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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 25

EM 14 DE NOVEMBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Sr. Presidente do Conselho responde a um discurso proferido na sessão anterior pelo Digno Par José de Azevedo Castello Branco, sobre a questão das subsistencias.

Ordem do dia. - Primeira parte. - Eleição de commissões. - É eleita a commissão de redacção. - O Digno Par Luciano Monteiro propõe que a mesa fique autorizada a nomear todas as commissões que ainda não foram eleitas. Esta proposta é approvada.

Segunda parte da ordem do dia. - Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa. - Usam da palavra oa Dignos Pares Teixeira de Vasconcellos e Pimentel Pinto. - O Digno Par Luciano Monteiro, que pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão, pergunta se já chegaram á mesa uns documentos que pediu, referentes á forma por que alguns Dignos Pares cumpriram as leis do recrutamento militar, e o Sr. Presidente informa que ainda não vieram. - Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde, verificando-se a presença de 24 Dignos Pares o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida e seguidamente approvada, sem reclamação, a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Sr. Ministro da Fazenda, acompanhando documentos pedidos pelo Digno Par Campos Henriques.

Para a secretaria.

Officio do Digno Par Gama Barros, agradecendo á camara o sentimento que lhe manifestou pelo fallecimento de uma pessoa de familia, e justificando a sua ausencia ás sessões.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente do Conselho (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente : vim hoje a esta Camara para responder ás considerações apresentadas, na sessão de hontem, pelo Digno Par Sr. José de Azevedo, referentes á questão da subsistencia publica.

O Digno Par, antes de propriamente se referir ao assumpto principal do seu discurso, accentuou a sua divergencia com relação ao programma do partido regenerador-liberal e, por consequencia, com relação á orientação que o Governo tem seguido.

Desde já direi a S. Exa. que a minha orientação politica é exactamente opposta á d'aquelle homem publico da França que o Digno Par especialmente citou - Ferry.

O illustre estadista francez pertencia ao numero pequeno, mas distincto, dos que lutavam contra o imperio.

No periodo em que estive na opposição, sempre tive o cuidado e a hombridade de declarar que não queria derrubar as instituições.

Agora que estou no Governo, com o nucleo de homens politicos que se encontram ao meu lado, com o partido que organizei, o que pretendo é extirpar erros e vicios de administração, que ha muitos annos vinham sendo praticados, e Orientar o paiz no caminho do moderno direito publico europeu.

Nunca fiz propaganda de doutrinas, de reformas ou de medidas que não julgasse poderem ser executadas.

E até hoje, Sr. Presidente, não me vi ainda na necessidade de faltar aos compromissos que tomei, nem tenho encontrado difficuldades em pôr em execução o meu plano administrativo, de modo que, ao contrario de Ferry, e ao contrario do que o Digno Par dizia, se me é licito pôr-me em confronto com o illustre estadista francez na hypothese do Digno Par, eu não tenho que arrepender-me de qualquer excesso de sectarismo, nem tive ainda de reconhecer que os meus actos contrariavam as minhas affirmações.

O parallelo formulado pelo Digno Par, certamente muito lisonjeiro para mim, não tem, pois, razão de ser, porque se trata de duas situações verdadeiramente oppostas: a de Ferry em 1885 e a minha no momento actual.

Sr. Presidente: vamos a ver qual é a minha orientação politica e administrativa.

Até hoje não tem sido conhecido no nosso paiz o espirito de reformas liberaes, quer administrativas, quer economicas. Ora este é, justamente, na presente occasião o cunho especial e caracteristico da corrente dominante nos paizes da Europa, maiormente n'aquelles com os quaes temos mais estreitas e frequentes relações.

Ás conquistas do terceiro Estado sobre as classes privilegiadas no fim do seculo XVIII correspondem no fim do seculo XIX as do quarto Estado, em que o liberalismo toma o nome mais amplo e mais largo de revindicações sociaes.

Se o Digno Par, que é muito illustrado, quiser observar qual tem sido o movimento politico operado nos ultimos dez annos, reconhecerá que a revindi-cação dos direitos sociaes, avança em toda a parte.

Na Italia, para que Zanardelli, Giolitti, Fortis e outros homens notaveis pudessem governar, foi necessario que

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apresentassem programmas liberaes, amoldados ás ideias dominantes.

Até Sonnino, apesar de conservador, teve de se apoiar na vanguarda dos partidos politicos, e só assim logrou viver.

Em França, os Governos, entrando n'um caminho francamente socialista e liberal, recebem apoio da extrema esquerda, cujas ideias se impõem.

Na Inglaterra, onde as modificações de doutrinas governativas se geram lentamente, vemos não só reconstituir-se o partido liberal, mas até organizar-se um outro partido chamado "do trabalho".

A Allemanha, a imperialista Allemanha, tem praticamente! transigido com o principio das revindicações sociaes, medindo-lhes todo o alcance.

Na Espanha, apesar do seu estado de divisão politica, depois da morte de Sagasta, o partido liberal tem-se conservado no poder mais tempo do que qualquer outro.

Isto, Sr. Presidente, demonstra que o espirito de liberdade vae tomando um caracter tão geral, que é hoje o sentir de todas as nações.

Até na Russia, n'essa fria Scythia, o mesmo espirito revindicador da liberdade caminha por uma forma insistente e ousada a ponto de já se lhe fazerem concessões, e de se outorgarem regalias ao povo, que se não cansa de as desejar e pedir.

Emfim, em todos os povos que se irmanam no convivio da civilização, o mesmo instincto de liberdade se expande e a vigora, contrapondo-se á autocracia dos paizes menos cultos.

Um espirito de liberdade e de reformas agita a humanidade, especialmente as nações da velha Europa.

Portugal não podia deixar de soffrer a suggestão liberal do espirito europeu.

Era necessario ampliar-lhe a liberdade, que eu mesmo concorri para que lhe fosse tirada; era preciso dar ao povo o gosto pela vida publica; despertar-lhe interesse pelos negocios geraes da nação, de que andava alheiado.

Disse o Digno Par que eu estou fomentando a indisciplina.

Mas que genero de indisciplina?

A reacção contra as autoridades constituidas e contra a ordem publica, essa não existe, felizmente, entre nós.

Fora dos grandes centros quasi não ha policia. Viajamos nas nossas provincias, percorrendo povoações e povoações, e não vemos nada que se pareça com a guarda civil de Espanha, com os gendarmes francezes ou com os carabineiros italianos. A vida é tranquilla, pacata, ordeira e disciplinada: e para mantê-la não é preciso nenhum elemento armado que faça respeitar as leis.

Sob este ponto de vista nunca existiu, nem existe indisciplina em Portugal.

Se o Digno Par se refere á indisciplina que resulta da anarchia nos serviços publicos, dir-lhe-hei que estou perfeitamente de acordo com S. Exa., e n'este ponto não tenho duvida alguma affirmar que entrei no unico caminho que julgo ser aquelle que pode dar remedio a esse mal, que se traduzia no desrespeito pelas leis e em actos de constante favoritismo.

O que eu desejo, Sr. Presidente, é que todo aquelle que pretender uma collocação publica só haja de allegar, para ser attendido e respeitado, os seus merecimentos e o seu trabalho.

Pode haver as leis liberaes que houver, que a indisciplina nos espiritos ha de continuar se tivermos o desgosto de ver triumphar a injustiça e o favoritismo.

Para acabar com isto foi que o Governo entrou com passo firme e seguro no caminho em que vae, porque outro caminho já não é viavel hoje.

O respeito pela lei, o reconhecimento da justiça, dos meritos, do afinco de cada um no cumprimento dos seus deveres, no desempenho das suas funcções são a base fundamental dos processos de administração do actual gabinete.

Haviamos de continuar a fazer o que tinhamos feito até hoje?

Entendo que não, e enveredando por caminho diverso creio que teremos prestado um grande serviço ao paiz, por isso que é esta a unica maneira de acabar com os vicios de administração que corroiam a nação portugueza.

Emquanto o mal não for extirpado completamente, vindo o exemplo d'estas cadeiras, essa especie de indisciplina ha de continuar a existir e o paiz não logrará attingir a sua restauração rehabilitadora.

Não quero alongar-me n'estas considerações, e se a tal respeito algumas fiz, foi provocado pelas palavras do Digno Par e pela convicção de que presto um serviço ao meu paiz aproveitando todos os ensejos para fazer uma clara affirmação dos meus principios, das ideias e normas de governo que julgo consentaneas com o -momento actual e que, saidos da boca de quem governa, constituem uma vantagem que é a dos actos terem que se harmonizar com as palavras, quando estas palavras envolvem compromissos tomados perante as duas casas do Parlamento.

Passando á segunda parte do discurso do Digno Par, á questão das subsistencias, direi que esse problema é um daquelles a que o Governo presta toda a attenção por isso que elle interessa ao bem estar do paiz. Uma nação que se alimenta mal e em que cada um dos seus membros se encontra n'uma situação de desequilibrio entre as suas necessidades e os seus recursos é, em verdade, uma nação que dificilmente pode avançar.

Mas não tenhamos illusões.

Um assunto d'esta naturesa não se resolve encarando-o apenas por um dos seus aspectos.

A carestia dos generos alimenticios não provem de uma só causa, provem de muita* e deriva principalmente do systema proteccionista que se entendeu dever implantar-se em Portugal.

Nós podiamos ter, por exemplo, o pão mais barato se abrissemos os nossos portos aos cereaes estrangeiros.

Esses cereaes, vindos da America, da India ou do Mar Negro, chegar-nos-hiam por um preço inferior e assim estava o problema resolvido.

Mas não foi para baratear os cereaes que se fizeram as leis de protecção cerealifera, foi para dar lucro ao jornaleiro do campo, foi para determinar uma elevação de salarios.

Já vê o Digno Par que a questão tem complexidade e largueza e não se resolve com aquella simplicidade que S. Exa. quer applicar ao assumpto.

D'antes, com a entrada de trigos estrangeiros, enriqueciam algumas familias, mas a producção nacional atrophiava-se por não poder competir em preço e o trabalhador dos campos, o jornaleiro, via-se a braços com a miseria.

O que é que se teve então em vista?

Proteger a agricultura para que ella se fosse desenvolvendo nos seus diversos aspectos, já pela melhoria de cultura e pela adopção de modernos processos, já pela maior facilidade de capitães, para depois de attingido um estado de aperfeiçoamento se ir a pouco dispensando a protecção que lhe houvesse sido dada.

Na hypothese de. ser adoptada a proposta do Digno Par, é evidente que o preço do trigo diminuiria; mas eu respondo a S. Exa. que isso não basta. E preciso conhecer os resultados obtidos, é preciso estudar os factos com mais largueza, para se saber se a protecção que se dá á cultura dos cereaes se pode ir diminuindo gradualmente.

É claro que a opinião contraria é admissivel para aquelles que quiserem ver a questão apenas sob o aspecto restricto do preço do pão; e essa doutrina de certo encontraria maior numero de adeptos porque o numero de consumidores é muito maior que o dos lavradores.

Mas isto havia de trazer um grande abalo para a economia nacional, especialmente nas provincias do sul, onde a nossa agricultura está em principio de evolução ; e é necessario muito cuidado, de forma que não vamos matar á nascença um progresso apenas esboçado ainda.

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Sob o ponto de vista dos jornaleiros, tambem é preciso tomar em consideração o trabalhador do campo. Se amanhã acabasse a protecção aos cereaes, veriamos que em pouco tempo esse facto vinha a reflectir-se naquella numerosa e activa classe.

Quem tem falado com os lavradores do sul pode avaliar qual tem sido o movimento de satisfação e de bem estar da classe trabalhadora. Quem é que não reconhece que os salarios teem augmentado consideravelmente ? Pois ahi está a razão do contentamento dos trabalhadores do campo.

Eu tenho ouvido dizer já por differentes vezes ao Sr. Teixeira de Vasconcellos que no norte, quando o preço do milho chegava a 600 réis, era necessario que os Governos fornecessem d'elle os mercados, se não queriam que a ordem publica fosse alterada. Hoje chega se a vender milho a 600 e a 700 réis, manteem-se esses preços, e os jornaleiros podem pagá-los, porque os seus salarios são tambem maiores do que eram d'antes.

Isto é uma consequencia do systema proteccionista? Mas nós não protegemos só os cereaes, nem os ramos de industria que se ligam com o commercio do trigo. Protegemos outras industrias e outros commercios, desde as da alimentação até as do vestuario, fazendo-lhes um preço que o proteccionismo torna elevado e que a concorrencia poderia baratear mas o preço do trabalho tem tambem augmentado para o operario da cidade como para o operario das populações ruraes.

Só para quem não tem augmentado é para a classe dos funccionarios publicos, que recebem quasi os mesmos honorarios que percebiam no começo do regimen constitucional. E é por isto que esta classe se recommenda á consideração dos poderes dirigentes.

É absolutamente indispensavel que tambem se olhe para a classe burocratica, que vê em volta de si crescerem os impostos, o preço dos generos alimenticios, a renda das casas, etc., e que faz os maiores esforços para manter a sua vida.

Com a carestia geral, principalmente nas duas grandes cidades do reino, Lisboa e Porto, que não se parecem em nada com as mesmas cidades de ha quinze ou vinte annos, os empregados das repartições publicas difficilmente vivem, e, para angariar mais alguns meios, teem que dedicar-se a trabalhos particulares a outros serviços, fora do meio official, quer como jornalistas, guarda-livros, etc.

Se entendo que é indispensavel melhorar os vencimentos da classe burocratica, que merece toda a attenção do Governo, e eu digo-o com toda a sinceridade e isenção, porque estou convicto !

de que faço um serviço ao paiz, entendo tambem que só se pode caminhar n'esse sentido gradualmente, conforme as circunstancias do Thesouro o permitiam.

Sr. Presidente: o que eu disse do pão, digo-o agora da carne.

Sustentou o Digno Par que podemos ter carne mais barata. Talvez. Melhor em qualidade, não.

O Sr. José de Azevedo: - Melhor qualidade e muito melhor.

O Orador: - Mas eu antes quero as carnes frescas que as carnes congeladas; verdade seja que as primeiras são mais caras, e, como eu as posso pagar, prefiro-as.

Mas, Sr. Presidente, não devemos encarar a questão só pelo lado de obter carnes mais baratas; temos tambem que attendar a nossa lavoura, aos criadores de gado, não para os deixar exercer abusivamente a sua ganancia, mas para os proteger n'aquillo que for justo.

Nós podemos obter generos em condições mais vantajosas, mandando-os vir de mercados onde, pelas condições do solo, e por outras, elles podem ser vendidos mais baratos; mas d'essa forma iriamos levantar graves difficuldades á nossa lavoura, que urge proteger.

O outro genero alimenticio a que o Digno Par se referiu foi o peixe.

É certo que o peixe tem encarecido, já pela grande exportação que se faz para Madrid e outros pontos de Hespanha, já pela grande abundancia de peixe que vae para as fabricas de conservas, e mesmo porque tenham desapparecido algumas especies; mas se é certo que a classe dos" pescadores merece attenção e é digna do apoio do Governo pelos perigos a que constantemente anda exposta, tambem é certo que ella tem melhorado muito em condições economicas.

O imposto do pescado cifra-se apenas n'algumas dezenas de contos de réis. E o consumo tem augmentado muito, sobretudo por causa da exportação e das faôricas de conserva.

Considerou o Digno Par a situação das classes operarias de Lisboa e Porto e a elevação de preços dos productos de algumas industrias, sentindo que se lhes desse protecção.

Acabe S. Exa. com essa protecção e verá que teremos os productos mais baratos, mas o operario deixará de receber os salarios de que precisa para viver. D'ahi, uma grave complicação.

Esta questão deve ser encarada sob todos os pontos de vista e não sob um aspecto limitado e restricto.

Quando um paiz como o nosso se orienta n'um sentido de protecção, como foi o da pauta de 1887 e mais accentuadamente o da pauta de 1892, é necessario que não haja precipitações, que não se operem mudanças repentinas para outro systema.

D'ahi resultaria a ruina e a miseria de milhares de individuos.

Não quero tomar muito tempo a Camara, porque assumptos d'esta natureza são mais para ser estudados no gabinete e considerados successiva e gradualmente com os differentes factos de observação positiva que podem concorrer para a sua solução, do que propriamente para uma discussão uo Parlamento, em que a palavra animada dos oradores pode muitas vezes susgestionar o espirito de quem ouve, embora com informações e affirmações feitas ao de leve.

Desejou o Digno Par saber se o Governo acceitaria a nomeação de uma commissão parlamentar, em que estivessem representados todos os agrupamentos politicos, para estudar esta questão das subsistencias publicas.

Seria da minha parte uma demonstração de filáucia, de insuficiencia, de ignorancia a mais completa e manifesta, se eu rejeitasse qualquer auxilio ou cooperação que ao Governo podesse advir das indicações do Digno Par ou de outras pessoas igualmente competentes.

Em assumpto tão complexo, tão difficil, tão importante, tão largo, S. Exa. comprehende que não ha Governo absolutamente algum, nem Parlamento, que possa desprezar quaesquer elementos de informação, de cooperação e de auxilio que porventura lhe sejam offerecidos para um estudo reflectido e ponderado, a fim de chegar a uma conclusão de que resulte a melhoria geral das condições de subsistencia publica.

A minha resposta é a unica que se poderia dar em caso tal.

Se a Camara dos Dignos Pares e a dos Senhores Deputados entenderem que devem nomear uma commissão da natureza d'aquella a que o Digno Par se referiu, para estudar este assumpto, o Governo verá essa resolução não só com agrado, mas até com reconhecimento.

E, pelo seu lado, o Governo, collaborará com essa commissão por uma forma sincera, dedicada e intima, e prestar-lhe-ha todos os elementos de estudo, de forma que elle possa desempenhar cabalmente o commettimento a que se abalance.

Não fui eu que vim pedir a escolha ou eleição d'essa commissão, mas desde que um Digno Par provoca o ensejo a esse meio, e desde que se entende que assim se poderá resolver um dos graves problemas da administração publica, o Governo, por si e com os elementos da Concentração-Liberal que o apoia, e ainda contando com a cooperação dos seus adversarios n'um assumpto de interesse nacional, o Governo não tem duvida, como disse, em prestar os ele-

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mentos de que disponha e que possam conduzir á melhoria de situação economica e ao bem estar da sociedade portuguesa.

O Governo não pode, repito, deixar de receber de braços abertos essa ideia e de fazer que tenha cabal execução aquillo que se resolver ou determinar.

Creio demonstrar assim ao Digno Par que tomei na devida consideração as ponderações que apresentou sobre este importante assumpto e affirmo-lhe que é com a maior sinceridade que me exprimo e que com igual sinceridade concorrerei para o bom êxito de quaesquer diligencias e trabalhos no intuito de conseguir vantagens e melhorias nas condições da subsistencia publica.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem. Muito bem.

O Sr. José de Azevedo: - Peço a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se permitte que eu responda ligeiramente ao Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Presidente do Conselho (João Franco Castello Branco): - Eu venho ámanhã...

O Sr. Presidente: - Como se trata de assumpto importante, parece-me que a explanação d'elle deve adiar-se para uma outra sessão, visto que já chegou a hora de se passar á ordem do dia.

O Sr. José de Azevedo: - Eu seria muito breve e muito ligeiro nas minhas considerações.

O Sr. Presidente do Conselho (João Franco Castello Branco): - Com o maior prazer virei á sessão de ámanhã, visto que não desejo por forma alguma perturbar a boa ordem e regularidade dos trabalhos d'esta Camara.

O Sr. José de Azevedo: - Em todo o caso V. Exa. podia consultar a Camara e dispensava o Sr. Presidente do Conselho de se incommodar a vir amanhã.

O Sr. Presidente do Conselho (João Franco Castello Branco): - Não desejo que a ordem dos trabalhos se altere, e por isso me promptifico da melhor vontade a estar aqui na sessão seguinte.

O Sr. Presidente: - Vae então passar-se á primeira parte da ordem do dia.

ORDEM DO DIA

PRIMEIRA PARTE

Eleição de commissões

O Sr. Presidente: - Annuncia que se vae eleger a commissão de redacção.

Feita a chamada, corrido o escrutinio e tendo servido de escrutinadores os Dignos Pares Almeida Garrett e Marquez de Lavradio, verificou-se que tinham sido eleitos para a commissão de redacção os seguintes Dignos Pares:

Francisco Antonio da Veiga Beirão.

Luciano Affonso da Silva Monteiro.

Arthur Alberto de Campos Henriques.

O Sr. Luciano Monteiro: - Mando para a mesa a seguinte proposta:

"Proponho que a mesa fique auctorisada a nomear todas as commissões regimentaes que ainda não foram eleitas e tambem as que os assumptos occorrentes reclamarem. = Luciano Monteiro ".

Posta á votação foi aprovada.

SEGUNDA PARTE

Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Corôa

O Sr. Teixeira de Vasconcellos: - Cabe-lhe a ardua tarefa de responder ao discurso do Digno Par Sr. Sebastião Baracho. Mas a estreiteza do tempo torna impossivel alargar-se na apreciação das longas e minuciosas considerações, aliás muito bem documentadas, que o Digno Par apresentou.

A resposta a dar ao Digno Par constitue uma empresa difficil, e suavizada apenas pelo ensejo que se lhe offerece de prestar as suas homenagens ao seu velho amigo, que é um dos ornamentos d'esta Camara, e que sempre que faz uso da palavra dá, do seu talento e das suas qualidades de trabalho, provas completas e cabaes e que attrahem sobre si a estima e a consideração de todos os seus collegas.

Antes de mais nada, dirá que S. Exa. não foi extremamente desagradavel para a situação que se encontra á frente dos negocios publicos, e até poderia affirmar que se não fossem as pequenas injustiças commettidas na apreciação de certos actos, o discurso de S. Exa. teria sido uma oração mais de defesa, do que de accusação ao actual Governo.

O discurso do Digno Par pode dividir-se em tres partes. Na primeira fez uma investigação escrupulosa a todos os Ministerios, interrogou os Ministros sobre diversos assumptos e indicou as reformas ou emendas que podiam ser applicadas a determinados serviços. A segunda parte das suas considerações foi uma critica documentada dos actos dos Ministerios anteriores, por S. Exa. denominados Ministerios do rotativismo, merecendo-lhe censuras a orientação governativa das situações transactas. Por ultimo apresentou reflexões de caracter politico e pretendeu demonstrar a existencia de uma certa incoherencia entre os actos e as palavras do Sr. Presidente do Conselho.

Começa pelo primeiro capitulo do discurso do Digno Par. Vamos, por exemplo, ao Ministerio da Marinha e Ultramar.

Relativamente ás apprehensões de S. Exa. no tocante ás congregações da Huilla, já o Sr. Ayres de Ornellas, n'uma interrupção feita ao discurso do Digno Par, declarou que o seu primeiro cuidado, ao tomar conta da pás ta da Marinha, foi sujeitar aquellas congregações á superintendencia e auctoridade do Sr. Bispo de Angola.

Tratou S. Exa., seguidamente, da conveniencia de harmonizar a defesa maritima do porto de Lisboa com a defesa terrestre ou fixa, fazendo a tal respeito largas considerações em favor da acquisição de torpedeiros e submarinos, para o que citou a guerra entre o Japão e a Russia.

Elle, orador, embora paisano, atreve-se a dizer que o meio mais efficaz de vencer as batalhas navaes reside na posse de grandes unidades de combate, tanto melhores quanto mais reforçada for a sua artilharia.

Na guerra entre a Russia e o Japão, guerra que o Digno Par citou para basear a sua opinião, ficou demonstrado que são as grandes unidades de combate as que prevalecem nas batalhas navaes.

O facto da derrota da esquadra de Porto Arthur foi devido, é certo, á acção dos torpedeiros, mas esse êxito deve-se á surpresa feita de noite pelos japonezes á esquadra russa fundeada em Porto Arthur, attingindo o navio-chefe, cujos officiaes, em grande parte áquella hora, se achavam numa festa official dada pelo governador.

Todavia parece-lhe que as deficiencias apontadas pelo Digno Par trazem á memoria o pouco cuidado dos Governos em olharem com amor para as questões de defesa nacional. Tem-se vivido até hoje mais de expedientes, do que do cuidado que deviam merecer os verdadeiros interesses do paiz. Tem-se tratado mais de favorecer os amigos do que proteger os interesses da nação.

Quanto á accusação do Digno Par relativa á despesa do Ministerio da Guerra, o titular d'esta pasta não é responsavel pelo pagamento de despesas que outros fizeram anteriormente. Pagou-se armamento encommendado na Allemanha e na França, e o Digno Par sabe perfeitamente que, depois de se fazerem despesas por meio de um contrato, o unico recurso era pagar. O contrario seria menoscabar a honra do paiz.

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O Digno Par alludiu tambem ao conhecido ouso da herança Camarido, chamando para elle a attenção do Sr. Ministro da Justiça. Achando-se essa questão affecta aos tribunaes entende que sobre este assumpto se não deve falar neste logar, a fim de que as respectivas decisões sejam dadas com a maior imparcialidade.

Depois de falar em questões do Ministerio da Fazenda, S. Exa. referiu-se ao Ministerio do Reino e disse que na applicação do decreto que extinguiu as gratificações, e no que mandou regressar os funccionarios aos seus logares, se haviam perpetrado excepções.

Elle, orador, crê que sobre a execução d'esses decretos não tem havido excepção alguma, porquanto, se tal tivesse succedido, a imprensa já teria falado.

Os decretos em questão foram medidas violentas, e medidas d'esta ordem, quando não são applicadas com igualdade, provocam sempre clamores e protestos.

Mas é facto que, como disse, a imprensa ainda não citou a existencia de qualquer excepção.

E crê que nenhuma queixa apparecerá, porque está á frente do actual Governo um estadista que preza e possue em alto grau o sentimento da honra, e que tem a independencia de caracter necessaria para não obedecer a influencias pessoaes, seja de quem for, ou a suggestões de qualquer ordem para commetter qualquer injustiça. (Apoiados).

Referiu-se tambem o Digno Par á verba orçada de 36 contos de réis para a policia preventiva, e acha-a exorbitante.

Tal verba porem não é exagerada, porque por ella se paga á policia de vigilancia, que exerce a sua missão em todo o paiz. E a policia preventiva demanda remuneração condigna.

Disse tambem S. Exa. que na Bastilha da Calçada da Estrella - como o Digno Par lhe chama - se tem maltratado alguns presos, sendo por isso necessario que ali se fizesse uma syndicancia.

Não acredita que taes factos sejam verdadeiros, pois, se o fossem, o Sr. Presidente do Conselho não deixaria de punir quem tão mal procedesse no exercicio de funcções policiaes.

No decorrer das suas considerações, o Digno Par Sr. Sebastião Baracho exigiu a inspecção official ás casas religiosas, onde se professa o ensino publico. -Elle, orador, sustenta tambem o mesmo principio.

Mas S. Exa. sabe perfeitamente que a industria ou a missão do ensino n'essas casas se realiza em harmonia com os programmas officiaes. E, sendo assim, esses estabelecimentos, como todos os outros de qualquer natureza acham-se sujeitos á inspecção official, estando assim subordinados ao regimen da instrucção publica.

Deve porem acrescentar ser sua opinião que as instituições religiosas existentes em Portugal não teem interferido, nem para bem nem para mal, na grandeza moral do nosso paiz e na prosperidade do Estado.

Re fere-se, a proposito da instrucção ministrada nas casas religiosas, que, segundo uma estatistica elaborada em França ha muito pouco tempo, apurou-se que, nos concursos para a admissão ás escolas de ensino geral e technico, obtiveram sempre a primeira classificação os individuos educados e ensinados nas casas dirigidas pelo elemento religioso.

Accrescentou tambem que só vê nascer a questão republicana nos paises mal administrados, onde o descontentamento publico procura uma melhoria de situação com a mudança de instituições. Assim, na Dinamarca, na Suecia, na Belgica e na Hollanda não existe a questão republicana, o que vem demonstrar que o Digno Par tem razão, quando diz que o partido republicano em Portugal é um producto dos erros dos monarchicos.

O desenvolvimento das ideias e o progresso de um paiz tanto podem realizar-se n'uma republica como n'uma monarchia.

Disse tambem o Digno Par que o Sr. Presidente do Conselho era liberal nas palavras, mas não nos actos.

Esta affirmação - desculpe o Digno Par - é perfeitamente injusta e, para demonstrar esta asserção, a forma como se realizaram as eleições, a liberdade com que se exerceu em toda a parte o suffragio, a liberdade com que se realizaram todos os actos de propaganda legal, a liberdade com que se effectua-ram durante o periodo eleitoral todas as manifestações da opinião, tudo isso prova bem a coherencia de principios que predominam em todos os actos no nobre chefe do Gabinete. (Apoiados), Todos os direitos dos cidadãos teem sido respeitados. (Apoiados). E no Porto alguns comicios republicanos se realizaram sem que a elles tivesse assistido a auctoridade policial.

Não ha maior prova de liberalismo. Quanto ao Governo ter disputado as minorias em alguns circulos, isso não é para admirar, visto que houve districtos em que as minorias disputaram as maiorias.

O Sr. Pimentel Pinto: - Pede licença para observar que, se em algumas localidades as minorias disputavam as maiorias, é porque, com certeza, as minorias eram maiorias...

O Orador: - O Digno Par Sr. Pimentel Pinto pode tirar das palavras d'elle, orador, as illações que quiser, mas o facto é que, em alguns circulos, as maiorias absorveram as minorias. O caso é igual.

No tocante a sentimentos liberaes do actual Gabinete, o Digno Par Sr. Sebastião Baracho fez, sem querer, justiça ao Governo, porquanto disse que estavam sendo respeitados os direitos da imprensa, que não tem encontrado estorvo algum na sua propaganda desde que este Ministerio se encontra á frente dos negocios publicos.

Todos os individuos que estão fora dos enquadramentos partidarios prestam justiça aos actos do Governo actual.

Terminando as suas considerações, em resposta ao longo discurso do Digno Par Sr. Sebastião Baracho, deve dizer ainda que, depois dos factos administrativos e pó iticos que nos levaram até os acontecimentos de 4 de maio, o paiz caminha na senda do progresso e do seu desenvolvimento vital, tendo á frente dos seus negocios um Gabinete que dirige os assumptos do Estado e os interesses geraes com a mais estricta legalidade, cooperando com o apoio de todos os homens impar- ciaes e bem intencionados para que a sociedade portuguesa venha a ter um futuro glorioso e prospero.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O Sr. Pimentel Pinto: - Onde quer que hoje se encontrem dois monarchicos, na Camara, na rua, nos theatros, em salas ou seja onde for, e quaesquer que sejam as diversas nuances de orientação politica d'esses monarchicos, ouve-se, invariavelmente, a affirmação de que o actual momento é excepcionalmente grave.

A elle, orador, afigura-se-lhe de tanta gravidade o actual momento, que entende que a todos os homens que teem ultimamente administrado o paiz impende a obrigação rigorosa e indeclinavel de virem publicamente dizer da sua justiça, assumindo, como lhes cumpre, a responsabilidade que lhes caiba, e repellindo ou refutando quaesquer outras responsabilidades que malevolamente lhes queiram attribuir.

Tão excepcionalmente grave é o actual momento, que ninguem que se interesse pelos destinos do paiz tem o direito de se conservar silencioso. Todos devem dizer, francamente e sem ambages, com a maior clareza e com a mais absoluta lealdade, o que pensam da actual situação politica. E elle, orador, attento tão grave momento, o quer eximir-se a tomar parte no presente debate.

Não tenciona abusar muito da bene-

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volencia da Camara. Fará todas as possiveis diligencias para resumir ou restringir as considerações que deseja fazer.

Antes, porem, de entrar no assumpto em discussão, seja-lhe permittido cumprimentar o orador que o precedeu no uso da palavra, o Digno Par Sr. Teixeira de Vasconcellos.

É S. Exa. um antigo e distincto parlamentar, que todos ouvem com especial agrado, não só pela fluencia da sua palavra e vigor da sua argumentação, mas porque fala sempre n'um tem de grande sinceridade e ainda pela sympathia que a todos inspiram os primores do seu caracter.

Dirá agora que faltaria á verdade se dissesse que o Sr. Teixeira de Vasconcellos havia respondido á moção apresentada n'esta Camara pelo Digno Par Sr. Sebabtiào Baracho.

Elle, orador, não subscrevia a moção de S. Exa. mas é forçoso confessar que tal documento revela não só muito estudo e trabalho, mas tambem muito espirito de observação e talento.

A moção do Digno Par é um documento de alto valor e de incontestavel merecimento politico. E, para provar que o Digno Par Sr. Teixeira de Vasconcellos em nada respondeu ao Sr. Sebastião Baracho, bastará dizer que o defensor do Governo gastou só 50 minutos para responder a um discurso de tres dias.

S. Exa. o Sr. Teixeira de Vasconcellos limitou-se, pode dizer-se, a elogiar o Governo e a clamar contra os partidos, não se lembrando que, momentos antes, o Sr. Presidente do Conselho declarara que estava nos bancos do poder devido á força do partido progressista.

O Digno Par que o precedeu no uso da palavra foi ouvido com grande attenção e até com geral agrado; mas a elle, orador, não o convenceu. E não o convenceu porque? Porque, para convencer alguem, é preciso que quem pretende convencer mostre que está convencido; e S. Exa. não deu ás suas palavras o calor e a vida que demonstram convicção. Pelo contrario, quando S. Exa. falava, via-se que a consciencia se insurgia contra as suas palavras.

S. Exa. não disse quaes os serviços prestados pelo actual Governo durante os seis meses que eatá no poder; e só os serviços prestados poderiam dar logar aos elogios do Digno Par.

S. Exa. clamou contra os partidos; mas decerto nos seus clamores ou censuras não incluia o partido progressista, cujo chefe está aqui representado pelo Digno Par Sr. Sebastião Telles.

Se não censurou o partido progressista, censurou decerto o partido regenerador.

O Sr. José de Azevedo: - Censurou todos, regeneradores e progressistas.

O Orador: - É de crer; mas S. Exa., que ainda ha pouco ouviu n'esta Camara a palavra auctorizada e correctissima do Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro, não ousou pôr em duvida os serviços prestados ao paiz pelo Governo regenerador; Ministerio que, em 58 dias de existencia, resolveu importantes questões e prestou relevantes serviços, como, por exemplo, a resolução da questão dos tabacos, a quasi resolução da questão dos sanatorios da Madeira, a ordem para não marchar para a Africa uma expedição que representava uma aventura e com a qual se gastariam mais de 3:500 contos e sabe Deus quantas vidas. (Apoiados).

S. Exa. só se lembrou de mostrar que os partidos progressista e regenerador haviam liquidado.

Uma voz: - O partido progressista nau liquidou; está concentrado.

O Orador: - Está concentrado o partido progressista com o partido regenerador liberal. E é bastante para estranhar tal concentração, quando ainda ha pouco esses partidos se injuriavam e difamavam.

Onde fica a coherencia dos homens quando se vê agora unidos em doce e amoroso connubio o partido progressista com o regenerador liberal! Como foi que elles se reconciliaram?

O Sr. João Arroyo: - Ha cousas que se praticam ou se fazem mas que não podem vir a publico. (Grande hilaridade).

O Orador: - Talvez V. Exa. tenha muita razão; mas eu desejava saber como se effectuou a reconciliação.

O Sr. Luciano Monteiro: - Em politica on ne jure de rien.

O Orador: - Comment ? Oh! perdão, como?

O Sr. Luciano Monteiro: - Em politica on ne jure de rien; talvez V. Exa. ...

O Orador: - Com certeza nunca serei senão regenerador; mas se algum dia deixasse de o ser, o que não succederá, ficarei como o Sr. Baracho.

O Sr. Sebastião Baracho fez um signal negativo com o indicador erguido, ao que o Sr. Pimentel Pinto diz:

Punha-me ao lado do Sr. Baracho, mas não iria com elle, claro. Estaria afastado de toda a gente.

O Sr. Sebastião Baracho: - E um do outro.

O Orador: - Não pode deixar de estranhar que o Digno Par Teixeira de Vasconcellos se não referisse á concentração liberal. Se realmente o partido progressista liquidou, conforme S. Exa. disse, bom é que todos saibam como se deu essa liquidação.

Tambem desejava saber como é que foi possivel a juncção de dois partidos que tão insistentemeste se digladiavam.

Foi o Sr. Conselheiro João Franco a casa do Sr. José Luciano, de baraço ao pescoço, rezar o acto de contrição, ou deu se a inversa?

O paiz, perante esta scena, sorri-se, e n'esse sorriso, cheio de uma certa philosophia, que deve ser desculpada, diz que tão bons são uns como tão outros, e talvez tenha razão.

Não acompanhará todas as considerações do Digno Par Teixeira de Vasconcellos, mas ha um ponto do discurso de S. Exa. que se lhe afigura importante e que desejaria ver devidamente explicado.

Disse o Digno Par que actualmente a lei era rigorosamente cumprida.

Pois elle, orador, mostrará que, ao contrario, este Governo está sempre, completa e absolutamente, fora da lei, e será este o ponto essencial do seu discurso.

Disse o Digno Par que o actual Governo queria fazer uma administração seria e honesta para deixar de si um nome honrado.

Não nega que os homens que actualmente se sentam nas cadeiras do poder se sintam animados do desejo de fazer uma administração seria e honesta; mas será isso proposito exclusivo de S. Exas. e a que se não tenham submettido os que os antecederam na missão de governar? Diga o Digno Par se foi isso que pretendeu affirmar.

O Sr. Teixeira de Vasconcellos (interrompendo): - Quando falou em administrações serias e honestas não pretendeu ferir a honra individual de ninguem nem os Governos anteriores.

O Orador: - Attenta a declaração do Digno Par despede-se de S. Exa. e não alludirá mais ao seu discurso.

Antes de proseguir nas suas considerações convem accentuar que vae dizer desassombradamente o que pensa, sem a minima preoccupação de agradar ou desagradar seja a quem for.

Está sendo julgada perante o paiz uma causa em que é auctor o Governo, e reus todos aquelles que fizeram parte de passadas situações governativas.

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SESSÃO N.º 23 DE 14 DE NOVEMBRO DE 1906 321

Tendo pertencido a algumas d'essas situações, julga-se no direito de ser ouvido.

No seu depoimento não pretende fazer a côrte nem ao Rei nem ao povo; mas não pretende aggravar tambem nem o povo nem o Rei.

Como no decurso das suas considerações seja possivel apresentar qualquer ideia que se possa considerar menos orthodoxa, desde já declara que é ella de sua inteira responsabilidade.

É regenerador. Todos o sabem. É incondicionalmente dedicado ao chefe do seu partido, nem ha em Portugal homem que mais admire e respeite.

Respeita-o pela superior correcção do seu procedimento; admira-o pelos dotes do seu espirito e excepcionaes qualidades de caracter. (Apoiados).

Mas não é em razão das virtudes e merecimentos do Digno Par Hintze Ribeiro que se filiou e se mantem no partido regenerador.

É regenerador, porque é monarchico; porque quer a liberdade compativel com a ordem; e deseja que se caminhe para o futuro, com segurança sim, mas lentamente, e sem saltos desordenados que ponham em perigo a nossa autonomia ou as liberdades de que gozamos.

Já a Camara vê que, sendo este o seu credo, não pode deixar de se considerar abertamente contrario á politica do actual Gabinete, que apenas tem em mim o descredito de todas as situações politicas anteriores, e que julga por este meio erigir um altar em que seja glorificado.

Não tem ambições, mas, se algumas pudosse ter, facilmente as abandonaria, para procurar os meios em virtude dos quaes se fizesse justiça a essas administrações tão malsinadas pelos membros do actual Governo.

Mau é que se façam accnsações, tão leviana e infundadamente, porque, se o tribunal da opinião publica é respeitavel, a verdade é que não raras vezes se deixa suggestionar pela calumnia. O Digno Par Sr. Baracho, em 1904, propoz um inquerito ao Ministerio da Guerra. Não chegou a pronunciar-se então sobre essa proposta, mas d'aqui em deante acceitará todas as investigações, que se destinem a saber o que foi a sua gerencia.

Não pode deixar de agradecer uma informação que lhe forneceu o Digno Par Sr. Baracho, e que veio destruir uma lenda que fez carreira.

Por essa informação se vê que os exercicios do Bussaco importaram em 44 contos de réis, tendo-se dito e propalado que essa despesa ascendera á importante somma de 600 contos de rei a.

Este facto mostra que a sua administração não foi má, e que é facil inquinar de: malversações actos da mais completa e absoluta correcção. (Apoiados).

O Sr. Conselheiro João Franco, levado do seu temperamento impulsivo, que o obriga a proferir muitas vezes palavras e phrases inconvenientes, como as que indicaram o destino que daria a uma carta de El-Rei se porventura a tivesse encontrado no seu caminho, disse aqui em uma das sessões passadas, que o seu Governo viera iniciar uma epoca de seriedade e honestidade. Como, contra essas palavras, elle orador, e os Dignos Pares Srs. Alpoim e Arroyo houvessem protestado em termos energicos, o Sr. Ministro da Justiça, no dia immediato, e evidentemente por incumbencia do chefe do Governo, veio muito espontaneamente declarar que o Sr. João Franco não tivera o minimo intuito de aggravar ninguem.

O Sr. João Franco, mandando fazer aquella declaração, procedeu honradamente. Não foi por falta de coragem que não sustentou o que affirmara. Foi porque quiz dizer a verdade; foi porque não quiz praticar um desprimor imperdoavel; foi porque não quiz ser injusto para duas duzias de homens que teem posto toda a sua intelligencia e o melhor esforço da sua vontade ao serviço da lei e do paiz. (Apoiados).

Não offerecem a minima duvida os propositos do Governo, quanto ao desejo de fazer uma administração seria e honesta; mas é preciso que S. Exa. se não considere isolado n'essa diligencia e que faça justiça a todos os que por igual se empenham em bem servir o paiz. (Apoiados).

Diz-se que a phrase imprudente do Sr. João Franco, e contra a qual protestaram elle, orador, e os Dignos Pares que já referiu, teve repetição em outro local.

Não crê. Mas se alguem a repetiu, por ella é responsavel o Sr. João Franco. Repita-a S. Exa. para que elle, em nome de todas as administrações de que fez parte, proteste vivamente contra ella e para que o paiz saiba se o partido progressista contra ella protesta tambem, se com ella se conforma.

(Pausa).

Do silencio do Sr. Presidente do Conselho se conclue que é inexacto o boato a que alludiu. Não se proferiram taes palavras, porque, se ellas se tivessem proferido, o Sr. Presidente do Conselho com certeza assumiria a responsabilidade d'ellas.

A seu juizo, se proseguirmos no caminho encetado pelo processo, melhor é apagar o artigo 4.° do nosso codigo fundamental, que diz ser o Governo de Portugal monarchico, hereditario e representativo.

É para estranhar que o Sr. João Franco apregoe tão altisonantemente o seu legalismo, quando S. Exa. se compraz em ter como lei unicamente a sua vontade. Na vida publica do Sr. Presidente do Conselho ha duas modalidades politicas differentes: a primeira empenha-se no engrandecimento do poder real, e são d'isso prova as leis de excepção que promulgou; na segunda modalidade toma a peito o enfraquecimento d'esse mesmo poder, infringindo a Constituição como se viu no facto de entregar uma pasta ao Sr. Schrõter, que é, todos os documentos o comprovam, cidadão austriaco.

Parece que a nomeação do Sr. Schrõter foi apenas determinada pelo desejo de não manter o prestigio da lei.

Uma das circumstancias que provam não ser o Sr. Schrõter. cidadão portuguez está em que S. Exa. não cumpriu a lei do recrutamento. Examinando a tabella das causas que excluem qualquer cidadão do serviço militar, apura-se facilmente que S. Exa. foi dispensado d'esse serviço, exactamente por ser estrangeiro.

Uma outra prova da falta de legalismo que o Sr. Conselheiro João Franco tanto apregôa, está no decreto de 6 de junho, referente a corte de gratificações, em que se estabelecem distincções arbitrarias, sem attenção a serviços e boa ordem de expediente das secretarias, e em que se chega ao absurdo de conceder a amanuenses vencimentos superiores aos que auferem os segundos officiaes.

Pode, pois, dizer-se, sem receio de contradicta, que esse decreto infrigiu a lei e os bons preceitos de um modo verdadeiramente escandaloso.

O desrespeito á lei não está só na promulgação d'esse decreto. Reside tambem na maneira por que S. Exa. procedeu com relação aos acontecimentos de 4 de maio.

Entrando para o Ministerio, o Sr. João Franco recebeu pouco depois o auto da syndicancia a que mandara proceder o seu antecessor. Foi preciso que se provocasse n'esta Camara a remessa d'essa syndicancia ao poder judicial.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco (interrompendo): - De um documento enviado para a mesa d'esta Camara, se vê que o Sr. commandante da policia reconhece que o Governo lhe dera instrucções em 20 de maio.

O Orador: - Acredita na declaração do Sr. Presidente do Conselho, mais do que no proprio officio do commandante da policia, e passa adeante.

Referindo-se seguidamente aos acon-

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tecimentos de 4 de maio, diz que por culpa do Sr. Presidente do Conselho é que ficaram impunes os attentados e selvajarias praticados então na estação do Rocio, pois que do processo se apura que o Sr. tenente-coronel Dias da Silva apenas interviera com o fim de fazer cessar esses atropelos, da responsabilidade, aliás, de um agente chamado Gonçalves Lopes.

É preciso apurar se esses actos revoltantes resultaram da iniciativa propria de quem os praticou, ou se foram devidos a qualquer suggestão, accentuando que não é seu proposito alludir a quem não tem n'esta Camara voz para lhe responder.

Estando a dar a hora, pede ao Sr. Presidente que se digne consultar a Camara sobre se permitte que conclua hoje as suas considerações.

Vozes: - Fale, fale.

O Orador: - Agradece a manifestação da Camara, e vae ser, quanto possivel conciso.

Já disse e repete que o Sr. Presidente do Conselho, na sua primeira modalidade, e no intuito do engrandecimento do poder real, criou o juizo de instrucção criminal, e promulgou a lei de 13 de fevereiro de 1896, providencias estas que deram origem a uma enormissima onda de odio que subia muito acima do Sr. João Franco.

Digam todos, em boa consciencia, se a situação do Monarcha melhorou desde que o Sr. João Franco está no poder, e se o Chefe do Estado deixou de ser a pessoa mais discutida no paiz.

Foi por culpa do Sr. Presidente do Conselho que as cartas de El-Rei dirigidas ao Sr. Hintze Ribeiro vieram a esta Camara, dando este facto logar a que fosse discutida a pessoa do Augusto Chefe do Estado.

Permitte-se o Sr. Presidente do Conselho sustentar em publico absurdos, como o de que os Reis pertencem aos povos, e não os povos aos Reis, e á sombra de uma lei eleitoral, que S. Exa. tão violentamente combateu, e por odio ao partido regenerador, deixa que venham ao Parlamento quatro representantes dos partidos avançados, sem duvida homens de valor, pela sua intelligencia e pelo seu caracter, e que por isso mesmo constituem um perigo para as instituições.

Não se respeita a lei de imprensa; consente-se que cada um fale, escreva e desenhe o que muito bem lhe parece, e chega-se ao ponto de ,ser El-Rei a unica pessoa que se arrisca a ser desrespeitada.

É preciso que o Sr. Presidente do Conselho se convença de que, quando um chefe dá exemplos de fraqueza, essa pusilanimidade ataca todos os que estão sob as suas ordens.

Se o Sr. Presidente do Conselho está convencido de que a sua orientação politica bem serve os interesses publicos, elle, orador, ao contrario, entende que S. Exa. está precipitando o paiz na anarchia.

Vozes: - Muito bem. (S. Exa. foi cumprimentado por varios Dignos Pares).

O Sr. Luciano Monteiro: - Ha dias enviei para a mesa um requerimento pedindo documentos que me esclarecessem sobre a maneira por que os Dignos Pares cumpriram as leis do recrutamento militar. Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que me diga se essas informações já vieram.

O Sr. Presidente: - Ainda não vieram; mas insta-se pela sua remessa.

A seguinte sessão será na sexta-feira, 16, e a ordem do dia a continuação da que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 45 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 14 de novembro de 1906

Exmos. Srs: Augusto José da Cunha ; Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquez-Barão de Alvito; Marquezes: de Avila e de Bolama, do Lavradio e de Pombal; Arcebispo de Calcedonia, Arcebispo-Bispo da Guarda; Condes: de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Paraty e de Sabugosa; Visconde de Monte-São; Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Vellez Caldeira, Carlos Maria Eugênio de Almeida, Eduardo José Coelho, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Francisco Machado, Francisco Maria da Cunha, Almeida Garrett, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, José de Azevedo, José Dias Ferreira, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José Luiz Freire, José de Alpoim, José Vaz de Lacerda, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Raphael Gorjão, Sebastião Dantas Baracho, Deslandes Correia Caldeira e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

F. ALVES PEREIRA.

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