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tencer, a,fim de que os seus membros possam coadjuvar a discussão, apresentando as suas idéas; ou então se reunissem, a commissão do fazenda com a de marinha, a fim de se formar um accordo entre uma e outra, para se fazerem as reflexões indispensáveis para elucidação da matéria.

0 sr. Visconde de Castro: — Sr. presidente, o que acaba de dizer o sr. conde do Bomfim é exacto. No projecto havia'uma annotaçãó a lápis, em que se declarava fosse á commissão de marinha e á de fazenda; como porém não se via bem a nota que se referia á commissão de marinha, só foi mandado á de fazenda.

A commissão de fazenda, sem dar attenção ao que estava escripto em lápis, e reconhecendo a importância d'esto objecto, tratou immediatamente de dar o seu parecer. Agora o sr. conde do Bomfim reclama, e com toda a justiça, que seja ouvida a commissão de marinha e ultramar; portanto, entendo que ella deve ser ouvida, ou juntando-se as duas commissões, ou mandando-se o projecto á de marinha, a fim de dar o seu parecer como entender.

O sr. Presidente:—Vou consultar a camará sobre se an-nue a que o projecto que foi dado para ordem do dia vá á commissão de marinha e ultramar.

A camará annuiu.

(Entrou o sr. ministro da fazenãa e negócios estrangeiros.)

Leu-se na mesa o artigo 1." ão projecto, que é ão theor seguinte:

Artigo 1.° São suscitadas e ampliadas as leis do reino, prohibitivas da amortisação-de bens prediaes, rústicos ou urbanos, de igrejas ou corporações religiosas, e bem assim declaradas insubsistentes todas as licenças, faculdades regias ou dispensas das ditas leis em favor de taes estabelecimentos para se conservar na posse dos mesmos bens.

§ 1.° São comprehendidos na disposição d'este artigo os bens prediaes de fundação ou dotação, e bem assim os direitos prediaes de qualquer espécie ou natureza pertencentes aos ditos estabelecimentos a titulo de emphyteuse, de sub-emplvyteuse, censo, quinhão de renda ou qualquer outro.

§ 2.° Não são comprehendidos na disposição d'este artigo:

1. ° As casas de habitação das religiosas e dos seminaristas e as cercas e dependências respectivas, os paços epis-copaes e cercas ou quintas de recreio dos bispos;

2. ° Os capitães de divida nacional consolidada;

3. ° As acções de bancos ou companhias legalmente con-stituidas, precedendo, quanto a futuro, á acquisição e conservação, a auctorisação do governo;

4. ° Os capitães que mutuarem os mesmos estabelecimentos entre si, ou a particulares, com a mesma auctorisação, ou que depositarem nos ditos bancos ou companhias.

O sr. Ferrão: — Sr. presidente, durante as sessões em que se tem discutido o parecer da commissão de fazenda, sobre o projecto de lei da desamortisação dos bens das igre-1 jas e conventos de religiosas, tem-se dado circumstancias de muito peso, em opposição ao mesmo projecto, assim na questão da sua generalidade, como na do seu adiamento.

Estas circumstancias obrigam-me a tomar a palavra n'este logar para defender o parecer da commissão.

Tem sido sem duvida circumstancias muito ponderosas, notar-se que o em.mo cardeal patriarcha fora o primeiro a manifestar uma opinião adversa, se não se obtivesse a previa approvação do summo pontifice.

Nota-se mais a preponderância que nos argumentos apresentados exerceram as idéas religiosas, trazendo-se para este campo um objecto, que nunca entre nós foi, nem jamais pôde ser considerado, attenta a sua natureza, senão como meramente temporal.

5. em.a, a quem todos dedicamos muita amisade e veneração, fez sentir a conveniência de se obter a previa approvação pontifícia, para fazer calar os escrúpulos e tranqui-lisar as consciências de uma grande parte dos portuguezes.

Nota-se, finalmente, que entre os dignos pares que vo-tram assim a favor do adiamento, como contra o projecto na siia generalidade, se comprehendem os mais eminentes pelo seu grau de nobreza.

Sr. presidente, eu entendi e entendeu a commissão, que podia desassombradamente entrar na discussão do projecto e dar o seu parecer de conformidade com a sua consciência, sem faltar nem de leve ao respeito em que tem a religião do estado; á crença evangélica em que todos fomos educados; aos deveres em fim para com a igreja catholica apostólica romana, e consequentemente para com o seu cabeça visível na terra, o vigário de Christo.

Sr. presidente, na sessão passada entendeu v. ex.a, por um equivoco, que eu tinha pedido a -palavra sobre a questão de generalidade do projecto.

Talvez desse logar a esse equivoco algum movimento meu por occasião do insulto de que foi acommettido um dos nossos estimáveis collegas; mas a verdade é que estava eu então bem longe de querer tomar com minhas palavras tempo algum á camará.

Era para esta occasião, quando se discutisse este artigo 1.°, que eu me reservava, por considerar a sua matéria a mais importante, como base, e como fundamento essencial do parecer da commissão.

Assim mesmo ter-me-iá aproveitado da palavra que v. ex.a me concedia, so me não constasse que o digno par o sr. conde de Thomar, tencionava pedir a palavra. Ignorava então o sentido em que s. éx.a descorreria; e se assim seria, como relator da commissão, forçado a contestar alguns de seus argumentos.

1 Tive porém, ouvindo o discurso de s. ex.a uma agradável surpreza; pois que n'elle justificou muito melhor do que eu poderia fazer, o projecto na .sua generalidade. S. ex.a comprehendeu perfeitamente qual o espirito que dominou a commissão, tanto no exame que ella fez dá matéria, como

dos fundamentos em que baseou o seu parecer, e da prudência com que, adoptando a proposta vinda da camará dos srs. deputados, consignou disposições que hão de por certo dar á lei muito maior força moral.'

S. ex.a, fazendo assim justiça á commissão, deu-lhe a recompensa que ella manifestou ambicionar na conclusão do seu parecer, e os apoiados que s. ex.a ouviu de todos os lados da camará, bem demonstraram não só o acerto e con-cludencia das suas observações, mas que partilhava a sua apreciação acerca do complexo de disposições que a commissão havia adoptado. '

Sr. presidente, eu não posso deixar de confessar, que á primeira vista não é fácil pronunciar sobre este objecto, sem precedência de algum estudo, e muita reflexão.

Pela minha parte, e até ao momento de se apresentar na commissão o projecto de que se trata, não tenho formado opinião alguma, decididamente favorável. Pelo contrario, sabia que, quando se discutiu este mesmo projecto na camará dos srs. deputados, tinha ali um distincto jurisconsulto e profundo homem d'estado, proferido um remarcavel discurso, combatendo as disposições ali propostas, senão inteiramente quanto ao fim, quanto á forma, e quanto á competência do poder temporal e legislativo; li esse discurso e grande impressão me fez, e graves apprehensões me deixou. Depois, sendo obrigado a estudar a matéria, vacillei; profundei mais esse estudo, e por ultimo resultado concluí ^firmando a minha opinião.

I Um dos primeiros e fundamentaes argumentos que se adduzem contra o projecto da desamortisação decretada é o da violência que se faz ao direito de propriedade das igrejas e mosteiros. Diz-se que esta propriedade é tanto, ou mais, sagrada e inviolável que a garantida aos cidadãos pela carta constitucional. Foi este o principal argumento apresentado aqui pelo digno par o sr. marquez de Vallada.

Prometteu s. ex.a demonstra-lo philosophicamente pela historia, e pelos cânones; porém confesso ingenuamente que s. ex.a não pôde convencer-me, e sobretudo, parece-me que na parte philosophica o seu discurso foi mais que deficiente. E nem isto é para admirar, porque a questão philosophica do direito de propriedade, é uma das que têem sido mais difficeis de fixar, desde que esse direito começou a ser duvidado, a ser contestado.

Antigamente o direito de propriedade era respeitado como um dogma; era seguido e abraçado por todas as nações e um todos os tempos; ninguém o contestava, nem previa que fosse susceptivel de contestação. Mas vieram depois certos philosophos modernos e disseram que o direito de propriedade era uma quimera, que a propriedade não existia, que era um roubo... La propriété c'e«í le vol.

Vieram outros e disseram: o homem não tem direito a ter mais do que lhe for preciso para comer e vestir, o resto é propriedade nacional ou collectiva; e d'aqui o chamado communismo.

Vieram outros e disseram: a propriedade não é um roubo, e também não é commum, nem collectiva, mas é uma creação da lei. Ora, como tudo o que a lei cria pôde ser por ella destruído ou revogado no todo ou em parte, chegava-se ao mesmo fim, já da espoliação, já do communismo.

Vieram outros e disseram: a propriedade não é creação da lei civil, mas dependem essencialmente d'ella as condições da sua existência, os limites, os termos em que ella se pôde erigir e exercer.

Esta doutrina não é mais que um sophisma de reproduc-ção das antecedentes, e que infelizmente ainda que muito em boa fé, é partilhada por muitos espíritos.

Qual será pois a verdadeira doutrina? A ultima palavra da philosophia do direito de propriedade? É a d'a-quelles actualmente dizem que o direito de propriedade é um dos direitos preexistentes, originários e absolutos do homem (apoiaãos); que se,este direito se não manifesta fora das prescripções da lei, é porque fora das sociedades civis não tem protecção; e que é justamente para que elle seja protegido que as sociedades civis existem, e as leis são promulgadas; de tal modo que sempre quando parecem restringir o exercicio de um proprietário, não façam mais que defender o mesmo direiro de outro proprietário, e nunca os conflitos entre os interesses individuaes e os sociaes, pois que sempre que á sociedade carecer da propriedade do cidadão, deve este ser indemnisado.

Mas se o direito de propriedade deve ser assim qualificado, qual é a sua origem?

Diriva-se do direito que o homem tem para existir, e portanto para se apropriar das cousas necessárias á sua existência, assimilhando-as pelo seu trabalho, e gosando dos productos da sua industria, já em seu próprio beneficio, já de outros homens, pelo commercio, ou pela transmissão gratuita, a que mais se conforma com a rasão; por tal forma que o trabalho fique, em ultima analyse, como fundamento, próximo ou remoto, do direito de propriedade.

Mas esta theoriá do" direito de propriedade prende toda na sua demonstração com a dos direitos individuaes do homem preexistentes isto é, com abstracção das sociadades civis, que o tomam como objecto da sua protecção.

Ora as associações ou individuos moraes, só por uma ficção da lei, são equiparadas aos individuos. Têem uma individualidade ou unidade jurídica, e nunca uma individualidade natural, e menos preexistente, e comquanto o direito de associação seja também um dos originários do homem, o facto da mesma associação, não se concebe fora das sociedades civis, e portanto independente das leis.

Ê pois" palpável, torna-se evidente, quanto são diversas as circumstancias, em que se acham as associações, com relação ao direito de propriedade. As associações nasceram depois da sociedade; não existem senão,com,um determinado fim social subordinado á lei civil. E preciso'que a sociedade saiba se os seus fins são legitimos,' necessários ou

úteis á mesma sociedade: e somente depois de assim o reconhecer é que a associação tem o direito de existir (O sr. Marquez de Vallada:—Apoiado) como corpo moral; mas, não o direito de existir como individuo, porque a sua existência tem um fim determinado: não um direito absoluto, mas só relativo a esse mesmo fim; porque os direitos aqui são restritamente meios de o conseguir e mais não pôde fundamentar que os indispensáveis; tendo-os sufficientes, sendo-lhes garantidos pela lei, a sociedade tem satisfeito. Desde que a sociedade auctorisa a existência de certas e determinadas associações é consequência lógica e necessária, que também auctorise os meios necessários de se manter.

E note-se que fallo precisamente das associações que tem por fim um objecto de interesse publico ou publico e particular ao mesmo tempo, porque é somente então que se chamam pessoas moraes, constituidas, e legitimamente auctori-sadas, como corpos de mão morta, e com individualidade jurídica.

Ora se não pôde ser contestado, que depende essencialmente da lei esta individualidade, com relação á existência de taes corpos, forçoso é concluir que da lei depende definir qual seja a sua capacidade jurídica, seus limites e com-prehensão, para que sendo reconhecidas como úteis em rasão do seu fim, se não tornem prejudiciaes, em rasão dos meios de que possam lançar mão.

Esta é a doutrina que pôde demonstrar-se em presença das leis do reino, mas que é conforme aos códigos de outras nações, assim antigos como modernos, e que em nenhum se trata de alterar ou de modificar, e, que entre nós se procura conservar, como se vê do projecto do nosso código civil, artigo correspondente, que forma parte das disposições que estão já impressas do código, como approvadas pela commissão externas, encarregada da sua revisão (leu).

(Durante a leitura, interrupção ãe um oraãor: — Mas isso ainda não é lei do paiz.)

Isto que estou a ler é já lei do paiz porque é o mesmo-que está nas ordenações do reino: e com esta leitura não faço mais que auctorisar a doutrina e os principios expendidos com um argumento de auctoridade, e creio que não é menos respeitável a dos códigos civis, antigos e modernos de outros povos, que a dos jurisconsultos portuguezes, que já adoptaram n'esta parte a mesma doutrina e principios tão universal e constantemente seguidos.

(Continuou a ler.)

Posto isto, mais que sufficiente para justificar desde já as leis do paiz, assim prohibitivas da amortisação, como repressivas d'ella pela desamortisação, cumpre bem fixar idéas sobre a significação das palavras amortisação e desamortisação.

Sr. presidente, nós temos leis de amortisação e de desamortisação desde a origem da monarchia, desde o conde D. Henrique; leis de amortisação que são especiaes, graça do soberano, excepções que provam a regra da prohibição em contrario.

As provas, os documentos, podem os dignos pares ver sem ir mais longe no elucidário de Santa Rosa de Viterbo á palavra amortisação. Lá se encontram as excepções feitas á sé de Braga pelo conde D. Henrique em 1112, por D. Affonso Henriques ao mosteiro de Moncellos em 1131, ao mosteiro de Arouca era 1132, de Lorvão em 1133; depois de pesadas contendas e disputas, em favor da sé de Vizeu pelo mesmo rei; por D. Sancho I á sé de Lamego; e outras amortisações tiveram logar em tempo de D. Sancho II e Affonso II, até que lhes poz termo D. Diniz em 1309." Veiu todavia ainda depois a grande amortisação de D. Affonso V sanecionando as acquisições illegaes, feitas contra as regras da desamortisação, sanecionando-as desde a morte de D. João I até ao-anno de 1447. Agora leis de desarmotisação temos o exemplo na lei de 10 de julho de 1286 de D. Diniz, ordenando que não só fosse suscitada a prohibição de adquirirem as igrejas e mosteiros bens de raiz, mas que vendessem os que possuíssem.

Ha também leis de desamortisação e de amortisação ao mesmo tempo, isto é, leis mixtas, quaes são aquellas que seguindo um meio termo, consentiram que as igrejas e os mosteiros alienassem somente o domínio util, conservanda o directo, e portanto permittindo-lhes a fruição dos respectivos direitos dominicaes. O mesmo decreto de 13 de agosto de 1832, a lei de 22 de junho de 1846, foram leis de desamortisação, emquanto ou extinguiram foros e assim consolidaram o dominio util com. o directo, ou augmentaram o valor do mesmo dominio util pela reducçào dos foros. Contra esta regra tão antiga da desamortisação, não tinham, as excepções de amortisação, como diz Santa Rosa no seu elucidário, um documento positivo de direito pátrio em que-se fundassem, mas unicamente a vontade dos príncipes. Essa regra fundava-se na nossa- maneira de ser politica ou constitutiva das nossas correlações sociaes com os interesses e direitos da familia. Depois de impresso o relatório da commissão, chegou-me ás mãos um excellente manuscripto-em matéria de prasos. Foi-me confiado por um homem, que por excesso de modéstia me pediu que o lesse, para elle saber se mereceria ser impresso. É um excellente tratado de muita erudição e de muito estudo, que tende a demonstrar a necessidade da conservação do nosso direito emphy-teutico, sem se lhe, fazerem grandes alterações no futuro código civih

Já restitui esse manuscripto ao seu auctor, e lhe pedi com-instancia que o publicasse, prevenindo-o de que havia d'elle extrahido alguma instrucção de que havia defazeruso n'esta discussão, ao que teve a bondade de annuir.

Para não me revestir das pennas do pavão, faço esta declaração, e vou ler as palavras a que alludo com a devida licença do auctor.

«A base mais forte da organisação social dos povos do norte consistia no direito de familia, e na conservação delia-