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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
SESSÃO N.° 25
EM 17 DE NOVEMBRO DE 1906
Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha
Secretarios - os Dignos Pares
Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda
SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Digno Par Sebastião Baracho apresenta uma representação do 1.° sargento de veteranos Ferreira Monteiro, insta por documentos que requereu pelo Ministerio da Guerra, pede explicações ao Sr. Ministro do Reino sobre a captura de tres cidadãos hespanhoes, sobre a falta de melhoria aos empregados dos governos civis e sobre o facto de não terem sido ainda criadas as escolas que o capitalista Manoel Xavier Forte dotou n'uma verba testamentaria. - Respondem ao Digno Par os Srs. Ministros do Reino e da Guerra. - O Digno Par Telles de Vasconcellos justifica o motivo por que tem deixado de comparecer ás sessões o Digno Par Cau da Costa.- O Digno Par Ferreira Freire participa achar-se constituida a commissão do bill.
Ordem do dia. - Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Corôa. - Usa da palavra o Digno Par Teixeira de Sousa. - Tendo dado a hora, o Sr. Presidente levanta a sessão, marcando a seguinte para segunda feira 19, com a mesma ordem do dia.
Pelas 2 horas e 40 minutos da tarde, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.
Feita a chamada verificou-se a presença de 22 Dignos Pares.
Foi lida, e approvada sem reclamação, a acta da sessão anterior.
Mencionou-se o seguinte expediente:
Officios:
Do Ministerio da Fazenda, remettendo 160 exemplares de documentos relativos ao orçamento geral do Estado para 1906-1907.
Foram mandados distribuir.
Do Ministerio da Marinha, satisfazendo requerimentos dos Dignos Pares Sebastião Baracho e Moraes Sarmento.
O Sr. Sebastião Baracho: - Mando para a mesa uma representação em que o 1.° sargento de veteranos, Ferreira Monteiro, pede melhoria de vencimentos, petição cuja justiça me parece patente.
Reformado, em virtude de inutilização rio serviço em Africa, vence o seu magro estipendio por tarifa differente da que vigora na actualidade.
Se, alem d'esta circumstancia, se tiver presente que este veterano conta 36 annos de serviço, reconhecer-se-ha
que é de boa lei o seu pedido, cujos termos correctos me permittem solicitar, como de facto solicito, a sua inserção no Diario do Governo.
Aproveitando a presença do Sr. Ministro da Guerra, insto com S. Exa. para que me sejam fornecidos os documentos que pedi em 1 de outubro, e de que destaco os que são referentes aos comboios e salões especiaes, como mais urgentes.
Desejaria tambem saber o que se apurou acêrca da paternidade do manifesto anonymo, que circulou por occasião dos actos de indisciplina nos cruzadores D. Carlos e Vasco da Gama.
Consoante tenho notado, por mais de uma vez, essa papeleta visava tres corpos da guarnição, indigitando-os como aptos para entrarem em qualquer movimento revolucionario.
O que se apurou pelo Ministerio da Guerra, concernentemente a tal affirmação, que tresanda a policia preventiva, em elaboração de pavorosa?
Aguardo a resposta do Sr. Ministro da Guerra relativamente aos assumptos que versei, e vou dirigir-me ao Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino, começando por chamar a sua attenção para o procedimento inqualificavel da policia, havido num dos ultimos dias para com tres cidadãos hespanhoes.
O que se praticou, por parte da policia de segurança e da policia preventiva e de investigação, não tem exemplo nos processos habituaes da Barbaria. Só no sertão africano se podem correntiamente dar occorrencias d'este jaez.
Presos arbitrariamente, os tres hespanhoes foram lançados n'um calabouço infecto, na mais degradante promiscuidade com detidos por crimes communs.
Só foram interrogados tarde e a más horas, quando o deviam ser immediatamente á sua prisão.
Tudo isto prova, Sr. Presidente, quanto eu estou integrado com a verdade, pedindo a reforma dos costumes da policia, cujos desmandos, pela sua frequencia, dão a nota do mau conceito em que justamente é tida e havida aquella corporação. Mais uma vez o consigno.
A outras questões me vou referir, igualmente da alçada do Ministerio do Reino.
Começarei por lembrar que ha poucos dias o Sr. Presidente do Conselho registava o mau estar dos funccionarios publicos, muitos dos quaes são forçados a completar, com trabalho estranho ao que teem que dar ao Estado, os recursos indispensaveis á sua subsistencia.
No intuito de melhorar esta ordem
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de cousas, foi apresentada uma proposta de lei ao Parlamento. Infelizmente nem todas as classes são abrangidas por essa medida, quê não deveria admittir excepções.
Pois ha-as. Tenha-se em mente o que succede com os empregados dos governos civis, cuja exclusão dos beneficios destinados aos outros funccionarios publidos não tem desculpa.
Esses empregos foram instituidos ha 73 annos, e desde então os seus titulares não tiveram melhoramento de vencimentos. Demais, o decreto de 31 de janeiro de 1863 e regulamento geral da policia de 7 de abril do mesmo anno, abolindo os passaportes no interior do reino, privou-os de emolumentos que até então cobravam.
Para os indemnizar d'esta perda, foi-lhes decretado, em 25 de junho de 1864, o augmento de ordenado em 20 por cento.
Este decreto porem não chegou a pôr-se em execução. Nunca passou de letra morta.
Em 18 de março de 1895, foi convertido em receita do Estado o producto dos emolumentos dos passaportes.
A titulo de indemnização, foram destinados 30:000$000 réis para serem distribuirdes pelos empregados a que venho alludindo. Mas como a distribuição não é feita igualmente por todos os districtos, a um d'estes, por exemplo, foi arbitrada a verba de 9$140 réis annuaes, ou 761 réis mensaes, dos quaes cabem ao secretario geral 136 réis; ao official, 102 réis; e ao amanuense, 68 réis. Ora, isto é simplesmente irrisorio.
Todos estes factos se conjugam para que os funccionarios dos governos civis sejam incluidos entre os que mais carecem de ter os vencimentos melhorados.
Para esta aspiração, chamo a attenção do Sr. Presidente do Conselho, a quem vou ainda dirigir-me, em virtude de uma representação que me foi enviada, e que vou extractar pela seguinte forma:
"Os presidentes das juntas de parochia das freguesias de S. João de Airão, de S. Pedro de Escudeiro, de Joanne e de Santa Maria de Airão, dos concelhos de Braga e Guimarães, desejam que seja chamada a attenção do Sr. Ministro do Reino sobre o seguinte:
Em 1890, falleceu em Lisboa, o capitalista Manoel Xavier Forte, que deixou os seguintes legados:
Para a criação de uma escola do sexo masculino na freguesia de S. Pedro de Escudeiro 5:000$000
Idem para uma do sexo feminino da mesma freguesia 4:000$000
Idem para uma do sexo feminino na freguesia S. João de Airão e Santa Maria de Airão 5:000$000
Idem para uma do sexo masculino nas mesmas freguesias 4:000$000
Idem para ama do sexo masculino na freguesia de Joanne 5:000$000
Somma 23:000$000
Este legado era em inseripções nominaes.
Informam-me:
Que pelas respectivas juntas de parochia teem sido feitas varias reclamações para a Direcção Geral de Instrucção Publica, para esta intervir reclamando o cumprimento de tão importante legado, mas que até hoje, tal entidade, nada tem feito.
Que as referidas juntas já solicitaram a entrega do capital, para darem cumprimento á vontade do testador, mas que foram julgadas incompetentes por haver uma commissão official encarregada de receber todos os donativos destinados á instrucção.
Que a herdeira D. Anna Amalia Mosteiro, residente em Lisboa, reclamou a posse dos juros do capital até a data da entrega ás destinatarias; que o juiz na primeira instancia indeferiu, mas que ella agravou e as juntas não sabem sequer se teem idoneidade para acompanhar a questão judiciaria, ou se essa missão cabe á commissão official de recepção de donativos para a instrucção.
O testamento indica o destino dos legados, caso elles não tenham a applicação indicada, e vem a ser: - "metade para a herdeira D. Amalia, e a outra metade, dividida pela Misericordia e hospital do concelho a que pertencer a freguesia, e a escola que tiver deixado de funccionar regularmente dois annos seguidos, depois de aberta."
Perante a succinta exposição, que acabo de fazer, rogo ao Sr. Presidente do Conselho que se digne tomar as providencias necessarias, a fim de que o legado de Manoel Xavier Forte tenha a devida aplicação, em beneficio da instrucção publica.
Como está proximo a hora de se entrar na ordem do dia, não me refiro hoje a outro assumpto, qual é o de uma reclamação das professoras ajudantes das escolas primarias de Lisboa.
N'outra occasião farei valer as suas revindicações, que me foram patenteadas por uma commissão de tres d'essas professoras.
Para concluir, direi que desejo trocar impressões com o Sr. Ministro das Obras Publicas, referentemente ao regimen das aguas do rio Alviela, o qual banha a villa de Torres Novas e desemboca no Tejo, na Azinhaga; e bem assim com respeito á ponte da Chamusca, em construcção.
(O Digno Par não reviu).
A Camara autorizou que a representação apresentada pelo Digno Par fosse publicada no a Diario do Governo".
O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: em relação ao primeiro ponto para que o Digno Par Sr. Baracho chamou a minha attenção, peço licença a S. Exa. para lhe dizer que foi um pouco exaggerado quando aventou que os equivocos na acção policial são um facto que só na Barberia se poderá dar.
Esses equivocos bom é que não sejam frequentes; mas em toda a parte se dão, posto sejam sempre para lastimar.
Sem querer fazer esforços de memoria, recordarei que em França houve ainda não ha muitos annos, com o Digno Par Sr. Conde de Valenças, um equivoco não menos impertinente do que aquelle a que se referiu o Sr. Baracho.
Já S. Exa. vê que identicos factos se teem dado em outros paizes, sem que demonstrem que a instituição ou os regulamentos policiaes devam, unicamente por esses factos, ser condemnados.
É lamentavel o equivoco a que o Digno Par se referiu, e não me passa despercebido. Hei de fazer sentir o meu desgosto, mas é um facto que pode oc-correr em toda a parte.
Quanto ás reclamações dos empregados dos Governos Civis, tenho a dizer que a proposta de lei que o Governo apresenta ao Parlamento, relativa aos funccionarios publicos, comprehende duas partes.
Uma d'ellas refere-se á extincção do imposto de rendimento nos vencimentos que não sejam superiores a 600$000 réis; e a reducção a metade d'ahi para cima.
Esta parte da proposta abrange todo o funccionalismo; portanto, aproveita aos empregados dos Governos Civis.
A outra parte da proposta tem em vista iniciar um movimento de melhoria nos vencimentos dos amanuenses e segundos officiaes das secretarias de Estado.
Não pode esta parte da proposta alargar-se, desde já, a maior numero
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de funccionarios, porque o augmento de despesa que isso acarretaria era incompativel com as circumstancias actuaes do Thesouro.
Estas circumstancias aconselham que a melhoria de situação dos funccionarios publicos se faça parcimoniosamente e em annos successivos.
Quanto ao terceiro ponto a que se referiu o Digno Par, á questão dos legados para escolas, não tenho conhecimento do facto indicado, mas sobre elle poderei informar-me e dedicar-lhe a minha attenção.
Direi porem que, em harmonia com a lei vigente, os legados d'essa natureza não podem ser entregues ás juntas de parochia.
Constituem receita do Estado que, por elles, fica no dever de criar as es colas e fazê-las funccionar em conformidade com os intuitos do testador. Se á escola a que se refere o Digno Par não foi criada, alguma razão deve ter havido, o que procurarei indagar.
Aproveito a occasião para dizer a V. Exa. e á Camara que, visto não estar presente o Sr. José de Azevedo Castello Branco, que tem de assistir hoje aos trabalhos do Conselho Superior de Instrucção Publica, deixo para a primeira sessão as considerações que desejava apresentar em resposta ao seu ultimo discurso.
S. Exa. attribuiu-me affirmações que eu não fiz e, por isso, não posso dispensar me de usar da palavra na presença de S. Exa., muito embora o que tenho a dizer não melindre, aquelle Digno Par.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Ministro da Guerra (Vasconcellos Porto): - Pedi a palavra porque desejava responder ás perguntas feitas pelo Digno Par Sr. Baracho, relativa mente á demora que tem havido na remessa de alguns documentos que S. Exa. solicitou para tratar de differentes assumptos; e bem assim á falta de resposta sobre uma syndicancia que S. Exa. entendia dever effectuar-se a respeito de um impresso anonymo em que eram visados alguns corpos da guarnição de Lisboa.
Quanto aos documentos que S. Exa. pediu em junho, eu dei ordem no meu Ministerio para que fossem enviados ao Digno Par, e alguns d'elles vieram logo no primeiro dia de sessão.
V. Exa. comprehende que não é possivel dar rapido andamento a todos os documentos que o Digno Par tem pedido; ha mais requerimentos de outros Dignos Pares, e por parte da Camara dos Senhores Deputados tambem teem sido pedidos muitos documentos; V. Exa. comprehende que eu não disponho do numero suficiente de empregados para, como desejava, dar mais rapida satisfação a todos estes pedidos.
Comtudo recommendarei que sejam satisfeitos com a maior brevidade possivel todos os requerimentos do Digno Par.
Com relação ao pedido que S. Exa. fez da lista de comboios e salões especiaes, já hoje assignei um officio remettendo esses documentos para esta Camara.
Quanto ao impresso anonymo a que S. Exa. a se referiu, não se encontram no Ministerio da Guerra vestigios alguns d'esse documento, e por isso falta a base para qualquer procedimento a tomar.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Telles de Vasconcellos: - Pedi a palavra para participar a V. Exa. e á Camara que o Digno Par Sr. Cau da Costa não tem comparecido ás sessões por motivo justificado.
O Sr. José Luiz Ferreira Freire: - Pedi a palavra para participar a V. Exa. que se acha constituida a commissão do bill tendo nomeado para seu presidente o Digno Par Sr. Beirão, e a mim para secretario.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa
O Sr. Teixeira de Sousa: - Agradeço ao Sr. Presidente a amabilidade que teve de me reservar a palavra para a sessão de hoje.
lia pujança da sua vida e do seu talento, que é de primeira grandeza, o Sr. Presidente do Conselho exerceu já os cargos de Ministro da Fazenda, Ministro das Obras Publicas e Ministro do Reino.
Ás funcções d'estes cargos dedicou S. Exa. toda a sua energia e toda a sua boa vontade; todavia, veio agora declarar á Camara que a sua obra de então, longe de produzir para o paiz resultados beneficos, foi prejudicial.
É uma confissão que mostra a sua sinceridade, mas que lhe tira a auctoridade para fazer nova obra.
Haverá porventura alguma vanta gem, em pôr as instituições em cheque, e imprimir ao paiz o abalo que elle está soffrendo para realizar o programma redemptor do Sr. Presidente do Conselho? Não, por certo. O arrependimento do Sr. João Franco revela uma grande sinceridade; ninguem o contesta. Mas tira a quem d'elle se honra a auctoridade para ser o reformador apregoado de todo o existente. E tempo de dizer ao Governo e, em especial, ao Sr. Presidente do Conselho : -pare, porque muito mal tem feito já.
Da mesma maneira que S. Exa. falava quando defendia a lei de 13 de fevereiro, quando defendia a garantia para a auctoridade administrativa, quando defendia a lei eleitoral de 1895, quando defendia o Juizo de Instrucção Criminal, vem hoje, com o mesmo ardor, com a mesma fé, mui espontaneamente, declarar-nos que a essa obra faltavam os requisitos necessarios para ser util ao paiz.
Sr. Presidente: ha agentes therapeuticos, que são tão energicos e decisivos na sua acção que, se não forem ministrados com ponderação e opportunidade, produzem a intoxicação e a morte, e não a reacção salvadora e salutar que se espera.
V. Exa. comprehende bem a que me refiro.
O Sr. Presidente do Conselho está tomando graves responsabilidades para com o para e para com a Corôa.
Não quero ser desagradavel a S. Exa., pelo contrario, esforço-me por manter com o Sr. Presidente do Conselho as melhores relações de amizade que muito prezo e muito estimo, mas julgo-me no direito de perguntar se convirá fazer uma profunda perturbação na politica do paiz; se valerá a pena pôr as instituições em perigo para dar vulto e vida ao plano do Sr. João Franco.
Se esse plano não vale por si, e se o passado do Sr. Presidente do Conselho não só não pode garantir o seu futuro, mas até depõe contra elle, parece-me avisado e prudente dizer e repetir ao Governo que pare.
O Sr. Pimentel Pinto: - Apoiado, apoiado.
O Orador: - Ainda ha poucos dias, em resposta ao meu illustre amigo e chefe, o Digno Par. Sr. Hintze Ribeiro, o Sr. Presidente do Conselho fazia a apologia dos circulos uninominaes; ainda ha poucos dias o Sr. Presidente do Conselho promettia uma proposta restabelecendo os circulos iminominaes, para fazer desapparecer a lei actual, a que o Sr. Luciano Monteiro hontem chamou odiosa, mas que é a lei pela qual foi eleita a maio" ia da Camara dos Senhores Deputados, á qual o Sr. João. Franco entregou a sua nova obra de regeneração moral e politica do paiz.
O Sr. Presidente do Conselho faz agora a apologia dos circulos uninominaes.
Pois ainda não ha muitos annos que os, combateu energicamente, com o mesmo calor que põe agora na sua apaixonada defeza! Então substituiu-os pelos circulos plurinominaes. E lembro-me até de que esse seu discurso é um dos mais brilhantes da carreira parlamentar do illustre homem publico.
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O que se passa com os circulos uninominaes dá-se tambem com a responsabilidade ministerial.
A questão da responsabilidade ministerial é o logar commum de todos os Governos reformadores.
Desde 1834, até agora, poucos Governos teem deixado de apresentar projectos n'este sentido, os quaes não chegaram a ser convertidos em lei.
O Sr. Presidente do Conselho tambem levou o Sr. Ministro da Justiça a fazer um projecto de lei sobre a responsabilidade ministerial.
E já agora chamarei a attenção do Governo para uma incongruencia que se encontra n'este projecto.
Os Ministros podem ser accusados por qualquer cidadão portuguez, mas é necessario que esse cidadão deposite 2:500$000 réis e, se a accusação for julgada improcedente, perde essa quantia.
Quem não possuir, ou não puder perder 2:500$000 réis, não terá maneira de se desaffontar.
No seu periodo inicial de propaganda politica, ao fazer a apologia da responsabilidade ministerial, o Sr. Presidente do Conselho ainda falava de accordos e conluios entre os partidos progressista e regenerador.
Dizia que era precisa uma lei de responsabilidade ministerial, lei pela qual os Ministros respondessem, não perante a Camara dos Pares, mas perante um poder independente - o poder judicial. E n'esta ordem de ideias foi elaborado o relatorio da sua proposta de lei sobre a responsabilidade dos Ministros.
S. Exa. entendia então que só o poder judicial offerecia garantias de punir os culpados.
Sustentou, no relatorio apresentado á Camara dos Deputados, o seu modo de ver e de pensar; mas, quando nós lemos as disposições da lei por S. Exa. apresentada, que vemos?
Que propõe o Sr. Presidente do Conselho?
Propõe que os delictos praticados pelos Ministros sejam julgados pela Camara dos Pares!
O Sr. Conselheiro João Franco entendia que os delictos praticados pelos Ministros deviam ser julgados pelo Supremo Tribunal de Justiça; mas, agora, ao redigir a proposta de lei, manda que esses delictos sejam julgados na Camara dos Pares!
S. Exa. viu-se obrigado a proceder assim, porque a Carta Constitucional estabelece que á Camara dos Pares compete o julgamento dos Ministros, e as disposições da Carta não podem ser alteradas por leis ordinarias. (Apoiados).
Mas occorre perguntar:
Se o Sr. João Franco sabia que a Carta não podia ser alterada por uma lei ordinaria, para que se apressou a elaborar essa lei?
Seria porque, governando S. Exa. fora do rotativismo, não se darão, durante o tempo que S. Exa. estiver no poder, actos que levem os Ministros a responder perante a Camara dos Pares?
Mas se o Governo reconhece, como se vê no Discurso da Coroa, que é necessario reformar artigos da Carta, por que não esperou pela reforma da lei fundamental do Estado para apresentar depois a lei de responsabilidade ministerial?
É que não se trata propriamente de legislar, nem de morigerar os nossos costumes politicos.
Do que se trata, principalmente, é de fazer politica. Do que se trata, ao que parece, é de desacreditar tudo e todos. (Apoiados).
Ora emquanto o Governo se entretem com taes manifestações de politica juridica, nenhum caso faz das verdadeiras questões dominantes na administração publica, que tanto interessam ao paiz, e que se ligam á sua fazenda, ao seu problema economico, e ás suas colonias.
Não se pode negar com verdade que tivemos uma questão grave que emocionou o paiz inteiro - a questão dos tabacos, que vinha desde 1891.
Trouxe ou não perturbação ao paiz a questão dos tabacos?
Trouxe. E trouxe por que? Porque as nossas condições financeiras não permittiam pagar o que deviamos.
O Sr. Presidente d'esta Camara sabe perfeitamente que a questão dos tabacos nos trouxe complicações, porque em 1891 era S. Exa. Ministro da Fazenda e não pôde pagar um supprimento de 3.000:000 de libras; e ainda hoje não podemos realizar facilmente e conversão das obrigações dos tabacos, porque ella importa em 35:000 contos de réis.
Por que é que a nossa economia não encontra recursos fáceis nas disponibilidades do capital?
Por que as, nossas circumstancias financeiras não teem permittido evitar o recurso á divida fluctuante, que consome todas as economias da sociedade portuguesa.
Por que é que a nossa instrucção elementar não está disseminada por todo o paiz?
Por que é deficiente a nossa instrucção superior?
Porque não temos exercito e marinha nas condições necessarias para lutar com qualquer grave eventualidade?
Por que não temos tratado convenientemente do desenvolvimento das nossas colonias?
Não temos tudo isto, porque a nossa situação financeira não tem permittido cuidar devidamente de tão importantes questões.
Tudo é pouco para os encargos da divida fluctuante interior e exterior.
Todos os homens publicos de Portugal reconhecem, por exemplo, a necessidade de uma convenção commercial com o Brasil, que viesse animar a nossa exportação, principalmente a relativa a vinhos.
Por que não temos um tratado de commercio com o Brasil, destinado a favorecer a nossa economia?
Por que a nossa situação financeira não permitte dar em troca os beneficios que o Brasil nos pede nos assucares e no café, pois ternos de salvaguardar os nossos productos coloniaes.
Ora se isto assim é, se a situação economica e financeira nos perturba e nos constrange, a que vêem as propostas apresentadas pelo actual Governo ao Parlamento?
É facto que a nossa situação financeira tem melhorado, mas essa melhoria não nos garante absoluta tranquilidade.
As colonias teem deixado de pesar duramente sobre a situação financeira da metropole, e isto tem contribuido bastante para dar-nos maior desafogo.
Mas é preciso muito cuidado para não tornarmos á antiga.
Sinto não ver presente o Digno Par Sr. Luciano Monteiro, que teve de ausentar-se por motivo de serviço urgente.
Desejava dizer-lhe que não foi facil empresa conseguir o convenio honroso
que fizemos com os credores externos, e que não foi só o Sr. Dias Ferreira que contribuiu para esse accordo.
O Digno Par attribuiu ao Sr. Dias Ferreira a gloria do convenio. Flagrante injustiça!
Que o diga, por exemplo, o partido progressista, hoje alliado do Governo; que o testemunhe o Digno Par Sr. Beirão; que o digam todos os Ministros dos Negocios Estrangeiros do periodo anterior ao convenio.
Pergunte-se a todos esses Ministros, qual era a situação internacional do paiz antes do convenio, e qual foi o resultado dos esforços patrioticos que empregaram para a melhorar.
O partido regenerador não teve só a gloria de assignar a concordata com os credores externos; teve muito que fazer e muito que luctar para chegar a esse acordo. (Apoiados).
Ainda está na memoria de todos o que foi dito contra nós do alto da tribuna franceza.
No Senado da França, o Ministro dos Negocios Estrangeiros de então, que tinha uma situação excepcional na politica do mundo, respondendo a uma interpellação do Senador Guèrin, dizia
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que o Governo Francez sabia muito bem os meios de que devia dispor para obrigar Portugal a cumprir o seu dever.
É de facil comprehensão o que poderia seguir-se de grave após as palavras do Ministro dos Estrangeiros da Republica Franceza.
Mas é facto que a convenção com os credores externos foi levada a effeito, sendo hoje lei do paiz; negociou-se e foi ultimada pelo Governo regenerador com honra e vantagem para Portugal. (Apoiados).
A convenção com os credores externos deu-nos tambem, pode dizer-se, a confiança da politica europeia, porque essa prova se traduziu pouco tempo depois em factos de alta significação politica, como foram os da vinda a Portugal do Rei da Inglaterra, do Imperador da Allemanha, do Rei de Hespanha e do Presidente da Republica Franceza.
Operou-se para nós, devido ao convenio com os credores extenua, uma situação internacional, como ha muito não possuiamos. (Apoiados).
Sob o ponto de vista propriamente financeiro, o convenio imprimiu tran-quillidade e confiança ao capital e affirmou o nosso credito externo.
O convenio fez que muito ouro ficasse no nosso paiz, e fez até que o agio do ouro, que attiugiu 700 contos de réis, quasi tenha desapparecido, pouco ou nada pesando já no orçamento do Estado e na economia publica.
A resolução da questão dos tabacos, na qual eu tive uma intervenção que não occulto, favoreceu o Estado com um augmento de renda annual de 1:800 contos de réis.
Mas não temos nós uma divida fluctuante de 74:211 contos de réis, segundo a ultima nota publicada no Diario do Governo?
Disse o Sr. Presidente do Conselho que não havia vendido titulos da divida publica para pagar despesas com material de guerra, e que não emittiria nenhum emprestimo.
Não concordo com a doutrina do Sr. Presidente do Conselho, porque ha uma lei votada pelas Côrtes que auctoriza o Governo a contrahir um emprestimo de 4:500 contos de réis para pagamento de despesas com material de guerra.
O Sr. Presidente do Conselho, recorrendo á divida fluctuante para pagar despesas do material de guerra encommendado, praticou uma illegalidade flagrante, porque a lei só auctoriza que se recorra á divida fluctuante em determinado limite, e em representação de receitas, não para pagar material de guerra.
A divida fluctuante é, como disse, de 74:211 contos de réis. Deduzida d'estes 74:211 contos de réis a importancia relativa ao Banco de Portugal, que é de 24:000 contos de réis, ficam a descoberto 50:000 contos de réis.
Ora 50:000 contos de réis constituem ainda um perigo grave.
Que nos promette o Governo para pagar ou consolidar a divida fluctuante externa 'i
A divida fluctuante interna tem gravissimos inconvenientes, sobrelevando a todos a facilidade de collocação do capital que d'ella se vale para obter com facilidade um juro de 5 por cento, retrahindo-se assim para toda a natureza de emprehendimentos no campo economico. D'este modo, a industria e o commercio são altamente prejudicados, porque não encontram disponibilidades de capital para fazer face ao seu movimento e necessidades.
A divida fluctuante augmenta dia a dia, assustadoramente, devorando até as economias da população com o açambarcamento das quantias depositadas no Montepio Geral e na Caixa Economica, que se elevam a 18:000 contos de réis. Imagine a Camara que, por um acontecimento imprevisto que provocasse o panico na praça de Lisboa, todos se dirigiam áquelles estabelecimentos para levantar os seus capitães!
Em tal caso haveria força publica capaz de manter a ordem? Desde que milhares de pessoas procurassem os seus depositos na Caixa Geral e no Montepio Geral, como se resolveria tal problema?
Todo este perigo gravissimo resulta do augmento da divida fluctuante.
Pergunto:
O Governo traz ao Parlamento alguma providencia destinada a modificar uma tal situação?
Não traz cousa nenhuma. Não traz nada para reduzir a divida fluctuante; traz, sim, para augmentá-la consideravelmente, apesar de no orçamento agora apresentado se verificar a existencia de um deficit de 2:846 contos de réis.
O Governo traz ao Parlamento medidas tendentes unicamente a augmentar a divida fluctuante.
Eu não deixo seduzir o meu espirito por simples ouropeis de metaphysica, que podem alegrar alguem, mas que só servem para augmentar os encargos do Thesouro.
Assim, o aggravamento das despesas, motivado pelas medidas e projectos do Governo, é pelo menos o seguinte:
392 contos de réis de diminuição na receita do imposto de rendimento dos funccionarios publicos; 100 contos de réis para os estudos no estrangeiro; 61 contos de réis para o augmento de ordenado aos amanuenses e segundos officiaes; 350 contos de réis para as classes militares, que reconheço estarem mesquinhamente pagas; 80 contos de réis para o emprestimo referente ao porto de Lisboa; 550 contos de réis para estradas; 170 contos de réis para a garantia de juro do Caminho de Ferro do Valle de Vouga.
O Governo só tem projectos de reduccão de receitas e de augmento de despesas.
A precipitação com que o Governo publicou o decreto de 15 de junho, levou-o a receber numerosas reclamações do funccionalismo e deu causa ao facto gravissimo de 3:500 professores, vendo-se desattendidos pelo chefe do Governo, appellarem para um Deputado republicano!
Aonde nos pode levar o actual Gabinete!?
Tambem o Sr. Presidente do Conselho prometteu 200 contos de réis para uma caixa de aposentações a operarios. E, como o Sr. Conselheiro João Franco é incapaz de faltar ao que promette, ahi temos mais 200 contos de réis de augmento de despesa.
A quanto monta o augmento de despesa resultante das propostas apresentadas pelo Sr. Ministro da Guerra?
Ninguem ao certo o sabe. Mas pode conjecturar-se que a uma cifra avultada.
A passagem para o Estado da administração do porto de Lisboa, se for approvada, trará um augmento de encargos de 80 contos de réis em cada anno.
A proposta relativa a estradas augmenta tambem a despesa em 550 contos de réis annuaes.
Quanto á proposta relativa ao caminho de ferro do Valle do Vouga, essa garante o juro de 5 por cento do capital empregado, o que dá um augmento de despesa annual de 170 contos de réis.
E a verdade é que a um deficit, na importancia de 2:846 contos de réis, acresce uma verba de 2:000 contos de réis proveniente de propostas que reduzem as receitas e augmentam as despesas, o que perfaz um desequilibrio superior a 4:800 contos de réis.
Que nos traz o Governo para fazer face a este augmento de despesas? Nada.
Suppondo ainda que o regulamento de contabilidade publica seja executado com todo o rigor, isso em nada influirá na diminuição do deficit.
O Governo nenhuma providencia apresenta destinada a cobrir ou a attenuar esse deficit; e só nos dois ultimos Discursos da Corôa promette uma reforma dos contratos com o Banco de Portugal.
Não sei o que se terá passado entre o Governo e o Banco, mas dizem-me
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340 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
que a tal respeito ainda se não trocou uma unica palavra.
O Governo, pelo que respeita a despesas publicas, decretou tres providencias, que mais parecem destinadas a fazer ruido e a ferir adversarios, do que a beneficiar o paiz.
A primeira d'essas medidas é o decreto dê 29 de maio ultimo, referente a creditos extraordinarios.
Vamos ver como procedeu o Governo, que affirma ser tão respeitador dos preceitos legaes.
Diz a lei de contabilidade publica, em uma das suas disposições, que os creditos supplementares e extraordinarios podem ser abertos estando encerradas as Côrtes e quando a urgencia da despesa seja tal, que não possa esperar pela proximo reunião do Parlamento.
Pois então, tratava-se de despesas tão urgentes que se não pudesse esperar pela reunião do Parlmento, que estava convocado para d'ahi a dias?
Diz tambem a mesma lei de contabilidade publica que o Governo pode abrir creditos extraordinarios quando seja preciso occorrer a despesas urgentes reclamadas por casos de forca maior como inundação, incêndio, guerra, interna ou externa, e outros imprevistos.
Pois então podem considerar-se como despesas imprevistas as que estão des-criptas nas tabellas em vigor na importancia de 2:547 contos de réis?
Para que foi que o Governo abriu um credito de 6 contos de réis, para a missão a Madrid de Sua Alteza o Principe Real, comparando para esse fim a representação de Sua Alteza, no casamento de Sua Majestade Catholica, com circumstancias anormaes de guerra, epidemia ô outros casos semelhantes?
Pagasse essa despesa pela verba das despesas extraordinarias do Ministerio dos Negocios Estrangeiros.
O que se teve em vista não foi governar com a lei; o que se pretendeu foi amesquinhar, apoucar, desfavorecer os processos de administração dos Governos anteriores.
Agora o Governo já dispensa as reuniões do Conselho de Estado para os creditos extraordinarios, cuidando que não precisa tirar mais effeitos politicos.
Veio depois o decreto de 15 de junho, visando principalmente os funcnarios que desempenhavam commissões e supprimindo pagamentos illegaes.
Sempre que um Governo toma con ta do poder, sente-se mais ou menos animado de um certo jacobinismo, e então são tratados com desfavor os funccionarios publicos, até com o apoio d'aquellas classes que mais teem a lurar com o desafogo dos proprios funccionarios.
O Governo actual quiz tambem obedecer a esta corrente, publicando o decreto de 15 de junho, acabando com todas as commissões que não tinham verba legal descripta no orçamento.
Quando eu sobracei a pasta da Fazenda, de 1903 a 1904, eivado d'aquelle
jacobinismo á que ha pouco me referi, acabei com todas as gratificações que
não estavam no orçamento, e despedi todos os empregados que não tinham
existencia legal.
Entrando novamente na gerencia da pasta da Fazenda, n'esse curto lapso de cincoenta e oito dias, tive curiosidade de saber em que estado se encontrava aquillo que tinha realizado. Quando procedia a esta inquirição, fui procurado pelo chefe da contabilidade do Ministerio das Obras Publicas, que me informou de que no exercicio me 1904-1905 se tinha excedido em muitos contos de réis a verba calculada.
Convenci-me então de que não valia a pena aggravar a situação difficil em que se encontravam os funccionarios a troco de algumas centenas de mil réis, desde que com tanta facilidade eram excedidas em quantias importantes as verbas que estavam inscriptas na respectiva lei.
Voltando novamente ao decreto de 15 de junho, direi que o Governo bem poderia ter-se dispensado de o publicar, desde que estava em vigor a lei de receita e despesa de novembro de 1905.
O Governo, na publicação d'esse decreto, só teve em vista produzir um espalhafato, permita-se-me o plebeismo do termo.
Mas ha mais: o Governo na publicação d'essa medida disse que visava a cingir-se á applicação legal dos dinheiros publicos, e que pretendia assim dar uma satisfação á lei offendida.
O Governo, ao contrario, preteriu todos os preceitos legaes, estabelecendo vencimentos que não estão descriptos no orçamento.
Ainda no mesmo intuito de dar cumprimento á lei, o Governo publicou uma terceira providencia, que mandava regressar aos seus logares os funccionarios que d'elles estavam afastados.
Ouvi dizer que se contavam por centenares os officiaes do exercito e da armada que estavam fora dos seus respectivos cargos.
Não sei que fundamento tem esta asserção, mas a verdade é que, salvo raras excepções, tudo ficou como estava.
Foram mandados recolher aos lyceus da provincia alguns professores que se
achavam no Lyceu de Lisboa.
A situação, sob o ponto de vista da despesa, é a mesma, e peorou com relação ao ensino, visto que tiveram de ser nomeados para Lisboa professores auxiliares.
Não desejo aggravar a situação de qualquer funccionario que. seja beneficiado pelo não cumprimento da lei; mas pergunto: quem é ò governador geral de Angola?
Pois a lei exige que esta com missão seja desempenhada por um official do estado maior?
O Sr. Eduardo Costa é um homem que possue todos os requisitos para o bom desempenho da commissão que [he foi confiada; mas essa commissão pertence-lhe por lei?
Prescreve a lei que o governo do districto de Mossamedes seja entregue a um official de artilharia?
Quem está á frente do governo civil da Guarda? Um official do exercito. Ordena a lei que esta funcção administrativa seja desempenhada por um membro do exercito?
Porventura diz a lei que seja confiado o governo civil de Villa Real a um professor da Escola Medico-Cirurgica do Porto?
Determina a lei que o governo civil de Braga esteja entregue a um conservador do registo predial?
Em resumo, Sr. Presidente, o Governo traz ao Parlamento um orçamento com um deficit de 2:840 contos de réis, o qual, sendo approvadas as propostas que estão submettidas ao exame parlamentar, se elevará á importante cifra de 4:800 contos de réis.
Para fazer face a este desequilibrio, o Governo trará apenas uma proposta de-reforma de contratos com o Banco de Portugal; más ainda se não trocou uma unica palavra a tal respeito entre os interessados;
A divida fluctuante ascende á importante cifra de 74:211 contos, com tendencia para avolumar-se, visto que de 19 de maio até hoje foi augmenta da com 1:500 contos.
Vê-se, pois, que o actual Governo tem descurado o que mais interessa á boa situação da Fazenda e da administração publica.
Vou agora dirigir-me ao Sr. Ministro da Marinha.
S. Exa. tem um nome respeitavel, tem faculdades de talento, e tem-se engrandecido no serviço da sua patria.
Não ponho a minima duvida em manifestar a consideração que me merecem as qualidades do Sr. Ministro da Marinha, e no que vou dizer não ha o minimo intuito de apoucar o valor real de S. Exa.
O Sr. Ministro da Marinha foi apresentado como um colonial, isto é, foi apresentado como o primeiro conhece-
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SESSÃO N.° 25 DE 17 DE NOVEMBRO DE 1906 341
dor de colonias que se senta nos bancos da governação.
Ainda não ha muito tempo que o Sr. Ministro da Marinha, fora das cadeiras que actualmente occupa, fulminava com os seus anathemas mais flageladores, a administração colonial.
Era então a pasta da Marinha e Ultramar gerida, não por um colonial, mas por um homem de illustração e de intelligencia, o Sr. Dr. Moreira Junior. O Sr. Ayres de Ornellas, em digressão pelos centros do seu partido, e com a auctoridade que lhe dá a sua situação especial, deplorava que a pasta da Marinha estivesse confiada a um medico.
Eu fiquei assombrado com esta estranheza, porque não sabia que o tirocinio para administrar colonias se adquiria na Escola do Exercito.
Chegado ao Governo, o Sr. Ayres de Ornellas, mostra-se, não um colonial, mas um marinheiro; e nos seus actos evidencia a divergencia que existe entre o que pensava antes de Ministro e o que pensa agora.
Sustentara S. Exa. que um dos grandes males das colonias era serem administradas na Secretaria do Ultramar, sem se lembrar que á frente d'essa Secretaria estava, e ainda sé encontra, um homem dotado de superiores qualidades de trabalho e rara intelligencia, o Digno Par Sr. Dias Costa?
O Sr. Ministro da Marinha (Ayres de Ornellas): - Apoiado.
O Orador: - Foi preciso que S. Exa., ao entrar no Ministerio da Marinha, deixasse á porta as suas opiniões anteriores com respeito á Secretaria do Ultramar. Mais tarde, n'um banquete, S. Exa. declarou que andara erradamente orientado, e que a Secretaria da Marinha e Ultramar era um modelo de trabalho.
Quando se trata dos grandissimos interesses coloniaes, ou se seja medico, ou se seja official, ou ambas as cousas, cada um serve o paiz o melhor que sabe e as circumstancias lhe permittem.
Como não posso concluir hoje as minhas considerações, peço que me seja permittido continuar na sessão seguinte.
(O Digno Par não reviu este extracto, nem as notas tachygraphicas do seu discurso).
O Sr. Presidente: - Fica o Digno Par com a palavra reservada.
Vae encerrar-se a sessão. A seguinte é na segunda-feira, 19 do corrente, e a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram 5 horas e 35 minutos da tarde.
Dignos Pares presentes na sessão de 17 de novembro de 1906
Augusto José da Cunha, Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquezes: de Avila e de Bolama, e de Pombal ; Arcebispo-Bispo da Guarda; Condes: de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Figueiró, de Sabugosa, de Villar Secco; Visconde de Asseca, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo Castello Branco, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Hen-riques, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Vellez Caldeira, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Fernando Larcher, Mattoso Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Vasconcellos Gusmão, Mello e Sousa, Avellar Machado, José de Azevedo, José Dias Ferreira, José E. de Moraes Sarmento, José Luiz Freire, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manoel Affonso de Espregueira, Raphael Gorjão, Pedro de Araujo, Sebastião Dantas Baracho, Deslandes Correia Caldeira e Wenceslau de Lima.
O Redactor,
ALBERTO PIMENTEL.