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N.º 24

SESSÃO DE 18 DE MARÇO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta.-Presta juramento, e toma assento, o digno par Fernando Larcher.- Correspondencia.- O sr. presidente apresenta as contas da commissão administrativa, relativas aos annos de 1892-1893, 1893-1894 e 1894-1895, bem como uma proposta, que submette á apreciação da camara. - O digno par Antonio de Serpa requer, e a camara approva, que o digno par Fernando Larcher seja aggregado á commissão de guerra.

Ordem do dia: parecer n.° 13, sobre o projecto de lei regulando a existencia dos syndicatos agricolas; parecer n.° 14, sobre o projecto de lei creando em Lisboa uma camara de commercio e industria; parecer n.° 16, sobre o projecto de lei estabelecendo disposições applicaveis aos delinquentes alienados. E approvado sem discussão, na generalidade e especialidade, o projecto de lei a que diz respeito o parecer n.° 13, havendo o digno par Simões Margiochi declarado que o mesmo, parecer tinha a assignatura do digno par conde da Azarujinha. É approvado na generalidade e especialidade, tambem sem discussão, o projecto de lei a que diz respeito o parecer n.° 14. Sobre o projecto de lei a que se reterá o parecer n.° 16 faz algumas considerações o digno par Thomás Ribeiro, respondendo-lhe o digno par Jeronymo Pimentel (relator) e o sr. ministro da justiça. E approvada depois a generalidade .do projecto. A especialidade é approvada sem nenhum digno par ter pedido a palavra. - E lida na mesa a proposição de lei, vinda da camara dos senhores deputados, reduzindo as taxas de emolumentos e sêllo nos passaportes.-O sr. presidente nomeia a deputação que ha de ir felicitar Suas Magestades pelo anniversario natalicio de Sua Alteza o Principe Real. - São dados para ordem do dia da sessão de 20 do corrente os pareceres n.ºs 17, 18, 19, 20 e 21, e levantada a sessão.

Abertura da sessão ás tres horas, dar tarde, estando presentes 20 dignos pares.

Foi lida e approvada sem reclamação a acta da sessão anterior.

(Assistiram á sessão os srs. ministros da justiça e das obras publicas.)

O sr. Presidente: - Acha-se nos corredores da camara o sr. Fernando Larcher.

Convido os dignos pares os srs. Antonio de Serpa e visconde de Athouguia a introduzirem na sala s. exa.

O sr. Fernando Larcher foi introduzida na sala, prestou juramento e tomou assento.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio da presidencia da camara dos senhores deputados, enviando a proposição de lei que tem por fim converter em lei o decreto de 27 de setembro de 1895, que creou duas baterias de artilheria de montanha; bem como um exemplar do parecer da commissão de guerra, seguido do projecto de lei.

Para a commissão de guerra.

Officio do sr. ministro da fazenda, remettendo 240 exemplares das contas, da gerencia do seu ministerio, sendo 120 relativos ao anno economico de 1891-1892 e igual numero relativos, ao de 1892-1893.

Mandaram-se distribuir.

O sr. Presidente: - Cumpro o dever de apresentar camara as contas da commissão administrativa relativas
os annos economicos de 1892-1893, 1893-1894, 1894-1895, acompanhadas de uma proposta que a mesa tem a honra de submetter á apreciação dos dignos pares.

Todos estes documentos foram enviados á commissão de fazenda.

O sr. Antonio de Serpa: - Pedi a palavra por parte da commissão de guerra para requerer a v. exa. e á camara que o digno par o sr. Fernando Larcher seja aggregado á mesma commissão.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam

requerimento do digno par o sr. Antonio de Serpa tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

ORDEM D0 DIA

Pareceres n.° 13, sobre o projecto de lei regulando a existencia dos syndicatos agricolas; n.° 14, sobra o projecto de lei creando em Lisboa uma camara de commercio e industria; n.° 16, sobre o projecto de lei estabelecendo novas disposições de jurisprudencia criminal relativamente aos delinquentes alienados.

O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia. Vae ler-se o parecer n,° Io sobre o projecto de lei n.° 18.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 13

Senhores.- Foi presente á vossa commissão de agricultura o projecto de lei n.° 18, vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim regular a existencia dos syndicatos agricolas, essas instituições tão sympathicas e que estão destinadas a prestar tão relevantes serviços no fomento da economia agricola nacional.

No periodo de efferveseencia em que desde muito se encontra a denominada questão social, tão complexa nas suas causas, tão tristemente sensivel nos seus effeitos e tão difficil na sua solução; quando de um lado se impõe a necessidade de libertar as massas dos gravames, que ainda sobre ellas impendem como um legado secular; quando por outro lado os, agentes revolucionarios procuram explorar as tendencias, aliás justas, para uma melhoria na situação economica do povo dos campos, veiu a lei de 21 de março de 1884 auctorisar em França a creação dos syndicatos agricolas, lei que estabelecendo regras e preceitos geraes deixava uma grande latitude em relação á fórma a adoptar, existindo syndicatos communaes, cantonaes e departamentaes.

A historia dos syndicatos é curiosa, e seja-nos permittido expol-a rapidamente.

Um professor departamental de agricultura em Blois, mr. Tanviray, propagandista da conveniencia do emprego dos adubos artificiaes, impressionado com a escassez da producção agricola e, ao mesmo tempo, com o predominio da ignorancia e da rotina, que dominavam as populações ruraes e que tinham, porventura, em sua defeza, como argu-

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mento de alguma importancia, a má reputação do commercio d'esses adubos, creou em março de 1883 um a associação entre os cultivadores do departamento de Loir-et-Chère

Tinha por fim essa associação comprar os adubos nas melhores condições, reprimir as fraudes, e ministrar aos cultivadores os esclarecimentos necessarios sobre a escolhi das materias fertilisantes, tendo em attenção a natureza do terreno e as exigencias das diversas culturas.

O exemplo produziu excellentes resultados. Quando os cultivadores de outras regiões agricolas reconheceram que por meio da associação, podiam obter consideravel reducção de preços dos adubos e maior garantia da boa qualidade d'estes, surgiram as associações d'este genero.

Foi então promulgada a lei de 21 de março de 1884. A primeira instituição, que havia fundado no anno anterior mr. Tanviray, o Syndicato dos agricultores de Loir-et Chère, conta hoje mais de 3:700 associados.

Em 1884 existiam em França 5 syndicatos agricolas 30 em 1885, 214 em 1887. 461 era 1888, 577 em 1889 648 em 1890, 750 em 1891, 863 em 1892, e em 1896 o numero é superior a 1:300.

Tambem em dominios portuguezes os syndicatos agricolas tiveram a sua iniciação antes do decreto dictatorial de 5 de julho de 1894.

O syndicato agricola da Lagôa, na ilha de S. Miguel já existia antes da promulgação da lei.

O exemplo dos bons resultados colhidos em França e porventura a esperança, aliás bem fundamentada, de que não tardaria a ser legislada em Portugal a organisação de taes instituições, sendo justo mencionar n'este logar que na sessão da camara dos senhores deputados de 7 de julho de 1893 havia sido, pelos deputados Diniz Moreira da Mota e Alfredo Barjona de Freitas, apresentado um projecto sobre o assumpto, determinaram a formação do syndicato açoriano.

Coube ao conselheiro Garfos Lobo d'Avila, o mallogrado estadista, que tão precocemente desappareceu do numero dos vivos, a gloria de fazer promulgar o decreto de 5 de julho de 1894.

creação dos syndicatos agricolas é um dos maiores serviços que os poderes publicos podem proporcionar ao nosso paiz, que, na sua economia agricola, se encontra era circumstancias tão pouco felizes, em que os paradoxos abundam, não sendo aquelle que menos reparos deve merecer, um que é fundamental, e que desnorteia completamente aquelles que mais de perto querem estudar a situação do paiz nas suas harmonias economicas: Emigra-se por falta de trabalho, e conservam-se permanentemente incultas vastissimas regiões no paiz por falta de pessoal trabalhador.

Os syndicatos agricolas em Portugal, como os seus antecessores em França, têem fundamentalmente uri objectivo: predispor os meios para que os cultivadores possam satisfazer as suas justas aspirações: comprar bem e vender melhor.

Mas os fins da existencia dos syndicatos são muito variados, e são de natureza material, e de natureza moral.

Destinam-se elles a facilitar aos associados a acquisição de adubos, sementes e plantas em condições vantajosas de preço e de qualidade, e bem assira a compra ou exploração, em commum. ou em particular, de machinas agricolas e animaes reproductores;

Procurar mercados para os productos agricolas dos socios, e facilitar as relações entre estes e os compradores de dentro e fora do reino;

Celebrar com as emprezas de transportes terrestres, fluviaes ou maritimos, contratos para os transportes por preços reduzidos dos generos agricolas, adubos, animaes e machinas pertencentes ao syndicato ou aos socios. Estes são os serviços de natureza material. Os de natureza mora! são os que tem por fim promover a instrucção agricola pelo estabelecimento de bibliothecas,
cursos, conferencias, concursos e campos de experiencia;

Commetter aos tribunaes, ou directamente aos interessados, a resolução dos pleitos e contestações entre os socios por meio de julgamento arbitrai.

As vantagens de todos estes serviços não carecem de demonstração.

A compra de instrumentos, utensilios, adubos e sementes, em commum, é de uma utilidade manifesta.

Regiões agricolas existem no paiz, Collares, por exemplo, onde domina a pequena propriedade vinhateira, e onde os 1:590 hectares de vinha, accusados pelo inquerito agricola, determinado pelo decreto de 30 de dezembro de 1886, pertencem a centenas de proprietarios, em que a creação de um syndicato agricola prestará os melhores serviços aos viticultores, muitos dos quaes colhem uma, duas ou tres pipas do precioso liquido, cujo nome é tão prestigioso que, criminosamente, é utilisado para acobertar, nos mercados internos e externos, as mais condemnaveis mixordias.

Os syndicatos agricolas podem tambem promover e favorecer a constituição, nos termos da lei, com fundos e estatutos especiaes, de caixas de soccorros mutuos, sociedades cooperativas e de seguros mutuos, bancos ou caixas de credito agricola, caixas economicas, fructuarias, e quaesquer outras instituições, que, nos mesmos termos e condições, possam promover e auxiliar o desenvolvimento agricola da região em que funccionem.

Estas disposições são de um beneficio extraordinario, incalculavel.

Possuindo valores inoveis e immoveis, mas não podendo realisar facilmente a venda dos seus productos, é frequente encontrar-se o agricultor desprovido absolutamente de capital circulante, em quantias aliás modicas, e de braços cruzados ver adiantar-se as estações, sem poder dispor dos meios, que absoluta e impreterivelmente lhe são indispensaveis, e recorrer á agiotagem desalmada para não ter inutilisado o trabalho de um anno!

Não é com o credito a tres mezes que se póde fazer agricultura, como se póde operar no movimento commercial.

Ainda mesmo que o credito bancario não tivesse, como entre nós, uma bitola tão aristocratica, basta comparar a media do valor das letras descontadas no banco de Portugal com o das que desconta o banco de França, ainda mesmo que não se d'esse essa circumstancia, não seria nunca o credito a tres mezes que serviria para facilitar o movimento agricola, muitas de cujas operações carecem de praso superior a seis mezes, como acontece com os cereaes (novembro ou dezembro a agosto), ou de dez mezes como na vinha (desde que começa a podar-se em novembro até que se vindima em setembro).

A creação do credito agricola regional, promovido pelos syndicatos, será um bom serviço, que elles prestarão, se quizerem entrar n'esse caminho.

Os syndicatos em Portugal desempenharão tambem um papel importantissimo, qual é o de com a intervenção d'estas associações, habituar o paiz a não fazer depender do estado certos serviços, ficando elle assim alliviado de muitos encargos.

Foram os governos que iniciaram no paiz a creação dos viveiros de cepas americanas, fazendo gratuitamente a distribuição de grainhas (sendo a primeira no valor de réis 3:000$000; com essas grainhas se formaram importantes viveiros officiaes e particulares, que já hoje abastecem com largueza o mercado nacional.

Foram ainda os governos que durante annos se encarregaram da importação de bacellos e barbados, adquirindo-os nos viveiros mais afamados de França e da Italia, e fornecendo-os aos viticultores por preços que representavam apenas o reembolso das despezas feitas.

Uma ou outra camara municipal começou depois a auxiliar a acção do estado na creação de viveiros.

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A industria dos viveiristas está hoje largamente implantada no paiz. E aos syndicatos agricolas compete n'este serviço um importantissimo papel, qual é o de fiscalisar a qualidade e o preço das plantas. Os viticultores terão quem zele os seus interesses, quando não o saibam fazer por si proprios.

Eis aqui um dos casos em que mais se accentua a necessidade do credito agricola, cuja organisação e desenvolvimento os syndicatos devem promover.

Não basta que os viticultores tenham bacellos de qualidades garantidas e por preços modicos, se elles não tiverem meio de obter o dinheiro necessario para pagar aos cavadores que não acceitam pagamentos a praso.

Senhores, não encaremos, porém, a conveniencia dos syndicatos pelo prisma das conveniencias materiaes.

As questões de ordem moral tambem devem merecer, e muito, as attenções dos poderes publicos.

Quando andam em lucta tão accesa dois agentes da producção, o capital e o trabalho; quando se procura sinceramente fazer cessar esses desaccordos, fazer pacificar a sociedade, repartindo mais igualmente o bem estar, apresenta-se a escola que promove o melhoramento da sorte das massas pela associação profissional, a associação de officio.

Em França foram essas corporações extinctas pela revolução. Em Portugal uma transformação politica extinguio as corporações dos officios, que constituiam a Casa dos Vinte e Quatro.

Em França reconstituem-se agora, com uma forma mais moderna, as associações profissionaes.

Em Portugal organisam-se os syndicatos agricolas, associações profissionaes que não tinham, no antigo regimen, instituições equivalentes.

Convem multiplicar os syndicatos agricolas, e attrahir para estas cooperativas o maior numero de cultivadores.

Incumbe aos homens que têem influencia e prestigio nas localidades, fazer larga propaganda em favor d'esta idéa. E até um dos meios de fraternisarem com o povo as classes dirigentes, proporcionando-lhes conselho e ensino.

Um dos homens que, no nosso tempo, mais se tem occupado de questões sociaes, Julio Simon n'um artigo ácerca do socialismo nos campos, escrevia ha dois annos, que os homens não querem nunca prever o que é grave, suppõem sempre que ha exageração e demencia, dizem que o medo nos perturba o espirito.

E acrescentava o grande escriptor:

"É verdade, tenho a honra de ter medo; medo de vós, do vosso descuido, da vossa indifferença, porque é só n'isso que está o mal, e serieis salvos se tivesseis tido bastante bom senso e bastante coração para sel-o."

São palavras estas dignas de consideração, e que se tinham rasão de ser em França, tambem a têem entre nós.

Em Portugal existem já cinco syndicatos, o de Monte-mor o Velho, o de Alpiarça, o de Santarem o de Felgueiras e o de Reguengos, alem do da Lagoa na ilha de S. Miguel.

Os syndicatos agricolas, alem de todas as suas vantagens immediatas, e que derivam directamente do uso das suas uteis disposições, podem concorrer indirectamente para diminuir em larga escala a emigração.

Favorecendo o desenvolvimento do trabalho rural, facilitando a acquisição de meios para esse trabalho, promovendo o alargamento dos mercados de consumo dos productos, podem e devem necessariamente concorrer para reter, nos campos, maior numero de familias, diminuindo assim a corrente da emigração, tantas vezes infelizmente justificada pela desastrada marcha do mechanismo que representa o conjuncto dos elementos mais ou menos importantes da producção.

Julga, pois, a vossa commissão sufficientemente justificada a conveniencia de ser o projecto do lei n.° 18 approvado por esta camara e levado á sancção regia.

Sala das sessões de agricultura, em 13 de março de 1896. = Conde de Bertiandos = Conde de Carnide = Visconde da Athouguia = José Maria dos Santos = Jeronymo da Cunha Pimentel = Visconde de Chancelleiros = Francisco Simões Margiochi, relator.

Projecto de lei n.° 18

Artigo 1.° É permittida aos agricultores e aos individuos, que exerçam profissões correlativas á agricultura a fundação de associações locaes, com a denominação de "syndicatos agricolas", tendo por fim principal estudar, defender e promover tudo quanto importe aos interesses agricolas geraes e aos particulares dos associados.

§ 1.° Os syndicatos agricolas terão a faculdade de praticar tudo quanto caiba no seu programma geral, e nomeadamente:

1.° Promover a instrucção agricola pelo estabelecimento de bibliothecas, cursos, conferencias, concursos e campos de experiencia;

2.° Facultar aos associados a acquisição de adubos, sementes e plantas, em condições vantajosas de preço e qualidade, e bem assim a compra ou exploração, em commum ou em particular, de machinas agricolas e animaes reproductores;

3.° Procurar mercados para os productos agricolas dos socios, e facilitar as relações entre estes e os compradores de dentro e fora do reino;

4.° Celebrar com as emprezas de transportes terrestres, fluviaes ou maritimos, contratos para os transportes por preços reduzidos dos generos agricolas, adubos, animaes e machinas pertencentes ao syndicato ou aos seus socios;

5.° Commetter aos tribunaes, ou directamente aos interessados, a resolução dos pleitos e contestações entre os socios, por meio de julgamento arbitral.

§ 2.° Aos syndicatos agricolas é expressamente prohibido exercerem industria ou negociarem de conta propria, e em geral emprehenderem qualquer especulação, salvas as seguintes excepções:

l.ª Adquirirem e consentirem aos associados o uso em commum de animaes reproductores e machinas agricolas, nos termos expressos dos estatutos;

2.ª Empregarem o seu fundo social em emprezas que não tenham caracter das operações bancarias, reputando-se taes o saque, acceite, aval e endosse de letras de cambio a prasos ou á ordem. N'estes termos poderão com o seu capital realisar emprestimos aos socios, com a garantia pessoal e tambem sobre as colheitas, alfaias agricolas, etc., nos limites e com as seguranças determinadas nos estatutos.

§ 3.° Os syndicatos agricolas podem tambem constituir, promover ou favorecer a constituição, nos termos das leis, com fundos e estatutos especiaes, de caixas de seguros mutuos, sociedades cooperativas, sociedades de seguros mutuos, bancos ou caixas de credito agricola, caixas economicas, fructuarias e quaesquer outras instituições, que nos mesmos termos e condições possam promover e auxiliar o desenvolvimento agricola da região em que funccionem.

Art. 2.° As disposições d'esta lei applicam-se unicamente aos syndicatos agricolas, que tenham mais de vinte socios, os quaes serão sempre maiores e no uso dos seus direitos civis.

§ unico. As suas direcções serão sempre compostas de socios que sejam em maioria cidadãos portuguezes, domiciliados na região onde o syndicato deva funccionar e no goso dos seus direitos civis.

Art. 3.° Os syndicatos agricolas constituem se por escriptura publica, comprehendendo os estatutos.

§ 1.° As copias authenticas das escripturas da constituição de qualquer syndicato agricola ficam, assim como

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os estatutos n'ellas comprehendidos, sujeitas á approvação do governo, nos termos seguintes:

1.° As referidas copias serão entregues na estação telegrapho-postal mais proxima da sede da associação, com enderesso para o ministro e secretario d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria.

2.° As estacões telegrapho-postaes ficam obrigadas a passar recibo, indicando o dia da entrega das mesmas copias, e a expedil-as gratuitamente pela via postal mais rapida, para o ministerio das obras publicas, commercio e industria. Pelo mesmo modo e via serão devolvidos os estatutos aos installadores do syndicato, os quaes passarão recibo de recepção.

3.° Consideram-se tacitamente approvados os estatutos, sobre os quaes, no praso de dois mezes, contados da epocha fixada no n.° 2.° d'este paragrapho, não tenha recaído resolução governativa.

§ 2.° Nenhum syndicato agricola poderá começar a funccionar sem que os estatutos tenham sido approvados, ou que haja decorrido o praso fixado no n.° 3.° do § 1.° d'este artigo.

§ 3.° A approvação dos estatutos pelo governa fica isenta de qualquer imposto.

§ 4.° As mesmas disposições serão applicaveis sempre que os estatutos sejam alterados ou modificados.

Art. 4.° Os syndicatos agricolas que funccionem sem estatutos legalmente approvados, podem ser dissolvidos por sentença do juiz de direito da comarca onde seja a sua sede, sobre promoção do ministerio publico ou a requerimento de cinco ou mais socios.

§ 1.° Pela mesma fórma poderão ser suspensas as deliberações dos syndicatos agricolas e das suas direcções, reputadas contrarias ás leia e aos estatutos, procedendo-se com relação á sua revalidação ou annuallação definitiva, nos termos das disposições do codigo commercial relativas ás sociedades anonymas.

§ 2.° Alem do que fica disposto, as infracções dos artigos 2.°, 3.°, 7.° e 11.° sujeitam os infractores a multas de 2$000 a 50$000 réis, em processo correccional. sobre promoção do ministerio publico.

Art. 5.° O governo publicará modelos de estatutos para estas associações, os quaes terão apenas caracter facultativo.

Art. 6.° Os syndicatos agricolas têem individualidade juridica, podendo exercer todos os direitos relativos a interesses legitimos do seu instituto, demandar ou ser demandados.

Art. 7.° Os syndicatos agricolas não podem possuir bens immobiliarios, alem dos que forem absolutamente indispensaveis ás suas reuniões, museus, bibliothecas, laboratorios, conferencias, cursos e campos de experiencias, cuja area não poderá exceder 1 hectare.

§ 1.° Os bens immobiliarios adquiridos pelos syndicatos por qualquer titulo e que excedam os limites indicados n'este artigo serão convertidos em bens mobiliarios no praso de um anno.

§ 2.º1 Os immobiliarios não vendidos no praso de um anno serão vendidos judicialmente, revertendo 20 por cento do producto liquido para a fazenda nacional, e o remanescente para o cofre do syndicato.

Art: 8.° O fundo social dos syndicatos agricolas será constituido por jóias de entrada, quotas e commissões pagas pelos socios, subsidios de corporações administrativas ou do estado, e quaesquer donativos ou legados de particulares.

§ unico. Os meamos syndicatos agricolas podem, a titulo de compensação de despezas, levar até 2 por cento de commissão por compras, vendas e transporte de conta dos socios.

Art. 9.° Os syndicatos agricolas podem ser dissolvidos:

1.° Por sentença do poder judicial;

2.° Por contarem menos de vinte associados;

3.° Por deliberação de dois terços dos seus membros, tomada em assembléa geral.

Art. 10.° Os estatutos dos syndicatos indicarão:

1.° A denominação da associação, sua sede e seus fins;

2.° O modo e as condições de admissão dos socios, os seus direitos e deveres, os casos em que podem ser expulsos e o processo da expulsão, os pagamentos a, que são obrigados e as vantagens que lhes são garantidas;

3.° A organisação dos corpos gerentes e suas attribuições;

4.° Os poderes da assembléa geral, a organisação e attribuições da respectiva mesa, as condições para a constituição e funccionamento da assembléa geral e para o exercicio do direito de voto, e o modo por que podem ser alterados os estatutos;

5.° O modo de proceder á liquidação no caso de dissolução.

Art. 11.° No caso de dissolução proceder-se-ha á liquidação dos haveres do syndicato.

Satisfeitas as dividas ou consignadas as quantias necessarias ao seu pagamento, proceder-se-ha á partilha do resto dos valores, conforme o que dispozerem os estatutos.

§ 1.° No caso de um syndicato se dissolver por decisão da assembléa geral sem esta nomear logo os liquidatarios, ou no caso de ser retirada a approvação aos respectivos estatutos, o juiz de direito da comarca respectiva nomeará os liquidatarios.

§ 2.° A liquidação será feita sob a inspecção e vigilancia do governador civil do districto, o qual poderá delegar este encargo no delegado do ministerio publico.

Art. 12.° Os syndicatos agricolas podem colligar-se, formando uniões de syndicatos, para constituirem centros permanentes de relações de estudos, economicas ou agricolas, ou para promoverem e defenderem os respectivos interesses dentro da esphera dos estatutos e leis communs applicaveis.

§ unico. Estas uniões ou syndicatos centraes estabelecer-se-hão e funccionarão nas mesmas condições dos syndicatos locaes.

Art. 13.° É nulla toda a deliberação tomada sobre objecto estranho áquelle para que tiver sido convocada a assembléa geral, e são prohibidas as discussões sobre assumptos alheios aos fins do syndicato, que estejam expressos nos seus estatutos, ou n'estes, mais ou menos explicitamente comprehendidos.

§ unico. No caso de infracção d'este artigo, proceder-se-ha em conformidade com o disposto no artigo 13.° do decreto de 9 de maio de 1891.

Art. 14.° Qualquer membro de um syndicato agricola póde livremente demittir-se de socio, sem prejuizo de satisfazer as suas quotas do anno corrente, e conservando o direito de permanecer, sujeitando se ás respectivas prescripções estatutarias nas sociedades a que se refere o § 3.° do artigo 1.°

Art. 15.° Os syndicatos agricolas ficam isentos da contribuição industrial e dos impostos do sêllo e de registo, podendo, portanto, ser escriptos em papel commum todos os seus documentos ou diplomas, incluindo as escripturas de constituição ou de modificação dos seus estatutos.

Art. 16.° Os syndicatos agricolas gosarão, para os transportes que façam de conta propria ou dos seus socios, nos caminhos de ferro do estado e nas linhas de paquetes subsidiados, de uma reducçao de 20 por cento sobre as tarifas geraes ou especiaes applicaveis a esses transportes. O governo providenciará quanto possivel para que igual beneficio seja concedido nas linhas ferreas que não sejam do estado ou nos paquetes nacionaes, embora não subsidiados.

§ unico. Nos laboratorios das estações chimico-agricolas gosarão as analyses requisitadas pelos syndicatos agricolas, para seu uso ou dos seus socios, os seguintes abati-

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mentos nas tabellas geraes: de 20 por cento para analyses de adubos e de plantas, suas partes ou derivados; de 70 por cento nas de terras.

Art. 17.° São applicaveis ás provincias ultramarinas as disposições da presente lei.

Art. 18.° É o governo auctorisado a permittir a organisação de camaras de commercio portuguezas nos paizes estrangeiros, destinadas a velarem pelo commercio dos productos nacionaes, com especialidade os agricolas, promovendo a sua venda e secundando o governo, directamente e por intermedio da camara de commercio e industria de Lisboa, ácerca da melhor direcção que deva dar-se a esse commercio, por meio de informações, consultas e propostas.

Art. 19.° As camaras de commercio portuguezas serão constituidas por negociantes portuguezes residentes nas localidades escolhidas para sédes das mesmas camarás, e funccionarão como instituições de propaganda commercial, com o auxilio das auctoridades diplomaticas e consulares respectivas.

Art. 20.° Poderão requerer a constituição de uma camara de commercio, em qualquer paiz, os negociantes portuguezes em numero, pelo menos, de cinco, que tenham domicilio na localidade onde a pretendam fundar, e cuja idoneidade seja attestada pelo consul respectivo.

Art. 21.° Os requerimentos serão entregues ao cônsul, a quem competir, e por este informados e remettidos ao governo.

Art. 22.° A creação das camaras de commercio será feita por decreto real, pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, precedendo consulta dos conselhos superiores de agricultura e do commercio e industria.

§ unico. O decreto fixará o numero minimo de membros que deverão compor a camara, e, no caso em que ella deva exercer a sua acção de propaganda em mais de uma localidade, a sua sede, e bem assim o regimen da sua constituição e as suas attribuições e meios de acção em proveito do commercio nacional.

Art. 23.º As camaras de commercio corresponder-se-hão com o ministro das obras publicas, commercio e industria, e as suas consultas, informações ou propostas, quando não sejam de caracter reservado, serão officialmente publicadas.

Art. 24.° Os requerimentos para a constituição de camaras de commercio serão sempre acompanhados dos projectos de estatutos, sobre os quaes recairá tambem a informação do agente consular respectivo e a consulta doe conselhos superiores de agricultura e do commercio e industria.

Art. 25.° Os requerimentos e mais documentos emanados das camaras de commercio e necessarios ou relativos á sua constituição serão isentos do imposto do sêllo.

Art. 26.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 9 de marco de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Mota Veiga, deputado, secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado, secretario.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.

O sr. Simões Margiochi: - Sr. presidente, pedi a palavra por parte da commissão de agricultura para declarar a v. exa. e á camara que este parecer tem voto do sr. conde de Azarujinha; não foi, porém, assignado por s. exa., porque não estava presente na occasião em que mandei para a mesa o parecer.

O sr. Presidente: - Como mais ninguem pede a palavra, vae, votar-se.

Os dignos pares que approvam o projecto de lei n.° 18 na sua generalidade tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada a generalidade do projecto e, seguidamente, a especialidade, sem discussão.

O sr. Presidente: - Passa-se á discussão do parecer n.° 14 sobre o projecto de lei n.° 14.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 14

Senhores: - Á vossa commissão de commercio e industria foi presente o projecto de lei n.° 14 vindo da camara dos senhores deputados, approvando a creação de uma camara de commercio e industria em Lisboa, destinada a representar os interesses dos commerciantes e industriaes, e auctorisando o governo a crear camaras de commercio e industria em quaesquer outras localidades dentro ou fóra do paiz, de reconhecida importancia commercial ou industrial, quando as conveniencias publicas o aconselharem.

A necessidade das corporações profissionaes não se discute. É utilissima tanto para os governos, como para os interesses commerciaes e industriaes a existencia d'estas aggremiações que sirvam ao mesmo tempo para aconselhar os governos em tudo quanto disser respeito ao fomento das forças productoras do paiz, zelando perante a administração publica os interesses nacionaes que estão commettidos á sua guarda e vigilancia.

É necessario, porém, indispensavel mesmo, que estas
corporações se mantenham strictamente dentro dos limites de acção que as leis lhes marcam, visto que nem sempre a cordura e o bom senso são sufficientes para fazer, com serenidade, sobresaír a sua auctoridade technica no exercicio das suas funcções.

As camaras de commercio, que tiveram origem em França, existem na Italia, na Allemanha, em Inglaterra, na Hollanda, na Austria-Hungria, e, desde 1886, em Hespanha.

Em França são as camaras de commercio corporações fechadas, compostas de numero restricto de associados. N'outros paizes são instituições officiaes que participam do principio associativo.

A camara de commercio e industria de Lisboa é uma instituição com caracter official, participando do principio associativo, sem ser, comtudo, a simples reproducção das associações particulares, garantidas pela lei geral.

Tanto o relatorio que precede o decreto dictatorial, como o parecer da illustre commissão de commercio e artes da camara dos senhores deputados desenvolvem tão largamente á historia das camaras de commercio, e justificam tão amplamente as rasões de conveniencia do projecto de lei n.° 14, que seria pretenção vaidosa alargar mais este parecer, repetindo o que d'aquelles documentos está tão bem compendiado.

Por isso esta commissão limita se a emittir o parecer de que o projecto de lei n.° 14 seja approvado e submettido á real sancção.

Sala das sessões da commissão de commercio e industria, em 13 de março de 1896. =A. de Serpa Pimentel= Visconde de Athouguia = Conde de Carnide = Arthur Hintze Ribeiro = Francisco Simões Margiochi, relator

Projecto de lei n.° 14

Artigo 1.° É creada em Lisboa uma camara do commercio e industria, destinada a representar os interesses dos commerciantes e industriaes.

§ unico. O governo poderá crear camaras de commercio e industria em quaesquer outras localidades, dentro ou fóra do paiz, de reconhecida importancia commercial ou industrial, quando as conveniencias publicas o aconselharem.

Art. 2.° A camara de commercio e industria será constituida por socios, commerciantes e industriaes, em numero illimitado, e gerida por um conselho director formado por dezoito membros, eleitos pelos socios da mesma camara pelo modo que o regulamento interno indicar, e renovados em dezembro de cada anno por um terço.

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§ 1.º São elegiveis para os cargos de membros do conselho director da camara de commercio e industria os commerciantes, industriaes, officiaes da marinha mercante, gerentes ou representantes de emprezas commerciaes, industriaes ou de navegação, cidadãos portuguezes, naturaes ou naturalisados, residentes em Lisboa, que tenham pago a respectiva contribuição industrial, pelo menos, durante cinco annos consecutivos, e que sejam socios da mesma camara.

§ 2.° Podem ser admittidos como socios da camara de commercio e industria os commerciantes, industriaes, officiaes da marinha mercante, gerentes ou representantes de emprezas commerciaes, industriaes ou de navegação, tanto nacionaes como estrangeiros, que tenham pago a respectiva contribuição industrial, pelo menos, durante dois annos consecutivos. A admissão dos socios será feita pelo conselho director em votação por escrutinio secreto.

§ 3.° As funcções dos membros do conselho director são gratuitas.

Art. 3.° As attribuições da camara de commercio e industria, são de duas especies: l.ª, como representante dos interesses dos commerciantes e industriaes junto do governo; 2.ª, como delegada dos mesmos commerciantes e industriais para o exercicio de certas funcções e para a administração de determinados estabelecimentos destinados ao serviço do commercio, da industria ou da navegação.

§ 1.° Como representante dos interesses dos commerciantes e industriaes, terá a camara de commercio e industria a faculdade de apresentar ao governo propostas e representações, e cabe-lhe a obrigação de prestar esclarecimentos e de dar parecer fundamentado, quando pedidos pelo governo, sobre assumptos que digam respeito a:

1.° Alteração na legislação commercial - regimen das instituições bancarias - circulação fiduciaria - bolsas e corretores - usos commerciaes - alargamento das relações commerciaes existentes e abertura de novos mercados para productos portuguezes - tratados de commercio - meios de communicação rapida - preços de transporte de mercadorias em caminhos de ferro ou por mar - melhoramentos a introduzir no serviço de transportes - pautas das alfandegas, regimen e serviço aduaneiro, tanto na metropole como nas colonias;

2.° Commercio de transito - navegação de cabotagem e de longo curso - medidas tendentes a desenvolver a marinha mercante portugueza e a attrahir aos portos portuguezes a navegação e o commercio estrangeiros - serviço de pilotagem - illuminação e balizagem das costas e portos - quarentenas - installações commerciaes dos portos e tarifas respectivas - armazens geraes - warrants;

3.° Inqueritos commerciaes e industriaes - museus e exposições commerciaes e industriaes - propriedade industrial, patentes de invenção e de introducção de novas industrias, marcas de fabrica e de commercio - melhoramentos no serviço dos correios, telegraphos electricos e semaphoros - concessão de drawbacks - regulamentos do trabalho fabril - organisação do ensino commercial e industrial;

4.° Qualquer outro assumpto sobre que for mandado ouvir pelo governo.

§ 2.° Como representante dos interesses dos commerciantes e industriaes compete tambem á camara do commercio e industria consultar ácerca dos pedidos e representações das associações de classe (industriaes ou commerciaes) relativos a qualquer dos assumptos indicados no

§ 1.°

§ 3.° Como delegada dos commerciantes e industriaes
compete á camara de commercio e industria de Lisboa:

1.° Formular no principio de cada triennio, sob requisição da direcção dos serviços aduaneiros, uma lista de seis nomes, todos de socios da camara de commercio e industria que não sejam membros do conselho director, de entre os quaes o governo escolherá aquelle que deverá
servir como vogal do tribunal especial do contencioso fiscal de primeira instancia junto da alfandega de Lisboa, durante o triennio, e bem assim dois supplentes para o substituirem nas suas faltas ou impedimentos, nos termos do artigo 31.° do decreto de 27 de setembro de 1894;

2.° Formular no principio de cada triennio, sob requisição da direcção dos serviços aduaneiros, uma proposta contendo a indicação de seis membros do conselho, director da camara de commercio e industria, de entre os quaes o governo escolherá aquelle que deverá servir como vogal do tribunal especial do contencioso fiscal de segunda instancia, e bem assim dois supplentes para o substituir nas suas faltas ou impedimentos, nos termos do artigo 51.° do citado decreto;

3.° Dar ao governo as informações que este pedir para a nomeação dos dois commerciantes ou industriaes que devem fazer parte do tribunal do contencioso technico da alfandega de Lisboa, nos termos do artigo 164.° do já citado diploma.

4.° Administrar a bolsa commercial de Lisboa;

5.° Administrar quaesquer estabelecimentos officiaes destinados ao serviço do commercio, da industria ou da navegação - taes como museus - commerciaes ou industriaes, escolas commerciaes, industriaes ou de pilotagem, postos de salva vidas, pharoes, armazens geraes, e analogos - quando esse serviço lhe seja incumbido por decreto especial;

6.° Desempenhar quaesquer outras funcções que lhe forem incumbidas por leis especiaes.

§ 4.° As funcções da camara de commercio e industria são consultivas em relação ao disposto nos §§ 1.° e 2.°; em relação ao disposto no § 3.° essa corporação reger-se-ha pelo que preceituam as leis e regulamentos vigentes, e na parte omissa pelas instrucções que lhe forem dadas pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria.

§ 5.° As funcções incumbidas n'este artigo á camara de commercio e industria serão desempenhadas pelo respectivo conselho director. A assembléa geral da mesma camara será ouvida sobre qualquer dos assumptos indicados no § 1.°, quando o governo o ordenar, quando assim for resolvido por mais de metade dos membros do conselho director, ou quando for requerido por mais de um terço do numero total de socios existentes.

Art. 4.° A camara de commercio e industria terá uma bibliotheca e um gabinete de leitura, e poderá publicar um boletim no qual serão inseridos todos os dados estatisticos, bem como quaesquer estudos feitos por alguma das secções ou mesmo por qualquer socio, relativos a assumptos de interesse industrial e commercial.

Art. 5.° Todos os socios da camara de commercio e industria formarão a respectiva assembléa geral. A camara de commercio e industria é facultado dividir-se nas seguintes secções, que poderão funccionar independentemente:

a) Secção de commercio por grosso e navegação;

5) Secção de commercio a retalho;

c) Secção da industria.

§ 1.° Cada secção terá um presidente, que será o socio mais votado dos membros do conselho director que a ella pertençam. Em igualdade de votos preferirá o mais velho.

§ 2.° A assembléa geral, cada uma das secções, ou qualquer dos socios têem direito de submetter ao conselho director exposições, propostas ou consultas com respeito aos assumptos indicados no § 1.° do artigo 3.°

Art. 6.° As funcções dos membros do conselho director da camara de commercio e industria durarão por tres annos. Durante os primeiros dois annos a sorte designará os que deverão saír; depois a renovação será feita por antiguidade.

§ unico. Os membros do conselho director poderão ser reconduzidos indefinidamente,

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Art. 7.° O conselho director da camara de commercio e industria terá um presidente, um vice-presidente, um secretario e um thesoureiro, escolhidos dentre os seus membros.

§ 1.° O presidente, o vice-presidente e o secretario do conselho director exercerão iguaes funcções na assembléa geral dos socios.

§ 2.° Para a administração interna da camara de commercio e industria haverá uma commissão administrativa composta do presidente, vice-presidente, secretario e thesoureiro e de tres vogaes.

§ 3.° O presidente e o vice-presidente serão nomeados pelo governo, em dezembro de cada anno, dentre os eleitos nos termos do artigo 2.°, devendo um pertencer á classe commercial e outro á classe industrial. O secretario, o thesoureiro e os vogaes da commissão administrativa serão eleitos pelo conselho director, dentre os seus membros, em janeiro de cada anno.

Art. 8.° A camara de commercio e industria poderá ter os empregados indispensaveis para o seu serviço. Os empregados de que se trata será o nomeados e demittidos pela commissão administrativa da referida camara.

Art. 9.° No caso de ser decretada a nomeação de uma camara de commercio e industria fóra de Lisboa, o decreto indicará a sede da camara, os concelhos da sua circumscripção, as attribuições de natureza analoga ás indicadas no § 3.° do artigo 3.° que lhe devem pertencer, e o numero de membros que devem formar o respectivo conselho director. A eleição dos seus membros será feita pelo modo previsto no artigo 2.°

§ unico. No caso de deixar de funccionar a associação commercial ou industrial de qualquer localidade onde venha a existir uma camara de commercio e industria, serão transferidas para essa camara todas as funcções que por leis especiaes pertencessem á associação que tiver deixado de funccionar.

Art. 10.° As camaras de commercio e industria são corporações dependentes do ministerio das obras publicas, commercio e industria, com o qual deverão regularmente corresponder-se nas suas relações com o governo, podendo no entretanto dirigir-se ás outras secretarias d'estado nos assumptos previstos no artigo 3.° d'esta lei que sejam da competencia especial d'ellas.

§ unico. O conselho director sujeitará, em fevereiro de cada anno, á apreciação do governo e da assembléa geral dos socios as contas da gerencia do anno anterior.

Art. 11.° É nulla toda a deliberação tomada pelo conselho director, por qualquer das secções ou pela assembléa geral, sobre assumpto estranho áquelle para que se fez a respectiva convocação. São prohibidas as discussões ou votações sobre assumptos alheios á indole e competencia da camara de commercio e industria, conforme esta lei e o regulamento interno.

Art. 12.° Poderá ser dissolvido o conselho director se se desviar do fim para que foi instituida a camara de commercio e industria, não cumprir fielmente o regulamento ou não prestar ao governo as informações que este pedir sobre assumptos da competencia da mesma camara. No caso de dissolução do conselho, os seus membros não poderão ser reeleitos durante cinco annos consecutivos.

Art. 13.° Quando venha a ser decretada a creação de qualquer camara de commercio e industria, será nomeada uma commissão de doze membros para proceder aos trabalhos de organisação e installação, formular e submetter á approvação do governo o respectivo regulamento interno, e a exercer até á constituição definitiva da mesma camara as funcções que a esta ficam pertencendo pela presente lei.

§ unico. O regulamento interno das camaras de commercio e industria fixará a fórma e condições para a admissão dos socios e realisação das eleições dos respectivos corpos gerentes.

Art. 14.° Serão transferidos para a camara de commercio e industria de Lisboa os encargos e os rendimentos a que se referem o artigo 8.° e seguintes da carta de lei de 10 de fevereiro de 1876, o artigo 126.° § 6.° do decreto n.° 3 de 17 de setembro de 1885 e os decretos de 21 de abril e 30 de dezembro de 1892.

Art. 15.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 9 demarco de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Mota Veiga, deputado, secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado, secretario.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.

(Pausa.)

Como ninguem pede a palavra, vae votar-se.

Os dignos pares que approvam na generalidade o projecto de lei n.° 14 tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado na generalidade e, seguidamente, na especialidade, sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o parecer n.° 16 sobre o projecto de lei n.° 20.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.º 16

Senhores: - O assumpto, sobre que a vossa commissão de legislação é chamada a dar parecer, é sem duvida um dos mais interessantes, mais difficeis e mais complexos que entram na esphera da criminalogia.

Sciencia essencialmente pratica, não póde contentar-se com theorias, mais ou menos abstractas, que só sirvam para estudo dos sabios e discussão das escolas; ella demanda a solução de problemas que directamente interessam á vida, á liberdade e ao bem estar social.

Exige a sociedade para garantia dos seus direitos, defeza dos seus legitimes interesses e manutenção da ordem, condição da sua existencia, que seja punido todo o facto voluntario, que a lei considerar um ataque a esses direitos, um perigo para a ordem social.

Para que haja crime não basta a simples idéa, que se conserva no recôndito do pensamento. Cogitationis Acenam nemo patitur, dizia já a L. 18 do Digesto romano.

E mister que haja a exteriorisação do pensamento; que haja o facto externo.

Mas para que esse facto tenha adito nos dominios da criminalidade, é indispensavel que elle seja praticado com a necessaria intelligencia e liberdade.

Não basta o facto material; é mister que a elle presida a completa consciencia e inteira liberdade.

A doutrina do Êxodo, capitulo XXI, que ordenava a lapidação do boi que matasse alguem, e que foi traduzida na legislação penal de alguns povos, é hoje apenas uma curiosidade historica para o estudo do que foi o direito criminal de outros tempos.

Por largos annos elle importava-se mais com o acto material, que com as condições moraes do agente. A sciencia então mais positivista, ou antes mais materialista que espiritualista; mais circumscripta aos factos e mais desprendida das idéas, olhava o acto material do crime, sem estudar as condições do criminoso. Dahi, quantas paginas da historia manchadas do sangue dos irresponsaveis; quantas vezes rolaram no chão, em nome da punição social, as cabeças dos desgraçados, onde a intelligencia estava envolta em sombras que a entenebreciam!

A sciencia do direito penal de hoje, vasada n'outros moldes, auxiliada pelos progressos da anthropologia e da psychiatria, adoçada na agrura de muitas das suas antigas decretações pelos principies philosophicos do direito de punir e pelos sentimentos humanitarios das gerações modernas, tem estabelecido outros criterios, levantando

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mais alto as suas vistas quando olha para o crime e para o criminoso.

A responsabilidade é considerada por ella como o primeiro elemento na apreciação do crime. Quem não tem responsabilidade, não tem criminalidade.

Segundo o nosso codigo penal não cabe responsabilidade aos loucos que não tiverem intervallos lucidos, ou que, embora os tenham, praticarem o facto no estado de loucura.

Mas onde acaba a responsabilidade, para principiar a irresponsabilidade criminal?

Onde estão as barreiras que limitam e circumscrevem os dominios da loucura, para ficarem definidos os da sanidade mental?

Difficil é a resposta a esta justificada interrogação. Seria necessario antes de responder, diz A. Cullerre, achar uma demarcação segura entre a saude e a doença.

Mas estes dois modos de ser não differem essencialmente; são estados perfeitamente relativos, entre os quaes ha apenas graduações. O exagero, a desproporção, a desharmonia dos phenomenos normaes é que constitue o estado morbido.

Se a pathologia ordinaria encontra difficuldades na apreciação dos factos contrarios a um justo equilibrio de todas as funcções organicas, para poder caracterisar uma determinada doença, mais ainda a psychopathologia se vê em embaraços diante de um grande numero de estados mentaes, que parece constituirem uma zona intermedia entre o equilibrio de todas as faculdades e as doenças mentaes nitidamente definidas.

A difficuldade está em apreciar a extensão d'esses estados anormaes da intelligencia, que não estão perfeitamente caracterisados, para se poder aventar um juizo seguro sobre a influencia d'essas perturbações na determinação dos actos praticados em offensa da lei.

Mas a sciencia procura vencer essas difficuldades buscando auxilio na psychologia, na biologia, na anthropologia, na psyehiatria, no conjuncto, emfim, de conhecimentos que lhe fornecem as sciencias naturaes e mesmo as sciencias moraes.

N'esse exforço se empenham os homens d'estado, os criminalistas, os medicos, os professores e todos os que não são indifferentes á importancia d'esta questão, tão estreitamente ligada a vitaes interesses sociaes. E a sua importancia todos os dias augmenta diante dos factos que então chamando a attenção da humanidade.

Á medida que a civilisação caminha, que as sciencias se desenvolvem, que novas conquistas se accentuam no campo do progresso, cresce a criminalidade e augmenta o numero de alienados.

Para não alongar a indicação de factos comprovativos d'esta triste verdade, citemos a estatistica de uma nação qualquer.

Na França, por exemplo, em 1842 a estatistica accusava a existencia de 15:796 alienados; dez annos depois aquella cifra elevava-se a 23:790, que em 1872 subia a 37:554, em 1882 a 51:870, e no dia 31 de dezembro de 1885 a 52:876, o que dava 1 alienado por 746 habitantes.

Se passarmos do velho ao novo mundo, encontramos infelizmente o mesmo crescimento.

No estado de New York contavam-se, em 1825, 1:819 casos de loucura, na proporção de 0,53 por 1:000 habitantes; trinta annos depois, em 1855, o numero de loucos attingia a 2:742, ou 0,79 por 1:000 habitantes.

Se a vossa commissão não quizesse poupar-vos a um extenso relatorio, tinha n'este facto tão lamentavel larga margem para demoradas considerações.

Entre as causas que determinam este estado anormal, que desgraçadamente tendem a prolongar os seus effeitos, avulta a transmissão hereditaria.

Aquelle facto mostra evidentemente a necessidade a que

veiu attender a promulgação das providencias que constituem este projecto de lei.

Augmentando de um modo tão notavel o numero dos alienados, e com elle, portanto, o dos alienados criminosos, maiores devem ser as precauções da lei; de mais garantias se deve cercar o processo, para que o rigor da justiça não vá cair inexoravel sobre aquelles que não podiam ver os horrores do crime, porque as trevas da demencia lhes espancaram a luz da rasão.

Póde-se fazer uma idéa das horriveis consequencias que podem resultar de, nos processos crimes, não se procurar investigar cuidadosamente as circumstancias do criminoso, quando appareça a suspeita de uma affecção mental, lendo-se a opinião do notavel jurisconsulto Fitzroy Kelly, que affirmava em 1864 que desde o principio d'este seculo se tinham commettido em Inglaterra sessenta assassinatos legaes, que tantos eram os criminosos alienados que haviam sido executados. O dr. Madden diz que em poucos annos tinha visto condemnar á morte onze loucos, dos quaes tres felizmente haviam sido indultados.

Pertence á vossa commissão quem por dever do cargo tem tido occasião de conhecer condemnados, a quem a justiça, na inflexibilidade cega dos seus julgamentos, deu um errado destino; mandou-os para um estabelecimento penal, quando deviam ter ido para um estabelecimento de alienados.

A vossa commissão deve affirmar-vos bem claramente que não pertence a uma moderna escola, que quasi só vê alienados, ou pelo menos desequilibrados, nos criminosos sujeitos á acção da justiça.

D'essa escola acceita apenas o que não póde contestar-se, porque assenta em factos e deducções, que a sciencia não póde repellir.

Só é justo, se é humanitario que a lei penal não venha exigir responsabilidade dum facto criminoso, a quem não tinha a consciencia dos seus actos; é necessario, é indispensavel que pelas malhas de uma simulada loucura, alargadas pela protecção ou pela sensibilidade, se não escapem verdadeiros criminosos.

"É muito para notar, dizia ha pouco um publicista, a quantidade de adjectivos que temos transformado em substantivos para desculpar o criminoso; vê-se que a nossa epocha é o apogeu da sensibilidade.

"Tudo vae a satisfazer as necessidades da defeza; um assassino não é já para nós um assassino, é ... um inconsciente; é um irresponsavel. Impulsivo é o neologismo mais moderno na serie criminal."

Procurar evitar uma e outra cousa, fazendo quanto possivel para que se não dê a condemnação de um verdadeiro inconsciente, ou não se furte á acção da justiça um supposto alienado, é o elevado pensamento do actual sr. ministro da justiça, primitivamente formulado numa proposta de lei apresentada ao parlamento, mais tarde traduzido no decreto de 10 de janeiro de 1895, e hoje convertido no projecto que estamos apreciando.

Deficiente era a nossa legislação sobre alienados, e confusa até na sua terminologia.

Emquanto que para o nosso codigo civil toda a anormalidade das faculdades é demencia, para o codigo administrativo é alienação, e para o codigo penal é loucura. Segundo este não têem responsabilidade criminal os loucos que não tiverem intervallos lucidos, ou que embora os tenham praticarem o facto no estado de loucura. Mas não determina os meios para se conhecer d'esse estado, para se poder avaliar até onde irá a sua responsabilidade criminal.

Os que elle julga isentos d'essa responsabilidade, manda-os entregar á familia, ou internar n'um hospital de alienados, se da sua liberdade poder resultar perigo para a sociedade; e pouco mais se estatue ali.

No processo era tambem grande a lacuna que sobre este assumpto se notava.

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Vem preenchel-a tambem as providencias contidas n'este diploma legislativo.

Sempre que em juizo se de participação de algum facto criminoso praticado por individuo alienado, ou como tal supposto, ou quando esse crime pelas circumstancias que o revestiram faça crer na anormalidade mental do seu agente, ou ainda quando esta se invoque como motivo derimente da responsabilidade criminal, manda-se proceder a exame medico-legal, como meio para apurar a verdade até onde possa ir a sciencia nas suas investigações.

O exame medico legal, e pela fórma por que o projecto o determina, é o unico caminho mais esclarecido por onde a justiça póde seguir para firmar o seu veredictum.

Para melhor elucidar os peritos no seu exame ser-lhes-hão prestados todos os esclarecimentos e informações que requisitarem, tanto a respeito das circumstancias que se deram no crime, como das condições do criminoso.

O dr. Cabadi, no seu interessante livro De la responsabilité criminelle, ainda vae alem nas suas exigencias para mais completa investigação. Elle queria que na maior parte dos casos depois do jury, que tivesse de se pronunciar sobre a materialidade dos factos, houvesse um outro, menos numeroso que aquelle, mas especial e technico.

Composto de homens especialistas, medicos e philosophos, cuidadosamente escolhidos, devia fornecer-se de todos os documentos necessarios para o esclarecer. Examinaria detidamente o sujeito, procederia a averiguações e inqueritos, e por esta forma se evitariam alguns erros judiciaes.

O louvavel intuito d'estas providencias, que formam o contexto do projecto que analysamos, não é subtrahir á punição o que a deva merecer; não é pôr em liberdade o que póde fazer perigar a segurança individual; é dar garantias a todos; não deixar caír o ferrete do crime sobre o que tem o estigma da demencia; sequestrar da sociedade o que for considerado inoffensivo.

Reconhece a vossa commissão que sem embargo do progresso da sciencia, é muitas vezes difficilimo prescrutar os recônditos da mentalidade, para se averiguar da sanidade das faculdades de um individuo suspeito; para se apurar o grau de responsabilidade que cabe ao agente de um facto criminoso. Já o dissemos, e não podemos deixar de mais uma vez o repetir.

Quando a loucura é permanente, manifesta, perfeitamente caracterisada, facil é a missão dos peritos. Mas quando se apresentam estados anormaes de intelligencia de uma duração transitoria; quando se dão variados casos de nevroses inconsistentes e caprichosas, sem uma fórma definida, e sem, um caracter accentuado, é difficil, é grave, é melindrosa a solução do problema.

Todavia, com as cautelas e com os tramites que o projecto estabelece, a sciencia e a consciencia dos peritos vencerá muitas das difficuldades até onde se póde ir no estado actual d'este ramo de conhecimentos.

O projecto contem providencias para os diversos casos em que se manifesta a alienação do accusado ou condemnado; quando se instaura o processo, quando este está correndo os seus tramites, quando se effectuou a condemnação, e quando o condemnado já está em cumprimento de pena.

Em todos os casos é sempre no exame medico e nas informações officiaes que se baseiam as resoluções que vão sustar o andamento do processo, demorar o inicio da execução da pena, suspender o seu cumprimento, ou pôr em liberdade o que esteve sequestrado.

Quando a alienação se manifestar nos que estão cumprindo penas maiores, a suspensão da execução da pena, ou a sua continuação, recuperando o doente a saude mental, fica sempre dependente do despacho ministerial. O mesmo se deve dar quando a alienação se manifestar antes da sentença ter principio de execução; o resultado das diligencias a que os procuradores regios têem de proceder, será submettido á apreciação do ministro dos negocios da justiça.

Pelo nosso direito penal desde que um condemnado enlouquecer até recuperar as suas faculdades, deixou de cumprir a pena. O projecto no § unico do artigo 23.° permitte que lhe possa ser contado todo ou parte d'esse tempo se, sob proposta do director da cadeia, assim approuver ao poder moderador.

No congresso internacional do París, realisado no anno passado, discutiu-se uma these com referencia a este assumpto, que rezava assim: "Em que principios se deve basear o calculo da duração da pena para os condemnados affectados da alienação mental?" A resposta foi favoravel á contagem para o cumprimento da pena do tempo que durasse a doença mental.

A lei de 4 de julho de 1889 devia ser o complemento d'estas providencias.

Lamenta a vossa commissão que, sem embargo de haverem decorrido quasi sete annos depois da sua promulgação, e de se estarem cobrando as receitas que ella creou, ainda não podesse ter tido execução.

Feitas estas considerações é a vossa commissão de parecer que este projecto de lei deve merecer a vossa approvação para ser levado á sancção regia.

Sala das sessões, 13 de março de 1896.= A. Sequeira Pinto = Augusto Ferreira Novaes = Alberto Antonio Moraes de Carvalho = Tem voto do digno par: Antonio Emilio Correia de Sá Brandão = Jeronymo da Cunha Pimentel, relator.

Projecto de lei n.° 20

Artigo 1.° Quando em juizo se de participação de algum facto que a lei qualifique de crime ou delicto, commettido por individuo alienado, ou supposto alienado, deverá logo o juiz ordenar ex officio exame medico, para que se averigue e julgue se o agente é susceptivel de imputação, na conformidade das disposições da legislação penal.

§ unico. Quando o juiz não ordene ex officio o mencionado exame, deverá este fazer-se logo que o requeiram ou o ministerio publico ou algum ascendente, descendente ou o conjuge do indigitado criminoso.

Art. 2.° Deverá proceder-se tambem a exame medico legal, quando for praticado algum crime ou delicto que, pela sua natureza e circumstancias especiaes, ou pelas condições do agente, possa justificar a suspeita ou presumpção de que este procedera em estado de alienação mental; e bem assim quando esta seja invocada para explicação do facto e defeza do seu auctor por este, ou por qualquer das pessoas designadas no paragrapho antecedente.

Art. 3.° Logo que se inicie processo contra algum individuo a que se attribua um acto incriminado por disposição da lei, e que esteja nas condições de algum dos dois artigos antecedentes, ser-lhe-ha nomeado pelo juiz um defensor officioso, que intervirá no processo, só ou conjunctamente com o advogado das pessoas, a que se refere o § unico do artigo 1.°

Art. 4.° Se o facto constituir crime ou delicto, a que seja applicavel alguma das penas maiores, o exame medico-legal será feito sempre com intervenção de dois peritos e de um terceiro, quando seja preciso para desempate.

Art. 5.° O exame será feito na comarca onde o facto occorreu, se n'ella houver numero sufficiente de peritos, e quando estes forem de opinião que o exame póde ahi ser feito.

§ 1.° Quando não houver numero sufficiente de peritos na comarca, poderá o exame ser feito em qualquer outra das mais proximas, onde haja o numero de peritos exigido por esta lei, salvo o direito do ministerio publico requerer que o exame se faça num estabelecimento de alienados.

2.° Quando os peritos, em qualquer dos casos antecedentes, forem de opinião que o exame só póde ser feito

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em um estabelecimento de alienados, proceder-se-ha nos termos do artigo 6.°

Art. 6.° Quando se de o caso de que trata o artigo 2.° da presente lei, o juiz poderá officiosamente, ou a requerimento do ministerio publico, ou de parte legitimamente interessada no processo, ordenar que o exame medico se faça num estabelecimento de alienados; e pela mesma forma poderá determinar que se proceda ali a segundo exame, se o que tenha sido feito pelos peritos da comarca for insufficiente para se ajuizar da imputabilidade do agente do facto criminoso.

Art. 7.° O exame nos estabelecimentos de alienados será ultimado dentro do praso de dois mezes; este praso, porém, deverá ser prorogado, se houver suspeita de simulação de loucura ou necessidade justificada de uma mais longa observação.

§ 1.° O director do estabelecimento de alienados exporá ao juiz os motivos pelos quaes julgue necessaria a prorogação do praso, que. só em caso muito excepcional e devidamente justificado, poderá ir alem de seis mezes.

§ 2.° Concluido o exame, os peritos prestarão as suas declarações, as quaes ficarão consignadas no respectivo auto.

Art. 8.° Aos peritos deverão ser prestados os esclarecimentos e informações que requisitarem, quer a respeito do facto criminoso e suas circumstancias, quer a respeito do seu auctor.

§ unico. Se, para a execução d'este artigo, for preciso proceder a algum inquerito, formar-se-ha um processo especial, que será appenso ao auto de exame.

Art. 9.° O auto de exame medico-legal será feito nos termos do § l.º do artigo 903.° da novissima reforma judiciaria, e, quando se verifique n'um estabelecimento de alienados, assistirá o juiz e o representante do ministerio publico da comarca ou districto criminal, sede do estabelecimento.

§ unico. Para os effeitos d'este artigo, será communicado ao juiz da comarca ou districto criminal, onde se instaurou o processo, o dia em que deva effectuar-se o auto de exame, a fira de ser requisitada, com a necessaria antecipação, a assistencia dos referidos magistrados.

Art. 10.° No auto de exame deverão intervir dois peritos de entre o pessoal clinico do estabelecimento 5 aias, se houver um só, ou se as declarações dos dois não forem conformes, o juiz que tiver de presidir ao acto ordenará que se escolha e notifique outro perito de entre os medicos que se distingam pelos seus conhecimentos de molestias mentaes.

Art. 11.° Os peritos deverão declarar se o individuo examinado padece de loucura permanente ou transitoria, e se praticou o facto sob a influencia d'aquelle padecimento, estando privado da consciencia dos proprios actos ou inhibido do livre exercicio da sua vontade.

Art. 12.° Se no decurso da instrucção de algum pró cesso, o indiciado der manifestações de loucura, comprovadas pelo exame medico, será suspensa a accusação até que tenha recuperado o uso normal das suas faculdades mentaes.

§ unico. Havendo motivos para suppor que a loucura era preexistente á pratica do delicto, ou consequencia accidental de alguma moléstia do systema nervoso, e que, n'um ou noutro caso, podia ter determinado a acção criminosa ou influido na culpabilidade do indiciado, proceder-se-ha a exame medico-legal nos termos e para os effeitos da presente lei.

Art. 13.° Terão o destino designado no artigo õ.° da lei de 4 de julho de 1889 os alienados seguintes:

1.° Os que tendo praticado factos puniveis com alguma das penas maiores, não forem pronunciados como auctores do crime por motivo de loucura;

2.° Os accusados por crimes a que a mesma penalidade corresponda, cujo processo esteja suspenso nos termos do
artigo antecedente, e os que forem absolvidos com o fundamento de terem infringido a lei em estado de alienação mental.

Art. 14.° O alienado que tiver commettido algum acto a que corresponder penalidade inferior á fixada no artigo antecedente, deverá ser entregue, por ordem do tribunal, á familia para o guardar. Se, porém, não tiver familia, ou esta não esteja em condições de se encarregar da sua guarda, será posto á disposição da auctoridade administrativa para ser admittido num hospital de alienados.

Art. 15.° Os alienados a que se refere o artigo 13.° sómente poderão ser postos em liberdade quando se comprove a sua cura completa, ou quando, pela idade ou perda de forças, se possam reputar inoffensivos.

Art. 16.° O director do estabelecimento enviará ao competente magistrado do ministerio publico as informações necessarias para que possa requerer a respectiva ordem de soltura.

§ unico. Quando algum membro da familia do alienado, ou quem o represente, requerer que se lhe de liberdade, allegando que está curado, ou que já não é perigoso, o juiz do processo resolverá a petição, com previa audiencia do ministerio publico, em face de consulta favoravel do director do estabelecimento, ou de exame de sanidade, se julgar conveniente determinal-o, e a que não poderá sem justa causa deixar de deferir, sempre que lhe seja requerido pelas pessoas designadas no § unico do artigo 1.°

Art. 17.° Quando, embora incompleta a cura do alienado, não haja, todavia, receio de accessos perigosos, poderá o juiz auctorisar a saída provisoria, como experiencia, se he for requisitada pelo director do estabelecimento, e sei houver quem se obrigue a prestar ao doente o tratamento e amparo indispensaveis, e a internal-o novamente quando haja ameaça ou prodrómos de repetição de accesso.

§ 1.° A pessoa que se encarregar do alienado remetterá ao director, no fim de cada mez, um attestado de medico, jurado e reconhecido, relativo ao estado do doente, devendo aquelle documento ter o visto do delegado da comarca.

§ 2.° A saída provisoria poderá converter-se em definitiva, quando a experiencia demonstre que não ha n'isso inconveniente, seguindo-se os termos prescriptos no § unico do artigo anterior.

Art. 18.° Quando o asylado tiver de sair por estar curado, ou por se considerar inoffensivo, se não tiver familia a quem se entregue, e for indigente ou incapaz de adquirir meios de subsistencia pelo seu trabalho, deverá ser posto á disposição da auctoridade administrativa, a fim de ser admittido nalgum estabelecimento de beneficencia.

Art. 19.° Os condemnados em pena de prisão maior que, durante o cumprimento da pena, apparecerem alienados, serão recolhidos nas enfermarias a que se refere Q artigo 5.° § 1.° da lei de 4 de julho de 1889.

Art. 20.° Logo que algum recluso de manifestações de perturbação mental, o director da cadeia ordenará que seja submettido a observação medica.

Art. 21.° As conclusões da observação deverão reduzir-se a auto.

Art. 22.° Comprovada a loucura, ficará, por despacho do ministro dos negocios da justiça, interrompida a execução da pena, na conformidade do disposto no § unico do artigo 114.° do codigo penal.

Art. 23.° Se, em resultado do tratamento, o alienado recuperar a saude mental, será ordenado pelo mesmo ministerio que continue a execução da pena, voltando o réu á prisão de onde fôra removido.

§ unico. Se o director da cadeia, consultando os medicos, entender que todo ou parte do tempo decorrido em tratamento deva ser levado em conta no cumprimento da pena, enviará proposta fundamentada ao referido ministerio para ser submettida á apreciação do poder moderador.

Art. 24.° Se a observação tiver concluido pelo reconhe

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cimento de simulação de loucura, será descontado no cumprimento da pena o tempo por que tenha durado, e o preso incorrerá no castigo disciplinar que for auctorisado pelo regulamento da cadeia.

Art. 25.° As disposições dos artigos 19.° e 20.° d'esta lei são applicaveis aos condemnados definitivamente em penas maiores, que apparecerem alienados antes da sentença ter principio de execução, devendo os respectivos procuradores regios promover que se façam os exames dos condemnados, e que se lhes de o destino competente.

§ unico. A sentença será executada, quando os réus recuperem o uso normal das faculdades mentaes, salvo se a pena já tiver prescripto.

Art. 26.° Se algum condemnado em prisão correccional enlouquecer, o respectivo agente do ministerio publico promoverá que se proceda a exame para se dar ao preso o tratamento adequado.

Art. 27.° O condemnado que, ao terminar a execução de alguma pena maior, der manifestações de loucura, terá o destino designado no n.° 2.° do § 2.° do artigo 5.° da citada lei de 4 de julho de 1889.

Artigo 28.º É o governo auctorisado a decretar as disposições regulamentares que convenham para cabal execução d'esta lei.

Disposições transitorias

Art. 29.° Emquanto não existirem as enfermarias annexas ás cadeias penitenciarias, a que se refere o artigo 5.° da lei de 4 de julho de 1889, ou o hospital a que se refere o n.° 1.° do artigo 2.° da mesma lei, serão remettidos ao hospital de Rilhafolles os alienados a que alludem os artigos 13.°, 19.°, 25.° e 27.° da presente lei, e ali deverá tambem "ser feita, a observação dos condemnados em cumprimento de pena, quando não possa effectuar se convenientemente na respectiva prisão.

Art. 30.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 9 de março de 1896. = Antonio. José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Mota Veiga, deputado, secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado, secretario.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, pedi a palavra, não para solicitar quaesquer explicações do nobre ministro da justiça nem do illustre e illustrado relator da commissão, mas parecendo-me justo dizer duas palavras á respeito dos dois projectos que acabâmos de votar com muito aprazimento meu, desejo ligar o meu nome aos respectivos pareceres; como desejo esclarecer-me sobre o que está em discussão.

Aquelles dois decretos, já votados ou approvados, recordam o nome do ministro que os assignou, Carlos Lobo d'Avila, homem de quem eu era extremamente amigo, que se libertou da vida tão novo, a quem de certo estavam reservados muitos dons de iniciativa, muitos serviços á sua patria, que tão sentidamente o chora.

Fui seu amigo, sempre com elle mantive grande amisade em vida; nunca, depois de morto o esquecerei. Os projectos de lei que nós votámos, por si sós honrariam a sua memoria, se ella por muitos factos tão estivesse honrada e se este paiz, a que muito me honro de pertencer, não tivesse prestado todas as demonstrações de sentimento á sua gloriosa memoria.

Dito isto, sr. presidente, sem querer alongar-me sobre as vantagens que daquelles dois projectos podem e devem advir ao paiz, se elle bem ler e comprehendem, n'um d'elles, que na agricultura está a sua principal riqueza, e no outro que tem applicação e estende mão benefica ás nossas colonias no estrangeiro, se for bem comprehendido e aproveitado, o que neta sempre acontece com as nossas
melhores leis, que as temos excellentes, mas que se não cumprem. Estou persuadido de que a semente benefica ha de germinar e fructificar, para bem de todos nós.

Agora seja-me licito dizer ao sr. ministro da justiça que tambem pedi a palavra para o felicitar pela sua boa obra.

Nós temos a honra entre muitas honras, que infelizmente são esquecidas, depois de menosprezadas por aquelles que só sabem alvitrar e pôr em evidencia os nossos defeitos e aã nossas infelicidades, temos a honra de na conquista do bem e em prol da humanidade ir na dianteira. As nossas leis penaes são dignas de estudo e de acatamento das nações que nos são vizinhas

Nós abolimos ha muito a pena de morte e honra nós; seja. Sinto que, talvez necessidade de disciplina, se viesse introduzir outra vez no codigo militar, bem sei que em hypotheses muito restrictas, mas em todo o caso temos vivido sem ella e é minha opinião que poderiamos continuar dispensando-a de nos servir.

No emtanto, como eu não tenho a honra de ser militar, como não tenho, por consequencia, especiaes conhecimentos nem especiaes informações a respeito dos motivos que fizeram com que no novo codigo ella viesse applicar-se, respeito o que se fez com grande sentimento de que fosse preciso fazel-o.

Ao contrario do que se fez quanto ás penas militares, vejo que o nobre ministro da justiça, e comprazo-me de o declarar e dar aqui este testemunho, trabalha, desde que entrou para o seu ministerio, em adoçar, em attenuar, a dura situação daquelles que realmente precisam de todos os cuidados paternaes da sociedade de que fazem parte, que lhes deve educação, morigeração e protecção, e nada disto lhes dá, ousando ostentar depois indignações ao applicar-lhes penas aggravadas, até nas minimas infracções, em nome da justiça, que nunca lhes fizeram, em nome da sociedade, de que são filhos espurios.

Quantas vezes, no estudo especial dos seus, que, por sua desventura, têem vindo apoiar-se na minha protecção, quantas vezes tenho tido desejo, em vez de os ir defender, de accusar a sociedade em que vivem, desde a familia onde nasceram, até aos poderes publicos, que só na adversidade e para maltratal-os os conhecem!

Sabem, esses poderes, accusar, sabem castigar, e não sabem que muitas vezes é nossa e delles a culpa do crime que se vae expiar.

Felizmente vejo aqui, n'esta obra dos poderes publicos de Portugal, uma benéfica tendencia para, sem faltar ao que se devo á defeza da sociedade, porque no fim de contas, para isso é que se fazem as leis penaes - adoçar quanto possivel a situação dos réus, dos condemnados, com os cuidados paternaes que se lhes podem e devem dispensar.

Não tenho, pois, que dizer, nem que argumentar contra este projecto de lei; tenho simplesmente que louval-o; e não só por esta medida o sr. ministro da justiça é benemerito no meu conceito; outras providencias que foram decretadas e virão pedir a nossa approvação o demonstrára; taes como a liberdade condicional, a revisão dos processos, emfim, todos os cuidados que s. exa. tem posto no que diz respeito á legislação criminal, mostram que não é debalde que o sr. ministro e illustrado relator da commissão têem exercido altos cargos na respectiva magistratura, e que têem estudado de perto aquelles que lhes foram entregues mais para guarda do que para estudo, mas que para s. exa. e para o seu companheiro de cuidados, o meu amigo sr. Jeronymo Pimentel, têem servido mais para estudo que para ostentação de auctoridade.

E dito isto, sem querer demorai-me em encómios, que realmente seriam muito merecidos, mas que trariam tambem suspeitas á minha palavra, pela amisade que me liga a s. exas., vou apenas formular umas perguntas para minha elucidação, não porque eu creia que seja absolutamente preciso, mas emfim para salvar alguns escrupulo".

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Em primeiro logar penso que ha um erro de redacção no projecto que se discute e peço ao illustre relator que, se o for, o rectifique.

No artigo 25.° leio s. palavra decreto.

O sr. Jeronymo Pimentel: - V. exa. está talvez lendo o projecto primitivo. N'este que se discute, a palavra "decreto", acha-se substituida pela palavra "projecto".

O Orador: - Perfeitamente. Outras perguntas que tambem são de simplicissima resposta.

"Art. 23.° Se, em resultado do tratamento, o alienado recuperar a saude mental, será ordenado pelo mesmo ministerio que continue a execução da pena, voltando o réu á prisão de onde fora removido.

"§ unico. Se o director da cadeia, consultando os medicos, entender que todo ou parte do tempo decorrido em tratamento deva ser levado em conta no cumprimento da pena, enviará proposta fundamentada ao referido ministerio para ser submettida á apreciação do poder moderador."

Ora, no artigo 20.° vejo eu:

Art. 20.° Logo que algum recluso de manifestações de perturbação mental, o director da cadeia ordenará que seja submettido a observação medica."

A minha duvida consiste apenas nisto: o réu está a cumprir sentença, de quatro annos de prisão cellular. por exemplo, mas dá indicios de alienação mental, o que obriga a suspender-se a execução da pena e a entrar nos cuidados da medicina; passado tempo, acaba-se esse parenthesis, porque se vê que elle está outra vez no uso da sua rasão, e volta ao cumprimento da pena; este parenthesis dura um ou dois annos; pergunto: hão de perfazer-se os quatro annos, afora estes dois, em que houve a interrupção por causa da doença ou padecimento mental?

Isto me parece que não seria de justiça não se contar este tempo da interrupção para o cumprimento da pena. Entendo que não sendo elle responsavel, pelo seu estado mental, deveria computar-se dentro do tempo da pena, o tempo que esteve em tratamento ou observação.

Esta é uma das perguntas cuja resposta aguardo.

Ainda ha outras duvidas no meu espirito, mas que talvez não tenham muita rasão de ser; em todo o caso desejo que esta lei fique o mais apurada que seja possivel no intuito dos benemeritos proponente e relator e na nossa decisão, porque temes o dever de olhar por isto, tanto mais quanto estimámos e amamos este decreto.

Recordemos agora a disposição do artigo 16.°

Ahi, eu talvez não me tivesse contentado com esta parte:
mandar sempre fazer exame de sanidade; parece-me mais
conveniente; maior garantia do que apenas a consulta de
um facultativo. A disjunctiva parece-me escusada e talvez
perigosa.

É apenas um receio. Aguardo as explicações do illustre relator da commissão e, provavelmente, não terei mesmo que responder a s. exa.

O sr. Jeronymo Pimentel: - Sr. presidente, começo por agradecer as palavras lisonjeiras que me dirigiu o meu amigo e nosso collega sr. Thomás Ribeiro; estou tão acostumado ás suas amabilidades que não me admiro de mais esta fineza, que muito agradeço.

Duas duvidas apresentou s. exa. em relação ao projecto que louvou como merecia e merece, porque, sem duvida, veiu satisfazer a uma necessidade que havia na nossa legislação penal. A primeira das suas duvidas está resolvida, porque, como v. exa. sabe, pelo codigo penal, desde que o individuo em cumprimento de sentença era julgado affectado de doença mental, desde esse momento suspendia-se o cumprimenta da pena.

E é porque se suppunha que nas condições em que elle estava, em vista da alienação das suas faculdades mentaes, não estava em condições, talvez, de soffrer pena.

Para obviar a esse inconveniente, ou a esse mal, que resultava para o individuo condemnado, a quem não era
contado para o cumprimento da sua pena tempo algum do que durou a sua cura, ou o seu tratamento n'um hospital de alienados, é que vem a disposição do artigo 23.° e seu paragrapho do projecto que discutimos. Quando um condemnado em cumprimento de sentença apresentar manifestações de alienação mental, o director tem obrigação de o submetter ao parecer dos clinicos; e se porventura forem de opinião que elle effectivamente está affectado de doença mental, é removido com auctorisação do ministro da justiça para um estabelecimento hospitalar, emquanto não existirem as enfermarias annexas ás cadeias penitenciarias, a que se refere a lei de 4 de julho de 1889, e desde esse momento fica interrompida a execução da pena.

Se em resultado do tratamento, o alienado recuperar a saude mental, é ainda o ministro da justiça que auctorisa que elle volte á prisão de onde tinha sido removido, e que continue no cumprimento da pena.

Se depois o director da cadeia, attendendo ás circumstancias que se dão n'aquelle condemnado, e tendo consultado os medicos, entender que todo ou parte do tempo decorrido em tratamento deva ser levado em conta no cumprimento da pena, envia uma proposta fundamentada ao ministerio da justiça, para este a submetter á apreciação do poder moderador.

É por esta fórma e sem alterar as disposições do codigo penal, que o governo quiz respeitar, que se podem evitar para os condemnados n'aquellas condições, as consequencias que para elles resultavam do disposto do § unico do artigo 114.° d'aquelle codigo.

Direi ao digno par que esse assumpto ainda no anno passado foi objecto de discussão no congresso internacional de Paris, onde se resolveu que todo aquelle tempo fosse levado em conta para o cumprimento da sentença.

Aqui, porém, não se tomou uma resolução tão ampla, e entendeu-se que se devia estabelecer o que o projecto preceitua.

Tambem o digno par apresentou algumas duvidas sobre o disposto nos artigos 15.° e 16.°, isto é, que os alienados poderão ser postos em liberdade quando se prove a sua cura completa ou a sua idade e perda de forças os tornem inoffensivos á sociedade.

Aqui apresentam se duas hypotheses, uma é quando o director do estabelecimento hospitalar entende que o alienado, pelas circumstancias em que se encontra, póde ser posto em liberdade; a outra é quando a sua familia o pede, fundada nas mesmas rasões.

Para o primeiro caso, entendeu-se que bastavam as simples informações do director do hospital; para o segundo caso é que o juiz resolverá com audiencia do ministerio publico se serão sufficientes aquellas informações, ou se se deverá recorrer ao exame de sanidade, que terá logar sempre que o exijam ou o ministerio publico ou a familia do alienado.

Não vejo inconveniente em que se mantenham estas disposições do projecto.

Póde ser o caso tão simples que baste a consulta do director, ou quando a cura é manifesta, ou quando se tratar de um homem de noventa annos, por exemplo, que deve ser perfeitamente inoffensivo, ainda que, entrou hoje na penitenciaria um homem de setenta e cinco annos, muito robusto, e condemnado á pena de oito annos de prisão e vinte de degredo.

Julgo ter respondido ás observações de s. exa. e satisfeito ás suas perguntas.

O sr. Thomás Ribeiro: - Agradeço muito ao meu digno collega e amigo as explicações que me deu; mas, deixe-me repetir: quanto ao segundo ponto, parecia-me melhor que houvesse uma determinação só e não se deixasse aqui estabelecido o arbitrio.

Eu mesmo, se fosse ministro, assim faria, para não haver estas questões pequeninas que se dão frequentemente

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sobre a maneira differente de proceder com uns e com outros.

Nós somos um paiz de compadres e afilhados, e de fórma que, se um dia o ministro da justiça entender...

O sr. Jeronymo Pimentel (relator): - Não é o ministro que resolve, é o poder judicial.

O Orador: - Tem rasão. Seja quem for; se para um réis se resolve que basta a consulta do director, e para outro, que é preciso o exame medico, o que succede?

Ficar quem escolher o processo e o determinar, mal com o preso, mal com a familia do preso, mal com os amigos ou mal com o medico, que se reputa desconsiderado por lhe não darem fé á sua informação; mal até comsigo proprio por ter procedido em casos identicos, umas vezes acceitando o simples veredictum do medico, outras appellando para o exame de sanidade.

Sendo possivel eliminar-se a disjunctiva e ficar uma só formula, eu estimarei muito.

Emquanto a outra duvida minha sobre se cessava ou não o tempo da pena, tempo que se gastava no parenthesis da doença, tambem tem para mim os mesmos inconvenientes.

Na opinião do meu dignissimo amigo e illustrado relator da commissão, o tempo que dura a doença não é contado para o lapso da pena; o sr. ministro da justiça, que for n'essa occasião, se entender que o réu o merece, vae pedir ao Rei a sua intervenção como poder moderador. Se não, não.

Ora eu confesso que não gosto - d'isto, e vou dizer a v. exa. e á camara as rasões.

Por obrigação dos meus deveres de jurisconsulto e de advogado tenho lido alguns livros a respeito de alienados e a respeito da culpabilidade, e a respeito de circumstancia attenuantes ou não attenuantes que devem ser levadas em conta. Pois ainda hontem li um livro de. um homem verdadeiramente sabio, honra das letras e sciencias portuguezas, e que está no caso de ser citado como auctoridade n'estas questões. Entre as opiniões que apresenta, e que eu respeito, está esta: - de que o systema penitenciario é uma contemplação com criminosos, e como tal é uma absoluta loucura. Para elle não ha senão um processo: mettel-o a ferros, de modo que fique bem preserverada d'elles a sociedade.

Veja v. exa., para elle não ha regeneração possivel. Note v. exa. e a camara, que isto é a opinião de um sabio, e por consequencia não estou argumentando com a opinião de quem não tenha auctoridade.

Li esse livro e devo dizer que o li com muita tristeza do meu coração, por ser a condenmação da humanidade, e eu tenho a honra... ou a desgraça de pertencer á humanidade. Mas elle, o sabio, "vae tão longe que chega a, fazer-nos crer que para criminosos, ao menos certos criminosos, não ha regeneração possivel, o que fez com que eu pensasse n'aquelle bom padre, em Turim (Dom Bosco se chamava) que pedia para educar, instruir e moralisar os criminosos, e teve a fortuna de muitas vezes sair com um rebanho de presos sem que na volta, no fim do dia, um só faltasse a entrar na sua prisão. Tanta confiança depositavam n'elle os poderes publicos d'aquelle paiz, que lhe consentiam estas saídas confiando-lhe a guarda de todos os presos.

O digno par e meu amigo conheço bem os beneficios que entre nós estão fazendo as officinas de S. José, cujos fundadores e mantenedores não são senão copias d'esse benemerito da humanidade.

Crearam-se esses institutos do proposito e unicamente para ver se era possivel, no começo de uma vida criminosa, arrancar do crime o delinquente por meio das boas praticas e de trabalho honesto e digno.

Mas desde que o sabio declara a moléstia impossivel de curar-se; vejo sobre-a porta das prisões o verso de Dante:

Lasciate ogni speranza voi chentrate.

Ora, supponha v. exa. que amanhã um sabio assim intransigente tem a honra, que é digna d'elle, de ser ministro da justiça.

Eu já sei, segundo as disposições d'este decreto, que El-Rei não póde ter noticia de qual o tempo da interrupção da pena de um condemnado por motivo de doença, porque a convicção d'esse ministro é que o criminoso deve ficar encerrado perpetuamente. Se, pelo contrario, eu vir ali sentado um homem dos sentimentos do actual sr. ministro da justiça, El-Rei ha de por muitas vezes assignar o perdão d'esse lapso de tempo, e alliviar assim o miserando.

O que resulta daqui é ser a justiça variavel nas suas decisões, sob o poder executivo.

Não desejo que fique na lei este alçapão de onde possa resultar uma grande iniquidade na execução da justiça.

Aqui tem v. exa. quaes são as minhas ponderações.

Podia ir mais longe, mas reduzi as minhas objecções simplesmente a dois pontos, que desejaria muito fossem remediados, porque emfim conheço os homens, as suas opiniões e os seus preconceitos. Se fosse possivel, estimaria muito que se fizesse esta emenda, mas se entendem que não é precisa, fique ao menos apresentada a minha duvida, ou antes um escrupulo, que não ouso formular em vaticinio.

O sr. Ministro da Justiça (Antonio d'Azevedo Castello Branco): - Sr. presidente, eu pedi a palavra, não para responder especialmente ás considerações feitas pelo digno par o sr. Thomás Ribeiro, porque foram respondidas já pelo digno relator da commissão, mas para agradecer as palavras de sentida homenagem prestadas pelo digno par á memoria do meu antigo collega, que foi tão prematuramente roubado á admiração do seu paiz, e cuja memoria está consagrada pela saudade d'aquelles que o tiveram por companheiro nos conselhos da corôa.

Agradeço tambem as palavras altamente lisonjeiras, e pouco merecidas, que s. exa. me endereçou a proposito do projecto que se acha em discussão.

Se s. exa. não é o auctor d'este projecto, se não é membro da commissão, que n'esta camara o examinou, póde todavia dizer-se seu collaborador, porque com a notabilissima defeza que de Marinho da Cruz fez ha annos, s. exa. teve occasião de chamar para o assumpto, sobre que versa o projecto, a attenção publica, e pelo prestigio da sua palavra, pela notavel defeza que s. exa. fez d'aquelle réu, muito concorreu para que se prestasse maior interesse aos estudos da criminalidade e das suas relações com a loucura.

Portanto, s. exa., como disse, não é o auctor do projecto, nem como membro da commissão collaborou n'elle; mas tem de facto uma grande responsabilidade nas disposições que n'elle estão consignadas.

Mas, referindo-me ás considerações que s. exa. fez, acho-as judiciosas, como são sempre todas as feitas por quem tanto se distingue pelo seu talento e alto saber.

Devo todavia dizer a s. exa. com respeito aos alienados, a que se refere o artigo 16.°, que ha duas hypotheses a attender: a primeira é aquella em que o director do estabelecimento envia á auctoridade as necessarias informações para que o ministerio publico possa requerer a respectiva ordem de soltura, e a segunda hypothese é aquella em que a familia do alienado, ou outra pessoa legitimamente interessada, deseja que o alienado saia da clausura hospitalar para o goso da liberdade.

A iniciativa, n'este caso, não parte do director do estabelecimento, por isso o mandado de soltura não póde ser expedido sem a informação do director do hospital ou sem previo exame de sanidade, para evitar os inconvenientes de uma imprevidente volta do alienado ao seio da

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sociedade, sem se attender ás circumstancias especiaes do processo que determinaram a sua segregação.

O juiz que tem conhecimento das causas que a determinaram, que conhece as graves responsabilidades de uma soltura auctorisada intempestivamente, resolverá se deve satisfazer-se com mera informação do director ou se deve exigir o exame de sanidade.

Podem dar-se os casos apontados por s. exa.; mas parece-me que não é mister estabelecer regras tão casuisticas na lei para acautelar hypotheses que devemos considerar muito longe de realisação.

Devemos presumir que á frente dos estabelecimentos hospitalares se colloquem homens, não só de sciencia, mas de consciencia.

O que o digno par disse sob a interrupção da pena, as suas considerações calaram profundamente no meu animo, porque ao elaborar o decreto, hoje transformado em projecto de lei, tambem pensei no assumpto.

Para não alterar, porém, o artigo 114.° do codigo penal, tive de transigir com o meu desejo de modificar a lei, e por isso fiz inserir no projecto a disposição referente á mensagem dirigida ao poder moderador, para que seja levado em conta o tempo que o individuo esteja no hospital em tratamento ou observação.

O decreto teve unicamente em vista regular o que sobre os loucos delinquentes dispõe o codigo penal, sem pretender alterar a sua doutrina ou fazer-lhe modificações essenciaes.

São estas as rapidas considerações que tinha a fazer em resposta ao digno par, repetindo os meus agradecimentos a s. exa. pela maneira lisonjeira por que se referiu ao projecto em discussão, e a outros diplomas de minha iniciativa e particular responsabilidade.

O sr. Presidente: - Não ha mais nenhum digno par inscripto, e por isso vae votar-se o projecto na generalidade.

Ponto á votação, foi approvado o projecto na generalidade; e, seguidamente, na especialidade, sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae ler-se uma mensagem vinda da camara dos senhores deputados.

Foi lido na mesa um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim reduzir as taxas de emolumentos e sêllo nos passaportes, determinando nova applicação ao producto d'essa receita, e estabelecendo providencias repressivas da emigração clandestina; e um exemplar dos pareceres dás commissões de administração publica e de legislação criminal, seguidos do projecto de lei.

Para as commissões de administração publica e de legislação.

O sr. Presidente: - Não ha mais nenhum assumpto dado para ordem do dia.

A deputação desta camara, que, no proximo dia 21 do corrente, ha de ir ao paço felicitar Suas Magestades pelo anniversario natalicio de Sua Alteza o Principe Real, será composta, alem da mesa, dos seguintes dignos pares:

Antonio de Serpa Pimentel.
Conde do Restello.
Fernando Larcher.
Conde de Linhares.
Carlos Augusto Palmeirim.
Eduardo Montufar Barreiros.
José Maria dos Santos.
Arthur Hintze Ribeiro.
Julio Cesar de Abreu e Sousa.
Francisco Joaquim da Costa e Silva.

Os dignos pares que fazem parte da deputação e que. não estão presentes, receberão nas suas casas o respectivo aviso.

A proxima sessão será na sexta feira, 20 do corrente, e a ordem do dia a discussão dos pareceres n.ºs 17, 18, 19, 20 e 21.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e vinte e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes à sessão de 18 de março de 1896

Exmos. srs.: Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquez das Minas; Condes, da Azarujinha, de Carnide, de Magalhães, do Restello, de Thomar; Visconde de Athouguia; Moraes Carvalho, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Ferreira Novaes, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Fernando Larcher, Margiochi, Frederico Arouca, Jeronymo Pimentel, Baptista de Andrade, José Maria da Santos, Pessoa de Amorim, Marçal Pacheco, Thomás Ribeiro.

O redactor = Alberto Pimentel.

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