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324 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PAEES DO REINO

A primeira, a que eu chamarei madrigal socialista, foi um languido schema do progresso das ideias na Europa, de que o nobre Presidente do Conselho diz ser echo palido no momento actual do nosso país.

A segunda parte do discurso de S. Exa., brigando na essencia das ideias com a primeira parte da sua oração, pode designar-se o hymno triumphal da plutocracia e do capitalismo.

O Sr. Presidente do Conselho, obrigado pelas referencias a um discurso celebre de Ferry, enveredou pela repetição do seu programma ministerial, aquelle programma que S. Exa. vem defendendo de ha muito nos differentes centros do partido regenerador-liberal.

S. Exa. insiste na necessidade de revindicações sociaes, insiste nas melhores condições das classes pobres e nos erros do rotativismo e ainda na inauguração de novos processos de administração, inteiramente diversos dos que até hoje teem sido adoptados.

Depois, S. Exa., num rapido aperçu fez-nos passar por deante dos olhos os acontecimentos e factos occorridos nas nações estrangeiras.

Foi assim que o nobre Presidente do Conselho, desde a Scythia até Inglaterra, nos deixou ver, como num kaleidoscopio, a maioria dos acontecimentos politicos da Europa.

Sim, tem razão o nobre Presidente do Conselho.

Por toda a parte da Europa ha visivelmente um movimento de progresso nas ideias; mas não é o mesmo na fria Scythia, na Russia, na irridente Inglaterra, e toma differentes aspectos ao passar da Inglaterra á França; não é o mesmo na Hespanha nem em Portugal, a despeito das palavras e dos protestos do nobre Presidente do Conselho.

Na Russia, sim, ha um movimento liberal, porque o estado de servidão em que se encontra a maioria dos habitantes d'aquelle vastissimo imperio, desperta nas classes desprotegidas impulsos de revindicações liberaes, que se reproduzem nas tumultuarias affirmações da Duma.

Se se passar d'ahi á França e á Allemanha, que grande differença de movimento!

Ahi o periodo das affirmações liberaes passou, porque não correspondem ás necessidades de espirito, nem as necessidades das classes trabalhadoras. A epoca das revindicações liberaes fez o seu caminho durante todo o seculo XIX.

Hoje os novos ideaes são os ideaes socialistas.

Ha poucos dias leu-se na Camara Francesa uma mensagem do actual Ministerio e nesse programma luminoso, levado ao conhecimento da Europa pela penna eloquentissima de Clemenceau, estão affirmadas todas as revindicações dos modernos partidos radicaes; não se trata em todo aquelle vastissimo documento das revindicações liberaes, porque essas conquistas de ha muito que estão feitas e hoje não correspondem ás necessidades do espirito humano.

Na Inglaterra a criação do partido do trabalho, o advento ás camaras dos representantes das classes trabalhadoras, é, com os aspectos peculiares das revoluções inglesas, uma revolução capital e importante na maneira de ser d'aquelle Estado.

Mas d'ahi a dizer o Sr. Presidente do Conselho que aquelle conjunto de medidas que fazem o interesse do empadão de bugiarias a que se chama o Discurso da Coroa, corresponde a uma reforma social, vae uma grande differença, e permitta-me S. Exa. que lhe observe que, ou esteve zombando com a Camara, ou ignora Q que é o socialismo.

A noção socialista do Estado importa o quê?

A salvaguarda dos interesses das classes trabalhadoras pelas classes dirigentes.

A concepção de um Estado, como o Sr. Presidente do Conselho esboçou na segunda parte do seu discurso, é uma concepção do capitalismo, em que as subsistencias, o vestuario, a habitação, todas estas questões importantissimas hoje para os povos, são relegadas para um segundo plano.

Em virtude de quê?

Da plutocracia nos seus aspectos mais repugnantes, amor intenso á propriedade, amor intenso ao dinheiro.

Eu, que sou conservador em materia politica, sou talvez radical em materia economica.

Porquê?

Porque entendo que o defeito fundamental do país no dominio da politica assenta na anarchia hierarchica, isto é, na falta de noções dentro das quaes caiba o respeito aos direitos dos outros.

Eu entendo que não são precisas modificações profundas no regimen, a não ser no sentido da ordem e da disciplina.

O país pode amanhã ser dotado de boas leis, mas ha de continuar subjugado pela miseria e pela impossibilidade de viver.

Um Estado socialista tem por objecto capital o desenvolvimento do individuo, a propagação da especie, a segurança contra a doença e todos estes elementos se traduzem na necessidade do Estado proporcionar boas habitações, alimentação conveniente e um estado perfeito de vida espiritual, concorrendo assim para aquillo que se chama a existencia corporal.

É por isso que a questão das subsistencias num Estado é uma questão capitalissima, porque prende com a vida, com a saude e com o progresso, que não pode realizar-se sem que no individuo se dê a maxima - mens sana in corpore sano.

Quaes são as leis sociaes do Sr. Presidente do Conselho que correspondem ao seu programma socialista, que S. Exa. aqui nos pintou na primeira parte do seu discurso, como fervente apostolo? É a lei eleitoral, a lei de imprensa, a lei da contabilidade publica, a lei de responsabilidade ministerial, a reforma da Bastilha, a modificação da lei de 13 de fevereiro?

Ah! Sr. Presidente, supponhamos por momentos que assim fosse. Triste Estado que achava nas questões propostas a resolução do seu problema social!

Sr. Presidente: o suffragio universal está estabelecido em Portugal. Nós temos hoje a representação das minorias na lei eleitoral. Reverter d'aqui para os circulos uninominaes representaria atraso nas ideias.

No programma de Clemenceau ha revindicações num sentido: é no escrutinio de lista e representação proporcional. E porquê ? Porque a França reconheceu que o suffragio uninominal nos pequenos circulos era como elemento de defesa, de vida, questão essencial, porque tem na mão do Estado uma intervenção efficaz.

Quando Gambetta sossobrou com o seu escrutinio de lista não foi porque as ideias theoricas não correspondessem aos desejos dos republicanos da Camara, mas porque a defesa d'estes principios antes podia ser affirmada numa lei de pequenos circulos e onde o principio da representação assentasse na maioria absoluta de votos, porque só assim a França se podia defender da importancia e do valor dos republicanos e dos elementos da direita.

Hoje a situação da França já não pode recear o predominio da direita e por isso no programma de Clemenceau existe a necessidade de reformar a lei eleitoral com escrutinio de lista e representação proporcional. Mas, mais ainda, uma reforma eleitoral que assente ou não assente na exclusão da candidatura official não pode dar satisfação nem aos theoricos, nem áquelles que porventura representem os altos interesses vitaes do Estado.

Que representa a candidatura official senão uma somma de corrupções, a paga de pequenos serviços realizada pelo Estado, esta constante persistencia do poder central ao lado do candidato?

Pode a formula ser diversa; mas escusa S. Exa. de estar constantemente a protestar contra o rotativismo, por-