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326 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Estudar, modificar e aconselhar o Governo neste assumpto importante, que é a. garantia da nossa saude, visto ser o pão um dos primeiros alimentos, não serão justissimas attribuições de uma commissão...

Não seria possivel, por meio de uma commissão, estudar as modificações a introduzir na lei, de forma a embaratecer o pão, sem prejudicar a agricultura, a fim de que a grande massa da população do nosso país, para a qual o Sr. Presidente do Conselho appella nas horas afflictas da sua vida politica, obtivesse satisfação aos seus direitos? Pois a população portuguesa não merece ser defendida, escutada e attendida nesta questão tanto do seu interesse?

O mesmo poderia dizer do preço da carne.

O Sr. Presidente do Conselho diz que com o regime actual das carnes se protege a agricultura. Nisto pratica um grande erro, porque quem está sendo protegido é o intermediario.

O regime absurdo em que vive a capital, em relação á carne, faz com que o lavrador não venda o seu producto em condições que estejam em harmonia com o exagerado preço por que se vende ao consumidor. O lavrador ganha tanto com a rês que vende para Lisboa como com a que vende para Coimbra ou outro ponto ; e no emtanto o preço da carne em Lisboa é o duplo do que devia ser. Protege-se assim, sem duvida, o commercio, não a agricultura.

O Sr. Presidente: - Tenho a advertir o Digno Par de que deu a hora de passarmos á ordem do dia.

O Orador: - Eu prometto não falar nos próximos quinze diais. Se a Camara me permitmisse, concluiria as minhas considerações.

Vozes: - Fale, fale.

Consultada a Camara sobre se permittia que o Digno Par continuasse no uso da palavra, resolveu affirmativamente.

O Orador: - O Sr. Presidente do Conselho, referindo-se ás carnes congeladas, foi infeliz nas suas observações, porque praticou a incorrecção de affirmar que a carne congelada não era tio saudavel como a fresca.

Toda a gente sabe que na Inglaterra não entram animaes vivos para serem aproveitados no consumo de carne, desde que ali houve uma epizootia gravissima que custou muito trabalho a debellar; e a Inglaterra, em materia de administração e hygiene é a primeira e pode servir de exemplo; nem a sabia e pratica Allemanha lhe ganha nesse ponto.

Aquelle país estudou profundamente a questão das carnes e concluiu que podia gastar centenas de milhares de kilogrammas de carne congelada porque era tão fundamentalmente boa para o consumo como a fresca, ou melhor.

A carne congelada, retirada das camaras de congelação, passa por uma serie de outras camaras que fazem com que ella chegue ao consumo com todas aspropriedades e aspectos da carne fresca; apenas tem o defeito de se deteriorar rapidamente pela passagem das baixas ás altas temperaturas.

Mas toda a gente sabe que essa carne é retirada á medida que vae sendo exigida pelo consumo, e por consequencia, não ha perigo que seja retirada mais do que aquella que o consumo exige.

Mas supponhamos mesmo que para os gourmets a carne não tenha aquelle sabor que faz o susto do Sr. Presidente do Conselho.

Ha tambem uma circumstancia a attender, e essa é muito mais importante: é que nem toda a gente é tão rica como o Sr. Presidente do Conselho para pagar carne a 800 réis o kilogramma.

Ora, eu tinha maneira de, por um preço não inferior a 220 e 240 réis, poder fornecer ás classas pobres um elemento essencial á sua vida. Isto representava um grandissimo beneficio, quando outro não houvesse.

Passo agora a referir-me a outro genero alimentar e que tambem deve merecer a vossa attenção: é a questão do leite.

O leite tem hoje um grande consumo na economia domestica; o leite é um dos primeiros elementos naturaes e serve em muitas occasiões, para substituir os outros alimentos, mas uma das condições indispensaveis, para que satisfaça o fim que tem em vista, é que seja ministrado tal qual a natureza o pode produzir.

Ora, Sr. Presidente, o leite, esse elemento tão essencial, graças á protecção da lavoura, graças ao fisco, e mercê da interferencia dos intermediarios, é um producto que se vende em Lisboa por um preço caro, deteriorado, e que aliás não merece confiança.

Para V. Exa. ver os erros economicos e hygienicos, erros palmares que não sei explicar como se consentem e permittem, basta ver que o grande inimigo da população é a tuberculose.. As descobertas feitas pela medicina teem demonstrado que a tuberculose é communicada ao homem pelo leite.

Sr. Presidente: em parte alguma onde ha hygiene se consente a estabulação na capital, do gado que fornece o leite.

Em Portugal, especialmente em Lisboa, não ha reclamações, não ha forças de secretaria, não ha nada, que evite este estado de cousas, conseguindo-se innocular a tuberculina nas vacas productoras de leite, pois que o numero de vacas tuberculinizadas no regimen estabular é superior a 80 por cento. Mas, Sr. Presidente, nenhuma fiscalização se faz, as leis não se cumprem, porque isto traria indemnizações importantes para o Estado.

Ainda ha uma cousa superior ao Estado, é que aos proprietarios das vacarias não convem que estes preceitos se cumpram, o que impede de se porem em pratica medidas reguladoras e contribuir assim para que a fiscalização se não faça, pois esta era a unica maneira de acabar com os abusos praticados todos os dias na venda do leite.

Eu não quero cansar a Camara, estou passando em revista estes diversos acontecimentos com a possivel rapidez.

O Sr. Presidente do Conselho, quando chegou a este capitulo, quasi que se louvou de não haver peixe; S. Exa. enthusiasmou-se com a ideia de Portugal ter um commercio de peixe que pode orçar por 4:000 contos de réis e que a exportação é mais de dois terços. Diz que isso não pode ser de maneira nenhuma imputada ao Estado, porque não existe imposto sobre o pescado. Existe uma outra cousa: é a exportação em más condições, que pela deficiencia de caminhos de ferro não permitte, num momento dado, ter nos centros o peixe que a podridão consome nas provincias.

Pois não seria possivel, sem arcar com os interesses da classe commercial, a que o Sr. Presidente do Conselho agora tanto apoio dá, não haveria meio de attender a um país que não tem bom pão, que não come carne, e que bebe mau leite, que se sustenta de vinho e de bebidas alcoolicas; não haveria remedio para este estado de cousas num país onde a capitação dá 2 kilogrammas por anno a cada habitante? Havia. A primeira das classes interessadas parece-me que será a classe piscatoria e que todos os dias está reclamando, e que por isso parece não ter essa fortuna que o Sr. Presidente do Conselho diz.

Essa classe, seguindo os mesmos exemplos dos dirigentes, porque os maus exemplos são suggestivos, essa classe vem pedir o monopolio, sem se importar que esse monopolio seja a destruição dos interesses dos seus semelhantes. Essa classe pede tambem a prohibição da pesca dos vapores mesmo fora das aguas territoriaes.