo ser dissolvida, não ha outro meio, para restabelecer a harmonia e deslocar uma maioria intransigente, senão a faculdade de nomear novos pares.

"Sem a faculdade de dissolver a camara dos deputados, a de demittir os ministros, e a de nomear novos pares, o governo representativo seria hnpossivel. Em caso de conflicto, ou de desaccordo entre alguma d'estas rodas essenciaes, não restaria outro recurso senão a revolução ou o golpe de estado."

Não resta pois senão esta faculdade do poder moderador nomear pares.

Esta necessidade impreterivel no jogo regular das instituições constitucionaes, a que vulgarmente chamamos fornadas, quando empregada em mui larga escala, é um mal, mas muitas vezes um mal necessario.

Antes de tudo direi a v. exa., que eu, n'estas fornadas, continuo a considerar o Rei como perfeitamente irresponsavel no uso da sua prerogativa, e os seus ministros como os unicos responsaveis pelo uso ou abuso dessa prerogativa regia, porque estes são os bons, os verdadeiros principios constitucionaes.

Posto isto, perguntarei a v. exa., notabilidade encanecida no serviço publico, e repetidas vezes chefe de situações poiiticas, se approvada esta lei, e estabelecidas estas categorias, um ministerio qualquer, seja qual for a sua politica, achara maior difficuldade em encontrar, não quatro ou cinco cavalheiros, mas vinte ou trinta que lhe formem uma maioria respeitavel?

Apesar das repetidas queixas contra as condições de salubridade da nossa capital, ha em Lisboa, graças a Deus, um grande numero de velhos, e é esta a condição mais necessaria para abundarem cavalheiros nas categorias escolhidas!

Boa constituição physica e longa vida trarão tambem em perspectiva o pariato aos felizes que realisarem as condições do programma.

E, pergunto eu, acontecerá o mesmo em relação aos pares hereditarios?

Creio que não, e vou demonstral-o.

O projecto do sr. conde do Casal Ribeiro, § 3.° do artigo 6.°, estabelecia trinta annos, como idade necessaria para entrar n'esta camara o par hereditario; a commissão, no § 3.° do seu artigo 6.°, estabelece a idade de trinta e cinco annos, isto é, julgou que cinco mais eram indispensaveis para se poderem satisfazer as condições requeridas; pois eu, sr. presidente, considero que a commissão ainda foi optimista, e que antes dos quarenta ou quarenta e cinco annos poucos poderão satisfazer as condições estabelecidas no artigo 5.° e seus §§ do projecto de lei.

O accesso nas differentes carreiras publicas em Portugal é morosissimo, e se o digno presidente do conselho e ministro da guerra quizer ser franco, elle que diga com que liberalidade seria necessario usar das reformas para dar alguma promoção no exercito aos homens moços, robustos e no vigor da vida.

S. exa. mesmo, não sendo ainda general, apesar dos seus reconhecidos serviços, principalmente ao exercito, é o melhor exemplo que eu poderia apresentar de quanto é lenta a promoção militar.

Na marinha acontece o mesmo, e, com relação á magistratura, ha muito quem se queixe de que, n'este ramo de serviço, a muita idade de alguns membros dos supremos tribunaes lhes não permitta sempre dar prompta solução aos negocios que lhes são commettidos, não por indolencia ou pouco zêlo, apresso-me a affirmal-o, mas pelo precario estado de saude, que geralmente é proprio dos homens muito idosos.

E será indifferente que a parte d'esta camara recrutada na hereditariedade seja diminuta e mui difficultada pelas exigencias da lei?

Vejamos o que diz o proprio relatorio da commissão com muito mais elegancia e auctoridade do que eu o poderia dizer:

"A hereditariedade do pariato foi estabelecida na carta para garantir a independencia da instituição, e para obviar á excessiva ascendencia que sobre ella teria o principe se fosse creatura exclusivamente sua, tornando mais raras as occasiões de fazer uso da prerogativa e dos pretendentes recorrerem a elle. Não significa hostilidade contra o principio da liberdade, é, pelo contrario, uma garantia para ella, porque é um contrapeso posto á corôa, emquanto lhe diminue os meios de preponderancia e de influencia.

"Muitos paizes na Europa ha ainda que são prosperos, livres e bem governados, e que admittem e conservam esta instituição. - Entre nós, a hereditariedade do pariato é um facto constitucional, do qual; em differentes periodos da nossa pequena historia moderna, já temos tirado fructo e proveito, porque o pariato na nossa terra nunca foi hostil á liberdade nem ao progresso util, e a justiça da nação não poderá esquecer os seus serviços.

"Não desconhecemos, nem negámos, que de todas as instituições eonstitucionaes a hereditariedade do pariato é aquella que com mais persistencia é repellida pela opinião, a qual se pronuncia sempre com tal violencia e paixão, que póde fazer nascer duvidas nos espiritos, ainda os mais convictos, não ácerca da necessidade, mas sobre a possibilidade da sua conservação e permanencia. Apesar d'isto; reconhecendo quanto é imperiosa a força e a corrente das idéas, diremos com Benjamin Constant que, se é difficil introduzir o pariato hereditario nas paizes onde não existe ha grande conveniencia e utilidade em conserval-o n'aquelles em que existe com vantagem."

Se assim é, se effectivamente esta lei, ao passo que nada altera nem difficulta, como diz a commissão, a nomeação de novos pares, torna mais diminuta e difficil a entrada dos pares hereditarios, então desapparece em grande parte a garantia que, segundo diz a mesma commissão, a carta quiz estabelecer para independencia d'esta instituição.

Sr. presidente, cabe aqui uma observação que fiz, no meu estudo consciencioso do parecer que se acha em discussão.

Notei que s. exas. se referiram muito mais a exemplos francezes e hespanhoes do que á Inglaterra. Ora, eu, confesso que, apesar de admirar muito a França, e tambem a nossa vizinha Hespanha, preferiria que seguissemos em politica o systema inglez, principalmente a prudencia, a moderação, o respeito pelas antigas leis e costumes, que tanto distinguem aquelle povo.

Sem confundir de maneira alguma a democracia com a sua inimiga intima, a demagogia, receio muito seguir os exemplos da França de 1848 para cá; o como as mesmas causas produzem os mesmos effeitos, receio tambem seguir principios cuja applicação não deu o melhor resultado para a grandeza e felicidade d'essa grande e generosa nação. O conflicto dado recentemente entre o senado e a assembléa, o orçamento votado em duodecimos, não me despertam o desejo de transformar a camara dos pares portugueza em um senado como o de França; preferiria copiar a hereditaria camara dos lords. Bem sei que não é empreza facil, por serem differentes as circumstancias; mas, ao menos, desejaria que imitássemos a prudencia, a moderação ingleza, e o seu horror a reformas pouco pensadas e precipitadas. Não seria mau, certamente, que tambem imitassemos o seu amor e respeito pelas tradições.

A respeito da interpretação constitucional, peço licença para lembrar a v. exa. o que se passou em 1851, creio eu, ácerca da interpretação do artigo 63.ª da carta.

Eu tinha n'essa epocha a honra de ser collega de v. exa. na camara dos senhores deputados, e de certo se recordará dos eloquentes discursos de sabios jurisconsultos, entre outros o sr. José Bernardo da Silva Cabral, assim como do desfecho d'aquella discussão, em que se deu o caso um

Página 139

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 139

pouco extraordinario, de uma votação conhecida pelo nome de reconsideração.

Eu não sei se me engano, o que é muito possivel, não sendo jurisconsulto, mas acho muita similhança entre essa interpretação que se pretendia dar ao artigo 63.° da carta constitucional, e a opinião exarada no parecer que n’este momento discutimos.

Mais tarde veiu o acto addicional, que no seu artigo 4.° determinou legal e constitucionalmente que a eleição dos deputados fosse directa.

Não me lembra bem quaes foram os deputados que em 1851 sustentaram a constitucionalidade do artigo 63.° da carta.

V. exa., por essa occasião, não deixou certamente de esclarecer a camara com a sua opinião, e se tivermos a fortuna de o ouvir agora, porventura ha de corrigir-me e illustrar-me no caso de eu estar em erro.

Porque não havemos de seguir n’esta occasião o mesmo procedimento que foi seguido em 5 de julho de 1852, quando legalmente, e sem ataque á lei fundamental, se estabeleceu a eleição directa?

Que necessidade urgente nos obriga a desprezar os artigos 15.° e 74.° da carta, tão claros e terminantes como era o artigo 63.° do mesmo codigo, e a não seguir os preceitos impostos para a revisão dos artigos da carta nos termos do artigo 142.°?

Sr. presidente, eu não sou jurisconsulto, sou apenas engenheiro; todavia, creio ter dito o sufficiente para mostrar a necessidade de um maduro exame e de uma discussão pausada a este respeito.

N’esta casa ha muitos homens competentissimos que poderão apresentar rasões que convençam, e não sou eu o mais proprio para discutir similhante questão com jurisconsultos da ordem dos signatarios d’este projecto: entretanto direi mais duas palavras.

O artigo 144.° da carta diz: — É só constitucional o que diz respeito aos limites e attribuições respectivas dos poderes politicos, etc.

Deixo á hermeneutica de algum dos meus collegas mais competente a tarefa de harmonisar este artigo com a opinião dos membros da commissão; pois para mim entendo que as palavras limites e attribuições, do poder moderador n’este caso, não admittem as restricções impostas por este projecto á prerogativa regia, da qual, apesar de tudo, não se tem abusado ao menos emquanto á qualidade dos pares nomeados, como já demonstrei e todos reconhecem.

O relatorio que estou discutindo não desprezou o meio de soccorrer-se tambem a varias auctoridades e a mencionar exemplos de outros paizes. Entre essas auctoridades menciona o nosso chorado presidente, o sr. conde de Lavradio, por quem eu professava a maior admiração e respeitosa amisade.

S. exa. dizia, creio que em 1845, que certas restricções ou cerceamentos na faculdade constitucional dada ao Rei, não tinham por fim coarctar o poder moderador, mas sim fortifical-o, para evitar as ciladas dos maus ministros. Aquelle digno par, que possuia um coração de oiro, era comtudo frenetico e nervoso, e fazia nesta epocha vigorosa opposição ao sr. conde de Thomar, (do qual mais tarde morreu amigo, o que faz honra a ambos) por isso se referia a maus ministros.

Maus ministros?!... Perguntarei eu.

No decurso da nossa vida constitucional muitos cavalheiros se têem sentado n’essas cadeiras (apontando para as cadeiras dos ministros), uns mais intelligentes, mais activos, outros menos, mas na sua maioria eloquentes, visto que em Portugal a primeira qualidade para conquistar pastas é fallar muito; todavia, não sei de nenhum ministro que fosse mau, se por mau se entende criminoso. Não me consta que no já longo praso da nossa vida constitucional um só ministro fosse processado e convencido por algum dos crimes mencionados no artigo 103.° da carta; a saber: por traição, peita, suborno, abuso do poder, etc. N’esta parte somos mais felizes do que outras nações, sem exceptuar a França, que condemnou alguns ministros por essas diversas causas de criminalidade.

Não receio pois que o Rei nomeie par do reino ou mesmo ministro algum individuo condemnado a trabalhos, publicos como dizia em um excesso de lyrismo o nobre conde de Lavradio, que sendo extremamente eloquente, e até um pouco poeta, usou dessa phrase de certo no calor da discussão, e querendo provar de mais, saiu da verosimilhança.

Entretanto, se, por uma fatalidade inexplicavel, este caso se d’esse, o parlamento tinha na constituição meios de corrigir esse erro, assim como a camara dos pares o direito e a faculdade de rejeitar um indigno collega.

«Façamos uma boa lei de responsabilidade ministerial», poderão dizer. De accordo, a isto não me opponho; comtudo, tenho meu receio da sua applicação futura. Sem esta lei, provei facilmente que ainda não tivemos um ministro mau, criminoso, e com ella, como será, com os odios politicos que por ahi vão?

Verdade é que exigindo a lei constitucional, nos artigos 65.° e 66.°, condições de independencia e de capacidade para qualquer cidadão ser eleitor e elegivel para uma junta de parochia, para uma camara municipal, para uma junta de districto e para a camara dos senhores deputados, nada se exige ao cidadão candidato a ministro, senão ás vezes, e para alguns somente, o ser eloquente.

Talvez que o maior beneficio dessa futura lei de responsabilidade ministerial, muito mais urgente do que a reforma que estamos discutindo, seja moderar um pouco as ambições ás pastas dos jovens e talentosos frequentadores do curso de direito na universidade de Coimbra.

Peço perdão a v. exa. por esta digressão fóra da ordem, e resumindo o que tenho a dizer, vou concluir.

Voto contra este projecto, na sua generalidade, porque o considero inopportuno e inconveniente: inopportuno, emquanto não se decidir a questão previa da constitucionalidade; inconveniente, porque não creio que elle satisfaça nem progressistas, nem conservadores, deixando as cousas no statu quo.

Parece-me tambem haver provado que o estabelecimento das categorias propostas, nem difficulta grandes fornadas, nem promette melhor futuro a uma camara, que vae successivamente, com grande approvação de todos e tambem minha, recrutando as notabilidades das diversas categorias indicadas.

Acho igualmente inopportuna esta occasião, em que o estado da Europa não é dos mais pacificos e socegados, para reformas precipitadas, quaesquer que ellas sejam, sobretudo quando são de utilidade duvidosa, como esta incontestavelmente é.

Todavia, se o projecto for approvado, desejarei que me esclareçam bem sobre se o § 2.° do artigo 145.° da carta é n’elle rigorosamente observado, no que diz respeito aos successores do pariato que já sejam de maioridade, principio respeitado na lei de 11 de abril de 1845.

O sr. Conde de Rio Maior (sobre a ordem): — Começo por ler a seguinte proposta, que vou mandar para a mesa:

«A camara dos pares, considerando que no projecto de lei n.° 57 ha offensa do artigo 39.° da carta constitucional no que diz respeito á limitação dos direitos hereditarios dos pares;

«Considerando inopportuna a creação de categorias para a nomeação regia de pares, pela muita confiança que a camara tem na maneira porque a corôa exerce as attribuições marcadas no artigo 74.° da carta:

«Resolve que o projecto de lei n.° 57 volte á commissão, para n’ella se separar a parte regulamentar no que diz respeito ao melhor cumprimento da lei de 11 de abril de 1845 e causas que devem suspender o exercicio dos direitos do

Página 140

140 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

pariato, e passa a discutir os outros projectos que estejam dados para ordem do dia. = Conde de Rio Maior.»

Catilina não bate ás portas de Roma; mas apresentado o projecto que se discute, e o relatorio que o precede, no qual longa e calorosamente se procura justificar a necessidade de modificar a constituição d’esta camara, ha direito de perguntar se os signatarios do parecer, dotados, sem duvida, d’aquella dupla vista, que é um dos attributos dos altos engenhos dos grandes homens de estado, e que tanto distinguia a superioridade de espirito do illustre mr. Thiers, se s. exa., digo, descobriram no nosso horisonte politico alguns terriveis pontos negros, e se estamos prestes a passar pelos perigos de uma convenção?

Poderia perguntar isto, sr. presidente, porem, reflectindo mais pausadamente, ponderando bem os termos e phrases que se encontram no documento a que alludo, projecto e relatorio, vê-se que não é a idéa de um perigo imminente que dominou no espirito dos nobres cavalheiros, membros da commissão; mas que o seu illustre relator, levado pelo desejo de nos deleitar com os recursos da sua muita erudição, e na amplitude dos seus profundos conhecimentos, quiz, depois de ter mostrado a instituição politica da antiga Grecia, e mesmo nos nossos dias, a forma de governo da republica de Honduras, na America, quiz, repito, colher um ramo de esperança no projecto do sr. conde do Casal Ribeiro, e que é com este novo talisman que s. exa. espera dar lustre e energia á camara dos dignos pares.

Sr. presidente, no projecto trata-se da nomeação regia dos pares, trata-se do seu direito de successão, trata-se finalmente de determinar os casos em que se póde perder ou suspender o exercicio d’este alto cargo.

Tenho de examinar estas questões complexas; mas antes d’isso farei uma outra divisão da materia, abandonando os pontos secundarios, attenderei a questão previa, á questão de principios, e, examinando a doutrina, verei se ha ou não offensa dos artigos constitucionaes, se a carta é atacada votando nós uma lei da natureza da que estamos discutindo?!

Isto é o que devemos estudar primeiro. Depois hei de julgar a questão da conveniencia e opportunidade d’esta reforma, e nesta parte permittam-me os illustres membros da commissão que eu, embora a importancia politica de s. exa. seja grande, abstraia della completamente para me dirigir ao sr. presidente do conselho, e perguntar categoricamente ao governo se toma inteira responsabilidade da discussão d’este projecto e da opportunidade da lei, se porventura ella for approvada em ambas as casas do parlamento.

Na questão de doutrina que neste momento considero, tratarei de demonstrar dois pontos, em presença dos quaes considero todos os outros de ordem secundaria.

Pergunto: ha ou não offensa á constituição no estabelecimento de categorias para a nomeação regia dos pares? Entendo que não.

Ha ou não offensa á constituição na restricção do direito hereditario pelas categorias? Entendo que sim.

O illustre auctor do projecto, o sr. conde do Casal Ribeiro, foi fundamentar a sua doutrina nas largas discussões que houve n’esta casa desde 1842 até 1840.

É com essas mesmas discussões que eu procurarei provar até á evidencia que os homens eminentes, os abalisados politicos e jurisconsultos que então faziam parte d’esta camara nunca entenderam que devia ser cerceado o direito de hereditariedade pelo estabelecimento de categorias.

A camara desculpará se eu for extenso nas minhas considerações preciso referir-me largamente aos discursos a que acabo de alludir, para mostrar que interpreto os artigos da carta constitucional do mesmo modo por que os interpretavam os duques de Palmella, os condes de Lavradio, os marquezes de Sá da Bandeira, e tantos outros homens notaveis d’essa epocha.

Foi em 2 de agosto de 1842, a proposito de uns papeis que vieram a esta camara para se resolver se o marques de Abrantes devia succeder no pariato ao seu avô o marquez D. Pedro, que pela primeira vez se propoz nomear-se uma commissão que determinasse as regras indispensaveis para regular as admissões d’aquelles individuos que julgassem ter direito a entrar n’esta assembléa.

Estas observações suscitadas pelo sr. conde de Villa Real, foram tomadas na devida conta e a commissão foi nomeada.

Passados dias, em 9 de agosto, voltando o assumpto á téla do debate, disse o sr. Margiochi que era util estabelecer condições para regular o direito de successão no pariato, mas que não era menos justo determinar os principies que servissem de norma ao livre exercicio da prerogativa regia indicada no artigo 74.° do codigo fundamental, isto é, convinha marcar os casos em que podiam ser nomeados novos pares, e o sr. Margiochi lembrou o principio das categorias.

Levantou-se o sr. conde de Lavradio, e observou que lhe pareciam acceitaveis e sensatas as ponderações apresentadas, mas que á sua adopção se oppunha o artigo 140.° da carta, e que á camara dos pares apenas cumpria agora regular o modo de successão e declarar em que condições podiam ser admittidos os novos pares.

Este pensamento do sr. conde do Lavradio mereceu o voto da camara, e a commissão foi encarregada de fazer um trabalho n’este sentido.

Em 20 de janeiro de 1843 a referida commissão, composta dos srs. duque de Palmella, conde de Villa Real, Silva Carvalho e Barreto Ferraz apresentou um projecto, no qual, estabelecendo a differença entre pares hereditarios e pares vitalicios, dizia que para os pares serem vitalicios era necessario que a nomeação regia os designasse como taes, e que estes deviam ter os requisitos exigidos pela carta, trinta e cinco annos de idade, a graduação de conselheiro d’estado, embaixador, ministro plenipotenciario, presidente de tribunal do reino, general ou governador civil por espaço de dez annos; igualmente podiam ser pares d’esta qualidade aquelles que se tivessem tornado illustres pelos seus serviços ou merecimento. Quanto aos hereditarios, que eram todos os que fossem nomeados sem designação alguma na carta regia, os seus successores provariam as qualidades designadas na carta constitucional, a idade completa de vinte e cinco annos, e uma renda propria de 2:000$COO réis pelo menos.

Levantou-se larga controversia sobre os principios consignados n’este projecto, e o sr. Barreto Ferraz referiu que tinha assignado com declarações o parecer da commissão, porque entendia que a commissão excedera o seu mandato e violara o artigo 39.° da carta, atacando flagrantemente a prerogativa real.

O sr. visconde de Laborim, dissertando sobre a questão com aquella sua notoria prolixidade, fez excellentes considerações sobre o modo de interpretar o citado artigo 39.°, e sobre se a carta fallando em membros vitalicios e hereditarios tinha empregado o e conjuncção copulativa ou disjunctivamente.

O sr. Manuel de Serpa Machado, um dos jurisconsultos mais distinctos que então havia na camara e que fazia parte do professorado de Coimbra, sustentou que no projecto entravam artigos que se podiam julgar constitucionaes, que o artigo 144.° da carta sendo expresso, embora a doutrina do projecto fosse sensata, não podiam estes artigos merecer approvação, e que o artigo 140.° bem explicava a quem compete a iniciativa n’este caso.

O sr. Serpa propunha que o projecto voltasse á commissão, porque á camara não pertencia limitar poderes.

O digno par o sr. Serpa Machado declarou mais que tinha o maximo escrupulo em acceitar a doutrina de pares hereditarios e pares vitalicios, porque julgava claro e evidente o decreto do Imperador de 30 de abril de 1826, que determinou que fossem hereditarios os pares de reino de Portugal.

Página 141

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 141

Seguiu-se o sr. conde de Lavradio, e, fallando ácerca do assumpto, fez reparo nas discretas, observações apresentadas pelos srs. Barreto Ferraz e Serpa Machado, dizendo que em seu animo tinham ellas feito abalo, e que receiava; porque lhe parecia que o projecto excedia as attribuições da camara alta.

Sr. presidente, chega o momento de referir a v. exa. e aos meus collegas o discurso mais notavel que n’essa sessão de 3 de fevereiro de 1843 foi pronunciado.

Espero que a camara e os dignos pares estimará ouvir as proprias palavras de um dos homens importantes d’aquelle tempo, d’aquelle que tão notavelmente presidia aos trabalhos d’esta assembléa.

Peço á camara que me dispense a sua attenção. O sr. duque do Palmella disse:

«Emquanto ao outro argumento, que se fez, da limitação da prerogativa da corôa, não posso annuir a elle, porque não julgo essa prerogativa limitada pelas condições que se exigem n’este projecto relativamente aos pares vitalicios, e não julgo assim, porque ella fica sempre intacta e plena para a nomeação dos pares hereditarios.

« Logo, como é que se diz que fica prejudicada a prerogativa real só porque os pares vitalicios devam ser tirados de certas classes e categorias? Dir-se-ha que d’esse modo fica o Rei inhibido de nomear par a quem mais lhe agrade?

«Respondo que não, porque a esse individuo póde nomeal-o par hereditario. Ainda vou mais longe, é indispensavel, mesmo em relação a estes, que haja certas condições, aluis incorre-se no absurdo, e o absurdo é a morte das instituições. Portanto o direito do Rei fica sempre illeso, e só é restricto o modo de o exercer. Alguns querem mais, o digno par, que redigiu um projecto sobre este assumpto, entende que mesmo para os pares hereditarios certas habilitações são necessarias, certas qualificações moraes, e não sómente pecuniarias.»

Sr. presidente parece-me que a opinião de um homem tão importante vale muito. A camara me desculpará a leitura que acabo de lhe fazer.

Este projecto não teve então seguimento, e o sr. ministro do reino pediu que elle voltasse á commissão para ser ouvido o governo.

Em 16 de março desse mesmo anno foi a materia submettida novamente á discussão, é no ponto que estou tratando os illustres commissarios, em harmonia com o ministro, mantiveram quasi os antigos principios.

No projecto conservava-se a differença entre pares hereditarios e pares vitalicios, e regulava-se as condições de succeder no pariato pela mesma fórma como estão reguladas nos n.°3.°, 4.° e 5.° do artigo 2.°da lei de lide abril de 184o; isto é, exigia-se vinte e cinco annos de idade, o goso dos direitos politicos, 1:600$000 réis de renda, o curso de uma escola superior.

A esto projecto apresentou o sr. Barreto Ferraz as suas antigas duvidas sobre especificação de pares hereditarios e pares vitalicios, e compendiando as suas idéas, offereceu um contra projecto, no qual, não admittindo a differença de hereditarios e vitalicios e tirando da successão a clausula do curso superior, marcava só as qualidades designadas na carta, os vinte e cinco annos de idade e a posse e administração do vinculo instituido pelo par antecessor, cujo rendimento annual não seria menor do 1:600$000 réis.

Só em 8 de abril começou o debate, e o sr. barão de S. Pedro propoz a questão previa, e que se abrisse discussão sobre se a carta reconhecia differença entre pares hereditarios e pares vitalicios. Apesar dos votos negativos do sr. duque de Palmella e conde de Lavradio, a camara resolveu por 23 votos contra 9, que não existiam senão pares hereditarios, e que a carta não facultava a nomeação de pares vitalicios, resolvendo se, mais, em sessão de 22 de abril, que o projecto voltasse á commissão para se regular, em conformidade com o voto favoravel da camara, a faculdade de instituir morgado transmissivel com o pariato.

Em consequencia dos negocios politicos que se seguiram, e que a camara dos pares teve de considerar, só em 9 de janeiro de 1845, a attenção da alta assembléa foi chamada para o assumpto, que nos occupa hoje outra vez, e como a distincção entre pares hereditarios e pares vitalicios se conservava, apesar do voto contrario de 8 de abril de 1843, levantou-se novamente esta intricada questão, que eu appellidarei perfeitamente, chamando-lhe byzantina.

Declaro a v. exa. e á camara que, apesar do valor e da respeitabilidade de todos os homens politicos que então discutiam, não sei dar importancia pratica á duvida suscitada. Os srs. ministros, que, por occasião das fornadas, se acham sempre rodeados de empenhes, de pessoas que se julgam muito competentes, e com a categoria suficiente para entrar n’esta camara, creariam de boa fé uma nova difficuldade, que desgostaria os proprios agraciados. E tendo s. exa. a facilidade de admittir pares hereditarios, iriam porventura s. exa. nomear pares vitalicios, titulo inferior, e com o qual ninguem ficaria contente.

Não, certamente; hoje tem-se menos amor á doutrina, e deseja-se ser muito mais pratico.

Em 17 de janeiro, e não em 10, entrou em discussão o artigo 12.° do projecto, que se referia ás categorias para os pares vitalicios, tendo sido previamente resolvido em sessão de 15 o que dizia respeito ás condições para a successão, e que, ligeiramente modificadas, foram os alvitres que depois ficaram consignados na lei de 11 de abril de 1845. Sr. presidente, estava-se em 17 de janeiro de 1845, e todos se lembram como os animos andavam exaltados n’essa epocha, as questões politicas tinham chegado já ao seu periodo mais intenso, e o sr. conde de Lavradio, ou porque tivesse perdido as duvidas, que assaltavam o seu espirito em 9 de agosto de 1842, ou pela posição extrema que tomara na camara, propoz o estabelecimento de categorias para todos os pares novamente creados, resolvendo-se que se estabelecessem em geral categorias na lei por 21 votos contra 10.

Approvaram os srs. conde de Lavradio, visconde de Sá e outros muitos.

O sr. duque de Palmella, ausente, não figura n’esta votação.

O que ainda dá mais sentido ao voto, são as palavras proferidas depois pelo sr. conde de Lavradio. S. exa. lembrou que era necessario ficar bem consignada a votação que tinha tido logar: a proposta approvada dizia respeito a todos os pares, que fossem novamente nomeados, e s. exa. exigiu que se lançasse na acta esta declaração.

Ainda desta vez, sr. presidente, o projecto de lei tão controvertido, ficou mallogrado, e, como houvesse bastantes emendas e additamentos, foi, depois de approvado, remettido á commissão para esta dar parecer.

Sr. presidente, quando vou caminhando no meu discurso e vejo os elementos que vou obtendo para reforçar logo a minha opinião, auctorisada já pela de homens tão importantes, cobro animo, principalmente quando, entre os pontos que mais foram discutidos, não encontro uma só palavra, um só pensamento que justifique o cerceamento inconstitucional dos direitos hereditarios, como está estabelecido no n.° 5.° do artigo 5.° do projecto que ora está em discussão, e que é um dos pontos mais graves, e em que mais insistem os signatarios do parecer.

Sr. presidente, como ia pois dizendo, o projecto, voltou á commissão em 18 de janeiro, e só em 10 de fevereiro foi offerecida á approvação da camara a ultima redacção do mesmo projecto, incluindo nella a doutrina das diversas emendas, additamentos e substituições approvadas durante a discussão.

Tomou a palavra n’esse dia um dos pares, que então a assembléa mais considerava, pela inteireza do seu caracter grandes qualidades intellectuaes que o distinguiam, o sr

Página 142

142 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Tavares de Almeida Proença, e s. exa. declarou que tinha estado afastado muito tempo dos trabalhos parlamentares, mas que viera á camara expressamente para se oppor áquelle projecto; por isso propunha o adiamento indefenido, que não havia urgencia de alterar a carta, nenhuma em cercear direitos a quem ella os confere, que se alguma urgencia havia era de acatar e respeitar esses direitos, que portanto ficasse adiado tudo quanto no projecto não fosse regulamentar.

A camara approvou esta proposta e o projecto fui retirado da discussão!

Pois, sr. presidente, eu creio que os homens que estavam então á frente dos negocios d’este paiz eram dos mais esclarecidos, e ainda assim o principio das categorias foi rejeitado, finalmente, para os pares novamente nomeados; mas eu reconheço que n’esta parte ao voto da camara póde oppor-se a opinião do duque de Palmella, do conde de Lavradio e outros eminentes liberaes, e assim direi que as categorias, que eu não acho hoje opportuno adoptar, podem ser defendidas como materia constitucional quanto aos pares novamente nomeados; mas para restringir o direito de successão ao pariato, quem foi que já o disse, pergunto? Não tenho a vaidade de comprehender melhor a carta do que os elevados personagens a quem largamente me tenho reportado!

Embora seja difficil dizer qual é a opinião dos mortos sobre negocios que têem o cunho da actualidade, parece-me, sr. presidente, que se esses notaveis parlamentares estivessem hoje aqui, levantar-se-iam commigo e rejeitariam completamente o n.° 5.° do artigo 5.° do projecto.

Não sendo permittido entrar n’esta camara sem pertencer a alguma das dezoito primeiras categorias estabelecidas pela illustre commissão — não me refiro á categoria, que vem por excepção no projecto, dos grandes proprietarios, nem á dos industriaes ou commerciantes, creio que esta camara passará a ser composta unicamente de funccionarios publicos, mais ou menos graduados, embora todos dignissimos.

A verdade é que o principio consignado na carta pelo seu immortal dador ficará completamente extincto.

Sr. presidente para concluir a longa narração historica, que me propuz fazer, direi que depois de tanta lida a camara votou em 27 de fevereiro de 1845 o projecto que, salvo pequena differença, é hoje a lei de 11 de abril de 1840.

Sr. presidente, se o actual projecto fosse lei ha annos a esta parte, não teriam entrado aqui alguns homens importantes, que vejo n’esta assembléa, os quaes, apesar de serem por todos considerados tanto em attenção á respeitabilidade do seu caracter, como ás altas qualidades que possuem, não se achavam comprehendidos em nenhuma das categorias indicadas, excepto se, proprietarios ou industriaes, as categorias 19.ª e 20.ª os absolvesse.

Fallo do sr. visconde de Chancelleiros, do sr. marquez de Sabugosa, do sr. Costa Lobo, do sr. Miguel Osorio, e todos esses dignos cavalheiros pares hereditarios, que hoje illustram a camara com o seu conselho, coei o seu voto, os quaes, excepto se escapassem pelo principio do rendimento, o mais agradavel de todos os principios, mas o menos nobre, não estariam aqui.

Peço licença; ainda podiam escapar nas hypotheses do § unico do n.° 5.° do artigo 5.° do projecto; isto é, se fossem ajudantes do procurador da corôa, officiaes superiores, lentes ou magistrados (delegados ou juizes) com 2:000$000 réis de renda annual. N’estes casos ainda o projecto os protege!

Sem descer á especialidade, e apenas de passagem observo que não me conformo, sr. presidente, com o que se estabelece na segunda categoria, quanto aos ministros distado com dois annos de effectivo serviço.

Passos Manuel foi ministro desde a revolução de setembro de 1836 até 1 de junho de 1837. Casimir Perier foi tambem ministro sómente desde 13 de março de 1831 a 10 de maio de 1832.

Não foram necessarios dois annos para se provar que estes grandes homens tinham todas as condições necessarias para tratar dos negocios publicos.

Desde que um estadista é chamado aos conselhos da corôa, está habilitado para ser membro de uma assembléa como esta.

Os ministros não se medem pelo tempo que se demoram no poder, medem-se pela importancia dos actos que praticam, ás vezes em curtissimo intervallo.

A proposito de Casimir Perier, seja-me permittido fazer aqui referencia a um artigo publicado em 1874 na Revista dos dois mundos.

Diz o conde de Montavilet, auctor d’esse artigo, fallando de Perier.

«Era o grande ministro da ordem publica, que tinha por primeiro dever do governo não escurecer as consciencias com as sombras da politica, nem juntar á confusão das proprias explicações a dos proprios principios! »

Em conclusão, supponho ter provado á evidencia que as restricções propostas ao direito hereditario importam, segundo as melhores auctoridades, um ataque á lei fundamental do estado.

A illustre commissão soccorreu-se tambem a argumentos de analogia, e eu peço licença para não a acompanhar n’esse terreno.

É difficil explicar conjuntamente n’esta polemica o espirito de leis tão diversas; seria longo e inutil.

As rasões são differentes e facil seria proval-o; para mira, e d’aqui não saio, basta-me, repito, interpretar a carta como a interpretaram os homens notaveis de que tenho largamente fallado.

Agora com relação aos argumentos tirados da legislação estrangeira, sobretudo com respeito á lei franceza de 29 de dezembro, de 1831, que o illustre relator do projecto cita, eu farei algumas considerações. Eu procurei essa lei, e por mais diligencias que fiz para a obter não me foi possivel, mas tenho aqui os discursos de mr. Guizot, quando se discutiu aquella lei, e peço á camara que note que a lei de 29 de dezembro é justamente aquella que estabeleceu as categorias e acabou com a hereditariedade do pariato! Eu, que não quero acabar com a hereditariedade do pariato, não acceito os fundamentos da mesma lei.

Quanto ao argumento tirado da legislação hespanhola, com relação ao artigo 15.° da reforma constitucional de 17 de julho de 1857, estou perfeitamente de accordo; lá está indicado que as condições necessarias para ser nomeado senador poderão variar por uma lei, mas o argumento não serve para nada, porque na nossa carta não está o artigo 15.° da constituição hespanhola.

A respeito do direito que a camara tem de, apresentada a proposta de admissão de qualquer par, approvar ou rejeitar essa proposta, respondo de accordo. Eu sei que a camara a póde rejeitar, mas se o candidato está dentro da lei, a camara pôde, mas não deve rejeitar. Tambem a camara dos senhores deputados póde rejeitar qualquer deputado eleito, apesar d’esta eleição estar completamente legal, mas pelo facto de poder votar essa rejeição, não se entende que o deva fazer. Este argumento que a commissão apresenta não o posso acceitar.

Sr. presidente, eu não vejo necessidade nenhuma do resolver agora esta grave questão, nem sei em que se funda esta tormenta contra a camara dos pares. Esta camara não precisa que eu lhe narre a sua historia, porque a conhece perfeitamente. Todos sabem que essa historia tem paginas brilhantes para as quaes com justiça se póde appellar. Nunca esta assembléa levantou obstaculo a nenhuma medida verdadeiramente liberal. Nunca! Pelo contrario, tem sempre approvado tudo quanto póde ser util a Portugal, e tem resistido por vezes com a maxima energia contra as demasias do poder. Esta é a historia d’esta camara!

Página 143

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 143

Sr. presidente, vendo eu que tinha de me medir com adversarios tão illustres, muni-me de todos os elementos de que podia dispor para os poder combater.

Tenho aqui um livro bastante interessante, que é um tratado sobre o para até e sobre a aristocracia moderna, escripto em 1844 pelo auctor do Credito e da circulação, mr. Cieszkowiki. Este escriptor, depois de lamentar profundamente a abolição do principio da hereditariedade, feita em Franca pela lei de 1831, diz: «Acabar com a hereditariedade e estabelecer as categorias, não garante contra os abusos do poder; impede de usar, não de abusar; restringe o circulo das possibilidades, deixando margem sufficiente ás veleidades dos ministros, vicia a corrente, não estabelece dique capaz de a dominar!»

Sr. presidente, eu não preciso discutir mais este assumpto. Se se tratasse de jure constituendo, se estivéssemos numa constituinte, eu diria largamente o meu modo de pensar a este respeito; mas não estamos n’esse caso. Temos a carta, e para a reformar, para a interpretar, nós não temos a iniciativa, a qual pertence só á camara dos senhores deputados, segundo o artigo 40.° da lei fundamental do estado. Portanto, este projecto não póde ser approvado.

Tenho concluido com relação á primeira parte.

Sr. presidente, vou occupar-me da segunda parte, da outra questão, que é da opportunidade e conveniencia do projecto. Este negocio é com os srs. ministros.

Eu entendo que hoje o mais conveniente não é tratarmos da reforma d’esta camara, é tratarmos de organisar as nossas finanças.

Acceite o governo franca e desassombradamente os principios consignados n’aquelle magnifico e sempre lembrado parecer da commissão de fazenda d’esta camara, parecer tão celebre, tão conhecido, e que está todos os dias a ser aqui citado.

Peço aos signatarios d’aquelle parecer que sejam incansaveis em exigir que triumphem as suas idéas.

Em um notavel discurso que o sr. conde do Casal Ribeiro proferiu no anno passado perante esta camara, disse s. exa.: «Pagámos os nossos desastres; temos hoje de pagar as nossas prosperidades». E como? Seguindo a marcha a que ultimamente se referiu o meu amigo o sr. Carlos Bento, fazendo nova divida fluctuante, que é a divida consolidada em perspectiva; invertendo o deve em ha de haver, e estabeleçendo um methodo a que chamarei o equilibrio do futuro!

Esta questão da reforma da camara dos pares é grave. O governo já se viu a braços com uma grande dificuldade, quando foi levantada imprudentemente a questão da reforma da carta.

Teve então o governo de recorrer a essa conhecida phrase de que «quando todos os partidos se unissem, a carta seria reformada»; como se fosse negocio em que podesse haver harmonia completa!

Recorde-se o governo do que se passou n’essa epocha, e veja se convirá agora suscitar outra nova questão na camara dos senhores deputados, que póde desafiar os appetites mesmo de alguns dos seus mais Intimos amigos, e que póde provocar discussões gravissimas.

O sr. Barros e Sá: — Peço a palavra.

O Orador: — Referindo-me, para concluir, aos discursos do sr. conde do Casal Ribeiro, lembrarei que s. exa., a proposito de uma interpellação que fez aqui sobre os conegos de Bragança, disse com muitissimo espirito «que não havia só o padroado da corôa, havia diversas especies de padroeiros.»

Effectivamente assim acontece.

Houve n’esta casa uma discussão importante ácerca dos caminhos de ferro das duas Beiras e do Algarve.

Levantei-me eu, e disse com franqueza e sinceridade, porque então eu não fazia opposição, queria só estar de accordo com a minha consciencia. Qual é o caminho de ferro internacional?

O sr. presidente do conselho é pessoa muito illustrada, sabe certamente responder a todos os argumentos, ainda os mais difficeis; porém s. exa. emmudeceu uma sessão inteira e aquelle projecto não se votou.

O padroeiro é quem prendia a acção do nobre presidente de ministros!

Hontem approvou-se o caminho internacional, votou-se como queria a opposição, votou-se unicamente o caminho de ferro da Beira Alta.

É porque o padroeiro que imperava então sobre o governo já hoje não impera!

Mas, sem especie alguma de offensa, permitta-me o sr. conde do Casal Ribeiro, meu amigo, que eu pergunte: o padroeiro actual quem é?

Estou persuadido, sr. presidente, de que o governo ama tanto este projecto como eu o amo; mas o padroeiro manda e o governo obedece! (Apoiados.)

O sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta que o digno par, o sr. conde de Rio Maior, mandou para a mesa.

Leu-se é a seguinte:

Proposta

A camara dos pares, considerando que no projecto de lei n.° 57 ha offensa do artigo 39.° da carta constitucional no que diz respeito á limitação dos direitos hereditarios dos pares;

Considerando inopportuna a creação de categorias para a nomeação regia de pares, pela muita confiança que a camara tem na maneira por que a corôa exerce as attribuições marcadas no artigo 74.° da carta:

Resolve que o projecto de lei n.° 57 volte á commissão, para n’elle se separar a parte regulamentar, no que diz respeito ao melhor comprimento da lei de 1 de abril de 1845, e causas que devem suspender o exercicio dos direitos do pariato, e passa a discutir os outros projectos que estejam dados para a ordem do dia. = O par do reino, Conde de Rio Maior.

O sr. Presidente: — Rigorosamente esta proposta importa um adiamento. Precisa ser admittida á discussão: se a camara a admittir, terá de discutir-se conjuntamente com a materia principal, e será votada antes d’ella.

Foi a proposta admittida á discussão com a materia principal.

O sr. Presidente: — Acham-se inscriptos, sobre a ordem, o sr. visconde de Fonte Arcada, e sobre a materia os srs. visconde de Fonte Arcada, conde do Bomfim, Barros e Sá e Carlos Bento.

O regimento determina que os oradores se inscrevam pro ou contra, a fim de que a palavra lhes seja dada alternadamente.

Vou, portanto, perguntar aos dignos pares como querem ser inscriptos. Começo pelo sr. conde do Bomfim: é a favor ou contra o projecto?

O sr. Conde do Bomfim:- Contra, em parte.

O sr. Presidente: — O sr. visconde de Fonte Arcada é a favor ou contra?

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Quando eu fallar direi o modo por que encaro a questão.

O sr. Presidente: — E os srs. Barros e Sá e Carlos Bento?

O sr. Barros e Sá: — Eu uso da palavra como relator da commissão.

O sr. Carlos Bento: — Approvo o pensamento do projecto.

O sr. Presidente: — Tem a palavra sobre a ordem o sr. visconde de Fonte Arcada.

O sr. Visconde de Fonte Arcada (sobre a ordem): — Parece-me que um projecto de tanta importancia e gravidade, como o que acaba de ser examinado por uma commissão composta de pessoas competentes, e sobre o qual a camara tem de dar o seu voto, concordando ou não com o parecer da commissão, não carece de soffrer novo exame, como propõe o sr. conde de Rio Maior,

Página 144

144 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O que eu deprehendi das palavras do digno par foi que s. exa. trata mais de discutir o projecto do que de sustentar a sua proposta; e isto mostra que não ha necessidade de que elle volte de novo á commissão.

Eu voto contra esta proposta; e quanto ao que disse o sr. presidente, lembrando a conveniencia que havia em que os dignos pares, quando fallassem, se declarassem logo contra ou a favor do projecto, o que julgo tambem inconveniente, pela minha parte direi que só á vista das considerações que haja de fazer, é que se póde saber a minha opinião.

Tenho concluido.

O sr. Presidente: - Agora tem o digno par a palavra sobre a materia.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — É sobre a materia que tenho a palavra?

O sr. Presidente: — Sim, senhor.

O Orador: — Muito bem.

Sr. presidente, o projecto em discussão é de muita gravidade e importancia, e dá occasião a fazerem-se graves ponderações sobre elle.

Eu concordo com a commissão quanto á necessidade de duas casas do parlamento, bem como á differença de situação financeira dos membros respectivos «Isto é evitar os grandes perigos nascidos do arrebatamento, da precipitação do ardor e da violencia das paixões da politica», como diz a commissão.

Quanto ás outras disposições do projecto em discussão, não posso de forma alguma concordar com ellas, e por isso as rejeito, não entrando na sua apreciação.

Eu, sr. presidente, estou convencido que é necessario uma reforma parlamentar, e não só a d’esta camara, porque entendo que a maneira por que o parlamento está constituido não lhe dá a independencia necessaria para tratar os negocios publicos, como a nação tem direito a exigir d’elle.

Eu já aqui apresentei por duas vezes um projecto sobre independencia parlamentar.

A primeira vez em 24 de fevereiro de 1866, renovando-o depois em 12 de junho de 1869.

E não posso deixar de notar que, tendo elle sido de ambas as vezes remettido á commissão competente, ella não haja dado até hoje o seu parecer.

Se, pela pouca importancia da minha pessoa, elle não merecia ser tomado em consideração, comtudo o assumpto de me occupára era e é tão importante e grave, que não devia ficar esquecido nos archivos da commissão sem que ella desse um parecer qualquer sobre elle.

Eu peço desculpa de repetir agora o que por mais de uma já vez tenho dito sobre incompatibilidades parlamentares; não posso todavia deixar de fazel-o, para que se conheça como eu encaro esta questão.

Cada vez estou mais persuadido de que não ha senão dois meies de obter um parlamento que seja a expressão genuina dos interesses do paiz.

O primeiro seria a organisação de uma cariara como a dos lords em Inglaterra, sendo para notar que os inglezes respeitam tanto as incompatibilidades parlamentares, que só porque os juizes podem ser chamados a auxiliai-a, quando constituida em tribunal de justiça, a lei não lhes permitte serem membros da camara dos communs, prohibindo tambem que os contratadores com o governo possam ahi tomar assento, pagando 500 libras por cada vez os que pretenderem fazel-o. É igual somma pagarão os contratadores que admitiam para seu socio um membro da camara dos communs, quantia que será paga a quem provar a accusação; exceptuam-se porém os que contratarem com os coroneis dos regimentos ou seus agentes o fornecimento dos fardamentos para os seus corpos. (Veja-se The Gabinet Lawyer, 23.ª edição, 1873.)

Será porém possivel organisar-se no nosso paiz uma camara n’estas condições?

Entendo que não; portanto é ocioso o sustentar proposições irrealisaveis.
O segundo modo por que póde obter-se a reforma, essa reforma que nós todos desejâmos, e para que nos encaminhâmos, é a adopção de um systema similhante ao da Belgica, que tem uma camara de senhores, onde se não póde entrar antes dos quarenta annos, e sem que se pague de contribuição directa 1:00 florins.

Eu vou ler á camara uns apontamentos que dizem respeito ás incompatibilidades no parlamento belga, expressas no titulo 5.° da lei de 26 de maio de 1848.

«Artigo 1.° Os funccionarios e empregados pagos pelo estado, que tiverem sido nomeados membros do qualquer das casas do parlamento, são convidados, antes de prestar juramento, a optar entre o mandato e as funcções que exerçam.

«As disposições deste artigo são applicaveis ao ministro dos cultos, retribuidos pelo estado, aos advogados officiaes da administração publica, aos empregados publicos, e aos do governo servindo em sociedades anonymas.

«E apenas se exceptuam d’estas incompatibilidades os chefes das repartições do governo.

« Art. 2.º Os membros das camaras não poderão ser nomeados para quaesquer funções retribuidas pelo governo, quando não haja decorrido um anno, a contar da data em que terminaram o seu mandato.

«Não se incluem, porém, n’este artigo as funções de ministro, de agente diplomatico e de governador.»

Eis, sr. presidente como a Belgica entende a independencia do parlamento.
Por isso eu insisto na reforma do nosso, e esta doutrina é por mim ha muito tempo professada, porque sempre tenho entendido que não se póde conseguir uma representação verdadeiramente nacional e independente, sem que haja uma lei aonde estejam consignada estas incompatibilidades.

Quem conhece o coração do homem, e as paixões que assaltam e dominam a humanidade, não deve ignorar que os negocios só podem ser resolvidos co justiça, quando as pessoas que os tratam não tenham interesses ligados á sua resolução.

Não se procurando os meios de conseguir este desideratum debalde procuraremos entrar na boa administração do paiz.

Depois, o desejo das reformas nos paizes civilisados está na mente de todos; mas, para que essas reformas sejam uteis é preciso que vão de acordo com os interesses geraes.

Será isso, porém, o que nós vemos?

Infelizmente, não.

Não apontarei exemplos para prova-lo, o que me seria facil, porque a historia ahi está bem patente a todos.

E todavia se as reformas se fizessem opportunamente, e nas condições convenientes, não se fariam depois tumultuariamente, produzindo os graves transtornos sociais que as transformações anarchicas trazem sempre comsigo.

Sr. presidente, eu poderia alargar as considerações que tenho apresentado á camara, se a difficuldade que tenho de fallar, em cosequencia do meu padecimento, m’o não prohibisse; limitar-me-hei portanto a emittir a minha opinião.

Nas circumstancias em que se acha o paiz, difficeis, como actualmente o são os de todos os paizes em geral, é preciso que procedamos com a maxima prudencia, sejamos cautelosos e procuremos caminhar com a maior regularidade, para não comprometter os interesses da nação, indo intentar reformas deficientes, ou que podem trazer difficuldades á marcha dos negocios publicos.

Sr. presidente, a questão que se ventila é grave, e o parlamento deve ter toda a cautela no modo de a resolver.

Dois pontos principais tem a camara a considerar n’esta questão: um é o que diz respeito ás incompatibilidades,o

Página 145

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 145

outro o que tem relação com o rendimento certo que devem ter os individuos admittidos á tomar assento no parlamento.

Estes dois pontos é que devemos ter em vista de preferencia para intentar qualquer reforma n’esta camara.

Não posso ser mais longo, em consequencia do meu estado de saude, como já disse.

Creio, porém, ter dito o sufficiente para mostrar a minha opinião sobre a presente questão.

Tenho dito.

O sr. Barros de Sá: — Na qualidade de relator da commissão, demonstrou que a reforma proposta, nem é radical nem reaccionaria, como se pretendia, tendo unicamente a estabelecer a verdade e a justiça, aperfeiçoando a lei regulamentar do pariato, cortando na hereditariedade o que se póde presumir de absurdo, conservando todavia o que ha de proveitoso para o paiz; e observou que as pessoas mais eminentes do paiz na governação publica sempre sustentaram a restricção de principio hereditario, exigindo habilitações nos successores ao pariato, fazendo a distincção entre pares hereditarios e vitalicios, direito de nomeação que pertence ao poder moderador.

Não ha paiz em que a nomeação de pares ou senadores deixe de ser regulada por uma lei de categorias; e assim não entende que a presente seja restrictiva da prerogativa real. Se o poder moderador póde nomear pares, é certo que só tem nomeado os que são dignos desta honra; e se isto está na rasão, porque não ha de estar na lei, tanto a moral como a positiva?

A opportunidade do projecto está na conveniencia de evitar uma reforma radical que muitos pretendem, allegando a necessidade de acabar com o principio hereditario.

O sr. Conde do Bomfim: — Sr. presidente, eu tinha pedido a palavra para fazer tambem algumas observações sobre o presente projecto de reforma da camara dos pares, mas é com grande embaraço que entro na sua discussão, por ser apresentado por um dos nossos mais distinctos oradores, o digno par condo do Casal Ribeiro, cujo brilhante talento e já por si uma especie de salvaguarda do referido projecto, e muito mais vendo agora o parecer da commissão assignado por illustres pares, cuja competencia na materia por certo muito respeito.

Eu não posso dispensar-me de dizer alguma cousa, porque esta questão é da maior importancia, não só para a camara, mas para o paiz; porque póde affectar os direitos, independencia e garantias de seus legisladores.

Apresentarei pois a este respeito, algumas idéas, despidas de eloquencia, que não possuo, mas com a convicção de serem fundadas no direito e na rasão, que a final tem sempre a força de calar melhor nos animos do que a mais sublime oratoria!

Sr. presidente. A camara dos dignos pares, depois da sabia disposição da lei de 11 de abril de 1845, que exigiu aos successores provas de estudos é necessario rendimento, parece-me que não carecia talvez ser agora reformada.

O immortal dador da carta: constitucional que nos rege, creando uma camara de pares, julgou que ella daria mais garantias á liberdade e ao paiz, tornando-a livre quanto possivel, e independente dos governos e das influencias eleitoraes a que mais ou menos estão sujeitas, ainda mesmo a camara dos senadores; e por estas rasões quiz que ella fosse hereditaria até para os successeres dos futuros pares nomeados.

Direi tambem como o digno par conde de Linhares, que não sou jurisconsulto, mas alem d’isso, como as nossas leis nem sempre se entendem segundo a letra, mas são muitas vezes interpretadas segundo as intenções dos legisladores, não sei se em sessão ordinaria temos direito de alterar quaesquer artigos da carta constitucional; mas, conformando-me com as opiniões, de que a camara póde discutir e approvar o presente projecto, como um regulamento complementar das suas disposições, marcando limites ao poder moderador para a creação dos pares, e difficultando de algum modo aos successores tomarem assento n’esta casa: comtudo não posso deixar de me oppor desde já a algumas disposições do projecto, porque podem irreflectidamente alterar a constituição e natureza d’esta camara.

Em primeiro logar, quanto ás condições para a creação dos pares vitalicios, direi que, se alguma restricção se póde desejar, a mais conveniente e constitucional seria que se não podesse nomear mais de limitado numero de pares em cada legislatura, para se evitar que uma grande maioria da camara possa ser abafada pela entrada de um excessivo numero de novos pares. Este pensamento é bastante politico e liberal; e ha muito que a imprensa e a opinião publica se tem declarado neste sentido; e eu estimaria muito que se tivesse adoptado n’este projecto. Relativamente ás categorias que não estabelecem para a nomeação dos pares, parece-me muito excessiva a exigencia de 8:000$000 réis de renda annual, para que um proprietario ou capitalista possa ser nomeado par! Esta condição reduzirá muito o direito de escolha n’uma das classes mais independentes da nação. As fortunas são em geral mais limitadas entre nós, e não abundam como em outros paizes! Em que se funda pois tão grande exigencia? Julgo que se não pretende juntar aqui alguma companhia de grandes capitalistas, ou que seja a riqueza um titulo de preferencia para o pariato! Portanto será muito rasoavel reduzir este quesito, ao rendimento de 4:000$000 réis, isto é, ao dobro do que o projecto exige aos successores para manter a sua representação e precisa independencia, e não ficará assim quasi excluida a respeitavel classe dos proprietarios.

Será justo tambem que possa ser nomeado par, não só aquelle que prestar um revelante serviço á sciencia; mas ainda mais aquelle que pela sua dedicação ou valor fizer um serviço relevante á patria, em algumas das carreiras publicas, civil ou militar.

Sr. presidente, eu vejo a camara cheia de distinctos pares vitalicios, e entre estes, muitos dos melhores oradores, e por isso julgo que se não deve restringir muito a prerogativa da corôa da sua nomeação, para que o nosso, verdadeiramente liberal e exemplar monarcha, que a tem exercido com tanto acerto, tenha a necessaria latitude para escolher pessoas do mais reconhecido merecimento.

Porém, se este projecto não deve suscitar grandes embaraços para a creação dos pares vitalicios, deve tambem attender ao principio de hereditariedade com que esta camara foi creada, e que se acha consignado no artigo 39.° da carta constitucional, e não pôr grande obstaculo á herança do pariato.

O artigo 31.° da carta garante a nobreza hereditaria e suas regalias, e portanto é preciso que a balança do legislador não penda mais para o direito de nomeação do que para o hereditario, para não destruir as bases da constituição, tornando esta camara no futuro toda ou quasi toda de nomeação.

Sr. presidente, pelo que respeita aos successores do pariato, não encontro rasão plausivel para não serem, admittidos a tomar assento sem terem trinta e cinco annos de idade o que presentemente lhes é concedido aos vinte e cinco.

É altamente injusto ficarem assim privados por mais dez annos de uma herança que lhes pertence e de um logar em que poderiam distinguir-se desde logo, e fazer talvez algum serviço importante ao paiz.

Chamo a attenção da camara sobre este artigo, e appello para a sua imparcialidade e justiça, para que seja alterado em harmonia, não só com a legislação anterior, mas, o que, ainda é mais justo, em vista da nossa lei civil, que declara qualquer cidadão no pleno goso de seus direitos civis e politicos em sendo maior de vinte e um annos.

Entendo tambem, como o digno par conde de Rio Maior, que não ha direito de se marcar categorias aos successores, e assim o entendo, porque nesse caso elles serão pares, não

Página 146

146 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

por herança, mas pela referida categoria, e isto seria não respeitar o principio hereditario, o que é inconstitucional e contrario ás intenções do projecto; e quando a camara, na sua alta sabedoria, entenda que apesar disso ellas não possam ser dispensadas, nada mais se lhe poderá exigir em vista do disposto para os pares vitalicios.

E obvio alem d’isto que mesmo na idade de trinta e cinco annos poucos herdeiros do para até podem estar comprehendidos nas categorias designadas no artigo 4.°

Todos sabem que regularmente não se obtem o posto de official superior do exercito ou da armada senão ainda alem d’essa idade; e não são muitos os que teem antes d’isso a patente de capitão, como muito claramente já fez ver o digno par conde de Linhares.

Tambem não é provavel ser com tão poucos annos lente cathedratico da universidade de Coimbra, e o mesmo ou peior succede quasi sempre quanto aos mais quesitos, e ainda mais exigindo-se que tenham já os cinco annos de exercicio nas referidas categorias!

Com taes exigencias, ficarão os successores muitos annos inhibidos de tomar assento na camara, que entretanto poderá tornar-se quasi toda de nomeação; o que seria altamente inconveniente e contrario ao espirito do projecto, da carta constitucional e de todos os principios liberaes.

Não me posso igualmente conformar com a disposição do artigo n.° 8.° do projecto, que só respeita o direito de succeder no pariato, na conformidade da legislação anterior, aquelle em quem o direito de successão se ache já adquirido por morte do seu antecessor ao tempo da promulgação da presente lei.

Os direitos adquiridos têem sido até hoje respeitados quando se faz alguma nova lei.

Na reforma d’esta camara em 1845, foram os successores dos pares já maiores de dezoito annos isentos das provas n’ella estabelecidas.

Na lei da extincção dos vinculos, foram muito contemplados os herdeiros.

Nas leis da reforma dos estudos, foram sempre salvos os direitos adquiridos.

As leis não podem nunca ter effeitos retroactivos.

E este um principio adoptado em todos os paizes verdadeiramente liberaes, e que está consignado no artigo 145.° da carta constitucional; e portanto não se póde tirar o direito de succeder no pariato aos filhos primogenitos dos actuaes pares que já são maiores de idade, a todo o tempo que apresentem as provas que exigiu a lei de 11 de abril de 1845.

Este direito já está por elles adquirido, o que se prova por isso que podem succeder, como se reconhece, se o seu antecessor fallecer ao tempo da promulgação da nova lei; nem ha rasão para perderem esse direito pelo simples facto de seus pães teimarem em viver alem do praso fatal!

Esta disposição é não só retroactivas inconstitucional mas verdadeiramente dura e injusta!

E eu quero antes crer que não se reflectiu bem na redacção d’este artigo, que espero a camara não deixará de alterar.

Sr. presidente, ha n’este projecto algumas disposições, como tenho mostrado, com as quaes me não conformo, mas ha tambem muitas uteis e judiciosas, que eu estimarei ver convertidas em lei, e por isso approvo o projecto na sua generalidade, com a reserva de apresentar algumas emendas quando entrar em discussão na sua especialidade.

Espero que se alguem não approvar as minhas idéas, todos me farão ao menos a justiça de acreditar que me são inspiradas pelo desejo de zelar os direitos e independencia da camara hereditaria, que desde 1834 tem honrosamente funccionado n’este paiz, sustentando sempre as medidas mais liberaes e os interesses do povo; e que pela maneira por que se acha constituida, livre, como já disse, das influencias eleitoraes e do governo, é uma das mais sabias e solidas garantias da liberdade e independencia do paiz.

O sr. Visconde de Algés: — Mando para a mesa o parecer da commissão de legislação sobre o projecto de lei apresentado pelo digno par o sr. Sequeira Pinto, que tem por fim regular a aposentação dos empregados do corpo legislativo.

Leu-se na mesa e foi a imprimir.

O sr. Barros e Sá mandou para a mesa um parecer de commissão.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para amanhã, 20 do corrente, é a continuação da que estava dada para hoje, e os pareceres n.ºs 272, 273 e 274.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 19 de março de 1878

Exmos. srs. Duques d’Avila e de Bolama, de Loulé; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Pombal, de Vallada, de Sabugosa; Condes, dos Arcos, do Bomfim, de Cabral, do Casal Ribeiro, de Cavalleiros, de Fonte Nova, de Linhares, da Louzã, da Ribeira Grande, de Rio Maior, do Farrobo, de Paraty, das Alcáçovas, de Mesquitella; Bispos, de Bragança, do Porto; Viscondes, de Algés, de Bivar, de Fonte Arcada, da Praia, da Praia Grande, de Seabra, do Seisal, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de Villa Maior; Barão de Ancede; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Moraes Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Fontes Pereira de Mello, Paiva Pereira, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Barreiros, Andrade Corvo, Mártens Ferrão, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Vaz Preto, Franzini, Menezes Pitta, Mello e Carvalho, Carlos Eugenio de Almeida.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×