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N.º 23

Sessão de 19 de fevereiro de 1881

Presidencia do exmo. sr. João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - O sr. visconde de Chancelleiros deseja que as commissões de legislação e de marinha dêem o seu parecer sobre a representação contra o contrato de navegação para a Africa. - Explicações do digno par o sr. visconde de Soares Franco. - Ordem do dia: Discussão do parecer sobre o projecto de lei n.° 147 ácerca do bill da reforma dos coroneis. - Considerações do sr. ministro da guerra e do digno par o sr. Barros e Sá.

Ás duas noras e um quarto da tarde, sendo presentes 33 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio da guerra, remettendo a nota dos officiaes nomeados para commissões fóra do paiz, requerida pelo digno par Vaz Preto em sessão de 4 do corrente.

Outro, remettendo copia do officio requerido pelo digno par D. Luiz da Camara Leme em sessão de 28 de janeiro ultimo.

Outro, remettendo copia de documentos requeridos pelo digno par Sequeira Pinto em sessão de 4 do corrente.

Um relatorio e contas da commissão administrativa d'esta camara com respeito á sua gerencia no anno economico de 1879-1880.

Á commissão de fazenda.

(Estava presente o sr. ministro da guerra, e entraram durante a sessão os srs. presidente do conselho, e ministros do reino, obras publicas e justiça.)

O sr. Vaz Preto: - Desejava dirigir algumas observações ao sr. presidente do conselho, mas reservo-as para outra occasião, visto que s. exa. não está presente.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Em uma das passadas sessões foi lida na mesa uma representação do Corpo commercial ou, pelo menos, de parte dos commerciantes d'esta praça contra o contrato celebrado pelo sr. ministro da marinha relativamente á navegação a vapor para a Africa.

Esse documento foi remettido á commissão de legislalação, creio eu, e á commissão de marinha e ultramar, por indicação minha.

Pedi toda a urgencia no parecer d'estas commissões e declarei, por uma rasão de bem entendida deferencia para com a camara dos senhores deputados, que não desejava nem queria realisar a minha interpellação ao sr. ministro da marinha sem que n'aquella casa do parlamento se verificasse a que sobre o mesmo assumpto fôra annunciada pelo sr. Pinheiro Chagas.

Essa interpellação verificou-se hontem, e agora desejo eu que o sr. ministro responda á minha com urgencia; das primeiramente necessito de um documento de que não posso prescindir: é o parecer das commissões de marinha e legislação.

V. exa. obrigar-me-ha muito em me declarar se esse parecer já foi remettido para a mesa, á fim de se distribuir aos dignos pares.

O sr. Visconde de Soares Franco: - A commissão de legislação não deu ainda o seu parecer sobre a representação que lhe foi enviada e a que se referiu o digno par; e a commissão de marinha espera por esse parecer para se reunir e tratar do assumpto.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Creio que o assumpto da representação não é rigorosamente da competencia da commissão de marinha, mas, como este negocio lhe foi tambem incumbido, insisto em pedir aos illustres membros da commissão de legislação que lhe mandem quanto antes o seu parecer.

O voto das duas commissões é para mim um preliminar de que não posso prescindir para a apreciação da questão.

O sr. Vaz Preto: - Pergunto a v. exa. se foram remettidos á mesa os esclarecimentos que tenho requerido por differentes ministerios.

O sr. Presidente: - Não sei se entre os documentos que chegaram á mesa estão alguns dos que pediu o digno par. Os que estiverem, serão enviados a s. exa. pela secretaria.

O sr. Visconde de Bivar: - Esperava que estivesse presente o sr. ministro do reino, que fazeres certamente de muita importancia não lhe permittiram comparecer agora na camara.

Abstenho-me, por consequencia, das reflexões que tencionava apresentar.

Sr. presidente, v. exa. ouviu hontem que o mesmo sr. ministro se deu por habilitado para responder a uma das interpellações que lhe annunciei.

A v. exa. incumbe a direcção dos nossos trabalhos, mas, em presença do que o sr. ministro declarou, eu pediria que fosse dada para ordem do dia a interpellação a que me refiro.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia.

Continua a discussão do parecer n.° 154 e do respectivo projecto.

Tem a palavra o sr. ministro da guerra.

O sr. Ministro da Guerra (José Joaquim de Castro): - Sr. presidente, continuarei hoje o meu discurso com o fim a que me propuz, que foi contrapor varios argumentos ás rasões apresentadas por s. exa. o sr. relator da commissão de guerra; argumentos tendentes a provar que o governo não póde acceitar o bill de indemnidade proposto.

Na sessão anterior discutiamos o periodo do relatorio da commissão de guerra, no qual s. exa. o sr. relator nos disse que em 1871 se ventilava uma questão similhante, quasi identica á actual, entre outros officiaes do exercito, e referindo-se á consulta do supremo conselho de justiça militar, de 16 de janeiro do mesmo anno, indicou, em conformidade com a mesma consulta, "que os officiaes que se julgavam preteridos deviam reclamar ante a jurisdição do supremo tribunal administrativo, nos termos do artigo 75.° do decreto com força de lei de 10 de dezembro de 1868". E n'ella se lê mais "que o governo não tem jurisdicção nem

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faculdade legal para alterar o que existe, para dar ou negar maior ou menor antiguidade".

Em virtude da referida consulta, e em harmonia com varias outras da procudaria geral da corôa e fazenda, entendeu-se que o artigo 75.° do decreto com força de lei de 10 de dezembro de 1868 se achava em vigor pelo que respeitava aos recursos. O sr. Barres e Sá foi completamente de accordo com esta opinião; e assim o consignou no parecer do referido tribunal.

O governo conformou-se igualmente, mandando publicar a consulta na ordem do exercito n.° 7 de 1871.

Logo no anno seguinte, em 1872, poz-se de parte aquelle artigo 75.° e a doutrina da mencionada consulta, sendo concedida a varios officiaes maior antiguidade para os effeitos de reforma. A ordem do exercito n.° 43 de 1872 nos fornece um exemplo com relação ao coronel José Marcellino da Costa Monteiro, a quem, em virtude do parecer do supremo conselho de justiça militar, emittido em consulta de 5 de novembro do mesmo anno, se mandou contar maior antiguidade no posto de primeiro tenente, de que resultou ser reformado em general de divisão com o soldo mensal de 120$000 réis, em logar de 75$000 réis a que sómente tinha direito (ordens do exercito n.° 44, de 1872 e n.° 8 de 1873). E comquanto o digno par, o sr. Barros e Sá. assignasse vencido a indicada consulta, é certo que no mesmo anno se conformou com a doutrina de serem promovidos officiaes, embora para os effeitos da classificação da reforma, aos quaes não se podia fazer tal concessão, como se vê na consulta do supremo conselho de justiça militar, de 2 de julho de 1872. O mesmo teve logar em 1874, na consulta de 23 de junho do dito tribunal, em virtude da qual se mandou contar maior antiguidade, no posto de alferes, a outro official do exercito, etc.

(Leu.)

O sr. relator da commissão refere-se, por mais de uma vez, a antiguidades retroactivas, que foram concedidas pelo decreto de 10 de setembro de 1880 e por outros decretos posteriores. Ora, antiguidade retroactiva tinha já sido concedida ao general Damasio e para os effeitos de promoções, muitos annos antes da questão ventilada entre este general e alguns officiaes que apresentaram requerimentos pedindo tambem maior contagem de antiguidade para iguaes effeitos.

Demais, não conheço que se conte antiguidade que não soja retroactiva, quando se trata de casos d'esta natureza. Poderia citar mais exemplos da concessão de antiguidades retroactivas, como a que se fez a José Marcellino da Costa Monteiro, a qual se referiu a uma epocha, quarenta cinco annos anteriores á da publicação do decreto de que ha pouco fiz leitura.

E, direi, que por fórma alguma ponho em duvida os distinctos merecimentos e serviços d'aquelle official; mas se é certo que teve transtornos nunca por elle provocados na sua carreira militar, não me parece que esta rasão, e a allegada na respectiva consulta de ter sido sempre infeliz, se possam absolutamente admittir. A infelicidade não parece ser motivo bastante para se conceder uma antiguidade tal, que o fez passar de coronel a general de divisão com o soldo de 120$000 réis.

O sr. Barros e Sá, na ordem das rasões que expoz no seu relatorio, diz mais:

"Pelo que respeita ao decreto de 27 de dezembro preterito, que levantou a suspensão aos decretos indemnisadores, ao relatorio que o precede e á consulta da minoria dos fiscaes da corôs n'elle invocada, cumpre notar que em parte alguma d'este consulta se emitte parecer ou opinião, declarando que os decretos indemnisadores são legaes, e que como taes devem produzir effeitos legitimos."

Vejamos o que a este respeito diz a consulta da minoria dos fiscaes da corôa:

"Sendo minha opinião que os decretos suspensos conferiram direitos nos termos expostos, que devem pelo governo ser mantidos para todos os effeitos da legislação vigente que os regular". E o que se encontra a paginas 547 da ordem do exercito n.° 30 de 1880, onde se acha publicado o referido parecer; e a paginas 558 da mesma ordem, no parecer da maioria, lê-se: "cumpre, porém, ter em consideração os factos consummados, as reformas já liquidadas e as patentes conferidas, as quaes, conforme já indiquei em outro logar, têem de ser respeitadas."

Por conseguinte, as palavras do sr. relator da commissão - de que em parte alguma se emitte parecer ou opinião, declarando que os decretos produziram effeitos legitimos - são menos conformes á verdade.

Continua s. exa. dizendo:

"Reconhecendo aquelles doutissimos magistrados (os fiscaes da corôa), que Damasio tinha o seu posto concedido em fórma legal..., e sendo correlativa a legalidade da situação militar de Damasio á illegalidade da concessão da pretendida indemnisação, isto é, á illegalidade dos decretos da indemnisação, induz-se que a opinião e parecer da minoria dos fiscaes da corôa era tambem, como a da maioria contraria á legalidade dos decretos..."

É fóra de duvida que a paginas 547 da ordem do exercito n.° 30, já citada, se lê:

"Tendo o general Damasio o seu posto concedido em fórma legal, não póde ser d'ella privado, porque lh'o garante evidentemente a lei de 15 de abril de 1835"; mas se s. exa. lesse um pouco mais abaixo havia de encontrar o seguinte:

"Tendo em tempo pedido e obtido a demissão do serviço militar, conformemente com os principios reguladores em similhante assumpto, só se lhe poderia contar a antiguidade na patente desde o decreto do seu novo ingresso no serviço. Conforme este principio era a lei vigente... E muito expresso é o direito francez: "Quando um official deixa de fazer parte dos quadros do exercito, em qualquer caso que não seja o de commissão de serviço, de licenceamento ou de suppressão de emprego, o tempo que tiver passado fóra do quadro será deduzido da antiguidade..."

O decreto que deu novo ingresso no exercito ao general Damasio é de 22 de dezembro de 1846, e é fóra de duvida que não podia ser considerado capitão antes de ser tenente; mas o digno par continua dizendo: "Não parece, pois, que ácerca da legalidade ou illegalidade dos decretos houvesse divergencia, discrepancia ou diversidade de opiniões entre os fiscaes da corôa".

Isto é exacto, mas com referencia ao decreto de 18 de julho de 1866; porquanto o parecer tanto da maioria como da minoria d'aquelles jurisconsultos foi unanime em reconhecer a illegalidade d'aquelle decreto.

A maioria diz (ordem do exercito n.° 30, paginas 553):

"Apreciando a legalidade do decreto de 18 de julho de 1868, em virtude dos termos expressos da portaria a que respondo, e salvo toda a consideração devida a um acto official da responsabilidade do governo, devo francamente declarar a Vossa Magestade que o considero illegal..."

A pag. 554:,

"Pela exposição dos factos, das opiniões e consultas dos jurisconsultos e tribunaes, e tendo em vista as leis que regulam o accesso, promoção e antiguidade, tenho como opinião mais correcta de que o decreto de 18 de julho de 1866 foi illegal, e assim produziu offensa de direitos de terceiro. Mas ante esta illegalidade, que o foi, póde o governo mudar a posição do general Damasio, ou seja no accesso ou na antiguidade do posto? Não pôde; conferidas lhe foram patentes de coronel, e general de brigada; estas constituem propriedade do official, sómente d'ellas póde ser privado por sentença do conselho de guerra (artigo 1.° da carta de lei de 15 de abril de 1835)."

A paginas 559:

"Concluindo, é meu parecer que foi illegal o decreto de 18 de julho de 1866, publicado na ordem do exercito n.° 27 do mesmo anno, mas no estado actual da legislação estão

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garantidas as patentes de coronel e general de brigada ao official Francisco Damasio Roussado Gorjão."

Vejamos agora o que diz a minoria. A paginas 543 da da mesma ordem do exercito lê-se:

"Na profissão das armas ha dois direitos geralmente garantidos nas leis das differentes nações; o direito de accesso e o direito de reforma. O primeiro reconhecido e titulado pelo diploma que confere o posto; o segundo igualmente reconhecido e titulado pelo diploma que confere a reforma, ou que determina o direito a ella, nas condições legaes..."

A paginas 544:

"O que deixo ponderado quanto aos effeitos legaes da concessão dos postos, procede igualmente com relação aos decretos de concessões de reforma e de reconhecimento de antiguidades para os effeitos da reforma."

A paginas 545:

"Que a reforma concedida não é mera graça, mas direito constituido ao official, é a consequencia das disposições legaes que entre nós a concedem em condições prefixadas (leis de 24 de abril de 1845, 17 de junho de 1855, 8 de junho de 1863, etc.) Se accesso e reforma não são concessões de mera graça, mas reconhecimento de direito, um e outro devem ser considerados como igualmente garantidos, desde que por decreto se mostrem competentemente reconhecidos, que este é o diploma ou titulo que tem essa força.

"A antiguidade para a reforma confunde-se com o direito d'esta, porque é sobre ella que se funda. Não se concebe que, sendo a reforma, em regra, em consequencia de antiguidade, a contagem d'esta, uma vez feita e decretada como aquella, ao que a lei se não oppõe e é de direito consuetudinario, não conferisse direito ao official, que só póde ser revogado ou annullado como o são os outros direitos reconhecidos na milicia.

"Entre nós, o decreto assignado pelo rei e referendado pelo ministro é sempre titulo legal d'aquillo que se reconheceu ou concedeu... Se o direito só contou antiguidade para o caso de futura reforma (que é o caso em questão), essa antiguidade está igualmente reconhecida, e, vigorando a mesma lei organica, não póde ser alterada."

Ora, aqui tem a camara quaes foram os pareceres da maioria e da minoria dos fiscaes da corôa, e onde não ha divergencia entre elles pelo que respeita ao decreto de 18 de julho de 1866.

Quanto ao decreto de 10 de setembro ultimo, e aos mais que conferiram direitos de indemnisação para effeitos de futura reforma, a divergencia é manifesta, porque a maioria sendo de parecer "que devem ser annullados os decretos de 3 e 17 de novembro ultimo, em vista do artigo 75.° do decreto com força de lei de 10 de dezembro de 1868, da carta de lei de 23 de junho de 1864... Reconhece e entende que devem manter-se só os factos consummados, isto é, as reformas já liquidadas"; a minoria, porém, foi de opinião "que os decretos publicados conferiram direitos que devem ser mantidos para todos os effeitos; que tanto o accesso como a reforma são direitos garantidos e regulados do mesmo modo"; assim, uma vez conferidos por decreto não podem, de maneira alguma, ser tirados aos officiaes a quem foram concedidos.

Ainda a paginas 543, da já citada ordem do exercito n.° 30, lê-se o seguinte, no parecer da minoria:

"No que levo ponderado, só considero como definitivamente concedida a antiguidade para a reforma, aquella que o tiver sido por decreto, que é o titulo definitivo do reconhecimento e concessão dos direitos garantidos aos militares, o posto e a reformai).

São, portanto, titulos definitivos e legaes, os decretos que conferem postos ou direito a indemnisações pela contagem de maior antiguidade para effeitos de reforma.

Assim os decretos, tendo constituido direitos, o governo não podia annullal-os ou revogal-os; não podia, pois, deixar de levantar a suspensão d'esses decretos. E parece-me que, procedendo assim, satisfez tambem o digno par, que a paginas 1 do seu relatorio disse: "nem era accommodado ás necessidades da disciplina militar que continuasse pendente e indecisa, por tempo indeterminado, uma questão que suscitava conflictos de interesses..."

Continía s. exa. produzindo outras rasões, e diz: "Que no relatorio que precede o decreto de 27 de dezembro se encontra - julga (o governo) que, depois de assignados e referendados, só poderiam ser annullados pelos tribunaes do contencioso administrativo. Em vista de tão explicita e tão terminante declaração, podia esperar-se que o governo mandaria interpor effectivamente o recurso contencioso, mas não aconteceu assim..."

Não aconteceu, porque o governo não podia recorrer dos decretos suspensos para o tribunal administrativo, porquanto é, corrente em direito que os ministros não podem, interpor recurso dos seus proprios actos.

Portanto, em taes condições, como podia ter logar o recurso? Os ministros não podiam recorrer dos decretos suspensivos. Os decretos tinham creado direitos unicamente para o caso de reforma.

O caso de reforma não affectava o reclamado, porque este continuando na mesma situação em que se achava não reclamava, visto que não era prejudicado no seu accesso pelos referidos decretos.

Quem havia de recorrer para o supremo tribunal administrativo? Não sendo o governo nem o reclamado, os reclamantes não o fariam, porque tinham sido attendidos, obtendo as mesmas vantagens para o caso de reforma.

Sr. presidente, segundo o parecer da secção administrativa do conselho d'estado, a que já me referi, o governo podia reparar o prejuizo que os officiaes reclamantes estavam soffrendo na escala do accesso, graduando-os desde logo no posto de coronel, e fixando-lhes a sua collocação na respectiva escala. O governo, porém, não fez tanto e limitou-se a indenmisal-os para effeitos de reforma.

E s. exa. admira-se de que o governo não recorresse; mas o governo não podia recorrer, como acabo de expor.

Continúa o digno par fazendo varias considerações sobre a legalidade ou illegalidade do acto, e diz: "Não deve agora a vossa commissão, nem dignamente póde esquivar-se a tratar e desenvolver a materia da legalidade ou illegalidade dos decretos que tantas vezes têem sido mencionados. - A questão da legalidade é a questão capital da materia que nos occupa, e da qual em caso algum podemos prescindir. - Se os poderes constituidos põem de parte as questões de legalidade, escusadas são as leis e desnecessarios são os legisladores.... - Se os poderes officiaes não respeitarem as leis reinará o arbitrio... "

Ora, a camara sabe perfeitamente que junto aos differentes ministerios existem jurisconsultos para darem parecer sobre os casos mais ou menos difficeis, duvidosos, em que póde haver interpretação de lei. Umas vezes são ouvidos os auditores especiaes, outras são consultadas as estações competentes; e casos ha em que são ouvidas todas estas entidades juridicas, como na presente questão; e só depois é que o governo resolve. Não se póde portanto dizer que reinou o arbitrio no procedimento do governo publicando os decretos que têem por fim indemnisar os coroneis.

E o que dirá o digno par ácerca dos decretos de 20 de julho e 5 de agosto de 1870, 30 de setembro de 1874, 5 de setembro e 1 de dezembro de 1875, 27 de junho de 1877 e outros, importando casos mais ou menos duvidosos, e em que nem as estações competentes foram consultadas?! Continua o digno par relator: "É inquestionavelmente certo que a legalidade do decreto de 10 de setembro de 1880, e dos outros que a este se referem, depende, é correlativa á legalidade ou illegalidade da situação militar do general Damasio..." E faz algumas considerações a este respeito, concluindo que "se a situação do general Damasio é legal, os decretos indemnisadores não têem rasão de existir".-

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S. exa. referindo-se aos 1.° e 2.° quesitos da portaria de 10 de dezembro de 1880, pela qual foi mandada consultar a procuradoria geral da corôa e fazenda, parece ter esquecido a doutrina do 3.° e 4.° quesitos da mesma portaria, onde se perguntava "se a revogação ou annullação dos decretos podia dar logar a justa reclamação dos interessados por offensa de direitos já adquiridos? E n'este caso que alvitre poderia adoptar-se que attendesse, quanto possivel, a esses direitos.".

Ora, creio que tenho feito sentir, como não me será difficil continuar a fazel-o, que os decretos não são illegaes. Perguntarei á camara até que ponto o poder executivo tinha direito para fazer as concessões contidas nos indicados decretos, que importam casos mais ou menos duvidosos, ou se esse direito competia só ao poder legislativo?

Ha quem sustente que o governo tem competencia para resolver estas questões, assim como tem havido quem sustente que é só ao poder legislativo que ellas competem; o que todavia é certo é que as differentes administrações não têem seguido sempre o mesmo systema.

Sr. presidente, alem do caso que apresentei, da contagem de maior antiguidade para os effeitos de reforma, ha muitos outros, como, por exemplo, o do major Joaquim de Caceres, que obteve a reforma, passando de tenente coronel a general de brigada, como consta das ordens do exercito n.ºs 1 de 1875 e 31 e 35 de 1877.

A concessão teve logar por decreto de 30 de dezembro de 1874, contando-se-lhe a antiguidade de alferes de 1840. É mais um caso de retroactividade a que s. exa. por varias vezes se referiu, e de que tanto se admira, se tivesse dado nos decretos em questão!

(Leu as differentes ordens do exercito.)

Teve, pois, logar o que acabei de dizer a camara com este official, que de tenente coronel passou a general de brigada.

Pelo que respeita a melhoria da reformas, já concedidas, a procuradoria geral da corôa a fazenda diz tambem o seguinte, no parecer da minoria, de 23 de dezembro de 1880, a paginas 547 da ordem do exercito n.° 30:

"Não se tratava de melhoria de reformas já concebidas, sobre as quaes é minha opinião que o governo não póde mais resolver."

No emtanto, se recorrermos aos factos, nota-se que, emquanto para melhorar as reformas a alguns officiaes foram necessarias cartas de lei, para outros bastou simples decretos do executivo.

Eis a confirmação do que avancei, isto é, que para se conseguirem os mesmos resultados, umas vezes se fez com que os pretendentes se dirigissem ás camaras, e outras foram attendidos pelo governo.

Com effeito, por decreto de 20 de julho de 1870; publicado na ordem do exercito n.° 37, foi melhorada a reforma no posto de general de brigada ao coronel reformado Julio Maria Silvano, independentemente da consulta dos fiscaes da corôa ou de qualquer outra estação competente.

(Leu.)

Da mesma fórma, por decreto de 6 de setembro de 1875, publicado na ordem do exercito n.° 24, foi melhorada a reforma em tenente coronel ao capitão reformado João Henriques, para o que se lhe mandou contar maior antiguidade no posto de alferes.

(Leu.)

Quer dizer que por estes decretos foram melhoradas as reformas a officiaes já reformados, quando as melhorias de reforma, segundo a legislação vigente, não podiam ser concedidas pelo poder executivo.

De melhoria de reformas concedidas pelo poder legislativo tentos, entre outros, es seguintes exemplos, n'estes ultimos annos:

Carta de lei de 16 de fevereiro de 1876, que melhorou a reforma em general de divisão ao general de brigada já reformado, José Maria de Pina, liquidando-a como se tivesse sido promovido a segundo tenente de artilheria em 6 de agosto de 1832. (Ordens do exercito n.ºs 6 e 7 de 1876.)

(Leu.)

Carta de lei da mesma data, auctorisando o governo a melhorar a reforma no posto de general de brigada, ao coronel reformado José Osorio de Castro Cabral e Albuquerque. (Ordem do exercito n.° 6 de 1876.)

(Leu.)

Carta de lei de 18 de abril de 1876, auctorisando o governo a considerar tenente de 25 de julho de 1833, o general de brigada reformado, barão do Paço de Couceiro, ao qual foi melhorada a reforma em general de divisão. (Ordens do exercito n.ºs 10, 11 e 13.)

(Leu.)

Prova isto, como já disse, que umas administrações entenderam que para fazerem concessões identicas bastava um acto do poder executivo, emquanto outras têem julgado necessario recorrer ao poder legislativo; por consequencia, repito, que nem sempre se tem seguido a mesma jurisprudencia; resultando duvidas a esse respeito.

Agora, com relação ao artigo 75.° do decreto de 1868, que dispõe:

"O official que (c)m qualquer promoção, ou que na collocação que lhe for dada na lista geral de antiguidades e accesso, se julgar preterido, póde interpor recurso para o conselho d'estado, na fórma prescripta no artigo 47.° do regulamento de 9 de janeiro de 1850 e mais legislação correspondente."

O que é certo, sr. presidente, é que este artigo não tem tido completa execução, ou porque o recurso n'elle estabelecido fosse facultativo e não obrigatorio, ou porque se julgassem suspensas as suas disposições, em virtude das determnações insertas nas ordens do exercito n.ºs 3 e 30 de 1869. Apenas uma vez, se a memoria me não falha, recorreram alguns officiaes, mas sem resultado.

O que me parece é que os recursos se referem só ás preterições que necessariamente teriam logar em virtude do systema de promoções estabelecido n'este decreto.

E tanto assim parece que, no relatorio que o precede, se lê:

"Desde que se determinam condições de capacidade, a preterição é consequente...; e por isso no decreto se estabelece uma commissão superior para rever os processos e consultar o governo, e se concede recurso para o conselho d'estado..."

O sr. relator da commissão diz ainda:

"Contra este decreto (de 22 do dezembro de 1846) nunca houve reclamação. Nem contra a readmissão de Damasio ao exercito, nem contra a antiguidade que lhe foi dada no posto de tenente. São passados mais de trinta annos} e, durante elles, nunca a legalidade d'este decreto foi posta em duvida pelos interessados."

Pois que, os interessados não reclamaram em 1867 contra as antiguidades concedidas ao official Damasio pelo decreto de 1866? Como conta s. exa. os trinta annos?

Prosegue s. exa.:

"Em 1866 requereu Damasio para ser collocado no logar que na escala dos accessos effectivamente lhe competia." (Julgo que quiz dizer em 1861.)

Ora, effectivamente, em abril de 1861, quinze annos depois, o sr. Damasio pediu que lhe fosse contada a antiguidade de capitão de fevereiro de 1845. Esse pedido, porém, não foi attendido pelo sr. marquez de Sá da Bandeira, então ministro da guerra, seguramente em virtude da portaria de 31 de janeiro de 1837 e mais disposições em vigor. O digno par n'esta parte, pretendendo mostrar a legalidade do decreto de 18 de julho de 1866, appellou para os almanachs militares. Ora, os almanachs não podem servir de argumento para este caso.

Os almanachs contêem, unicamente as listas de antiguidade, com referencia ás datas dos differentes postos e em

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relação á posição que os diversos officiaes têem nas escalas dos accessos ao tempo da sua publicação: mas como essa posição é variavel, pois que ha situações em que o tempo se não conta para reforma, outras em que se não conta para promoção nem para reforma, etc., póde a collocação do official no almanach, por isso não corresponder, exactamente, á que occupar nas escalas do accesso.

Assim, sendo o official Damasio tenente de 24 de julho de 1834, e Affonso de Campos tenente de 5 de setembro de 1337, não podia no almanach achar-se Affonso de Campos acima de Damasio, visto que a este se não havia feito desconto algum, emquanto não fosse resolvida a reclamação d'aquelle.

S. exa., referindo-se ao almanach de q865, diz que Damasio era, na ordem numerica dos tenentes coroneis, o decimo primeiro, e Affonso de Campos o decimo nono 5 assim é, mas se s. exa. consultar o almanach de 1855, quando estes officiaes tinham o posto de major, encontrará que Damasio Gorjão era o vigesimo segundo, e Affonso de Campos o vigesimo terceiro; vê-se, pois, que não havendo nenhum official collocado entre estes dois, em 1850, mais tarde, em 1865, apparece entre elles um numero de officiaes igual a sete.

Diz s. exa.: que o almanach é o documento official que resolve a questão. Eu creio que não resolve cousa alguma. Póde dar logar a reclamação se o official se julga mal collocado.

O digno par, ainda no empenho de mostrar a legalidade do decreto de 1866, continua: Como podia, pois, surgir de repente esta reclamação em 1866, não tendo havido alteração alguma na escala?

S. exa. sabe perfeitamente que a reclamação dos então tenentes coroneis, Affonso de Campos, Marques da Costa e Cunha Vianna, teve logar em fevereiro de 1867, em consequencia do decreto de 18 de julho de 1866.

Este decreto mandou contar ao official Damasio a antiguidade de tenente coronel de 20 de setembro de 1861, considerando-o, para esse fim, capitão de 1840, quando só tinha sido despachado na promoção geral de 19 de abril de 1847. Não traria esta concessão alteração alguma na escala?

Conclue a terceira parte do seu relatorio, dizendo: "São incontroversos os factos officiaes. Protestam contra a pretensão da preterição accusada por Affonso de Campos e pelos seus dois companheiros de reclamação; protestam tambem contra os fundamentos do decreto de 10 de setembro de 1880 e contra a legalidade d'esse decreto."

Pelo que já tive a honra de ler á camara, e se acha consignado a paginas 548, 553, 554 e 559 da ordem do exercito n.° 30, vê se clara e terminantemente, que tanto a maioria como a minoria da procuradoria geral da corôa e fazenda, foram unanimes em considerar illegal ou contrario á lei vigente, o decreto de 18 de julho de 1866; mas que, em virtude da lei de 1835, as patentes uma vez, conferidas, constituem propriedade, do official, de que não póde ser privado.

Pois se as patentes estão garantidas, se não póde ser revogado o decreto que as conferiu, é evidente que não ha outra cousa a fazer senão manter o official Damasio na posição em que se acha.

As indemnisações concedidas aos coroneis prejudicados são para o effeito de reforma, e nada mais; emquanto que o decreto de 18 de julho de 1866, concedendo ao official Damasio uma antiguidade de capitão, de 1845, para o accesso, epocha em que era paizano, constitue um caso novo, e contra o qual os officiaes preteridos não podiam deixar de reclamar.

Mas o sr. relator diz, a pagina 5 do seu parecer, o seguinte: "Que o procedimento havido com Damasio não foi singular nem excepcioual."

E o que effectivamente foi, porque segundo a legislação em vigor, não podia contar-se-lhe para o effeito do accesso, o tempo que não serviu, como tambem se não conta aquelle era que os officiaes se acham na inactividade temporaria, pelo requerer.

Menos ainda podia ter promoção durante aquelle tempo, pois nem mesmo a têem os officiaes collocados na disponibilidade.

Sr. presidente, a proposito de casos singulares, direi que nas ordens do exercito se encontram dois dignos de reparo e que não foram baseados em consulta de estação alguma: um, promovendo, por decreto de 3 de agosto de 1870, ordem do exercito n.° 41, a tenente coronel o major sem accesso Joaquim Antonio Marques, o qual, sendo capitão, foi despachado major governador da torre de S. Lourenço da Barra, ficando por isso sem direito a accesso.

Outro determinando, por decreto de 27 de junho de 1877, ordem do exercito n.° 23, que o major de artilharia João Correia de Mesquita fosse considerado na escala de accesso dos officiaes habilitados, desde o seu despacho a primeiro tenente, para os effeitos de reforma.

(Leu.)

O official do que trata este ultimo decreto é primeiro tenente de 29 de abril de 1851, e só concluiu o curso, ficando completamente habilitado, em 23 de dezembro de 1873; até então só podia ser promovido por um terço das vacaturas, reservado para os officiaes não habilitados, segundo dispõe o decreto de 1 de julho de 1851.

Quanto ao primeiro individuo, vê-se, pelo que li, que não lhe podia caber posto algum, visto estar collocado na situação de official sem accesso, e se elle tinha direito a ser promovido, por desempenhar as fancções de quartel mestre no ministerio da guerra, igualmente o tinham muitos outros officiaes que, achando-se na extincta 3.ª secção do exercito, disponibilidade ou outras situações, desempenhavam o serviço dos conselhos de guerra e varias commissões de caracter activo, e que não foram considerados; e isto porque quem estava n'aquellas situações não entrava em promoção.

O que se fez ao official Marques foi, portanto, uma graça; na minha opinião não foi outra cousa.

Ora, pelo que diz respeito ao sr. Correia de Mesquita, nem graça se pôde chamar ao que se lhe fez. Pois, como póde determinar-se que um individuo tenha um curso desde tal data, seja para serviço effectivo ou para reforma, quando de facto ainda o não possuia?! E, de mais a mais, as determinações então em vigor, não permittiam que se considerasse o curso terminado e se podesse passar a respectiva carta senão da data do sétimo exame, qualquer que elle fosse, a fim de evitar que os individuos que posteriormente se habilitassem viessem a prejudicar officiaes já habilitados.

Não obstante, ao major Correia de Mesquita, a quem já se tinha concedido a graça de se lhe dispensar alguns preparatorios para a sua admissão á matricula na escola do exercito, fez-se-lhe mais um tal favor, que o elevou de major a general de brigada! Parece-me que a collocação de um official na escala de accesso dos officiaes habilitados, a fim de ser promovido pelos dois terços das vacaturas, quando o não podia ser senão por um terço na escala dos não habilitados, é muito mais grave do que a indemnisação que o sr. João Chrysostomo concedeu aos coroneis de infanteria que se achavam prejudicados.

Por isso, desde que os decretos referentes aos tres casos singulares de que me tenho occupado, não careceram de bill de indemnidade, nem tão pouco os mais a que me tenho referido, por modo algum o governo póde acceitar um bill da mesma natureza para o absolver do acto que praticou em condições muito superiores aos demais actos anteriormente praticados.

O digno par o sr. Barros e Sá, fazendo considerações sobre as circumstancias da sociedade portugueza em 1846, que todos nós mais ou menos conhecemos, diz, referindo-se ao decreto de 22 de dezembro de 1846, que n'elle se exor-

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bitou, mandando-se contar como tempo de serviço militar effectivo aquella em que Damasio esteve demittido,

Procurei esta disposição no decreto e não me foi possivel encontral-a. Não sei como foi que s. exa. a descobriu.

Dia o decreto: "Annuindo á proposta de El-Rei D. Fernando, meu muito amado e prezado esposo, marechal general e commandante em chefe do exercito: hei por bem determinar que volte ao serviço do exercito no posto de tenente, e com a antiguidade da promoção de 24 de julho de 1834, em que foi preterido, Francisco Damasio Roussado Gorjão, que foi demittido, pelo requerer, do posto de alferes na ordem do exercito n.° 31 de 27 de julho de 1835. O ministro, etc. Paço das Necessidades, em 22 de de dezembro de 1846. = RAINHA. = José Antonio Maria de Sousa Azevedo."

Isto que aqui se diz, para o que s. exa. affirmou, que mandava contar como serviço effectivo o tempo que o sr. Damasio esteve demittido, vae uma differença incommensuravel.

Diz mais o sr. relator da commissão ácerca do mesmo decreto: "Em circumstancias ordinarias, este acto constituiria um excesso de poder, uma usurpação legislativa: mas nas circumstancias extraordinarias e anormaes em que foi praticado, foi filho d'essas circumstancias e por ellas foi legitimado".

Sr. presidente, a este respeito não posso deixar de fazer algumas considerações. Ora, porque um governo assume a dictadura, concentrando em si ao mesmo tempo o poder legislativo e o executivo, segue-se que todos os actos d'esse governo tenham caracter legislativo? Pôde, pois, entrar-se em duvida sobre a natureza d'este decreto. O digno par relator sabe tão bem como eu, que em 1834, 1835 e posteriormente, era materia corrente a demissão dos officiaes que se alistaram para servir sómente emquanto durasse a lucta, e a sua reintegração no serviço, se mais tarde queriam voltar para o exercito; mas nunca só contou a esses officiaes para o effeito de promoção o tempo em que estiveram demittidos, (Apoiados.) a não ser quando motivos politicos tivessem occasionado a sua demissão. Vejamos se com relação ao sr. Damasio se davam taes motivos.

Na ordem do exercito n.° 31, de 27 de julho de 1835, encontramos o seguinte:

"Demittido do serviço o alferes Francisco Damasio Roussado Gorjão, pelo requerer e por se ter alistado no exercito libertador em agosto de 1832, para servir tão sómente durante a lucta entre a legitimidade e a usurpação, periodo em que fez muito bons serviços, e contribuiu por alguns mezes com o donativo em dinheiro para pagar o pret a 50 soldados."

O que se vê é que o sr. Damasio se alistára para servir emquanto durasse a lucta, que acabada ella podia pedir a sua demissão quando lhe aprouvesse, como fez; que a demissão não foi determinada por motivos politicos, mas por conveniencias particulares, como consta do requerimento d'aquelle militar - foi para tratar dos seus negocios.

Temos mais exemplos de demissão e reintegração de officiaes, tambem pelo requererem. Entre outros citarei os dois seguintes.

Na ordem do exercito n.° 234 se lê: "Por decreto de 17 de julho de 1834. - Batalhão de caçadores n.° 12. - Demittido, pelo requerer, o alferes Manuel Feliciano Dias." E na ordem do exercito n.° 37: "Por decreto de 10 de agosto de 1835. - Reintegrado no posto de alferes de que havia sido demittido por decreto de 17 de julho de 1834, pelo requerer, allegando motivos attendiveis, o alferes que foi do extincto batalhão de caçadores n.° 12, Manuel Feliciano Dias, em attenção ao seu bom comportamento e serviço até á restauração do throno portuguez".

Na ordem do exercito n.° 9: "Por decreto de 27 de abril de 1830. - Batalhão de caçadores n.° 4. - Demittido do serviço, pelo requerer, o alferes José de Oliveira Queiroz". E na ordem do exercito n.° 37: "Por decreto de 5 de outubro de 1833. - Reintegrado no posto de alferes, o alferes que foi do regimento de caçadores n.° 4, José de Oliveira Queiroz, em attenção ás informações que houveram dos seus bons serviços".

Era, pois, corrente n'aquella epocha a demissão e reintegração dos officiaes por meio de simples decretos do executivo.

Ora o digno relator da ccmmissão diz "que o decreto que readmittiu Damasio no exercito é de execução permanente, pois nada ha mais permanente que o posto e a patente de um official; e alem d'isso, que o mesmo decreto contém materia legislativa, porque só o poder legislativo tem competencia para auctorisar a admissão no exercito de um paizano com o posto de tenente".

Se esta argumentação fosse precedente, tambem os decretos da 10 de agosto de 1835 e 5 de outubro de 1836, que fizeram voltar ao exercito os ex alferes Feliciaao Dias e Queiroz, quando paizanos, se achariam nas mesmas condições, e conteriam por isso materia legislativa: e que por certo conduz ao absurdo!!

Damasio não era um paisano qualquer; era um paizano que tinha sido official, como o eram os dois individuos acima citados.

Parece-me que não podemos admittir que todos os actos de uma administração constituida em dictadura devam ser considerados como legislativos. Alem de que, se e decreto de 22 de dezembro de 1843 tivesse um caracter ditatorial, teria sido assignado por todos os ministros, e não o foi.

O que é certo é que elle é da mesma natureza dos decretos que acabei de ler á camara; e que aos militares a quem dizem respeito, e que haviam pedido a sua demissão, não se contou nunca para promoção, como tempo do serviço effectivo, aquelle em que estiveram fóra do exercito. Não se lhes contou o tempo em que não serviram, nem só podia contar, em virtude da legislação existente; como desenvolvidamente se encontra na consulta do supremo conselho de justiça militar de 1 de junho de l850, quando o official Manuel Feliciano Dias, então capitão, solicitou que, a exemplo do que se havia praticado com Damasio o outro odficial, se lhe contasse para a sua antiguidade de serviço o tempo que d'elle esteve ausento; fazendo bem sentir o dito tribunal, nas rasões adduzidas na sua consulta, que não se podia contar como serviço o tempo de ausencia do mesmo, por ser contrario a lei expressa, sendo por isso sua opinião que não era de justiça a pretensão do capitão Feliciano Dias; que o seu deferimento offenderia direitos de terceiro legitimamente adquiridos; e que nem era das attribuições do poder executivo, porque importava a sua materia revogação de lei vigente.

Para não cansar a camara, não lerei a consulta que tenho presente, attenta a sua extensão.

Sr. presidente, se em 1846 e ministro da guerra entendesse que ao official Damasio se devia contar para effeito de promoção o tempo que esteve fóra do serviço militar, como se nunca tivesse deixado de servir, tel-o-ia declarado no decreto de reintegração, como se fez para com os officiaes que estiveram fóra do serviço por motivos politicos, os quaes, não obstante, ficaram sem direito ás promoções que tiveram logar durante esse tempo; não aconteceu, porém, assim com o official Damasio, e contou-se-lhe um tempo a que por fórma alguma tinha direito.

Diz mais o sr. relator no seu parecer "que não é necessario recorrer ao chamado direito consuetudinario. Temos lei."

E continúa:

"Pela lei de 7 de abril de 1840 (julgo que s. exa. quiz dizer 7 de julho) foi o governo auctorisado a readmittir no exercito os officiaes que, em rasão dos acontecimentos de 9 de setembro de 1836, haviam obtido demissão; e para outra lei, de 27 de janeiro de 1841, foi determinado no artigo 2.°, que os officiaes que haviam sido reintegrados

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contariam como tempo de serviço effectivo aquelle em que estiveram reformados, na 4.ª secção, ou demittidos."

Não ha duvida alguma que existiram as duas cartas de lei citadas, mas não podiam ter applicação ao official Damasio; senão vejamos.

A de 7 de julho de 1840 dispõe:

"Artigo 1.° É o governo auctorisado a reintegrar nos postos legalmente adquiridos todos os ex-officiaes do exercito e ex-officiaes inferiores que, em consequencia dos acontecimentos politicos de 9 de setembro de 1836, pediram e tiveram a demissão do serviço.

"Art. 2.° As reintegrações que tiverem logar em virtude do artigo antecedente não habilitam os reintegrados para receber soldo algum, ou pret, pelo tempo em que estivessem fóra do serviço, nem para considerar-se restituidos ás commissões em que se achavam, ou com direito ás promoções que desde aquella epocha têem sido feitas no exercito.

"Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario." (Ordem do exercito n.° 30.)

A de 7 de janeiro de 1841 prescreve:

"Artigo 1.° É auctorisado o governo para restituir os postos que tinham na effectividade do exercito, aos generaes e mais officiaes que foram reformados ou passados á 4.ª secção desde 10 de setembro de 1836 até 4 de abril de 1838) isto por uma vez sómente, e no praso de tres mezes para os que estiverem no continente do reino e de dois annos para os que se acharem fóra d'elle.

"§ unico. São exceptuados das disposições d'este artigo aquelles generaes ou officiaes que, depois de exames legaes, se julgar que foram reformados ou passados á 4.ª secção na conformidade das leis, ou que se acham impossibilitados de servir activamente.

"Art. 2.° Os generaes e mais officiaes que em virtude do artigo antecedente forem restituidos á effectividade no exercito, não terão direito á indemnisação do soldo de effectivos, nem ás promoções posteriores ás datas dos decretos pelos quaes tiverem sido reformados ou passados á 4.ª secção; contarão, porém, para as futuras promoções como tempo de serviço effectivo todo aquelle em que houverem estado reformados ou na 4.ª secção.

"§ unico. A ultima disposição d'este artigo é extensiva aos generaes e mais officiaes que foram ou vierem a ser reintegrados nos seus postos em virtude da lei de 7 de julho do anno passado, afim de contarem como tempo de serviço effectivo para as promoções posteriores á citada carta de lei de 7 de julho do anno passado todo aquelle em que tiverem estado demittidos,

"Art. 3.° As disposições dos artigos antecedentes são applicayeis aos officiaes da armada, batalhão naval e extincta brigada da marinha, etc." (Ordem do exercito n.° 11.)

Quer dizer, não bastou a primeira das leis, porque nada dispunha sobre a contagem do tempo em que os officiaes estiveram fóra do serviço; foi necessaria uma segunda disposição legislativa que declarasse que aquelle tempo devia ser contado como de serviço effectivo para as futuras promoções, isto é, para as promoções posteriores á data da publicação da primeira lei (a de 1840).

Se não fosse a segunda carta de lei, não poderia aquelle tempo ser levado em conta senão para effeito de reforma. Comtudo. o sr. relator assevera: "Foi o que aconteceu, o que foi concedido a Damasio. Fez-se-lhe em 1846 o que em 1841 havia sido concedido a muitos outros, sem que alguem então se queixasse".

Não ha paridade alguma com o que em 1841 se fez a outros officiaes, como inexactamente affirma o digno par; porquanto foi só para aquelles que tinham saído do serviço por motivos politicos, e dentro dos periodos marcados nas referidas leis; em nenhum d'estes casos se achava o official Damasio, que não foi demittido depois de 9 de setembro de 1836, nem por motivos politicos.

Visto que a lei teve effeito para os individuos que, nos termos d'ella, voltaram ao exercito, ninguem se podia queixar.

Para justificar a situação do general Damasio, continua o digno par, o sr. Barros e Sá, dizendo:

"Pela lei de 10 de julho de 1840 (aliás de 1849) foi auctorisado o governo a reintegrar nos seus postos todos os officiaes do exercito, da armada e do batalhão naval que tivessem obtido a demissão em consequencia dos acontecimentos de 6 de setembro, (aliás outubro) de 1846.

"Declarou que taes officiaes não teriam direito ás promoções anteriores, nem aos vencimentos atrazados; mas, como nada dispoz a respeito do tempo em que haviam estado demittidos e fóra do serviço, foi regra constante, geral, inalteravel, seguida no ministerio da guerra, contar-se como effectivo para o accesso e collocação nas escalas todo aquelle em que haviam estado demittidos."

Essa regra geral e seguida foi só com relação aos officiaes demittidos por motivos politicos, como já tinha disposto a lei de 27 de janeiro de 1841, a de 10 de junho de 1843, e como teve logar na amnistia geral decretada em 29 de maio de 1846, para os acontecimentos politicos que começaram em 4 de fevereiro de 1844, e na amnistia geral decretada em 28 de 1847 para todos os crimes politicos commettidos desde 6 de outubro de 1846, não podia, pois, seguir-se em 1849 uma regra differente com individuos comprehendidos ainda nos mesmos acontecimentos.

Já disse a s. exa. o que houve a este respeito, e como se têem entendido por mais de uma maneira as disposições legaes por que se rege a contagem, de maior antiguidade para a reforma e para os demais effeitos.

Diz ainda s. exa. que "a lei de 12 de julho de 1855 (aliás junho) estabeleceu disposições litteral e textualmente iguaes ás anteriores, relativamente aos officiaes demittidos em rasão dos acontecimentos politicas de 1849. Igual foi tambem a execução que a esta lei foi dada, e ninguem se queixou, nenhum official se considerou preterido no accesso".

Esta lei só teve applicação ao capitão graduado João José Botelho de Lucena (ordem do exercito n.° 29 de 1855), E podia ter aproveitado tambem a um digno membro d'esta casa, mas não quiz utilisar-se das suas disposições.

Continúa s. exa.: "Pela lei de 17 de julho de 1855 mandou-se que fossem admittidos a veteranos todos os officiaes inferiores que por motivos de politica haviam tido baixa do serviço determinando-se tambem que lhes fosse contado como effectivo aquelle tempo em que haviam estado fóra do serviço. Assim se praticou."

Quem o duvida? Mas foi só para effeito de passagem a veteranos, e unicamente para os officiaes inferiores que tiveram baixa do serviço por motivos politicos, e não para os que saíram do serviço por qualquer outra rasão.

Parece-me tambem que a citação da lei de 17 de julho de 1855 não serve senão para provar o contrario do que s. exa. diz no seu relatorio, onde se encontra ainda: "não é preciso accumular a citação de mais leis, nem a indicação de maior numero de precedentes. E poderá dizer-se que o legislador, tendo tantas vezes repetido as disposições anteriores, não sabia o que fazia, ou que despotica e arbitrariamente queria lesar os direitos dos officiaes que haviam continuado ininterrompidamente no serviço militar?"

É o que acabei de dizer; as citações a que s. exa. se soccorreu, e os exemplos que apresenta para chegar á conclusão de que a situação de Damasio é legal e justificada, não provam outra cousa senão o contrario do que o digno par desejou provar.

Quanto á citação de leis já o mostrámos; pelo que respeita aos exemplos, vejamos:

Como primeiro exemplo indica s. exa. o digno general João Chrysostomo de Abreu e Sousa, é diz: "Seja o primeiro o do tenente, hoje general, João Chrysostomo de Abreu e Sousa, que referendou os decretos sobre que agora tanto se questiona. Este distincto official foi demittido do serviço, pelo requerer em 8 de março de 1847

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(ordem do exercito n.° 15), e posteriormente restituido ao mesmo posto de tenente em 17 de agosto de 1849 (ordem do exercito n.° 15, aliás 30). Contou-se-lhe come tempo de serviço real e effectivo aquelle periodo do tempo era que esteve demittido, dois annos, cinco mezes e dois dias. Eram perfeitamente iguaes, identicas, as situações de Damasio e do general Abreu e Sousa. Ambos elles estiveram demittidos e a ambos foi abonado, para os accessos e collocação nas escalas militares, o periodo de tempo em que estiveram fóra do serviço.

Longe de serem iguaes, identicas as situações de Damasio e do general Abreu e Sousa, quando tenente, como a s. exa. se afigura, são perfeitamente distinctas; o primeiro esteve fóra do serviço, porque assim lhe conveiu, para tratar de negocios particulares, emquanto o segundo foi por acontecimentos politicos, e portanto ao abrigo da já citada lei de 1849 e amnistia de 1847, em harmonia com o que se tinha feito em 1846, 1843 e 1841.

Da mesma fórma, e pelas mesmas rasões, não colhem os mais exemplos apresentados por s. exa. do coronel José Jorge Loureiro, tenente João Luiz Lopes, capitães Francisco da Cunha e Meneies, Francisco de Mello Breyner e Luiz Diogo Leite.

Assim, quanto ao que s. exa. nos diz, a pag. 4 do parecer da commissão guerra "de haverem casos analogos, similhantes, identicos, de se mandar contar como tempo de serviço effectivo aquelle periodo de tempo em que alguns officiaes estiverem demittidos ou fóra dos quadros da actividade..." concordamos em que os ha, mas só coro respeito aos officiaes que estiveram fóra do serviço por motivos politicos, e não para aquelles que, como Damasio, Feliciano Dias e Queiroz, saíram do exercito independentemente de taes motivos.

Vê-se, portanto, que os exemplos não provam mais do as citações das leis.

Pelos decretos sobre que se disputa, diz s. exa.: "foram evidentemente offendidas as leis que regulam o accesso e a reforma dos officiaes do exercito..."

Não se comprehende facilmente como é que os decretos, concedendo indemnisação para effeitos de reforma, quando a obtenham, a certo numero de officiaes, possam offender as leis que regalam o accesso!

No accesso d'estes officiaes nada influe o que lhes foi concedido para o caso de reforma. Se a concessão fosse para o accesso haveria offensa de direitos de terceiro, mas para a reforma, não porque esses officiaes continuam na mesma posição em que se achavam, tornando-se-lhes só effectivas as vantagens concedidas quando elles chegarem ao termo da sua carreira militar.

Diz o digno par, a pag. 3 do parecer: "Fóra do campo da legalidade e da justiça, a camara dos pares não póde resolver negocio algum, por maior que seja a sua importancia..." e a pag. 5 declarando que os decretos estão fóra d'este campo legal e justo, segundo o seu modo de ver, conclue por que se mantenham!! E admira-se s. exa. que o governo procedesse da mesma fórma!

Sr. presidente, o governo fez suspender a execução dos decretos; consultou a procuradoria geral da corôa e fazenda, em portaria, de 10 de dezembro, não só pelas rasões que já expuz, mas tambem pelas que constam da mesma portaria, que julgo conveniente ler, na parte que se refere aos pontos sobre que mais especificadamente foi ouvida a procuradoria geral:

"1.° Em presença do exposto no indicado relatorio e do que consta dos processos, deverá ser considerada legal e justificada a collocação que o general Damasio tem na escala do accesso?"

Este foi o ponto de partida, como s. exa. referiu, e muito bem.

"2.° Na affirmativa, póde o governo revogar, annullar ou modificar o decreto de 10 de setembro de 1880, os mais que a elle se referem, e os actos já praticados em consequencia dos mesmos decretos, ou só por providencia legislativa póde resolver-se sobre este assumpto?

"3.° Essa revogação ou annullação póde dar logar a justa reclamação dos interessados por offensa de direitos já adquiridos?

"4.° E n'este caso convirá adoptar-se algum alvitre que attenda quanto possivel a esses direitos...?"

Em vista do 3.° e 4.° pontos, de não menos importancia para o caso em questão, e de que s. exa. se não occupou, como já fiz sentir á camara n'outra parte do meu discurso, poderá dizer-se, como affirma o illustre relator:

"Admittir a legalidade da situação militar de Damasio e subsistirem os decretos indemnisadores importava, na opinião do sr. ministro, contradicção flagrante?!"

Os decretos foram assignados, referendados e publicados; achavam-se alguns d'elles em começo de execução, poderiam por isso ter creado direitos; não sei como o governo devesse deixar de attender a esta circumstancia, e não consultar sobre a materia.

Não é o assumpto tão simples como parece aos que combatem o governo pela suspensão e cessação da mesma.

O governo, procedendo com a prudencia e reflexão que o caso exigia, não póde ser accusado com fundamento.

E sendo opinião da procuradoria geral da corôa e fazenda, de que os decretos suspensos conferiram direitos que devem ser mantidos para todos os effeitos, cumprindo ter em consideração os factos consummados, as reformas já liquidadas e as patentes conferidas, que têem de ser respeitadas, o governo não podia deixar de fazer cessar a suspensão da execução dos mesmos decretos.

Mas, sr. presidente! Porque será que só se consideram illegaes estes decretos com respeito á infanteria, e não se diz uma palavra sobre os que concederam iguaes vantagens a alguns officiaes de artilheria?

Não obtiveram estes, tambem, direito á reforma em generaes de divisão com 120$OCO réis mensaes?

Não vejo rasão para isso; porque se uns são illegaes, os outros estão no mesmo caso.

Em presença de tudo quanto tenho dito, vê-se que poderá haver duvidas quanto á fórma da concessão de indemnisações de similhante natureza, e isto por falta de lei explicativa que regule o assumpto; mas quanto aos resultados, são os mesmos.

Sr. presidente! O governo não acceita nem póde acceitar o bill de indemnidade proposto, visto que ha precedentes de muitos decretos analogos; e a respeito de outros julga mesmo não terem defeza possivel; e comquanto algumas administrações tenham entendido não caber nas suas attribuições deferir aos pedidos d'esta natureza, é certo que outras os têem resolvido sem intervenção do parlamento. Portanto, se para o decreto de 10 de setembro é necessario um bill, indispensavel será tambem que esse bill abranja todos os actos similhantes praticados por administrações anteriores, ás quaes se não deu ainda, nem para ellas foi proposto. (Apoiados.}

Alem de alguns factos a que já me referi, e que estariam mais no caso de carecer de bill, darei ainda conhecimento á camara de um outro, que muito o necessitaria; reporto-me á indemnisação de um posto para melhoria de reforma dada ao tenente coronel Ivo Celestino Gomes de Oliveira, que deixou de ser promovido a coronel em consequencia de más informações; indemnisação que foi concedida com o voto do digno par, o sr. Barros e Sá, como juiz relator do supremo conselho de justiça militar, e pelo qual me parece que s. exa. se collocou em contradicção comsigo mesmo, como passo a mostrar.

Em 1871 assignou s. exa. a consulta d'aquelle tribunal, de 16 de janeiro, na qual considerando em vigor o artigo 75.° do decreto de 10 de dezembro de 1868, se affirmava que o governo não tinha jurisdicção, nem faculdade para alterar o que existia (quanto á posição dos officiaes), para dar ou negar maior antiguidade.

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Em 1872 assignando vencido a consulta que serviu de fundamento ao decreto de 4 de dezembro, concedendo ao coronel Costa Monteiro a reforma em general de divisão, pela contagem de maior antiguidade, foi coherente comsigo mesmo. Outro tanto já não succedeu na consulta de 2 de julho d'este ultimo anno, em que não assignando vencido, foi de opinião que, por equidade, se podia conceder ao referido tenente coronel Ivo o posto de coronel, a fim de lhe ser regulada a reforma no posto immediato, afastando-se assim da doutrina exposta na primeira d'estas consultas.

Na ordem do exercito n.° 58 de 1871 se determinou que o dito tenente coronel não fosse promovido ao posto immediato, visto não ter sido incluido por justificadas rasões na proposta do director geral da artilheria; e na ordem do exercito n.° 2 de 1872 foram publicados os motivos por que aquelle official deixou de ser promovido. Mais tarde pediu a reforma, que obteve por decreto de 31 de janeiro de 1872 (ordem do exercito n.° 7); e como era tenente coronel, não podia ser reformado senão em coronel; mas foi reformado, passando d'aquelle posto a general de brigada, em virtude do decreto de 17 de julho de 1873, baseado na consulta de 2 de julho de 1872, a que ha pouco alludi.

Sr. presidente, julgo inadmissiveis os fundamentos d'este decreto, principalmente na parte em que diz que a preterição por motivos de disciplina não procede do mesmo modo, nem tem a mesma força para a situação de reformado.

Ora, sendo a reforma a maior recompensa para o official, e que só póde ser concedida depois de um certo numero de annos de bom e efectivo serviço, não me parece que as justificadas rasões que inhibiram o tenente coronel Ivo de ser promovido a coronel para a effectividade, na arma a que pertencia, podessem deixar de subsistir para os effeitos da reforma.

Alem de que, o dito official não podia ser promovido a coronel effectivo em julho de 1873, quando já estava reformado desde janeiro de 1872; a promoção n'estas condições equivale a uma melhoria de reforma, a qual só ás côrtes compete resolver.

Pelo que tenho exposto entendo que devo concluir, declarando mais uma vez que as rasões apresentadas no parecer da illustre commissão de guerra, por improcedentes, não podem levar o governo a acceitar o bill que se propõe.

O sr. Barros e Sá: - Usou largamente da palavra, defendendo o projecto em discussão.

O sr. Cunha: - Perdão, eu nunca neguei que o sr. Damasio tivesse sido alferes.

Uma vez que sou interpellado, sr. presidente, e que v. exa. me permitte que falle, peço licença para observar ao digno par, que tambem não disse que o sr. Damasio tivesse servido em batalhões estrangeiros. O que eu disse foi que...

Vozes: - Em pé, em pé.

(O digno par levantou-se.}

O sr. Cunha: - Peço perdão da minha falta, que é consequencia da falta de habito.

Eu disse que o sr. Damasio não tinha soffrido nenhuma preterição, porque tendo-se alistado para emquanto durasse a lucta, naturalmente não tinha sido considerado na promoção de 1834, por se considerar a sua missão terminada já n'essa data.

O Orador: - Continuou fazendo algumas considerações sobre o assumpto, ficando com a palavra reservada para a proxima sessão, por ter dado a hora.

(Os discursos de s. exa. serão publicados quando os devolver.}

O sr. Presidente: - O sr. ministro da fazenda participou á mesa d'esta camara que se achava habilitado para responder á interpellação annunciada pelo digno par o sr. Vaz Preto.

Depois de terminado o debate de que actualmente a camara se occupa, marcarei dia para se verificar a mesma interpellação.

A primeira sessão terá logar na proxima segunda feira 21 do corrente, sendo a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 19 de fevereiro de 1881

Exmos. srs. João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Marquezes, de Ficalho, de Monfalim, de Penafiel, de Vianna, de Sabugosa, de Vallada; Arcebispo de Evora; Condes, dos Arcos, de Avillez, de Cabral, de Castro, de Linhares, da Ribeira Grande, de Valbom, de Gouveia; Bispos, de Bragança, de Lamego, de Vizeu, eleito do Algarve; Viscondes, de Almeidinha, de Alves de Sá, de Bivar, de Borges de Castro, de Chancelleiros, das Laranjeiras, da Praia, do Seisal, de Soares Franco, de Valmór; Barão de Ancede; Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Francisco Machado, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Magalhães Aguiar, Rodrigues Sampaio, Pequito de Seixas, Serpa Pimentel, Mendes Pinheiro, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Francisco Cunha, Margiochi, Henrique de Macedo, Andrade Corvo, Ferreira Lapa, Mendonça Cortez, Abreu e Sousa, Pestana Martel, Braamcamp, Baptista de Andrade, Castro, Reis e Vasconcellos, Mancos de Faria, Raposo do Amaral, Ponte e Horta, Costa Cardoso, Mexia Salema, Pinto Bastos, Baião, Matoso, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Pires de Lima, Vaz Preto, Pereira Dias, Franzini, Canto e Castro, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Costa Lobo, Ferreira Novaes, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida, Ornellas, Barjona de Freitas.

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