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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.º 24

EM 16 DE NOVEMBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Sr. Presidente nomeia as commissões do bill, do commercio e industria, e de petições. - O Digno Par José de Azevedo Castello Branco refere-se á questão das subsistencias. - O Sr. Presidente do Conselho promette responder, na sessão seguinte, ás considerações do Digno Par. - O Digno Par Francisco Beirão envia para a mesa o parecer da commissão de negocios externos, que incidiu sobre a proposição de lei que ratifica tres convenções assignadas na Haya. Foi a imprimir.

Ordem do dia (continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa). Usam da palavra os Dignos Pares Luciano Monteiro e Teixeira de Sousa. Entre estes dois Dignos Pares trocam-se, no final da sessão, algumas explicações acêrca da maneira por que o primeiro se referira ao Principe Real. - Encerra-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde, verificando-se a presença de 32 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida j e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio da Presidencia da camara dos Srs. Deputados, acompanhando a proposição de lei que tem por fim relevar o Governo da responsabilidade em que incorreu, pela publicação e celebração do contrato dos caminhos de ferro do Alto Minho, e approvando o contrato provisorio para a linha do Valle do Vouga e seu ramal para Aveiro.

Ás commissões de obras publicas, do "bill", e de fazenda.

O Sr. Presidente: - Tendo sido autorizada a mesa a nomear as commissões, que ainda não tinham sido eleitas, dou conta á Camara da maneira por que me desempenhei d'esse encargo.

Para a commissão do bill nomeio os Dignos Pares:

Francisco Antonio da Veiga Beirão.

Sebastião Custodio de Sousa Telles.

D. João de Alarcão Valasques de Sarmento Osorio.

J. A. de Mello e Sousa.

M. da Gama Barros.

José Luis Ferreira Freire.

José Freire Lobo do Amaral.

Eduardo José Coelho.

A. A. de Moraes Carvalho.

Para a commissão do commercio e industria, os Dignos Pares:

Eduardo José Coelho.

D. João de Alarcão Valasques Sarmento Osorio.

A. A. Pereira de Miranda.

Pedro Maria da Fonseca Araujo.

Antonio Maximo de Almeida Costa e Silva.

Luciano Affonso da Silva Monteiro.

J. A. de Mello e Sousa.

J. P. Teixeira de Vasconcellos.

Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.

F. Mattoso Santos.

Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Jacinto Candido da Silva.

E para a commissão de petições os Dignos Pares:

Marquez do Lavradio.

Conde do Cartaxo.

Conde de Sabugosa.

A. A. Pereira de Miranda.

Antonio Maximo de Almeida Costa e Silva.

Henrique da Gama Barros. José Freire Lobo do Amaral. Carlos Augusto Vellez Caldeira Castel-Branco.

J. P. Teixeira de Vasconcellos.

Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.

A. R. dos Santos Viegas.

José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral.

O Sr. Presidente: - Tem a _palavra o Digno Par o Sr. José de Azevedo Castello Branco.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Sr. Presidente: é costume dizer-se que a noite é boa conselheira; mas não é só boa conselheira; a noite traz calma e socego de espirito e todas as condições necessarias para se fazer justiça aos actos e ás palavras proferidas.

Eu, Sr. Presidente, precisava bem d'isso, e talvez tambem a Camara inteira, que ouviu o eloquente discurso do Sr. Presidente do Conselho, aqui proferido na sessão de ante-hontem.

Eu conheço de ha muito a eloquencia do Sr. Presidente do Conselho, conheço os seus recursos oratorios e sei quanto vale a sua palavra suggestiva.

O Sr. Presidente do Conselho junta á sua natural fluencia de palavra aquella abundancia cordis, e então a sua palavra eloquente attinge a culminancia em que a razão logica tantas vezes briga com a realidade dos factos.

O discurso do Sr. Conselheiro João Franco tem duas partes curiosas no tem geral das suas affirmações:

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A primeira, a que eu chamarei madrigal socialista, foi um languido schema do progresso das ideias na Europa, de que o nobre Presidente do Conselho diz ser echo palido no momento actual do nosso país.

A segunda parte do discurso de S. Exa., brigando na essencia das ideias com a primeira parte da sua oração, pode designar-se o hymno triumphal da plutocracia e do capitalismo.

O Sr. Presidente do Conselho, obrigado pelas referencias a um discurso celebre de Ferry, enveredou pela repetição do seu programma ministerial, aquelle programma que S. Exa. vem defendendo de ha muito nos differentes centros do partido regenerador-liberal.

S. Exa. insiste na necessidade de revindicações sociaes, insiste nas melhores condições das classes pobres e nos erros do rotativismo e ainda na inauguração de novos processos de administração, inteiramente diversos dos que até hoje teem sido adoptados.

Depois, S. Exa., num rapido aperçu fez-nos passar por deante dos olhos os acontecimentos e factos occorridos nas nações estrangeiras.

Foi assim que o nobre Presidente do Conselho, desde a Scythia até Inglaterra, nos deixou ver, como num kaleidoscopio, a maioria dos acontecimentos politicos da Europa.

Sim, tem razão o nobre Presidente do Conselho.

Por toda a parte da Europa ha visivelmente um movimento de progresso nas ideias; mas não é o mesmo na fria Scythia, na Russia, na irridente Inglaterra, e toma differentes aspectos ao passar da Inglaterra á França; não é o mesmo na Hespanha nem em Portugal, a despeito das palavras e dos protestos do nobre Presidente do Conselho.

Na Russia, sim, ha um movimento liberal, porque o estado de servidão em que se encontra a maioria dos habitantes d'aquelle vastissimo imperio, desperta nas classes desprotegidas impulsos de revindicações liberaes, que se reproduzem nas tumultuarias affirmações da Duma.

Se se passar d'ahi á França e á Allemanha, que grande differença de movimento!

Ahi o periodo das affirmações liberaes passou, porque não correspondem ás necessidades de espirito, nem as necessidades das classes trabalhadoras. A epoca das revindicações liberaes fez o seu caminho durante todo o seculo XIX.

Hoje os novos ideaes são os ideaes socialistas.

Ha poucos dias leu-se na Camara Francesa uma mensagem do actual Ministerio e nesse programma luminoso, levado ao conhecimento da Europa pela penna eloquentissima de Clemenceau, estão affirmadas todas as revindicações dos modernos partidos radicaes; não se trata em todo aquelle vastissimo documento das revindicações liberaes, porque essas conquistas de ha muito que estão feitas e hoje não correspondem ás necessidades do espirito humano.

Na Inglaterra a criação do partido do trabalho, o advento ás camaras dos representantes das classes trabalhadoras, é, com os aspectos peculiares das revoluções inglesas, uma revolução capital e importante na maneira de ser d'aquelle Estado.

Mas d'ahi a dizer o Sr. Presidente do Conselho que aquelle conjunto de medidas que fazem o interesse do empadão de bugiarias a que se chama o Discurso da Coroa, corresponde a uma reforma social, vae uma grande differença, e permitta-me S. Exa. que lhe observe que, ou esteve zombando com a Camara, ou ignora Q que é o socialismo.

A noção socialista do Estado importa o quê?

A salvaguarda dos interesses das classes trabalhadoras pelas classes dirigentes.

A concepção de um Estado, como o Sr. Presidente do Conselho esboçou na segunda parte do seu discurso, é uma concepção do capitalismo, em que as subsistencias, o vestuario, a habitação, todas estas questões importantissimas hoje para os povos, são relegadas para um segundo plano.

Em virtude de quê?

Da plutocracia nos seus aspectos mais repugnantes, amor intenso á propriedade, amor intenso ao dinheiro.

Eu, que sou conservador em materia politica, sou talvez radical em materia economica.

Porquê?

Porque entendo que o defeito fundamental do país no dominio da politica assenta na anarchia hierarchica, isto é, na falta de noções dentro das quaes caiba o respeito aos direitos dos outros.

Eu entendo que não são precisas modificações profundas no regimen, a não ser no sentido da ordem e da disciplina.

O país pode amanhã ser dotado de boas leis, mas ha de continuar subjugado pela miseria e pela impossibilidade de viver.

Um Estado socialista tem por objecto capital o desenvolvimento do individuo, a propagação da especie, a segurança contra a doença e todos estes elementos se traduzem na necessidade do Estado proporcionar boas habitações, alimentação conveniente e um estado perfeito de vida espiritual, concorrendo assim para aquillo que se chama a existencia corporal.

É por isso que a questão das subsistencias num Estado é uma questão capitalissima, porque prende com a vida, com a saude e com o progresso, que não pode realizar-se sem que no individuo se dê a maxima - mens sana in corpore sano.

Quaes são as leis sociaes do Sr. Presidente do Conselho que correspondem ao seu programma socialista, que S. Exa. aqui nos pintou na primeira parte do seu discurso, como fervente apostolo? É a lei eleitoral, a lei de imprensa, a lei da contabilidade publica, a lei de responsabilidade ministerial, a reforma da Bastilha, a modificação da lei de 13 de fevereiro?

Ah! Sr. Presidente, supponhamos por momentos que assim fosse. Triste Estado que achava nas questões propostas a resolução do seu problema social!

Sr. Presidente: o suffragio universal está estabelecido em Portugal. Nós temos hoje a representação das minorias na lei eleitoral. Reverter d'aqui para os circulos uninominaes representaria atraso nas ideias.

No programma de Clemenceau ha revindicações num sentido: é no escrutinio de lista e representação proporcional. E porquê ? Porque a França reconheceu que o suffragio uninominal nos pequenos circulos era como elemento de defesa, de vida, questão essencial, porque tem na mão do Estado uma intervenção efficaz.

Quando Gambetta sossobrou com o seu escrutinio de lista não foi porque as ideias theoricas não correspondessem aos desejos dos republicanos da Camara, mas porque a defesa d'estes principios antes podia ser affirmada numa lei de pequenos circulos e onde o principio da representação assentasse na maioria absoluta de votos, porque só assim a França se podia defender da importancia e do valor dos republicanos e dos elementos da direita.

Hoje a situação da França já não pode recear o predominio da direita e por isso no programma de Clemenceau existe a necessidade de reformar a lei eleitoral com escrutinio de lista e representação proporcional. Mas, mais ainda, uma reforma eleitoral que assente ou não assente na exclusão da candidatura official não pode dar satisfação nem aos theoricos, nem áquelles que porventura representem os altos interesses vitaes do Estado.

Que representa a candidatura official senão uma somma de corrupções, a paga de pequenos serviços realizada pelo Estado, esta constante persistencia do poder central ao lado do candidato?

Pode a formula ser diversa; mas escusa S. Exa. de estar constantemente a protestar contra o rotativismo, por-

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que elle só deixa de existir, quando o Governo não intervenha nas eleições, quando a Camara for livremente eleita, e quando representar a verdade genuina da nação, e não o desejo do Governo, ou indicações de qualquer outro poder.

A candidatura official precisa de ser proscrita.

É preciso que o povo saiba eleger por si, e preferivel é entregar ao povo a salvação do país, a confiá-la a um Governo que, afinal, traz sempre á Camara as maiorias que quer, pela corrupção, pela oppressão, por todos os meios que o Estado dispõe.

Sr. Presidente: querem uma lei de liberdade de imprensa?

Se o Sr. Ministro me perguntar se é indispensavel uma boa liberdade de imprensa, eu respondo-lhe incondicionalmente que sim.

Ninguem contesta a conveniencia de uma boa lei de imprensa, ninguem pensa em cercear á imprensa os seus direitos e as suas regalias.

Hoje, no nosso país, a imprensa já escreve e publica o que quer.

O que é necessario é defender o país dos aggravos da imprensa. (Apoiados).

O que é preciso é que, ao lado da maxima liberdade de imprensa, se colloque uma lei effectiva de responsabilidades.

Assim como eu não quero coarctar os direitos de ninguem, assim como não quero privar a imprensa do direito de escrever livremente o que pensa, o que eu peço ao Estado é que me defenda, a mim, á familia e á sociedade.

Esta theoria da liberdade de pensamento não é nova.

É velha como o mundo.

O imperador Tiberio costumava dizer que não havia Estado livre, onde a palavra e a escrita não fossem livres.

Eu quero a liberdade de imprensa; mas quero tambem uma correlativa lei de responsabilidades, de maneira a impedir que a imprensa converta em aggravos a determinadas pessoas as regalias que as leis lhe conferem.

Era isto o que o Sr. Ministro devia fazer; mas, fazendo-o, não faz sociologia.

Sr. Presidente: se o §r. Ministro não faz sociologia com as suas ideias exaradas no Discurso da Corôa, vejamos agora se a pode fazer com as ideias apresentadas aqui na ultima sessão.

Qual foi a questão que eu apresentei serenamente aqui á Camara?

Disse que o país inteiro vivia na oppressão e na miseria, provenientes de uma insufnciente e má alimentação, o que origina doenças que crescem de uma maneira assustadora.

As crises successivas por que está passando a população rustica produzem a emigração para o Brasil, e, peor do

que isso, a emigração para os centros, o que vem aggravar a situação já de si bastante onerosa da população urbana.

Para este ponto chamei eu a attenção da Camara e do Sr. Presidente do Conselho, e pedi-lhe que, com a sua autoridade, visse se era possivel fazer nomear uma commissão que realizasse, estudasse e apresentasse aquella somma de alvitres que são possiveis, para modificar estas condições. (Apoiados).

Para justificar o meu pedido, referi-me á alimentação publica pelo pão, pela carne e pelo peixe.

Na sua replica, o nobre Presidente do Conselho, que tinha acabado de dizer que não havia salvação possivel para qualquer partido que não enveredasse pelo caminho do liberalismo que fazia a gloria dos partidos avançados da França, da Italia e até da Inglaterra, contrapôs ás minhas palavras, baseadas nas reclamações da miseria constatada todos os dias pelas estatisticas, a affirmativa de que não era possivel diminuir o preço do pão por causa da agricultura, o preço da carne tambem por causa da agricultura, o do vestuario por causa da industria; e, por fim, a lógica levou-o a fazer o elogio das accumulações dos pequenos funccionarios publicos que alliam aos serviços do Estado serviços particulares, como unico meio que via de attenuar a crise das subsistencias.

Eu não sou contrario á lei dos cereaes. Essa lei foi estudada e votada pela Camara no intuito de acudir ao estado afflictivo da agricultura, cujas reclamações chegaram ao Parlamento que as attendeu, porque realmente assim devia ser. Pelo regimen da liberdade, havia lavrador que todos os annos perdia dinheiro na cultura do trigo, mas via-se na necessidade de insistir em cultivá-lo por ter o seu terreno apropriado a essa cultura. Não podia ganhar porque não podia concorrer com os centros productores de trigo, especialmente com a America, que está situada na zona em que essa producção é mais vantajosa.

Essa foi a origem da lei de 1881, cujos beneficios se accentuaram desde logo, porque a agricultura, no ramo da producção de cereaes, começou a progredir, embora não chegasse aos termos em que está hoje.

Em 1889, pelas reclamações de industrias connexas com a agricultura, como a moagem e a panificação, e ainda por novas reclamações dos lavradores, houve necessidade de modificar essa lei.

A Camara estabeleceu então, não sei se bem ou mal, o preço que julgou remunerador para a cultura do trigo. Com esse preço ficava contente a agricultura, porque progrediria, podia applicar os modernos adubos e fazer uma cultura mais aperfeiçoada.

A commissão nomeada pelo Governo para dar parecer sobre diversas reclamações estabeleceu que se podia levantar um pouco mais o preço, e para dar, segundo creio, satisfação a interesses que neste momento não quero referir, o preço dos quinze kilogrammas foi elevado de 620 réis a 720 réis.

E, caso singular, a commissão incumbida de formular o seu parecer sobre as reclamações dos moageiros, estabeleceu o preço de 720 réis para o trigo e o preço da farinha seria o que se estabelecesse na tabella.

Não sei por que circumstancia a proposta do Governo, que elevava o preço do pão ao lavrador, diminuia o preço da farinha ao moageiro, e o resultado foi que, entre as quatro entidades interessadas na industria do pão, o agricultor ficou radiante por ver elevado o preço do trigo a 720 réis, o moageiro assustado com o preço que se tornou obrigatorio de 720 réis, ao passo que se diminuia o preço da farinha, os panificadores reclamavam que não podiam manter o preço existente, e havia uma quarta entidade, esta não reclamou nem foi ouvida, foi o consumidor.

Em 1892, no Parlamento, houve tribunos que defenderam os interesses do lavrador, os interesses dos moageiros e da panificação, só o Estado não defendeu os interesses do consumidor, d'estes o maior numero, a nação inteira, e que representavam aquelles interesses que uma concepção justa do Estado hoje tem obrigação de defender.

Os resultados viram-se, o pão encareceu em Lisboa; mas no resto do país, onde o preço não estava taxado, deixou que o moageiro, que tinha de pagar mais caro ao agricultor, elevasse o preço da farinha, onde não havia lei que regulasse o prece do pão.

O panificador impossibilitado de fazer um pão conveniente á saude publica, calou-se quando lhe disseram que tinham varias maneiras de illudir o fisco e o consumidor, introduzindo no pão farinhas de qualidade inferior e de differentes cereaes, algumas até nocivas á saude, falsificando assim a qualidade do pão para baixar o preço.

É assim que a população está soffrendo tyranias da panificação justificadas pelo absurdo da lei.

Eu não quero que a agricultura do meu país neste ramo tão interessante seja prejudicada, mas pergunto se o preço de 700 réis não correspondia ás circumstancias de contentamento que nessa classe existia pela lei anterior, já de bastante remuneração para a agricultura, e que promettia diminuir o preço das farinhas sem atacar os direitos da agricultura.

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Estudar, modificar e aconselhar o Governo neste assumpto importante, que é a. garantia da nossa saude, visto ser o pão um dos primeiros alimentos, não serão justissimas attribuições de uma commissão...

Não seria possivel, por meio de uma commissão, estudar as modificações a introduzir na lei, de forma a embaratecer o pão, sem prejudicar a agricultura, a fim de que a grande massa da população do nosso país, para a qual o Sr. Presidente do Conselho appella nas horas afflictas da sua vida politica, obtivesse satisfação aos seus direitos? Pois a população portuguesa não merece ser defendida, escutada e attendida nesta questão tanto do seu interesse?

O mesmo poderia dizer do preço da carne.

O Sr. Presidente do Conselho diz que com o regime actual das carnes se protege a agricultura. Nisto pratica um grande erro, porque quem está sendo protegido é o intermediario.

O regime absurdo em que vive a capital, em relação á carne, faz com que o lavrador não venda o seu producto em condições que estejam em harmonia com o exagerado preço por que se vende ao consumidor. O lavrador ganha tanto com a rês que vende para Lisboa como com a que vende para Coimbra ou outro ponto ; e no emtanto o preço da carne em Lisboa é o duplo do que devia ser. Protege-se assim, sem duvida, o commercio, não a agricultura.

O Sr. Presidente: - Tenho a advertir o Digno Par de que deu a hora de passarmos á ordem do dia.

O Orador: - Eu prometto não falar nos próximos quinze diais. Se a Camara me permitmisse, concluiria as minhas considerações.

Vozes: - Fale, fale.

Consultada a Camara sobre se permittia que o Digno Par continuasse no uso da palavra, resolveu affirmativamente.

O Orador: - O Sr. Presidente do Conselho, referindo-se ás carnes congeladas, foi infeliz nas suas observações, porque praticou a incorrecção de affirmar que a carne congelada não era tio saudavel como a fresca.

Toda a gente sabe que na Inglaterra não entram animaes vivos para serem aproveitados no consumo de carne, desde que ali houve uma epizootia gravissima que custou muito trabalho a debellar; e a Inglaterra, em materia de administração e hygiene é a primeira e pode servir de exemplo; nem a sabia e pratica Allemanha lhe ganha nesse ponto.

Aquelle país estudou profundamente a questão das carnes e concluiu que podia gastar centenas de milhares de kilogrammas de carne congelada porque era tão fundamentalmente boa para o consumo como a fresca, ou melhor.

A carne congelada, retirada das camaras de congelação, passa por uma serie de outras camaras que fazem com que ella chegue ao consumo com todas aspropriedades e aspectos da carne fresca; apenas tem o defeito de se deteriorar rapidamente pela passagem das baixas ás altas temperaturas.

Mas toda a gente sabe que essa carne é retirada á medida que vae sendo exigida pelo consumo, e por consequencia, não ha perigo que seja retirada mais do que aquella que o consumo exige.

Mas supponhamos mesmo que para os gourmets a carne não tenha aquelle sabor que faz o susto do Sr. Presidente do Conselho.

Ha tambem uma circumstancia a attender, e essa é muito mais importante: é que nem toda a gente é tão rica como o Sr. Presidente do Conselho para pagar carne a 800 réis o kilogramma.

Ora, eu tinha maneira de, por um preço não inferior a 220 e 240 réis, poder fornecer ás classas pobres um elemento essencial á sua vida. Isto representava um grandissimo beneficio, quando outro não houvesse.

Passo agora a referir-me a outro genero alimentar e que tambem deve merecer a vossa attenção: é a questão do leite.

O leite tem hoje um grande consumo na economia domestica; o leite é um dos primeiros elementos naturaes e serve em muitas occasiões, para substituir os outros alimentos, mas uma das condições indispensaveis, para que satisfaça o fim que tem em vista, é que seja ministrado tal qual a natureza o pode produzir.

Ora, Sr. Presidente, o leite, esse elemento tão essencial, graças á protecção da lavoura, graças ao fisco, e mercê da interferencia dos intermediarios, é um producto que se vende em Lisboa por um preço caro, deteriorado, e que aliás não merece confiança.

Para V. Exa. ver os erros economicos e hygienicos, erros palmares que não sei explicar como se consentem e permittem, basta ver que o grande inimigo da população é a tuberculose.. As descobertas feitas pela medicina teem demonstrado que a tuberculose é communicada ao homem pelo leite.

Sr. Presidente: em parte alguma onde ha hygiene se consente a estabulação na capital, do gado que fornece o leite.

Em Portugal, especialmente em Lisboa, não ha reclamações, não ha forças de secretaria, não ha nada, que evite este estado de cousas, conseguindo-se innocular a tuberculina nas vacas productoras de leite, pois que o numero de vacas tuberculinizadas no regimen estabular é superior a 80 por cento. Mas, Sr. Presidente, nenhuma fiscalização se faz, as leis não se cumprem, porque isto traria indemnizações importantes para o Estado.

Ainda ha uma cousa superior ao Estado, é que aos proprietarios das vacarias não convem que estes preceitos se cumpram, o que impede de se porem em pratica medidas reguladoras e contribuir assim para que a fiscalização se não faça, pois esta era a unica maneira de acabar com os abusos praticados todos os dias na venda do leite.

Eu não quero cansar a Camara, estou passando em revista estes diversos acontecimentos com a possivel rapidez.

O Sr. Presidente do Conselho, quando chegou a este capitulo, quasi que se louvou de não haver peixe; S. Exa. enthusiasmou-se com a ideia de Portugal ter um commercio de peixe que pode orçar por 4:000 contos de réis e que a exportação é mais de dois terços. Diz que isso não pode ser de maneira nenhuma imputada ao Estado, porque não existe imposto sobre o pescado. Existe uma outra cousa: é a exportação em más condições, que pela deficiencia de caminhos de ferro não permitte, num momento dado, ter nos centros o peixe que a podridão consome nas provincias.

Pois não seria possivel, sem arcar com os interesses da classe commercial, a que o Sr. Presidente do Conselho agora tanto apoio dá, não haveria meio de attender a um país que não tem bom pão, que não come carne, e que bebe mau leite, que se sustenta de vinho e de bebidas alcoolicas; não haveria remedio para este estado de cousas num país onde a capitação dá 2 kilogrammas por anno a cada habitante? Havia. A primeira das classes interessadas parece-me que será a classe piscatoria e que todos os dias está reclamando, e que por isso parece não ter essa fortuna que o Sr. Presidente do Conselho diz.

Essa classe, seguindo os mesmos exemplos dos dirigentes, porque os maus exemplos são suggestivos, essa classe vem pedir o monopolio, sem se importar que esse monopolio seja a destruição dos interesses dos seus semelhantes. Essa classe pede tambem a prohibição da pesca dos vapores mesmo fora das aguas territoriaes.

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Mas, Sr. Presidente, não é só o peixe. É o vestuario caro.

N'este capitulo eu quasi que tenho terror de falar, porque, revendo as pautas, vejo que mais de tres quartas partes estão sendo exploradas por culpa nossa, pela fraqueza dos Governos e pela ignorancia de tantissima gente, protegendo artigos que não existiam em Portugal. Essa protecção serviu só para o commerciante fazer exigencias nos seus preços.

É preciso proteger as industrias? É.

Mas é preciso ver até onde essa protecção deve ir.

É preciso proteger a industria, mas tambem é necessario e indispensavel que um inquerito venha demonstrar até onde essa protecção, deve chegar.

Temos milhares de individuos empregados na industria textil, e certamente que collocá-los na miseria por uma concorrencia desenfreada do estrangeiro seria um erro economico de alta gravidade.

Mas d'ahi até o ponto de se tornar impossivel a vida do cidadão, protegendo-se a industria por uma forma exagerada, até ridicula e sem justificação plausivel vae uma grande distancia.

Seguidamente, o Sr. Presidente do Conselho disse-nos, num dos rasgos da sua admiravel eloquencia:

"Mas o Digno Par não vê que, se nós fossemos alterar o regime existente, collocariamos na miseria tantos operarios, cuja vida é precaria, é difficil, e não poderiamos satisfazer as exigencias dos salarios de que elles necessitam para o pão de cada dia?

Mas isso é um circulo vicioso.

De que servirá dar um salario maior se a subsistencia se tornar cada vez mais cara, mais difficil e impossivel?

Pois se todos os dias augmenta o preço das cousas, que vantagens poderão advir de se melhorar o salario?

Se porventura a subsistencia perigar até uns limites taes que já não seja compativel com a vida, o que poderá acontecer?

Ou morrem os operarios, ou acaba a industria".

Mas dizia mais o Sr. Presidente do Conselho:

"Se eu acabasse de uma vez para sempre com a protecção; se ella um dia deixasse de existir, como poderia a agricultura e a industria sustentar tantissimos operarios que d'ellas vivem?

O barateamento no preço dos meios de subsistencia, como todos sabem, importaria numa diminuição aos salarios dos operarios; porque, se assim não acontecesse, muito mais difficil e impossivel se tornaria ainda a vida do industrial e do agricultor".

Pois é precisamente no justo equilibrio entre estes dois preços, o da alimentação e o do salario, que reside a verdadeira vida economica de um país ; e é unicamente á solução d'esse equilibrio que os estadistas devem olhar, chamando para elle a attenção dos poderes publicos.

Não quero abusar por mais tempo da attenção da Camara, e bastante já abusei, mas o que eu quis foi defender as as minhas ideiam.

O Sr. Presidente do Conselho entende que é preferivel deixar a solução d'este assumpto á acção lenta do tempo.

Ora a acção lenta do tempo ha de nos conduzir ao seguinte facto:

Ninguem decerto desconhece que todos os dias se está preparando aquillo a que eu chamarei a bola de neve, em virtude da qual os interesses do Estado estão verdadeiramente ameaçados por uma povoação inteira que deseja e anseia por ver annullado um imposto de consumo que é incompativel com a vida do cidadão. Attente bem isto o Sr. Presidente do Conselho, porque então o Estado terá de supprimir o imposto do consumo.

Ora nestas condições, para evitar que isto se dê, não seria melhor que se procurasse, estudasse e visse se havia alguns meios concretos de modificar esse imposto de consumo, melhorando as condições da vida por forma a todos poderem com a subsistencia?

O Sr. Presidente do Conselho, apertado ante a minha proposta, e não querendo abertamente rejeital-a, o que não era compativel nem com os seus sentimentos, nem com o bom senso que sempre tem manifestado, teve uma maneira habil de me inutilizar a palavra e de fazer a defesa da classe commercial e industrial, a que exclusivamente mim em desproveito de tudo o mais.

S. Exa. limitou-se a dizer:

"Eu não tomo a iniciativa d'elle, quer dizer, eu e os meus amigos não trabalhamos n'esse assumpto, mas, applaudindo o que a Camara fizer, o Governo prestar-se-ha a dar todas as informações que lhe forem pedidas sobre o assumpto".

Mas não é só d'isso que se precisa. i Num país que está habituado a viver pela mão do Estado, é necessario que elle seja o conductor d'esta commissão empregando toda a sua boa vontade e todo o seu zelo para lhe dar andamento e satisfação.

E isso é obrigação do Estado.

Eu não caio na simplicidade de, por mim, insistir na nomeação da commissão a que me referi, porque já sei o destino que ella terá; isso seria facultar ao Governo, para a sua indolencia e para o seu crime, uma desculpa. Elle diria então que se dispensava de trabalhar, visto que havia uma commissão especial que tratava do assumpto.

O Sr. Presidente do Conselho prefere que continue ,o actual estado de cousas e que a crise da alimentação se aggrave até o ponto de tornar-se incompativel com a vida e a paz publica?

O seu procedimento talvez seja logico, porque é tal a serie de reformas que tem em mente e que insinua dia a dia, que a fome será, porventura, um elemento com que S. Exa. conta para a realização do seu programma e dos seus ideaes. Deixo-lhe a responsabilidade do seu procedimento.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente : não desejando alterar o seguimento dos trabalhos dados para ordem do dia, responderei na proximo sessão ao Digno Par Sr. José de Azevedo.

Mas peço licença para dizer, desde já, que S. Exa. me attribuiu affirmações, que não fiz, e que não poderei deixar passar sem protesto.

O Sr. Francisco Beirão: - Mando para a mesa um parecer da commissão de negocios externos, sobre a proposição de lei n.° o, pela qual são approvadas, para serem ratificadas, as tres convenções assignadas na Haya, em 12 de junho de 1902, entre Portugal e outras nações e para se regular os conflictos de leis na materia de curamento, acêrca da tutella de menores.

Foi a imprimir.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Corôa

O Sr. Luciano Monteiro: - Sr. Presidente: no tempo que decorreu desde o encerramento da ultima sessão até agora, eu tinha occasião de preparar uma resposta ao discurso, brilhante de elevação e de calor, pronunciado no final da sessão passada pelo illustre parlamentar Sr. Pimentel Pinto; mas devo dizer a V. Exa. e á Camara que nunca soube preparar discursos, e lastimo-o, porque isso representa a posse de tres faculdades: conceber, organizar e reter na memoria. Quando vejo dirigir censuras aos que estudam discursos, digo invariavelmente: -dou-lhes seis meses, e façam, cousa igual. Nunca o fiz, ou antes já tentei essa empresa quando pela primeira vez tive que ir advogar ao Tribunal do Commercio.

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328 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Estava no principio da minha carreira e, cheio de sobresaltos, escrevi um discurso, e decorei-o. Era um discurso recheado de citações francezas e latinas, algumas das quaes me levaram quatro dias a fixar na memoria. (Riso).

No que respeitava a essas citações, portei-me admiravelmente; mas quando cheguei ao que eu imaginava ser a nota predominante do meu discurso, enganei-me no tempo de um verbo.

O Dr. Motta Veiga accudiu pressuroso a mostrar o erro em que eu tinha incorrido.

Confesso a V. Exa. que, naquelle momento, de tal forma se me obscureceram as ideias, e de tal maneira me vi confuso e atrapalhado, que não via nem presidencia, nem jurados, e chegou-me a parecer que o processo estava escripto em grego.

Alinhavei ainda mais algumas palavras, e sentei-me. (Riso).

D'ahi por deante, nunca mais tentei preparar um discurso. E lamento não ter podido proceder agora a essa preparação, porque, realmente, não é de animo tranquillo que se pode responder ao Digno Par Sr. Pimentel Pinto, um dos primeiros marechaes do partido regenerador.

Como, porém, me não foi possivel preparar o meu discurso, limitei-me a passar a limpo os apontamentos que tirei e disse a mina proprio: quanto ao resto, seja o que Deus quiser.

Vou pois guiar-me por esses apontamentos, que foram tirados à la diable, para me servirem na minha resposta á formidavel e monumental oração do illustre parlamentar Pimentel Pinto.

Recorrendo a esses apontamentos vejo que S. Exa. disse que o partido rege-nerador-liberal havia dado pancadaria no partido regenerador.

Então nós, os regeneradores-liberaes, é que demos pancadaria no partido regenerador?!

Então nós, que andámos debaixo de uma verdadeira tempetura quando estava no poder o Sr. Hintze Ribeiro; nós, que fomos perseguidos como se perseguem os cães damnados; nós, que fomos escorraçados da vida politica, como pessoas capazes de abusarem da Fazenda Publica em seu proveito; nós é que demos pancadaria no partido regenerador? ! nós que fomos victimas da mais acintosa e injustificada perseguição, a qual foi iniciada pelo acto mais attentatorio das liberdades publicas, o diploma eleitoral de 1901!

Fomos nós que aggredimos o partido regenerador? Nós que fomos victimas de toda a casta de perseguições?!

Vamos começar pelo decreto de 1901.

Mas para que havemos de esmeuçar as disposições d'esse decreto, se sabemos perfeitamente qual o seu objectivo?.

Aquella providencia, chamemos-lhe assim, foi decretada com o fim de permittir que viesse á outra Camara quem o chefe do partido regenerador muito bem quisesse.

Eu, em virtude d'essa lei, fui victima das maiores violencias quando me propus a Deputado por Arganil. Posso dizer afoitamente que fui roubado nessa eleição.

Deixe-me V. Exa. narrar-lhe um episodio occorrido no dia immediato á eleição.

Achava-me eu em Coimbra, quando se aproximou de mim um trem, que conduzia o Sr. Lima Duque, que tinha sido o cordon-bleu do tal cozinhado.

Trocadas algumas palavras, que da minha parte não podiam ser de uma extrema amabilidade, attento o aggravo que me era feito, o meu interlocutor dispara-me esta phrase, que é tudo quanto se pode imaginar de mais pitoresco: "São ordens". (Riso).

Soltei uma gargalhada, e, por encanto, desappareceu a indignação de que me achava possuido.

O Sr. Hintze Ribeiro - e eu peço a V. Exa., Sr. Presidente, que se digne transmittir ao Digno Par as minhas palavras - seguidamente á scisão aberta no partido regenerador, teve a amabilidade de me convidar para seu camarada numa situação ministerial, e quero acreditar que me convidou com o desejo de que eu acceitasse.

Recusei essa alta fineza, que até fez desapparecer o aggravo de Penacova; mas de procedimento igual ao meu usaram outros meus amigos politicos, aos quaes tambem foi offerecida identica mercê.

O Sr. Hintze Ribeiro não perdeu nada com a minha recusa, e o certo é que, a breve trecho, deu-se um conflicto ministerial, talvez funesto para a existencia do partido a que S. Exa. pertence.

Em que é que o partido regenerador-liberal aggravou, ou molestou o partido regenerador?

Será porque occupa a Presidencia do Conselho o Sr. Conselheiro João Franco?

Mas então entendem S. Exas. que aquellas cadeiras são logradouro exclusivamente seu?

( Lendo os seus apontamentos).

"Partido regenerador... tabacos... divida externa... ".

Folgo muito de ter ensejo de me referir a este assumpto.

Todas as vezes que, ultimamente, se fala no convenio com os credores externos, confere-se por esse facto ao partido regenerador um titulo de gloria.

O convenio com os credores externos foi, posso dizê-lo, um acto fraudulento.

Comprehendo, Sr. Presidente, que um commerciante, um industrial, vendo-se a braços com difficuldades insuperaveis, chame os seus credores, lhes mostre o estado da sua casa, e lhes peça uma concordata, com reducção do debito.

Mas nós estavamos em outras circumstancias muito differentes.

De 1852 para deante, epoca em que tambem fizemos um acordo com os credores externos, não soffreu o país qualquer perturbação, externa ou interna, e, ao contrario, recebemos do Brasil milhões de libras.

Qual foi então a razão que impediu que satisfizéssemos pontualmente os nossos compromissos?

O facto é que não pagámos aos nossos credores, que não cuidámos devidamente do que nos interessava, e que não tratámos de diminuir o analfabetismo.

Seja, porem, como for, deparou-se-nos de novo a necessidade de nos entendermos com os nossos credores; mas se alguem merece elogios, não é o partido regenerador, mas sim o Digno Par Sr. José Dias Ferreira, que teve o arrojo de dizer que nós não podiamos pagar.

As negociações posteriores á vida ministerial do Digno Par Sr. José Dias Ferreira não teem nenhum valor ; representam unicamente um trabalho material.

Que tem succedido desde 1892 para cá?

Nós temos sido honestos?

Será licito dizer-se e affirmar-se que de 1892 para cá nos temos submettido a processos de administração, absolutamente correctos?

Se me perguntarem se os Ministros que teem gerido as differentes pastas transportaram para as suas algibeiras o dinheiro da nação, eu nego redondamente a possibilidade de um tal facto.

Mas a honestidade e a correcção dos homens publicos, não está só em se não utilizarem dos reditos da nação.

E tambem deshonesto quem administra mal os valores alheios.

(Compulsando os seus apontamentos).

Disse o Digno Par Sr. Pimentel Pinto que é monarchico, é regenerador, e que quer monarchia sem saltos.

O Sr. Pimentel Pinto: - Eu não disse semelhante cousa. Não falei em monarchia sem saltos.

O Orador: - Nos meus apontamentos tenho essa phrase. O Digno Par referia-se a suppostos desacertos do Sr. Conselheiro João Franco.

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O Sr. Pimentel Pinto: - O que eu disse consta do Summario official.

O Orador: - Não vale a pena insistir. Tanto me importa que os saltos sejam altos como de prateleira.

O Sr. Pimentel Pinto: - Tem V. Exa. muito espirito, mas nós não estamos no Gymnasio.

O Orador: - Não imagine o Digno Par que eu quis de qualquer forma fazer espirito com as suas palavras. O que pretendi foi accentuar que S. Exa. desejava que se conservasse a monarchia, precisamente no estado em que se tem encontrado até hoje, quer dizer, uma monarchia que patrocinasse, que se tornasse cumplice de todos os erros dos Ministros. Essa monarchia não a quero eu.

Soltando esta phrase, não imagine V. Exa. que vae nella envolvida qual quer ideia de menos respeito pela pessoa do Chefe do Estado.

Pelo contrario. Entendo que dentro da monarchia constitucional, cabem to dos os elementos que podem contribuir para fazer a felicidade e o bem estar da sociedade portuguesa.

Então queriam que o Sr. João Franco se tornasse autor de attentados como os que se deram nas eleições feitas pelo ultimo Ministerio regenerador, em que se praticou o que nunca se fez em parte alguma do nosso país?

Até então tinha havido violencias eleitoraes, emprego de força armada, que não deixava entrar os eleitores nas igrejas onde se celebrava o acto eleitoral; fizeram-se as trapaças de se lançarem pacotes de listas dentro da urna. davam-se todos estes expedientes, qual d'elles o|mais3f indecoroso. Mas o que nunca se tinha feito foi o que se fez com a eleição do Sr. Bernardino Machado.

Os acontecimentos do Peral foram peores do que qualquer das trapaças ou violencias de outros tempos em materia de eleições.

Consentir que 500 homens, que se diziam monarchicos, fossem levados á uma para votar num candidato republicano, é tudo quanto ha de mais vergonhoso.

É preciso acabar com factos como esse, de irem monarchicos levar á uma 500 votos que incidiram sobre o nome de um republicano.

Com isso quis-se conseguir duas cousas: ou que o Sr. Bernardino Machado, que é um caracter muito respeitavel, uma intelligencia superior e um exemplar chefe de familia, não acceitasse, desde que havia irregularidades d'esta ordem, ou que, acceitando, e indo á Camara, o Governo pudesse dizer:-Se está aqui a nós o deve;

Sr. Presidente: na nossa vida parlamentar estão-se dando factos verdadeiramente extraordinarios.

Pois não estamos nós a ver, a proposito dos acontecimentos de 4 de maio, clamar contra o actual Governo, e accusá-lo de violencias e de abusos, como se ao Sr. João Franco pudesse imputar-se a responsabilidade que compete tão só ao Sr. Hintze Ribeiro!

E, falando-se em violencias, deixe-me V. Exa. dizer, Sr. Presidente, que, a meu juizo, a policia, nos acontecimentos de 4 de maio, attentas as instrucções que havia recebido, procedeu moderadamente.

Se alguem me perguntar se eu supponho que no espirito ou nos desejos do Digno Par Sr. Hintze Ribeiro estavam os espancamentos e arbitrariedades que se praticaram, eu faço a justiça de acreditar que inteiramente desapprovava S. Exa. essas lamentaveis occorrencias; mas as ordens, os precisos termos d'ellas, e o momento em que eram dadas, dariam a qualquer a previsão do que, afinal, veio a succeder.

Os acontecimentos de 4 de maio estavam previstos. Tendo-se affrontado tão gravemente a situação do Sr. Bernardino Machado, com a eleição do Peral, era de prever que os seus amigos politicos, de qualquer forma procurariam significar a magua que os pungia.

Era conhecida a hora a que o Sr. Bernardino Machado devia chegar, e soube-se igualmente que o partido republicano iria em massa esperá-lo á estação, não só para lhe fazer uma manifestação de affecto, mas tambem para lhe significar que tomava parte na sua dor pelo attentado do Peral.

O Governo devia calcular que se reuniriam na estação milhares de pessoas e, dada a tensão dos espiritos naquelle momento, não era para admirar que irrompessem gritos subversivos.

Qual era o dever das autoridades ou dos mantenedores da ordem ? Era, por meios suasorios, evitar que se realizasse a manifestação que se projectava; mas, longe d'isto, o Sr. Hintze Ribeiro ordenou que fora da estação, onde a acção policial se podia exercer mais efficazmente, se evitassem os ajuntamentos, e quaesquer vivas mal soantes.

Tendo havido gritos de vivas á Republica, a policia não podia deixar de intervir, procedendo assina em harmonia com as ordens que havia recebido.

Como queria V. Exa. que se evitassem esses gritos sediciosos? Só se fosse possivel pôr uma mordaça na boca de cada republicano.

Que se tinha ordenado á policia?

Que procedesse com a maxima energia.

Que significa, naquelles casos, proceder com a maxima energia?

Significa, a meu entender, o emprego de meios violentos, como o safanão, o pontapé, o murro, e o uso do sabre e do revólver.

Eu já tive occasião de apreciar a maneira por que os mantenedores da ordem comprehendem esse eufemismo.

Já uma vez tive de refugiar-me na Casa Havaneza, para não ser cortado ao meio pela espada de um janizaro da municipal a cavallo (Riso).

Em Paris, em dia de manifestações, de importancia muito inferior á de 4 de maio, a policia serve-se de casse-têtes, um instrumento curto e terrivel, e applica-os á multidão serenamente, como quem bate o compasso; e ainda por cima vae dizendo: messieurs, s'il vous plait! (Riso).

Pois os ossos onde esse instrumento assenta ficam num estado de verdadeira lastima.

Mas regressando ao assumpto:

A manifestação, como já disse, era de esperar, visto que se tinha ferido a dignidade do partido avançado.

E é para surprehender não terem sido as desgraças em numero superior ás que foram apontadas, porque a policia, dentro da formula: com toda a energia, podia muito bem ter aberto, a golpes de sabre, as cabeças dos circumstantes. (Riso).

A acção dos governantes não se limita a reprimir, nem a ordenar a repressão.

Ha meios de evitar conflictos de certa ordem, e a elles deveria ter ré corrido o Governo desde que tinha conhecimento do que se projectava.

Quaes são esses meios? Não me compete a mim indicá-los.

Eu não quero ser desagradavel ao Sr. Hintze Ribeiro, e já disse que creio bem que no seu animo, e no seu proposito não estavam os factos deploraveis occorridos na noite de 4 de maio.

Occupou-se depois o Digno Par em confrontar a sua administração com a administração do Sr. Sebastião Telles. Mas a que proposito vem esse confronto, no momento em que se discute a resposta ao discurso da Corôa?

Para criticar a orientação que o Governo tem dado á sua gerencia, que importa ao paiz o que fez o Sr. Pimentel Pinto ou o Sr. Sebastião Telles?

A responsabilidade d'esses factos pertence inteira e absolutamente a quem nessa epoca presidia ao Governo.

Passemos a outro assumpto.

O Digno Par Pimentel Pinto revindicou para o seu partido a gloria de ter resolvido a questão dos tabacos, e o discurso de S. Exa. foi como um dithyrambo em honra d'esse acontecimento, tão altisonantemente proclamado.

Afigura-se-me que são adequadas ao

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negocio dos tabacos as palavras que appliquei á questão do convenio com os credores da divida externa, a esse concurso de que tanto se orgulha o partido regenerador.

O país o que quer é que lhe dêem uma administração correcta, uma applicação dos dinheiros publicos consoante as leis, e o equilibrio do orçamento; que tambem se remunerem os serviços publicos, conforme o trabalho de cada um, as suas aptidões e meritos. O país, quando lhe falam em discussões politicas, quasi se horroriza, porque são ellas que teem produzido um grande numero dos males que nos flagelam.

Capitulou o Digno Par de erros involuntarios aquelles que nos levaram á bancarrota.

Creia o Digno Par que vou utilizar essa formula, no exercicio da minha carreira de advogado.

Quando tenha que defender qualquer individuo accusado do roubo de um relogio, lembrando-me do que nos disse o Sr. Pimentel Pinto, dirijo-me ao juiz nestes termos:

"Note V. Exa. que o desgraçado foi victima de um erro involuntario; partiu do principio de que todos os relogios dão horas; quis, saber que horas eram e, em vez de consultar o seu relogio, atirou-se ao relogio do queixoso". (Riso).

Passemos á segunda parte do discurso do Digno Par, que mais se prende com
o assumpto que está na ordem do dia.

Diz o Digno Par que o Sr. João Franco tem duas phases.

Mas, Sr. Presidente, o que se procura saber é se o Sr. João Franco cumpre ou não, auxiliado pelos seus amigos que fazem parte da concentração liberal, o programma que apresentou. (Apoiados).

Cousa estranha!

Dá no gôto aos Srs. regeneradores a colligação liberal.

Se fosse uma cousa insignificante, sem valor, de certo que não alludiriam a ella tão ameudadamente.

Em qualquer debate, seja de caracter financeiro, economico, ou administrativo, ha sempre referencias á concentração liberal.

Pergunta-se por que se colligaram o partido progressista e o regenerador-liberal, depois de se terem mutuamente aggredido?

A que vem essa estranheza?

Pois não viu V. Exa., Sr. Presidente, o partido regenerador, desde 1901-1904, num accordo permanente com o partido progressista?

Quem se não recorda da campanha de 1894-1900, iniciada pelo Sr. Hintze Ribeiro?

Os seus melhores adeptos, aquelle que mais porfiaram nessa lucta, foram os que S. Exa. mais duramente tratou.

Não obstante o partido progressista ser o seu inimigo figadal, e nós sermos os seus companheiros de trabalho mais leaes, nós é que fomos as victimas.

Se estivesse presente o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro, eu perguntar-lhe-hia se da parte d'esses homens houve alguma vez qualquer acto que pudesse minguar o valor politico de S. Exa.

Tenho a certeza de que o Digno Par responderia negativamente.

Pois então o partido regenerador estranha que o partido regenerador-libe-ral se aproximasse do partido progressista?

Pois então, não se lembra a Camara, de que o Digno Par Hintze Ribeiro, após uma lucta encarniçada de tres annos ao partido progressista, se aproximou tambem do Sr. José Luciano de astro?

Prosigamos.

Tambem o Digno Par Sr. Pimentel Pinto accusou o Governo por ter desdobrado nas eleições.

O Governo desdobrou onde não havia forças opposicionistas em numero sufficiente para fazerem prevalecer os eus candidatos, mas cumpriu a lei, lei que precisa de ser revogada, por ser extensamente odiosa.

(Apoiados do Sr. Presidente do Conselho).

Agora estas eleições fizeram-se sem violencias, sem protestos.

Ha muitos annos que se não realizavam eleições com caracter liberal, como estas a que procedeu o Sr. João Franco Castello Branco; mas, em todo o caso, é necessario acabar com a lei que actualmente vigora, porque se agora as eleições se fizeram, como disse, respeitando-se os direitos de cada um, quem nos assegura que, na successão dos tempos, não venha outro Governo aproveitar-se do intuito inicial e primordial da mesma lei?

Portanto, abaixo a lei de 1901!

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Apoiado. Apoiado.

O Orador: - Um assumpto já estafado é o da nacionalização do Sr. Ernesto Driesel Schrõter.

Muitos Dignos Pares dizem que o Sr. Schrõter é estrangeiro, e que se não pode admittir um Ministro da Fazenda austriaco.

O Digno Par Sr. Pimentel Pinto tambem affirma que o Sr. Schrõter é austriaco.

S. Exa. reconhece, por um lado, que o actual Sr. Ministro da Fazenda é um perfeito cavalheiro, um homem honrado e um excellente coração ; mas estranha que haja quem tenha a coragem de se sentar ao lado d'elle.

Oh! Sr. Presidente: queira Deus que eu sempre que tenha de sentar-me ao lado de alguem, encontre, estrangeiro ou não, um cavalheiro com as qualidades que distinguem o actual Sr. Ministro da Fazenda.

Queira Deus que eu encontre sempre, a meu lado, um homem de bem e de briosos sentimentos como é o Sr. Ministro da Fazenda.

O que a mim me repugnava era sentar-me ao lado de qualquer homem de sentimentos menos dignos.

Sr. Presidente : para demonstrar que o Sr. Schrõter é estrangeiro, invoca-se a Carta Constitucional, e uma serie de portarias e decretos.

Estando no meu escriptorio, peguei por curiosidade no regulamento de serviço de recrutamento em Portugal, regulamento que tenho aqui.

Vamos, porem, á questão.

O Sr. Schrõter nasceu em Portugal, sua mãe era portuguesa, seu pae era estrangeiro; mas residia em Portugal, sem ser ao serviço da sua nação.

Segundo a Carta Constitucional do país, o Sr. Schrõter era português de nascença; mas naturalizou-se português.

Eu não quero agora discutir o valor das portarias, dos decretos e dos regulamentos. Basta-me saber que o Sr. Schrõter é português de nascença.

Diz-se que o Sr. Schrõter, em determinada epoca, pediu uma carta de naturalização para um determinado facto.

O Sr. Schrõter foi victima do meio, ou da orientação a que, em geral, todos nos subordinamos.

Quando se nos depara uma difficuldade, nós, em vez de a atacarmos de frente, servimo-nos de uns certos rodeios, que, muitas vezes, em logar de nos dirigirem ao fim que desejamos, pelo contrario nos afastam d'aquillo que queremos conseguir.

O Sr. Schrõter era português de nascença, e pretendia exercer um logar a que tinha todo o direito. Mas, levantava-se uma difficuldade; e era necessario desfazê-la.

Como consegui-lo?

Da seguinte maneira:

O Sr. Schrõter, por conselho de um espirito brilhantissimo, que já não existe, naturalizou-se português, sem pensar na importancia e nas consequencias que essa falta lhe podia acarretar.

Foi um erro solicitar essa carta de naturalização, mas ella em nada pode annullar os preceitos da Carta Constitucional.

É para lastimar que nós estejamos a querer lançar á margem os homens de valor, quando deveriamos pensar no modo de augmentar o seu numero.

Hoje procurei o codigo francês, e quer V. Exa. ver o que elle nos diz no artigo 10.°?

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((Tout individu né en ff rance ou à l'étranger de parents dont Vun a, perdu la qualité de Fran cais pó urra reclamer cette qualité à tout âge, aux conditions fixées par l'article 9, à moins que domicilie en France et appelé sous lês drapeaux, lors de sa majorité, U n'aie revendiqué Ia qualité d'étrànger."

O Sr. Schrõter, naturalizando-se cidadão português, praticou um erro. Fez um pedido, a que facilmente se poderia ter eximido, mas isto não destroe o facto irrespondivel do seu nascimento em Portugal, nem destroe o preceito claro do nosso codigo fundamental.

Mas pergunto: devem ser expulsos todos os que tiverem nas veias sangue estrangeiro?

Então terão de expulsar o Sr. Arroyo, e teem de me expulsar a mim, que tenho nas veias cincoenta por cento de sangue francês.

Sr. Presidente: tenho em França um parente muito chegado, um sobrinho, um bello rapaz, que está neste momento a servir nas fileiras do exercito francez.

Horroriza-me a ideia do que poderia succeder, se, em caso de guerra, nós nos encontrássemos a defender cada um a sua bandeira.

É possivel que, no cumprimento do nosso dever, nos despedaçássemos um ao outro; mas, se assim fosse, eu só pediria a Deus que no momento em que a ambulancia me viesse buscar, tivesse ainda voz para protestar contra esse facto brutal, que se chama a guerra.

Eu faço guerra á guerra.

Não dê V. Exa., Sr. Presidente, ás minhas palavras, um sentido ou uma interpretação que não podem ter.

Não é meu intuito aggredir as instituições militares, nem nenhum dos seus illustres membros; mas faço votos sinceros para que todas as nações se congreguem no empenho de acabar com esses conflictos sangrentos, de consequencias sempre tão lamentaveis.

Referiu-se depois o illustre parlamentar á lei de 13 de fevereiro. Já está afecto á Camara dos Senhores Deputados uma proposta que modifica essa lei na sua parte fundamental"

Não vale a pena estar a fazer referencias, nem á lei de 13 de fevereiro, nem á projectada modificação. Quando ella vier a esta Camara, então teremos ensejo de a apreciar largamente. Mas não me leve V. Exa. Sr. Presidente, a mal que eu estranhe o facto do Sr. Pimentel Pinto, responsavel solidariamente na promulgação d'essa providencia, tão preoccupado se mostre agora com a necessidade de a remodelar, quando, pertencendo a diiferentes situações ministeriaes, desde 1890 até agora, nunca a sua iniciativa se revelou no
proposito de annullar ou modificar o que reputa tão pernicioso e tão offensivo dos direitos individuaes.

Então a lei de 13 de fevereiro é tumultuosa, offensiva e lesiva dos direitos dos cidadãos, e S. Exa. nunca se lembrou de aconselhar os seus collegas a que a derogassem ou modificassem?

S. Exa., no poder, mantem a lei, não lhe encontra inconveniente, e só agora, quando não sobraça qualquer pasta, é que se lembra de gritar aqui de El-Rei contra o Sr. João Franco, porque ainda não começou a discutir-se a proposta que foi apresentada á outra casa do Parlamento?

Representa isto um acto de justiça da parte do Digno Par?

Seguidamente o Digno Par referiu-se a uma lição dada ao Principe Real.

Estranha o Sr. Pimentel Pinto que o Sr. João Franco, por occasião de uma reunião de crianças no velodromo de Palhavã, para distribuição de premios, desse quaesquer indicações ao Principe Real.

Quando se é novo, e, sobretudo, quando se é intelligente, seja qual for a situação que se occupe, desde a mais humilde até a mais elevada, está-se nas condições de receber ensinamento de quem tem auctoridade para ministrá-lo.

Supponho que o Sr. João Franco, pela honestidade do seu caracter, pelo seu proceder como homem publico e particular, pela sua idade e intelligencia, está nas condições de dar conselhos a um rapazote de dezanove annos. (Apoiados).

O Sr. João Franco disse ao Principe Real: "Saiba Vossa Alteza que até aqui se consideravam os povos pertencendo aos Reis, mas hoje entende-se muito bem que são os Reis que pertencem aos povos".

Qual era o significado das palavras do Sr. João Franco?

Quis fazer comprehender que, acima de todos os poderes publicos, está a soberania popular.

Tambem o Digno Par Sr. Pimentel Pinto alludiu ao facto de se dizer que El-Rei era o homem mais discutido neste país, e accrescentou que essa discussão se aggravara com a entrada do actual Governo.

Pois eu entendo que devo felicitar o Governo, porque o seu procedimento se orientou na necessidade e na conveniencia de pôr termo a suspeições que estavam malsinando à vida politica do país.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(S. Exa. A foi cumprimentado por varios Dignos Pores).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Teixeira de Sousa: - O acaso da inscripção obriga-o a responder ao Digno Par Luciano Monteiro, cuja palavra eloquente é sempre ouvida com agrado.

Deplora essa circumstancia porque tem que entrar em questões essencialmente politicas, de que desejava afastar-se, preferindo occupar-se de assumptos de indiscutivel importancia.

O que ao país interessa é a solução da questão vinicola, e pouco se lhe dá que os circulos se transformem de plurinominaes em uninominaes. Deseja e interessa-o a transformação do seu dominio colonial, e não indaga se os réis pertencem aos povos se estes aos réis. Tem que acompanhar o Digno Par Luciano Monteiro numa parte do discurso em que S. Exa. deu mais uma demonstração da sua admiravel eloquencia. Elle, orador, não estudou o seu discurso, mas deve confessar que o preparou.

Não lê os apontamentos que tomou do discurso proferido pelo orador que o antecedeu no uso da palavra, porque de forma alguma quer ser desagradavel a S. Exa., a quem muito estima. Deus o livre de pretender tirar partido d'esses apontamentos, porque então teria que estranhar que uma das vozes mais eloquentes d'esta Camara alludisse ao herdeiro da Coroa por uma forma menos respeitosa, chamando-lhe rapazote de 18 annos.

O discurso do Digno Par pode dizer-se um conjunto de contradicções flagrantes. S. Exa., ao passo que chamava ao convenio com os credores externos um acto fraudulento, dizia que a gloria d'esse acto pertencia ao Digno Par José Dias Ferreira, e claro está que a gloria se não alcança por feitos condemnaveis. (Apoiados).

Depois, referindo se aos acontecimentos de 4 de maio, que elle, orador, não quer trazer novamente para a discussão, porque entende ser esse um ponto devidamente esclarecido, e encarando esses acontecimentos como razão justificativa da queda do Gabinete a que presidiu o Sr. Hintze Ribeiro, diz, a breve trecho que, em França, a policia, por muito menos, espancou despiedosamente o povo.

Do que o Digno Par se não esqueceu foi de accusar os homens publicos que dos ultimos tempos teem gerido a administração publica.

Parece que o Governo e os seus adeptos, se empenham tão só em desfavorecer os homens publicos que teem administrado os negocios do Estado nestes ultimos tempos.

É como que um pedestal em que S. Exas. assentam a sua genial administração.

O Sr. Teixeira de Vasconcellos, com a auctoridade da sua palavra, disse que

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os partidos politicos tinham liquidado, sem se lembrar que é com os elementos do partido progressista que o Governo faz a sua politica nas provincias, e que foi á custa d'essa protecção que tem a maioria que o apoia em ambas as casas ao Parlamento.

Surprehende-o realmente o facto de ver que o partido progressista assim seja tão violentamente accusado, sem que por parte de qualquer dos seus illustres membros se manifeste o mais pequeno desacordo. Tambem não vê que por parte d'este partido se levante o mais pequeno protesto contra as palavras hoje proferidas pelo Sr. Luciano Monteiro.

Afigura-se-lhe que entre o partido regenerador-liberal e o progressista não ha apenas um entendimento de occasião. Trata-se, ao que parece, da fusão dos dois partidos, em que predominará o Sr. Conselheiro João Franco.

Tanto se tem clamado contra os homens publicos, que nos ultimos tempos teem gerido os negocios do Estado, que cada um dos visados nessas accusações tem obrigação de dizer da sua justiça, e trazer ao debate esses actos tão con-demnados, e apreciar o que se promette para remediar esses erros. (Apoiados).

Não tem que discutir a crise de 17 de maio; mas, na qualidade de membro do Gabinete que então pediu a demissão, corre-lhe o dever de declarar bem alto que esse Governo não fugiu deante da audacia do partido republicano, nem porque se tivessem levanta do quaesquer questões que ameaçassem a nacionalidade portuguesa, e, bem ao contrario, acabava de ser resolvida uma questão que contendia intimamente com o nosso modo de ver politico, como era a questão dos tabacos.

Mas então podia perguntar-se : porque caiu o Governo regenerador, e porque se organizou uma situação ministerial, presidida pelo Sr. Conselheiro João Franco?

Para responder a esta pergunta tem que invocar as cartas de El-Rei, e elle, orador, já declarou que não discutiria esses documentos, e que até, sendo Ministro, nunca aconselharia a publicação d'elles.

Não aconselharia, repete, a publicação d'essas cartas, porque a discussão d'ellas daria ensejo a luctas e a manifestação de paixões politicas, em que nem sempre a razão e a justiça prevalecem.

Segundo as declarações do Sr. Presidente do Conselho, o Governo anterior foi demittido, porque El Rei queria dar uma satisfação á cidade de Lisboa.

Sua Majestade exerceu as suas prerogativas, no uso liberrimo do seu direito, e o Sr. João Franco organizou o Ministerio para cumprir o programma politico do seu partido.

Como monarchico, só deseja que a forma por que se procedeu seja util ao país, e que os factos saibam mostrar que a justiça e a prudencia foram respeitadas.

Infelizmente, porem, os factos que vão apparecendo não podem deixar de causar serias apprehensões a um partido monarchico. Esses factos mostram e auctorizam a dizer-se que não é tranquilla a situação da Monarchia portuguesa.

Mas não é d'isto que se trata agora. Trata-se das promessas do Sr. João Franco, que se destinam a operar uma transformação moral e politica do país.

O Sr. João Franco é um homem intelligente, um orador brilhante e um homem honesto, como o são os mais; mas S. Exa. é responsavel dos processos, dos erros e das faltas que tão insistentemente repudia.

Trata-se, pois, da expiação das faltas commettidas pelo Sr. João Franco.

O Sr. João Franco vae apresentar uma proposta refermando alguns artigos da Carta Constitucional.

Mas de quem é a responsabilidade do decreto de 1896, que alterou tambem alguns artigos do codigo fundamental do Estado?

Quem foi que trouxe á Camara o decreto que criou os circulos plurinominaes? Foi o Sr. João Franco.

Quem foi que criou o Juizo de Instrucção Criminal, que o Sr. Ministro da Justiça, de acordo com o seu .chefe, vae reformar?

Comprehende-se que um homem publico, attentando no desenvolvimento de todos os ramos da actividade humana, sujeite o seu espirito a uma evolução; mas ha uma profunda differença entre uma evolução e o repudio de tudo quanto S. Exa. sustentou calorosamente no seu passado politico.

A evolução pode resultar da influencia do meio, e da experiencia dos factos; mas o repudio de tudo o que se defendeu com energia durante muitos annos, o que não dá é autoridade politica, e cria a legitima; suspeita de que mais uma vez se faltará ao que se promette.

O Sr. Presidente: - A hora está a dar e o Digno Par Sr. Luciano Monteiro pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão. Se o Digno Par quer reservo-lhe a palavra para a sessão de ámanhã.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Perfeitamente de acordo.

(O discurso a que este extracto se refere, será publicado na integra, e em appendice, quando S. Exa. A tenha visto as notas tachygraphicas).

O Sr. Luciano Monteiro: - Ausentei me ha pouco da sala, e soube que durante a minha ausencia o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa estranhou que eu, referindo-me ao Principe Real, lhe tivesse chamado rapazote.

Empreguei este termo com uma intenção de affecto e enternecimento por essa criança de 18 annos, que tem a fortuna de ser muito novo, e que ámanhã terá a desventura de não possuir todas as illusões da mocidade.

Foi este o sentido da palavra que empreguei.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Teixeira de Sousa: - Eu não accusei o Digno Par Sr. Luciano Monteiro. Fiz apenas uma referencia aos apontamentos que tomei do seu discurso em resposta ao Digno Par Sr. Pimentel Pinto.

Fiz, como disse, uma referencia aos meus apontamentos, e taxei a sua phrase de infeliz; mas emfim fica explicada a intenção com que S. Exa. disse que o Principe Real era um rapazote.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Luciano Monteiro: - Para mim é ponto de fé que chegando, como naturalmente chegará, aos ouvidos de Sua Alteza o Principe Real o nome de rapazote, com isso não se ha de maguar.

O que Sua Alteza por emquanto não comprehende é a felicidade de ser ainda rapazote, felicidade que nós já não temos.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 30 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 16 de novembro de 1906

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha, Sebastião Custodio de Sousa Telles, Marquez Barão de Alvito, Marquezes: de Avila e de Bolama, de Pombal; Arcebispo de Calcedonia; Arcebispo-Bispo da Guarda ; Condes de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, do Monsaraz, de Paraty, de Villar Secco; Visconde de Monte-São: Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, Costa e Silva, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Vellez Caldeira, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Mattoso Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Fran-

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SESSÃO N.° 24 DE 16 DE NOVEMBRO DE 1906 333

cisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Almeida Garrett, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, Mello e Sousa, Avellar Machado, José de Azevedo, José Dias Ferreira, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José Luiz Freire, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Raphael Gorjão, Pedro de Araujo, Deslandes Correia Caldeira e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

ALBERTO BRAMÃO.

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