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O código vrisigothico permittiu os testamentos, mas conservou a prohibição da alienação dos bens da família. Este direito de família passou para o nosso direito consuetudinário, e depois para lei de D. Affonso II denominada da avoenga.

«Ninguém podia alienar os bens da avoenga senão aos parentes mais próximos se estes a quizessem.

«Vigorou esta lei no reinado de D. Sancho II, que, concedendo ao mosteiro de Alcobaça o poder herdar lhe impoz a obrigação ãe venãer as herãaães a

« D. Diniz na lei que prohibe succeder os regulares diz: =.que por isso as possessões saíam ãa avoenga e ãa linha oVonãe proceãiam e se alienavam para sempre = »

Ora, é certo que o direito romano do código de Justiniano, no governo de D. João I, foi supplantando o direito wisigothico, em forma que a lei da avoenga foi revogada no titulo 37.° do livro 4.* da ordenação affonsina, mas também é certo que nos nossos costumes e nas nossas leis ficaram muitos vestígios da mesma lei, e que ella lança um grande raio de luz sobre a parte philosophica e histórica das leis repressivas da amortisação.

As igrejas e mosteiros possuindo herdades e bens de raiz não estão nas mesmas circumstancias das famílias, que são as que compõem, que constituem a sociedade; e já se vê que prover sobre este objecto, de interesse vital, de modo que os corpos de mão morta, que não são familias, as não podessem prejudicar pela amortisação dos bens de raiz, necessários para a conservação e subsistência d'ellas, não podia pertencer senão á competência exclusiva do poder civil.

Por isso na ordenação do livro 2.° titulo 1.° § 16.° se lia: « se algumas pessoas ecclesiasticas, igrejas, ou mosteiros adquerirem e houverem alguns bens nos reguengos ou outros alguns que sejam contra nossas leis, ou dos reis nossos antecessores, por qualquer modo que seja, sejam citados e demandados pelos ditos bens perante nossas justiças, e perante ellas responderão».

E note-se por occasião d'esta expressão—bens no reguengos— que uma das primeiras providencias que os nossos reis tinham adoptado para impedir as amortisações a favor dos mosteiros e das igrejas era a prohibição absoluta de possuir terras reguengueiras, que tinham esta qualificação por terem sido originariamente reservadas como património dos reis, natureza que tinha uma grande parte das terras do reino, e se conservava comquanto se achasse possuida pelos cidadãos, no seu pleno domínio, susceptível de transmissão por qualquer titulo.

Eu já disse, e repetirei agora, que a força das nossas leis de desamortisação acha-se até recebida pelos prelados do reino e concordada com a sé de Roma, sendo papa Nicolau IV. Queixavam-se os prelados no tempo de D. Diniz dos aggravamentos que eram feitos a elles e á igreja e mosteiro «por que não somente não quer el-rei que comprem heranças mas que ainda por força lhes occupa as do que de muito tempo a esta parte possuem ».

Eis o texto da concordata a similhante respeito:

«Respondem, consentem os prelados e procuradores de el-rei, que n'esta parte se guarde a lei de D. Affonso seu avô, que é esta».

Sr. presidente, citou-se no relatório da commissão.

Para demonstrar que, alem de ser este o direito antiquis-simo do reino, nos casos de permutação dos bens das igrejas ou mosteiros, não procediam as leis prohibitivas da alienação, em conformidade com os cânones, e até que expressamente se concedia ao principe a faculdade de legislar, foi citado no relatório da commissão o cânon 2.°, causa 10.*, questão 2.*

Disse a commissão que esta disposição, attribuida aos imperadores romanos, Leão e Anthemio, havia sido reconhecida pela igreja, pois que vinha comprehendida nas collec-ções do direito canónico.

Ora esta affirmativa é tão exacta, que esta com outras disposições, comprehendidas no mesmo cânon 2.°, são precedidas e recommendadas como favoráveis e de protecção á igreja:

«Ea enim qua? ad beatíssima? ecclesice jura pertinent, tanquam ipsam sacrosantam ecclesiam, intacta convenit ve-nerabiliter custodiri».

Incorporada esta disposição no decreto de Graciano, prova pelo menos a reserva de auctoridade civil que se encontra no texto de direito romano, como da authentica seã et permutare, e a nenhuma contradicção que ella soffreu da parte das igrejas, e na verdade valia pouco a pena de se pugnar pela subsistência de um direito, quando subrogado por outro maior, melhor ou igual.

Todavia, o sr. marquez de Vallada invocou, e vem citado também na representação de um cabido que ouvi ler, um outro texto que vem nas decretaes do santo padre Gregorio II, no qual se encontra uma disposição análoga, concedendo ao principe a mesma faculdade, diz comtudo que a permutação se realisa ãe communi voluntate, d'onde pretendeu concluir que para tudo se carecia do concurso do summo pontífice.

Ora, em primeiro logar, devo declarar ao digno par que este texto foi presente á commissão (O sr. Visconãe ãe Algés:— Apoiado), e que elle diz quasi pelas mesmas palavras, o que se encontra no decreto de Graciano.

Citou-se este porém com preferencia porque era o appli-cavel ás permutações ordenadas, como se trata no projecto, não por equidade e em proveito particular do principe si causa rationabilis id exposcat, mas por utiliãaãe publica, si res publica hoc exposcit.

A invocação mesmo d'este segundo texto é contraproducente, porque d'esse outro texto se vê que a faculdade concedida ao principe não fica dependendo senão de duas condições:

1. a Que a permutação se verifique por outra cousa maior ou igual;

2. ° Que se promulgue lei especial a esse respeito. Satisfeitos estes dois requisitos a permutação tem força

de contrato e ãe vontaãe commum, assim por parte da igreja, por effeito da disposição permanente do direito canónico, que assim de antemão o permitte ao principe = liceat ei hoc facere=, como por parte do mesmo principe, por effeito da referida promulgação.

Por consequência não ha antinomia, nem diversidade alguma entre os dois textos, a não ser a que fica indicada, de que é mais amplo o texto das decretaes de Gregorio II, comprehendendo os casos ordinários e de simples interesse do principe.

Nem outra intelligencia podia suppor-se a respeito de transacções similhantes, em que a igreja ou mosteiro, nada tinha a perder, e podia lucrar = subrogando por cousa melhor ou igual.

Ora tem de ser esse o resultado da subrogação geral proposta no presente projecto de lei.

E a este respeito fui informado de um facto do qual se conclue que não é sem fundamento esta minha asserção: não sei se o sr. ministro da fazenda tem noticia d'elle.

O facto é o seguinte. O digno prelado da sé do Porto, já fallecido, o sr. Moniz, pretendendo sobrogar uma quinta e casa annexa pertencente á mitra, tudo de pouco valor, tanto que andava arrendada quinta e casa por uns 80$000 réis, solicitou do governo auctorisação para permittir a venda em praça, e conversão do producto em inscripções de assentamento a favor da mitra.

A quinta foi effectivamente á praça e produziu 8:000$000 réis, os quaes convertidos em inscripções deram para a mitra um rendimento cerca de 480$000 réis.

Estas, e somente estas, foram as formalidades do contrato, ou d'essa permutação.

Comtudo também se trouxe para esta questão a carta constitucional, para fundamentar a inviolabilidade do direito de propriedade em relação aos seus bens immobiliarios.

A mesma carta auctorisa a expropriação por utilidade publica, uma vez que se verifique a indemnisação prévia, de modo que a mesma carta justifica o projecto.

Alem de que, como já fica demonstrado, a propriedade da igreja e mosteiros, subordinada ás regras geraes appli-caveis a todas e quaesquer corporações moraes auctorisadas, é uma propriedade não individual, mas circumseripta ao modo e termos que as leis civis determinarem.

A carta constitucional, sr. presidente, falia muito explicita e virtualmente do direito de propriedade'como direito individual; na sua letra não se encontra palavra alguma que se refira ás corporações moraes; mas por isso fica a igreja, ficam as corporações, com quanto auctorisadas, fora da lei?... Não, senhores, e muito menos a igreja. A igreja seria a ultima dos corporações moraes que ficasse fora da lei.

E porque?... Porque pela carta constitucional da monarchia é reconhecida a religião catholica apostólica romana como religião do estado; porque o herdeiro presumptivo da coroa, porque o rei, porque' os dignos pares e os srs. deputados da nação juram manter a religião catholica apostólica romana, c por conseguinte hão de mante-la por todos os meios de protecção moral e temporal de que carecer, para que possa existir, e possam desempenhar os seus ministros as augustas funcções do seu ministério.

Tenho concluido: mas antes de retomar a minha cadeira, permitta-me o digno par, marquez de Vallada, que eu diga algumas palavras em relação aos elogios que s. ex.* teve a bondade de me fazer durante o seu discurso; elles foram tão excessivos que, comquanto não possa deixar de agradecer ao digno par, não pôde este meu agradecimento ser tão rasgado como foram os seus louvores. Eu não sou tão falto de censo commum que nem saiba conhecer-me, nem saiba comparar-me; e por isso posso dizer em consciência que não me considero tal como s. ex.* me descreveu.

Ha comtudo nas palavras de s. ex.a um fundo de verdade, com relação ao trabalho a que me tenho dado toda a minha vida, para bem me habilitar ao desempenho dos meus deveres públicos; mas a este respeito permitta-me o digno par que eu lhe diga, que não fez muito bem em me dar um testemunho publico e tão solemne. Eu acredito mui sinceramente que s. ex.a o fez na melhor boa fé, mas querendo talvez fazer-me um beneficio, fez-me em realidade muito mal, e a si mesmo; porque s. ex.a, sendo um dos nossos collegas em quem todos reconhecem muito talento e estudo, e portanto que manifesta um trabalho constante, ha de supportar as mesmas consequências que supportam n'este paiz todos os homens que dão o péssimo exemplo do amor ao trabalho.

Estas ultimas palavras são agora uma repetição de outras que proferi n'uma occasião solemne, em reunião particular de dignos pares. Foram então enunciadas com alguma acrimonia em presença de ministros da corOa, e desde logo senti os effeitos da minha imprudência, e tive o pre-sentimento de que se havia de aproveitar qualquer ensejo de me causarem muito sérios desgostos. ,

Desengane-se o digno par; não é estudando, não é trabalhando, não é distinguindo-se na tribuna, como s. ex.* deseja distinguir-se, que se pôde bem merecer n'este paiz; assim como não é prodigalisando louvares que se pôde fazer sobresair o mérito; ao contrario, a inveja, desperta-se, re-força-se (O sr. Marquez ãe Vallaãa:—Apoiado; tem rasão), e assim, sem querer, s. ex.a me fez mais mal do que ibem; dc maneira que se o digno par é para temer quando censura, não é menos de receiar quando elogia.

Fere quando aggride, e não fere menos a quem presta louvores (riso).

(Durante o ãiscurso ão oraãor, entraram na sala os srs. presidente ão conselho e ministro ão reino (Marquez ãe Lou-léjt e ministro ãa marinha (Carlos Bento ãa Silva).

Não havenão quem mais pedisse a palavra, foi posto á votação o artigo 1." com os respectivos §§ e approvado.

Leu-se na mesa o artigo 2.", que ê do teor seguinte:

Art. 2.° Os bens e direitos immobiliarios excluídos da amortisação pelo artigo antecedente e seu § 1.° serão subrogados em favor dos ditos estabelecimentos por outros bens que produzam rendimento liquido maior, melhor ou igual, que o proveniente dos mesmos bens e direitos.

Foi approvaão sem âiscussão.

O sr. Conãe ãe Thomar: — Peço a palavra.

O sr. Presiãente: — Tem a palavra, se é sobre o artigo 3.° que se vae ler.

O sr. Conde de Thomar: — E para apresentar um additamento que. a commissão collocará onde convier, se elle for appravado.

Eu tinha feito um requerimento, que foi approvado pela camará, dirigido ao governo, pedindo uma relação das doações feitas por particulares ás casas religiosas, contendo a clausula de reversão aos doadores ou seus herdeiros, no caso de extineção ou suppressão dos conventos. O governo não satisfez a este pedido, porque naturalmente achou difficuldade em satisfazer, e effectivamente talvez não tivesse todos os eoclareciraentos para tão promptamente responder e satisfazer ao pedido que lhe tinha sido feito; comtudo, na occasião em que eu fallei na generalidade do projecto, enunciei o meu pensamento, e parece-me que a commissão, e geralmente a camará, o tinha bem recebido. Também me pareceu que não podia deixar de acontecer assim, attendendo a que elle contém um principio de justiça, que não pôde de maneira nenhuma ser combatido, e que na minha opinião é conforme ás leis do reino. Espero portanto que a commissão haja de declarar se aceita este meu additamento; e no caso de ser aceito, que a camará haja de o approvar.

Leu-se na mesa, e ê do teor seguinte:

«Não são comprehendidas nas disposições d'estalei as doações feitas por particulares ás corporações religiosas, nas quaes se contém a clausulu de reversão aos doadores ou seus herdeiros, no caso de extineção ou suppressão das mencionadas corporações religiosas.

Camara dos pares, 12 de março de 1861. = Conãe ãe Thomor ».

Proposta á votação a sua aãmissão, assim se resolveu.

O sr. Ferrão:—Parece-me que o additamento proposto pelo digno par deve ser mandado á commissão para o considerar, porque é certo haver alguns casos nas circumstancias que se indicaram, com relação principalmente aos bens dos mosteiros. E innegavel que as doações ou consignações de bens de raiz feitas com a clausula de reversão, não podem, verificado o evento previsto, deixar de se considerar rescindidas, e portanto os bens hão de ser entregues aos legitimos successores ou representantes dos doadores ou instituidores. Assim se tem entendido sempre, e, com quanto seja em presença dos termos e titulos em que se mostrar escripta similhante clausula, que se deve avaliar o direito de qualquer reclamante, parece-me que posso informar a camará de que, sem embargo de não existir uma declaração legal a este respeito, effectivamente têem apparecido algumas reclamações deduzidas perante os tribunaes, aonde, em conformidade com os principios de direito, têem sido decididas a favor dos reclamantes (apoiaãos).

Sei mesmo que o próprio governo, em vista de documentos que provam evidentemente similhante clausula, tem reconhecido administrativamente, sem dependência de litigio, a força resolutoria, mandando entregar os bens respectivos. Portanto poderá reputar-se conveniente, mas não necessário que se inclu* aqui uma disposição sobre a hypothese de que se trata; comtudo a camará resolverá se assim se deve ou não praticar, para se evitarem demandas, e para claramente ficar consignado um direito, que é fundado em principios geraes de justiça, satisfeitos assim todos os escrúpulos e receios, que por ventura alguem tenha a similhante respeito.

O sr. Marquez ãe Vallaãa:—Eu abundo inteiramente nas idéas do auctor do additamento, e concordo também com o que acaba de dizer o digno par, o sr. Ferrão, tanto mais que sei ter havido algumas fundações de casas religiosas, nas quaes existem algumas obrigações de capellas que estão annexas aos vinculos. Acontece que na minha casa ha uma capella fundada n'um vinculo que eu administro, e que é existente no convento das religiosas dos Cardaes, na qual ha exactamente a clausula de que quando se não cumpram as obrigações, haja reversão. Eu estimava que o sr. ministro da fazenda tivesse satisfeito ao requerimento que n'uma das sessões passadas fez o digno par, o sr. conde de Thomar, porque se os documentos que s. ex.* pediu tivessem vindo para a camará, nós votaríamos então com mais conhecimento de,causa; todavia depois das explicações que deu o digno par o sr. Ferrão, parece-me não haver inconveniente nenhum, mas apesar d'isso quanto mais clara for a lei melhor, para obviar quaesquer difficuldades que no futuro possam por ventura apparecer.

O sr. Visconãe ãe Algés: — Na qualidade de membro da commissão approva o additamento proposto pelo digno par o sr. conde de Thomar.

É verdade que quando não fosse expresso n'esta lei estava comtudo a matéria do referido additamento contida no direito, porque não se revogam n'aquella os principios geraes do mesmo direito, e que são applicaveis no caso presente. Todavia as leis não ficam defeituosas por conterem todas as clarezas e explicações que pelo menos produzem o grande bem de evitar demandas (apoiaãos).

Elle, orador, entende comtudo que em objectos tão graves como a matéria d'esta lei, qualquer emenda ou addi-