O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 343

CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REIINO

SESSÃO N.° 26

EM 19 DE NOVEMBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Sr. Presidente do Conselho responde a um discurso do Digno Par José de Azevedo Castello Branco, respeitante á questão das subsistencias publicas. - O Digno Par Francisco José Machado envia para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio do Reino. - Foi mandado expedir. - O Digno Par Arthur Hintze Ribeiro declara que por falta de saude não compareceu ás sessões antecedentes.

Ordem do dia (continuação da discussão da resposta ao discurso da Coroa). - Conclue o seu discurso o Digno Par Teixeira de Sousa. - O Digno Par João Arroyo, que pedira a palavra para antes de se encerrar a sessão, refere-se aos adeantamentos feitos a Casa Real. - Referem-se ao mesmo assumpto o Sr. Presidente do Conselho e o Digno Par Sr. Sebastião Baracho. - Este ultimo Digno Par e o Sr. Conde do Bomfim, protestam contra uma affirmação do Sr. Presidente do Conselho, na qual attribuiu aos monarchicos, com assento no Parlamento, responsabilidade em determinados actos. - Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 40 minutos da tarde, verificando-se a presença de 31 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Três officios do Ministerio das Obras Publicas, satisfazendo requerimentos dos Dignos Pares Srs. Sebastião Baracho e Teixeira de Sousa.

Para a secretaria.

Officio do Ministerio do Reino, respondendo a um requerimento do Digno Par o Sr. Visconde de Monte São.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sente tomar mais uma vez o tempo e a attenção da Camara.

Por certo deixaria de fazê-lo, se se tratasse apenas de sustentar a ordem de considerações que já teve occasião de apresentar aqui, respondendo ao Digno Par Sr. José de Azevedo Castello Branco.

Evidentemente as discussões parlamentares não podem transformar-se n'uma controversia em que cada qual procura ser sempre o ultimo a falar, com a preoccupação de que o ultimo que fala é aquelle que deixa a impressão mais favoravel á ordem de ideias que sustenta.

Mas o Digno Par não se contentou em contraditar as informações d'elle, orador; fez mais do que isso: attribuiu-lhe affirmações que não pode acceitar porque, alem de não as ter feito, não está de acordo com ellas; e porque na sua situação de Presidente do Conselho de Ministros não deve, n'um assumpto tão concreto, deixar correr mundo, como sendo da sua responsabilidade, affirmações que não são conformes ao seu modo de pensar.

São estas as razões que o levaram a pedir a palavra e a usar d'ella, embora com parcimonia, e a tratar do assumpto como os seus dotes de orador lh'o permittam.

No primeiro discurso proferido pelo Digno Par sobre a questão das subsistencias publicas, S. Exa., antes de entrar propriamente na parte para que declarou ter solicitado a palavra, fez uma referencia á marcha politica do Governo, ao seu programma liberal e á orientação administrativa e economica que procurava imprimir, não só aos serviços do Estado, mas até á sociedade portugueza.

Isso o obrigou a elle, orador, na sua resposta, a ter de referir-se a, essas
considerações com alguma largueza. Hoje, porem, fá-lo-ha menos desenvol-vidamente, tanto mais que o Digno Par absolutamente se conformou com o que, n'esse ponto, era a base das considerações d'elle, orador, isto é, reconheceu, com o seu espirito lucido e illustrado, que em todos os paizes da Europa ha um manifesto movimento, accentuado mais n'uns que n'outros, em favor das reivindicações sociaes.

Seria necessario que S. Exa. fizesse um grande esforço contra a logica e contra a razão para poder sustentar que n'um paiz, embora pequeno, como o nosso, mas collocado em contacto com aquelles em que se dá esse movimento, pudéssemos ser estranhos a elle.

Não o eramos já antes d'este Governo subir ao poder, pois as manifestações da opinião publica, na vigencia de Ministerios mais tradicionalistas, claramente mostravam que o paiz sentia a necessidade de caminhar a par das outras nações que se orientavam por aquelle ponto de vista, cujo numero de sectarios ia cada vez sendo maior em t Portugal.

É claro que o Digno Par e elle, orador, estão de acordo no que é essencial, isto é, que não podemos escapar ao movimento que hoje impulsiona toda a humanidade e que se accentua na Europa, entre todas as nações e todas as raças.

Página 344

344 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

A unica cousa que fica para discutir é só o Governo sabe interpretar essa corrente de ideias, e se as medidas que inscreveu no seu programma são, pelo menos algumas d'ellas, applicaveis ao caso, e susceptiveis de execução entre nós.

O Digno Par entendeu referir-se ás medidas inscriptas no programma do Governo, e mencionadas no Discurso da Corôa, para mostrar que nenhum valor tinham e que não se moldavam com o movimento que estava agitando s Europa.

Elle, orador, teria de tomar muito tempo á camara se se propusesse acompanhar o Digno Par em todas as considerações que fez, mas não deixará de responder áquella em que S. Exa. citou o exemplo da França, o programma do Ministerio Clemenceau.

Evidentemente, ha uma grande differença entre os dois programmas e, aparte o que diz respeito ás pessoas que os apresentaram, ha ainda a notar a distancia que separa os dois paizes e tambem o grau de adeantamento em que um e outro se encontram.

Em França não é necessario que o Governo inscreva no seu programma o principio da liberdade de associação, a abolição da chamada garantia administrativa, nem uma lei eleitoral que auctorize os membros das classes trabalhadoras a serem eleitos.

Nem estas nem outras providencias da mesma natureza são precisas, porque constituem já factos consummados.

Portanto, sob este ponto de vista, a sociedade politica avança na posse de todas aquellas regalias e condições que são indispensaveis ao seu desenvolvimento.

A França já passou por todas as liberdades a que elle, orador, se referiu no seu primeiro discurso e que foram as conquistas do seculo XVIII.

A França chegou já ás reivindicações do quarto estado, que se chamam - o socialismo - e que tão accentuadamente - caracterizaram o seculo XIX.

Se o Governo quizesse desde já entrar num caminho de reivindicações sociaes, que só serão possiveis quando o paiz esteja preparado para ellas, teria esquecido o seu dever.

Essas conquistas modernas do pensamento hão de vir pela evolução.

Mas se o Digno Par, ao apreciar o Discurso da Coroa e ao criticar as providencias que o Governo propoz ao Parlamento, quizesse dar-lhes mais at-tenção, veria que o Governo alguma cousa fez já no sentido social.

Alem de ter estabelecido o principio de poderem ser eleitos Deputados os membros das classes trabalhadoras, tambem o Governo formulou uma medida de accentuado caracter social, qual é o projecto de lei referente á criação de uma caixa de aposentação para aquellas classes.

Aqui tem o Digno Par uma medida da natureza d'aquellas que entende faltarem absolutamente no nosso programma de Governo.

Dada a explicação que n'este momento mais precisa era para contrapor ás considerações do Digno Par, vae passar ás affirmações que S. Exa. lhe attribuiu e que elle, erador, não fez.

Para não se soccorrer unicamente da sua memoria, tem presente o Summario da sessão em que S. Exa. usou da palavra.

Entre outras cousas affirmou S. Exa.:

"Na sua replica o Sr. Presidente do Conselho disse que não era possivel diminuir o preço d'esses generos de alimentação por causa do proteccionismo da agricultura e da industria".

Esta affirmação não pode, como chefe do Governo, deixá-la passar em silencio, porque a não fez.

Disse mais o Digno Par:

"O Sr. Presidente do Conselho, referindo-se ás carnes congeladas, foi infeliz porque praticou o erro de affirmar que essas carnes não eram frescas e por isso não eram saudaveis".

Elle, orador, não disse que a carne congelada não era saudavel, pois sabe que d'ella se faz largo consumo na inglaterra.

Seria uma necedade da sua parte se tal dissesse.

Não sabe onde o Digno Par encontrou esta affirmação nas palavras d'elle, orador.

O que disse é que as carnes congeladas não são frescas, e n'este ponto poderia soccorrer-se da autoridade dos tratadistas.

Mas não disse que não fossem saudaveis.

O Digno Par attribuiu-lhe tambem o querer deixar a resolução da questão das subsistencias á acção Unta do tempo.

Tambem não disse isto.

O que elle, orador, disse, é que o problema é complexo e não pode ser encarado por um só aspecto.

O que disse é que o Digno Par não tinha attendido ao facto - proteccionismo que desde 1887 todos os homens publicos entenderam dever seguir, e que mais se accentuou com a pauta de 1892.

O que disse é que, ainda que chegasse um momento de termos de fazer modificações do regimen proteccionista actual, era necessario fazê-las muito cautelosamente^ sob pena de valiosos interesses serem prejudicados e numerosas classes verem depreciados os seus salarios, o que provocaria um grave conflicto.

Como attribuirr portanto, a elle orador, o hymno triumphal da plutocracia e do capitalismo?

Pois acaso disse que não era possivel diminuir o preço da carne e o preço do pão?

A questão das carnes, tanto não quer deixá-la entregue á acção lenta do tempo, que a breve trecho ella terá de occupar ainda mais a attenção do Governo, do que já tem ocupado, porque o contrato termina no principio do proximo anno e é necessario reformá-lo ou adoptar outro regimen.

Pela sua complexidade, este problema não pode deixar de prender a sua attenção.

O Digno Par tratou do assumpto com toda a boa vontade e interesse de um homem que vê deante de si um assumpto importante.

Mas deu-lhe um caracter de exclusivismo com que elle, orador, não concorda, e por isso o Digno Par o tratou como inimigo, attribuindo-lhe affirmações que não fizera.

Mantem; se porem no mesmo terreno em que apresentou pela primeira vez as suas considerações.

É claro que o problema das subsistencias publicas merece a attenção de todos os Governos dos differentes paises.

E em Portugal merece ainda maior cuidado pelo motivo de nós não termos uma assistencia publica e particular tão largamente dotada como em outras nações da Europa. Infelizmente ha apenas o que se tem feito por parte do Estado, e que é de limitada importancia; sob o ponto de vista particular alguma cousa se tem feito já, e não pouco, como a instituição das cozinhas economicas, em que uma distinctissima dama tem prestado relevantes serviços ás classes populares.

Elle, orador, teve occasião de dizer ha alguns annos que a instituição das cozinhas economicas mais concorria para manter a ordem publica do que a policia civil e a guarda municipal, isto é, os meios de que podia dispor como Ministro do Reino.

Pode essa instituição ter deficit, mas seguramente; produz um bem estar nas classes trabalhadoras que compensa aquelle deficit.

O crescimento das riquezas e uma educação politica e social mais aperfeiçoada podem dar resultados e effeitos de verdadeira importancia.

Nas nações ricas e illustradas em que a organização politica e administrativa tem largamente progredido, ha atem d'este outros factores, que concorrem para favorecer as condições

Página 345

SESSÃO N.° 26 DE 19 DE NOVEMBRO DE 1906 345

materiaes da vida das classes pobres, tomando varios aspectos e formas de assistencia publica e particular, taes como hospitaes, creches, escolas, etc.

O problema da assistencia é uma questão complexa para a qual nós todos marchamos, uns consciente e outros inconscientemente, mas a passo seguro.

Nenhum problema financeiro, politico ou economico tem tanta complexidade e difficuldade, e requer tanto estudo e observação como o das subsistencias.

É indispensavel encarar o problema em relação ao valor e preço de certos generos de alimentação, e essencialmente ás condições das classes mais pobres, pois de outra maneira iriamos produzir factos contrarios áquelles que queremos conseguir, como seria a desvalorização do trabalho.

Esta, e outras considerações é que é preciso não esquecer.

Elle, orador, pode estarem erro, mas é este o seu modo de ver, e a Camara comprehende que tudo aquillo a que o Digno Par Sr. José de Azevedo se referiu, e que tanto diz respeito ao trigo, como á carne, como ao leite, como ao peixe, tem de ser resolvido com muito tino e prudencia, e não attendendo apenas a um determinado exclusivismo.

Não ha duvida nenhuma que o pão encareceu em Portugal como consequencia da lei de protecção aos cereaes.

É verdade, mas o Digno Par, examinando bem os acontecimentos, verá que essa alta não tem prejudicado o consumo, o qual aliás muito se tem desenvolvido.

Ha uns vinte e tantos annos, fora da capital, a alimentação das classes pobres tinha principalmente por base o pão de milho.

Elle, orador, ainda se lembra do tempo em que na sua casa, que não era de grandes proprietarios, se cozia o pão de trigo, pôr não haver proximo padarias que o fabricassem.

Ainda se lembra de no Porto se consumir muito pouco trigo, alimentando se as classes pobres exclusivamente de pão de milho.

Hoje vemos as classes pobres alimentarem-se de pão de trigo, e o que é mais é que o consumo do pão de trigo já se estende aos campos.

Isto é que demonstra a verdade das affirmações feitas por elle, orador, de que este problema não pode ser visto só por um aspecto.

O que elle, orador, disse ao Digno Par foi que as sitbsistencias em Portugal teem encarecido em grande parte por causa do systema proteccionista, mas que havia uma alta de salarios que permittia ás classes trabalhadoras comprar com mais facilidade o que era caro.

E é notavel que a carestia veio exactamente no momento em que occorria a crise financeira e o apparecimento do agio do ouro em Portugal, porque foi a partir de 1892 que a economia do paiz soffreu uma modificação no sentido progressivo, a par da modificação por que teem passado as nossas mais importantes cidades.

Ha um proverbio francez que perfeitamente caracteriza o facto:

"Quand Ia bastide marche, tous les affaires marchent".

No que elle, orador, expoz, tem o Digno Par a demonstração de que encarar este problema sob todos os seus aspectos pode até dar resultados que prejudiquem os plutocratas, aos quaes S. Exa. disse que elle, orador, visava, como se o chefe de um partido liberal pudesse pensar mais nos plutocratas do que na grande massa, que constitue a maior força em que os Governos se apoiam e de que os partidos vivem.

O que elle, orador, disse da questão dos trigos, pode tambem dizer da questão das carnes.

É curioso ter o Digno Par affirmado, que o unico protegido n'esta questão era o intermediario; tal affirmação não tem nada em que se estribe, permitia-lhe S. Exa. que lh'o diga sem querer offendê-lo, porque nunca tem por costume offender ninguem, e muito menos o Digno Par, attentas as boas relações que manteem.

Ora o que é certo é que n'esta questão ha que attender não só ao preço do genero, mas tambem á criação do gado, que é um dos aspectos mais interessantes e valiosos da agricultura portuguesa, que nós não podemos desconhecer nem desprezar sob pena de desprezarmos um dos principaes elementes da riqueza publica.

Não é absolutamente exacto que o lavrador nada ganhe com o regimen que está vigorando e com o qual elle, orador, nada tem, porque já o encontrou; é do tempo do Ministerio regenerador, presidido pelo Sr. Hintze Ribeiro.

Encontrou o contrato em execução, e tem procurado fazer com que elle se execute o mais convenientemente possivel sob o ponto de vista não só da lavoura, mas d'aquillo que entende que é o espirito e intenção com que elle foi celebrado.

Esse contrato não é indifferente para os lavradores.

Se ha questões que o tenham inquietado desde que entrou no Ministerio, são as.' constantes reclamações da lavoura para que se cumpra integralmente o contrato.

Logo, é porque do seu cumprimento alguma cousa deriva de proveito para a agricultura.

De contrario, pode o Digno Par ter a certeza de que os lavradores não estavam a perder o seu tempo com essas reclamações.

No que poderá haver duvidas é na maneira como seja executado esse contrato.

Pode esse contrato ter alguns defeitos, por isso que foi o primeiro feito n'esse genero, e só a experiencia é que muitas vezes ensina a maneira de desenvolver um principio qualquer.

Mas ninguem pode duvidar das boas intenções dos auctores do contrato, os vereadores que então estavam á frente do municipio.

Diga se a verdade: o contrato não tem sido tão prejudicial á lavoura como se tem dito.

Elle até tem mostrado que nós temos o gado necessario para a nossa alimentação e que não precisamos de recorrer ao gado exotico, nem ás carnes congeladas, para fornecer o paiz.

O gado que existe em Portugal com o gado que vem de Hespanha chega.

N'esta parte elle, orador, quia ouvir pessoas competentes. Não é um assumpto sobre o qual possa fazer afirmações de caracter pessoal e proprio.

Dirigiu se, portanto, ao Sr. Paula Nogueira, o fiscal nomeado pela Camara Municipal para a execução d'este contrato, e folga de poder dizer que, tem tido occasião de conhecer que este funccionario é tão illustrado e intelligente como digno e bem intencionado, absolutamente merecedor da confiança dos poderes publicos e do reconhecimento da lavoura nacional.

Teve de o ouvir sobre este assumpto, assumpto que elle estudou, quando o Digno Par foi nomeado governador civil, e pensava na Organização do projecto das carnes.

A vida d'elle, orador, é hoje não dirá inclemente, mas trabalhosa.

Falta-lhe tempo para estudar todos os assumptos, pois a muitos tem que attender.

Pediu, portanto, informações, e as que lhe deram foram as seguintes:

"Actualmente, em Lisboa, vende-se nos talhos carne de vacca por preços quasi iguaes aos que propunha o projecto do Sr. José de Azevedo. Assim, n'esse projecto o lombo vender-se-hia a 800 réis; pois esse é tambem o preço actual do lombo nos talhos. Com a importante differença de que no projecto do Sr. José de Azevedo aquelle preço era indifferentemente para a carne fresca e para a congelada, ao passo que no regimen vigente não se chegou nunca a introduzir a carne congelada, apesar de ser isso facultado pelo contrato, porque se reconheceu que o para tem gado vivo sufficiente para o seu consumo, como já em 1882 tinha so-

Página 346

346 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

bras para exportar para Inglaterra 24:000 bois, dando á lavoura 2:000 contos de réis.

Nas categorias inferiores á 1.ª ha preços ao alcance da bolsa do povo. Assim, a 2.ª categoria tem o preço de 380 réis; a 3.ª o de 320 e a 4.ª o de 260 réis. Não é, pois, tudo a 800 réis, que esse é só o preço da carne de luxo"..

Isto é com relação ao presente.

Já vê, pois, o Digno Par que mesmo sob este ponto de vista não devemos exagerar as circumstancias.

Com relação ao futuro, elle, orador, não disse, nem podia dizer, que não se podia diminuir o preço do pão nem o da carne.

Em relação á carne, dirá que o contrato em vigor termina a breve trecho.

É necessario estabelecer um novo regimen ou forma de contrato. D'isto se tem occupado juntamente com o Sr. Paula Nogueira, que lhe diz o seguinte, o que representa uma boa noticia que dá ao Digno Par e á cidade de Lisboa e que é a negação da affirmativa que S. Exa. lhe attribuiu:

"N'um regimen futuro e proximo poder-se-ha promover que os preços das diversas categorias da carne nos talhos baixe sensivelmente, porque para isso tem já elementos de estudo sufficientes, esperando beneficiar o publico da capital em cerca de 160 contos de réis annuaes com aquella baixa de preços da carne, sem necessidade de recorrer á importação de gado vivo exotico, nem da carne congelada, que o publico não receberia de bom grado e que prejudicaria a lavoura nacional".

Espera, pois, auxiliado pelos seus collaboradores, conseguir effectivamente um regimen que ha de beneficiar na sua justa medida a agricultura nacional, sobretudo os criadores de gado, e dar á cidade de Lisboa, a partir do meado do anno que vem, carne muito mais barata do que a que está consumindo.

Não é, portanto, dos que esperam pela acção lenta do tempo para resolução dos problemas; pelo contrario, vae atacando-os conforme pode e sabe e talvez mais como pode do que como sabe.

O Sr. Presidente: - Lembra ao Sr. Presidente do Conselho que deu já a hora de passar á ordem do dia.

O Orador: - Pede lhe seja permittido continuar por mais alguns minutos.

Vozes: - Fale, fale.

O Orador: - Agradece á Camara a sua concessão, e vae manifestar o seu reconhecimento, demorando-se o menos tempo possivel.

Referir-se-ha ainda a outro ponto sobre o qual o Digno Par fez considerações que, de certo por mal informado, não são conformes com a realidade: é a questão do leite.

Disse o Digno Par que está demonstrado que a tuberculização das vacas leiteiras orça na capital por 80 por cento.

A elle, orador, causou impressão o que S. Exa. disse; procurou informações sobre o assumpto, e por ellas póde concluir que tambem o Digno Par fora n'este ponto exagerado.

"Ha exagero no que disse o Sr. Conselheiro José de Azevedo relativamente ás vacarias da capital. Com a organização decretada pelo Governo progressista em 22 de julho de 1905 para o fomento commercial dos productos agricolas e ainda por anteriores diplomas a partir de 1886, as vacarias urbanas teem melhorado consideravelmente, sendo hoje quasi todas ellas estabelecimentos de luxo, com as vacas á vista e bem tratadas. A tuberculose das vacas da capital nunca attingiu a percentagem de 80 por cento, como asseverou o Sr. Conselheiro José de Azevedo. Em 1888, quando se iniciou a inspecção technica ás vacarias da capital, a percentagem achada foi de 30 a 40 por cento; mas em consequencia da inspecção produziu-se uma radical mudança nas vacarias e nas vacas leiteiras, sendo actualmente rarissimas as vacas que os inspectores veterinarios dão por suspeitas de tuberculose".

Como vê o Digno Par estamos muito longe da situação em que nos descreveu: era pavorosa, era de ninguem mais querer tomar leite das vacarias de Lisboa.

Elle, orador, resumiu as informações officiaes; e tratou de as obter para que, se os reparos de S. Exa. fossem fundados, pudesse tomar providencias, e para que, não sendo, tivesse meio de socegar o publico da capital e dar-lhe a convicção de que o leite não é um veneno de terriveis effeitos como poderia deduzir-se das palavras do Digno Par.

Com relação á fiscalizarão do leite tambem pediu informações ás estações competentes e soube que no laboratorio de hygiene publica se fazem diariamente cerca de quarenta analyses de leite, nunca menos de dez a doze em cada uma das quatro circumscripções em que está dividido este serviço.

Como o Digno Par sabe, da divisão da fiscalização por dois Ministerios, o do Reino e o das Obras Publicas, resultam attritos e embaraços, que muitus vezes são prejudiciaes, e não se sabe a quem se deve tomar a devida responsabilidade.

Assim este assumpto demanda a attenção do Governo. Uma boa fiscalização é indispensavel, até sob o ponto do vista de protecção á lavoura, quer no vinho, quer no azeite, quer nas manteigas; uma boa fiscalização é necessaria, porque das falsificações resultam muitas vezes lucros para quem as commette, mas resultam prejuizos para a saude publica e para o credito da agricultura.

Quer referir-se ao final do discurso do Digno Par.

Falou S. Exa. do alcoolismo em Portugal, como se fosse uma das causas do encarecimento das subsistencias. Se assim fosse, o que é que succederia em Paris, onde o alcoolismo é um dos assumptos que mais cuidados e attenções teem merecido aos poderes publicos?

Com relação á classe dos funccionarios do Estado não disse tambem o que o Digno Par lhe attribuiu. Sobre este ponto, o que teve em vista, - e ninguem tinha posto ainda esta questão no Parlamento - foi notar a desigualde das circumstancias em que se encontra a classe burocratica relativamente a todas as outras.

O que disse é que era preciso olhar por esta classe, porque representava isso um acto de justiça.

Para concluir, rebaterá a affirmação do Digno Par porquanto, a proposito dos trabalhos de uma commissão para estudar b assumpto, chamou capciosa á sua resposta.

O Governo deve governar; por isso elle, orador, de mais a mais estando o Parlamento aberto, não tomou a iniciativa de organizar essa commissão.

Mas disse que o fizesse o Parlamento, porque o Governo, de muito bom grado, prestaria a essa commissão todos os elementos de trabalho e de cooperação que fossem requisitados e precisos.

Isto disse, isto repete, e isto fará.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(S. Exa. não reviu este extracto).

O Sr. Francisco José Machado: - Envio para a mesa o requerimento seguinte:

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me seja enviada nota de qual a quantia despendida no Governo Civil de Aveiro com o serviço de policia preventiva e outros d'esta natureza desde 26 de outubro de 1904 até 10 de março de 1906;

Página 347

SESSÃO N.° 26 DE 19 DE NOVEMBRO DE 1906 347

Idem desde 14 até 22 de março do anno corrente;

Idem desde 28 de março até 18 de maio ultimo;

Idem desde 11 de junho até 31 de outubro d'esté anno.

Sala da camara dos Pares do Reino, em 17 de novembro de 1906. = F. J. Machado.

O Sr. Arthur Hintze Ribeiro: - Mando para a mesa a seguinte declaração:

Declaro que por motivo de saude não pude comparecer ás sessões anteriores.

19 de novembro de 1906. = Arthur Hintze Ribeiro.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa

O Sr. Teixeira de Sousa: - Continua no uso da palavra e confessa que d'ella tem usado largamente; mas decerto assim não teria procedido se por parte do actual Governo e dos seus amigos se não fizesse uma insistente campanha contra differentes homens de Estado e Governos anteriores.

Continuando, portanto, no uso da palavra, proseguirá na analyse de factos passados e isto para ver até que ponto esses factos são dignos de condemnação; e ainda para apreciar as propostas que o Governo apresentou ás Camaras e com as quaes julga poder remediar erros commettidos por administrações transactas.

Terminara elle, orador, as suas considerações na sessão anterior quando se referia a assumptos ultramarinos; e sobre elles vae continuar as suas considerações.

Pelo que respeita ás questões ultramarinas, o Discurso da Corôa promettia uma organização administrativa para o ultramar com uma descentralização differenciada e a correlativa reorganização das forças de alem-mar.

Não se torna difficil demonstrar como os actos do Sr. Ayres de Ornellas contradizem inteiramente o programma ministerial.

Vae analysar o que tem sido a administração centralizadora das colonias e tambem o que promette a administração descentralizadora.

O Sr. Ministro da Marinha subscreveu juntamente com o Sr. Ministro da Guerra a proposta referente á criação do Supremo Conselho de Defesa Nacional, do qual fica dependente a organização das forças ultramarinas.

Segundo as disposições d'essa proposta os Governos não terão de hoje para o futuro ingerencia alguma no que disser respeito a organização de forças para o ultramar; o Supremo Conselho de Defesa Nacional sobrepor-se-ha ao Governo, a quem só cumprirá obedecer-lhe.

Assim o Governo, com a criação do Supremo Conselho de Defesa Nacional, como que estabelece por uma simples lei ordinaria um quinto poder do Estado.

A doutrina que tem condemnado a administração centralizadora das nossas colonias pretende insurgir-se contra a organização de fazenda decretada para o ultramar e que tira ás autoridades provinciaes a faculdade de administrarem os dinheiros do Estado conforme o seu criterio e alvedrio. Ora essa organização foi decretada por elle, orador, em 15 de setembro de 1900, e ao abrigo do Acto Addicional. Até ahi a Secretaria do Ultramar, contra a qual se levantavam os partidarios da descentralização, servia apenas para receber os saques vindos da provincias ultramarinas, os quaes iam augmentando.

Quando lá se governava e não cá, o deficit da provincia de Moçambique era enorme, como cancro que ameaçasse corroer o nosso regimen ultramarino.

E a proposito da Inspecção de Fazenda do Ultramar, criada pelo decreto a que ha pouco alludiu, referirá um facto curioso e edificante. Essa inspecção foi installada na Secretaria da Marinha, ao lado da 7.ª Repartição de Contabilidade, dirigida por um funccionario que sempre foi modelar. Esse funccionario não vira com bons olhos a criação da inspecção de fazenda, de sorte que as difficuldades começaram surgindo entre aquellas duas repartições, a despeito da boa vontade do inspector da fazenda ultramarina.

A situação chegou a parecer irreductivel e de uma vez o inspector de fazenda veio queixar-se-lhe a elle, orador, de que não podia entrar na sua repartição, pois que encontrara aporta atravancada por enorme porção de caixotes.

Entendeu, elle, orador, dever chamar o chefe da 7.ª Repartição e fazer-lhe sentir com palavras amaveis quanto o facto o desgostara. Pois aquelle funccionario respondera-lhe que elle, orador, estava enganado e que o seu procedimento representava apenas o cumprimento da lei.

É que os caixotes incriminados continham todos os documentos de despesa das provincias ultramarinas, que ao Ministerio haviam afluido desde 1889, epoca em que fora criada uma secção de contabilidade colonial, a qual não chegara a installar-se nem tivera pessoal nomeado.

Tal era a situação em que se encontrava a contabilidade ultramarina.

O decreto, de 15 de setembro de 1900 motivara uma violenta interpellação e um vivo ataque parlamentar por parte do Sr. Ayres de Ornellas que se insurgia contra o facto d'elle, orador, haver cortado cerca de 900 contos nas verbas de despesa da provincia de Moçambique. E todavia, até então succedera haverem ficado por vezes sem orçamento algumas das nossas provincias ultramarinas. Os factos vieram, porem, demonstrar quanta razão elle, orador, tivera em proceder assim. A situação fazendaria de Moçambique equilibrou-se com os recursos proprios e nos ultimos annos teem saido dos cofres d'aquella provincia 600 contos de réis para a construcção do porto, alem de que os redditos de Moçambique ainda chegam para equilibrar os orçamentos de outras provincias.

Tudo isto se conseguiu á custa da organização da fazenda do ultramar, que foi violentamente combatida pelo Sr. Ayres de Ornellas, mas graças á qual S. Exa. conseguiu apresentar o orçamento da provincia de Moçambique com um saldo positivo de 526 contos de réis.

Chegaram a accusá-lo a elle, orador, de procurar com aquella medida simplesmente anichar amigos. Mas o certo é que para dirigir a nova repartição foi buscar á India um funccionario que lhe diziam ter todas as qualidades precisas para o cargo, o que aliás os factos teem exuberantemente confirmado, e para amanuenses ser viu-se de funccionarios que já existiam no Arsenal de Marinha. Mais tarde é que lá se collocaram mais empregados e até o proprio Sr. Ayres de Ornellas ainda recentemente elevou de dois a tres o numero dos 1.º os officiaes d'aquella repartição.

Mas o Sr. Ministro da Marinha já fez amande honorable das accusações que a elle, orador, dirigira, como se vê a paginas 8 do relatorio que precede o decreto approvando o orçamento das colonias. Ahi tece S. Exa. um eloquente applauso a tudo o que elle, orador, havia feito em materia de administração colonial.

Passará agora a analysar, sob o ponto de vista economico, a provincia de Angola. Accusa aquella provincia, nos ultimos annos, um deficit modio de 1:127 contos de réis, se bem que esse deficit ainda seja maior pelo que respeita aos encargos da metropole, que dizem respeito aos caminhos de ferro de Malange e de Ambaca, com a respectiva garantia de juros, e que levo o Estado a um desembolso de cerca de 900 contos de réis; e ainda o caminho de ferro de Mossamedes e a garantia de juros á Companhia do Cabo Submarino. Tudo isto orça por uns 2:500 contos de réis.

É que a provincia de Angola não é, como muita gente pensa, a esperança

Página 348

348 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO KE1NO

do nosso dominio colonial, mas sim um cancro que ameaça corroei o e que só talvez se modifique com o caminho de ferro de Ambaca. Os rendimentos d'esta provincia, alimentados principalmente pelos direitos de importação e exportação, estão á mercê de todas as contigencias que façam oscillar o movimento commercial. De 1898 a 1899 os productos do sertão angolense adquiriram uma alta enorme, o que provocou um movimento commercial como até ali nunca houvera e que quasi chegou a dar áquella provincia o equilibrio orçamental. Mas de então para cá a situação economica de Angola tem-se aggravado, porque ali a agricultura é fraca e industria quasi não ha. Alem dos cereaes e do café, cuja qualidade é apenas digna de nota nas propriedades que ali possue o Banco Ultramarino, a principal industria agricola é constituida pela cultura da canna de assucar destinada á fabricação do alcool.

Como levantar esta precaria situação economica? Desenvolvendo as communicações, aproximando, por assim dizer, o sertão da costa, principalmente a Lunda, e parallelamente levantando a chamada moeda de troca, a fim de facilitar as transacções com o interior.

Todos sabem que essa moeda é principalmente constituida por espingardas algodão e pólvora, productos que a Allemanha e a Inglaterra obteem por um preço modico e que pelo direito pauta do Estado Livre do Congo pagam apenas 10 por cento ad valorem.

O que impede o Governo de alterar as pautas de Angola?

O actual Governo nada tem feito para remediar tão afflictiva situação.

O decreto de 13 de setembro ultimo sobre o impoto de palhota, representa uma medida illusoria e que apenas trará um insignificante rendimento.

O apregoado triumpho diplomatico do Governo na recente conferencia de Bruxellas está nas mesmas condições.

A taxa de importação do alcool de 50 graus era até agora de 70 francos por hectolitro, e sujeita a um augmento proporcional.

Por esse facto já os agricultores de Angola haviam protestado, fazendo ver que essa taxa, por excessiva, vinha esmagar os seus interesses.

Pois agora foi a taxa elevada a 100 francos por hectolitro, consignando-se a restituição de 30 francos por hectolitro áquelles agricultores que se comprometiam a ir transformando a industria do alcool em industria assucareira.

Elle, orador, concorda plenamente com as ideias civilizadoras que presidiram ao acto geral de Bruxellas de 2 de julho de 1890 e que ainda outro dia foram defendidas pelo Sr. Presidente do Conselho, mas vê que as apregoadas vantagens agora obtidas são illusorias, porquanto a transformação da industria do alcool em industria assucareira só poderá ser levada a cabo pelos grandes agricultores.

A transformação dos actuaes engenhos em fabricas de assucar necessitaria despesas orçadas em 170 contos de réis.

De sorte que os beneficios, que se diz haverem sido alcançados, em nada remedeiam a situação dos pequenos agricultores, que continua sendo afflictiva.

E passará agora a referir-se ao assumpto caminhos de ferro.

O Governo de que elle, orador, fez parte foi duramente flagellado, não só pelos membros do actual Governo e seus adeptos, mas ainda pelos homens mais eminentes do partido progressista. Terá, portanto, de justificar-se.

Chegado ao Governo, pensou na construcção do caminho de ferro de Benguella, que, dizia-se então por parte dos que o aggrediam, era um dos maiores erros que se podiam praticar em materia de administração colonial.

Por pouco que o não accusaram de um crime de alta traição; por pouco que não lhe attribuiram as responsabilidades que, em geral, se impõem aos grandes criminosos; e comtudo não ha nada como o tempo para fazer justiça a quem ella compete.

Tem hoje a satisfação de dizer que nunca houve accusação mais injusta, nem aggressão menos justificada.

Quando assignou o contrato respectivo á construcção do caminho de ferro a que se refere, possuia a convicção plena de que prestava um excellente serviço ao paiz.

O actual Sr. Ministro da Marinha, que então era um dos mais activos e intelligences collaboradores do Jornal das Colonias, comprehendendo a importancia do melhoramento que se projectava, fez justiça ás intenções d'elle, orador, mas o mesmo não succedeu por parte d'aquelles que hoje são collegas de S. Exa. no Governo.

A verdade é que se realizou a construcção do caminho de ferro, na extensão aproximada de 1:500 kilometros, sem que o Estado gastasse um ceitil, sem que tivesse de supportar o menor encargo, e sem que tivesse de alienar um unico palmo de terreno, alem do que era indispensavel para o assentamento dos rails.

As accusações a esse acto do Governo de então eram violentas, eram acerbas; mas os factos vieram demonstrar que elle contribuiu enormemente para o desenvolvimento economico do districto de Benguella.

Na outra casa do Parlamento annunciaram-lhe uma interpellação sobre o assumpto. Quando ella se realizou, disse, com a franqueza e lealdade com que costuma falar, que tão convencido estava de que tinha praticado um acto de verdadeiro interesse para o paiz, que considerava o dia em que assignara o contrato respectivo a essa construcção, dos mais felizes da sua vida.

Lembra-se das ironias amargas com que foi recebida esta sua affirmação, como se recorda das criticas, não menos violentas, que aos seus adversarios mereceu a publicação do concurso para a adjudicação do exclusivo dos tabacos.

Pois louva-se por ter interferido na promulgação d'essas duas providencias, por estar intimamente convencido de que prestou um relevantissimo serviço ao seu paiz.

Para que seus filhos possam um dia apreciar a maneira por que no nosso paiz se faz justiça ás intenções honestas, lega-lhes uma monographia publicada no Diario illustrado. Longe de si a ideia de censurar a independencia com que essa folha procedeu; mas elle, orador, não pode deixar de dizer que intensamente o maguou a injustiça que lhe fizeram.

Ainda não ha muito tempo, teve desejo de saber em que estado se encontrava a construcção do caminho de ferro de Benguella. Dirigiu-se para isso a um colonial, que tem illustrado o seu nome no que respeita á administração ultramarina, o Sr. Joaquim Machado.

Lê a informação que lhe prestou e cavalheiro a quem se refere, e da qual se apura que são importantes os trabalhos jé realizados para aquelle melhoramento do districto de Benguella.

Pois esse caminho de ferro, tão condemnado pelos correligionarios do actual Sr. Ministro da Marinha, está hoje recebendo beneficios do Governo.

Louva por isso o Sr. Ministro, porque assim mostra S. Exa. ter a nitida comprehensão do que deve a si, e ao seu paiz.

E seja-lhe licito ler á Camara o que acêrca da importancia d'esse caminho de ferro, escrevia em 3 de novembro do corrente anno um dos mais importantes jornaes de Lisboa:

"Telegrammas de Londres, que temos publicado nos nossos ultimos dois numeros, annunciam que o Estado Livre do Congo deu já o seu consentimento formal para a ligação do nosso caminho de ferro de Benguella com o caminho de ferro da Katanga e que a Tanganyka Concessions emittiu obrigações no valor de 2 milhões de libras para ser este capital applicado á construcção do caminho de ferro, cuja construcção até ao kilometro 320 já está

Página 349

SESSÃO N.° 26 DE 19 DE NOVEMBRO DE 1906 349

contratada e vae começar com todo o desenvolvimento.

Tambem se formou na Belgica uma sociedade para a exploração commercial e industrial da Katanga, que é o districto mais sul do Estado Livre do Congo, onde existem as mais ricas minas de cobre de todo o mundo.

Vae assim o caminho de ferro de Benguella ser uma realidade, promovendo o desenvolvimento e prosperidade da provincia de Angola e ligando o porto do Lobito com a Africa Central, com a região dos Lagos, com o caminho de ferro do Cabo ao Cairo e com a rede ferroviaria da Rhodesia e Africa do Sul, transformando em poucos annos esse placido e formoso porto do Lobito em testa de uma vasta rede de caminhos de ferro e em ponto de entrada e partida das relações da Africa do Sul com a velba Europa.

É uma nova era de prosperidades, que se inicia para o districto de Benguella, primeiro com os trabalhos de uma tão extensa linha, 1:500 kilometros no nosso territorio, e depois com o trafego resultante da exploração das minas e do desenvolvimento do paiz.

Imagine se o que não será o porto do Lobito, quando a linha entrar em exploração e estiver ligada ás grandes linhas transcontinentaes da Africa e a dar vazão aos minerios de Katanga e a servir o extenso territorio, que constitue a sua zona de trafego, quando já hoje, volvidos apenas dois annos, o porto do Lobito possue uma ponte cães onde os vapores acostam, e tem um movimento commercial apenas inferior ao de Loanda e Benguella, e onde por vezes se encontram acostados tres vapores.

É indispensavel, porem, que o Governo, municipio e o commercio acompanhem por seu lado o progresso do caminho de ferro, contribuindo para o desenvolvimento do paiz.

O futuro do Lobito antolha-se hoje mais ridente que o de Lourenço Marques, pois que o Lobito não tem as rivalidades dos portos da Africa do Sul".

Mas a outro ponto deseja tambem referir-se, e é ao regimen dá mão de obra no trabalho indigena.

Os detractores da nossa administração colonial levantaram uma viva campanha contra nós, accusando-nos do trafico da escravatura, e na propria provincia de Angola havia quem se enfileirasse no numero d'esses detractores. Entretanto, a Ilha de S. Thomé, essa perola das nossas colonias, definhava e ameaçava morrer por falta de braços, que Angola, convulsionada com a revolta do Bailundo, não podia fornecer-lhe. E sobre todas estas complexas questões outra pairava mais grave e delicada: a delimitação da fronteira do Barotze, que estava por fazer, a despeito do tratado de 20 de agosto de 1900, e acêrca da qual a South Africa nos movia difficuldades.

O proprio regulo do Barotze, Levanika, figurava como um dos principaes detractores de Portugal, permittindo-se assim um negro accusar a nossa acção civilizadora. O certo é que essas queixas fizeram fé e subiram de ponto, sendo necessario que os Ministros de então se impuzessem e resistissem, para não verem compromettida a integridade do dominio colonial portuguez, e não sepultarem a dignidade e a independencia nacionaes. (Apoiados).

A questão do Barotze teve de ser sujeita á arbitragem do Rei de Italia, mas pronunciando o veredictum viu-se que nós tinhamos ficado muito aquem do tratado de 1890, e diz isto no intuito de mostrar quão diversa é hoje a opinião dos que violentamente aggrediam o Governo d'aquella epoca.

Elle, orador, pede que sejam presentes á camara todos os documentos relativos á delimitação do Barotze, para que se faça justiça a quem ella pertence.

Houve quem preferisse mil vezes deixar de ser Ministro a servir interesses que só eram contrarios ao paiz.

Por melindres que a Camara muito bem pode avaliar, não dará desenvolvimento a este ponto; mas tendo publicado o decreto de 29 de janeiro de 1903, destinado a regular o regimen da mão de obra, está convencido, como o estava então, que patrocinou denodadamente os interesses da provincia de S. Thomé. Uns comprehenderam o beneficio d'essa providencia ; outros a contestaram; mas a hora da justiça chegou para quem a merece.

Para esclarecimento da Camara dirá que recebeu informação de que n'essa epoca se haviam assentado as bases de um syndicato, dehtinado a uma campanha de diffamação contra elle, orador, campanha que tinha por fim mostrar que ao decreto em questão presidira o intuito de contrariar os legitimos interesses de S. Thomé.

Calou-se até agora; mas hoje todos estão convencidos do largo alcance do decreto de 1903.

Hoje, que volta novamente a falar-se no modo por que o nosso paiz procede em relação á mão de obra, hoje, que voltam a accusar-nos do trafico da escravatura em Angola e S. Thomé, o Governo defende o paiz, como é natural que o faça, mas invoca n'essa defesa o regulamento de 1903, que tantas objurgatorias merecera.

E de quem parte essa campanha contra a dignidade do nosso paiz?

De um homem miseravel, que nenhuma autoridade tem para nos arguir

Refere-se ao general Pienar. Em 1901, aproximava-se o fim da guerra anglo-transvaaliana. Na nossa fronteira de Lourenço Marques, nas gargantas do Incomati, tinhamos nós collocado todas as tropas disponiveis n'aquella con-junctura, pois se annunciava que uma batalha decisiva teria logar cerca d'ali entre inglezes e transvaalianos. Com effeito, iam chegando tropas dos dois contendores; mas os nossos soldados estavam dispostos, emquanto vivos fossem, a não deixar entrar gente armada no nosso territorio. Taes haviam sido as ordens do governador da provincia, que então era o Sr. General Gorjão, administrador modelar e que n'esse momento prestou relevantes serviços.

Mas o combate não chegou a realizar-se e com surpresa de todos o general Botha começou a retirada para o norte. Então Pienar, aproximando-se mais das fronteiras portuguezas, á frente de 3:000 homens, acolheu-se aos nossos territorios, constituindo-se prisioneiro de Portugal. Como explicar o abandono da guerra por este homem que estava á frente de tres mil combatentes e que vinha acolher-se a territorio de onde sabia não poder sair? Os anjos que respondam.

Depois d'isso Pienar veio a Portugal e solicitou de Sua Majestade El-Rei que intercedesse a favor de um filho d'elle que estava sentenciado por delicto grave.

Como era de esperar, o valimento de El-Rei surtiu o effeito desejado.

Que conclusão ha a tirar de tudo isto com respeito aos sentimentos, brio e dignidade de um homem que se dizia haver sido testemunha presencial do nosso trafico de escravatura, isto depois de o havermos expulsado do planalto de Mossamedes, pois que faltara ao que se havia compromettido durante a campanha dos cuamatas?

Mas, voltando ao assumpto: que tem feito o Governo para acudir á situação de Angola?

Pelo que respeita á questão de limites, nada.

Nada no que respeita á economia da provincia, cujo deficit orça por 1:200 contos e ameaça elevar-se a 2:500.

O imposto de palhota nada produzirá, como nada tem que ver com a economia da provincia a creação de uma parochia sob a invocação de Nossa Senhora do Carmo, o que ainda assim representa uma illegalidade, porque o Governo, em vez de recorrer no Acto Addicional, valeu-se para esse fim de uma autorização de 1855.

Como não quer levar ainda hoje a palavra para casa, espera que a Camara lhe concederá alguns minutos alem da hora.

Vozes: - Fale, fale.

Página 350

350 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PAEES DO REINO

O Orador: - Agradece a attenção da Camara, e procurará ser quanto possivel conciso, mas não se dispensa de fazer ainda uma referencia á provincia de Moçambique.

Refere-se á commissão ha pouco reunida em Lisboa e incumbida de estudar as tarifas do caminho de ferro sul africano; commissão composta de dois delegados portuguezes, que eram os Srs. Joaquim Machado e o director do caminho de ferro de Lourenço Marques, e de dois inglezes nomeados pelo alto funccionario do Cabo, lord Selborne.

Pois os delegados inglezes foram os primeiros a reconhecer que o movimento commercial do porto de Lourenço Marques ia prosperando, graças ás acertadas medidas iniciadas durante a gerencia d'elle, orador, como sejam melhoramentos do porto e da bahia, augmento da velocidade dos comboios, simplificação do serviço alfandegario, etc.

O orador termina apresentando alguns dados para mostrar que o modo por que se procede em relação a tarifas ferro-viarias na provincia de Moçambique constituo um perigo que urge a todo o custo evitar.

Vozes: - Muito bem.

(S. Exa. não viu este extracto).

O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente, ha precisamente uma semana, na segunda feira da semana anterior, que na outra Casa do Parlamento se deu um acontecimento de summa gravidade.

O Sr. Presidente do Conselho, respondendo a um membro d'aquella Casa do Parlamento, declarou que effectivamente o actual Governo, chegando aos Conselhos da Coroa, reconhecera que existiam adeantamentos feitos á Casa Real, sem legalidade; e ainda, Sr. Presidente, respondendo a successivas instancias d'aquelle Sr. Deputado, e a outras que lhe foram dirigidas na sessão immediata, o Sr. Presidente do Conselho renovou a este respeito a declaração de que o Governo se reservava o direito de apresentar á Camara providencias tendentes a regular a situação, mas que não declinava de si a escolha da opportunidade em que devia apresentar as medidas attinentes a este assumpto.

Esperei até ao dia de hoje sem dizer uma palavra a tal respeito por tres motivos: em primeiro logar porque não quiz fazer referencias immediatas n'esta Casa do Parlamento, aos acontecimentos occorridos na outra, nem quiz mostrar precipitação, ou revelar partipris sobre tal materia.

Em segundo logar porque, apesar das declarações terminantes a este respeito feitas pelo Sr. Presidente do Conselho, entendi que devia deixar ao periodo de uma semana ainda, a possibilidade, hoje desmentida, de que S. Exa. remediasse promptamente, por um acto da sua iniciativa, as declarações estranhas que n'aquella Casa do Parlamento fizera.

Em terceiro logar porque quiz deixar aos parlamentares, que mais de perto tinham de ser ouvidos sobre o assumpto, e que mais competentemente podiam referir-se a elle, a occasião de o fazerem.

Como qualquer reproche de precipitação existe hoje, como o Sr. Presidente do Conselho nenhum acto praticou até ao momento actual, e como até ao mesmo momento nenhum dos estadistas que occuparam a Presidencia do Conselho em algumas situações, sobre o assumpto falou, eu venho, Sr. Presidente, dizer em phrase nitida e clara, o que penso sobre o assumpto, na phase actual da sua apresentação.

Pelo que me respeita, confesso que me sinto á vontade dentro d'elle, quer reportando-me á primeira occasião em que tive a honra de ser Ministro de Estado, quer reportando-me a segunda.

Fazendo verdadeiros esforços de memoria para me recordar do conjuncto de actos de administração que praticaram os Governos regeneradores de 1890 e a primeira phase do Governo tambem regenerador de 1901, recordo me apenas de um facto, no qual se podia incluir a referencia do Sr. Presidente do Conselho. Foi a viagem de Sua Majestade El-Rei a Inglaterra no anno de 1901, mas lembro-me de que essa viagem foi effectuada por El-Rei em representação official do seu paiz, e por consequencia se ha qualquer illegalidade a esse respeito, consiste no facto de, segundo um principio estabelecido, não se ter feito a respectiva descripção no orçamento.

E no momento em que falo, declaro que não tive meio de verificar se tinha havido illegalidade por ter sido uma despesa especial, posterior a todas as outras consignadas no orçamento.

Não posso nem mais um dia deixar passar, sem o mais fremente protesto, a posição inconstitucional que á Corôa portuguesa determinou a declaração do Sr. Presidente do Conselho. (Apoiados).

Não posso deixar passar mais um dia sem declarar a V. Exa., sem a menor impetuosidade de palavra, serena e imperturbavelmente, que a posição em que o Sr. Presidente do Conselho collocou a Coroa Portugueza não se compara.

Desde que o chefe de um Governo, responsavel, diz no seio do Parlamento que existem adeantamentos illegalmente feitos á Casa Real, desde que, portanto, o chefe do Estado se encontra, já não digo na plausibilidade, mas possibilidade de accusação de actos illegaes e illegitimos, é absolutamente necessario concluir que a posição da Corôa é da mais inteira coacção.

O Chefe do Estado assim accusado pelo chefe do Governo está, no momento, em que falamos, evidentemente coacto, porque não pode exercer a suprema magistratura portugueza, a chefatura do poder executivo, a acção do poder moderador, um magistrado sobre o qual impende uma accusação d'esta natureza, um magistrado que é o primeiro magistrado do paiz, superior a todos os outros e, portanto de chefe responsavel do Governo.

A posição criada pelas declarações do Sr. João Franco, entre o Governo e a Coroa, é absolutamente, não direi intoleravel, mas absolutamente inverosimil.

Eu conheço o Sr. João Franco.

Sei que não é facil fazê-lo voltar das declarações que fez na outra casa do Parlamento. Não tenho a esse respeito a menor esperança, e tão pouco estão em meu poder os meios de esclarecer a camara e a opinião publica acêrca d'esse assumpto.

Vejo-me, portanto, obrigado n'este momento a appellar do Sr. Presidente do Conselho para os estadistas hoje vivos, que presidiram ao Conselho de Ministros de Portugal desde o advento de Sua Majestade El-Rei o Senhor .D. Carlos.

Dois d'elles são mortos, os Srs. Antonio de Serpa e João Chrysostomo; mas felizmente vive o Sr. José Luciano de Castro, mas felizmente vive o Sr. Hintze Ribeiro, mas felizmente vive o Sr. Dias Ferreira.

Considero absolutamente indispensavel que, para lustre e decoro das instituições portuguezas, o assumpto ao qual se referiram as extraordinarias declarações do Sr. Presidente do Conselho, seja quanto possivel brevemente esclarecido perante o Parlamento e perante o paiz.

Se, na forma como o Sr. Conselheiro João Franco se referiu áquelles adeantamentos, tivesse havido da parte de S. Exa. o reconhecimento, já não direi da sua legalidade, mas da sua plausibilidade, eu teria talvez, na prudencia com que estou a falar, força sufficiente para não me adereçar aos tres homens de Estado que mencionei.

Mas o Sr. Presidente do Conselho não qualificou, não attenuou, não explicou e muito menos legitimou a existencia de taes adeantamentos; deixou, portanto, em pleno foco, em plena luz, em plena evidencia a responsabilidade da Coroa.

Peço, que essa responsabilidade

Página 351

SESSÃO N.° 26 DE 19 DE NOVEMBRO DE 1906 351

coberta nos termos constitucionaes, peço aos tres homens de Estado que tiveram a Presidencia do Conselho, por mim referidos, que, usando da iniciativa da sua palavra, remedeiem a falta do chefe do Governo e esclareçam devidamente as Camaras portuguesas e o paiz.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Minitros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Creio que a Camara não terá duvida em que dê a palavra a S. Exa.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castelio Branco): - Sr. Presidente : a declaração que o Digo Par Sr. João Arroyo classificou de estranha e que por mim foi feita na Camara dos Senhores Deputados, ainda na ultima sessão, a que eu lá assisti, mereceu a um Deputado republicano a confissão de que nenhuma surpreza lhe causara, porque de ha muito os factos a que me referi eram ditos á boca pequena pelos membros dos partidos que teem estado no Governo e a esse respeito se faziam insinuações nos seus jornaes.

V. Exa. comprehende a delicadeza e o melindre d'estas questões; comprehende, pois, em primeiro logar, que eu não me teria referido a ella pela forma por que me referi, se porventura não entendesse que cumpria um dever para com o paiz.

Essa declaração era aconselhada pelos interesses do paiz, pelos da Coroa, e ainda pelos de todos os partidos monarchicos que teem gerido os negocios publicos.

É preciso mostrar claramente que envidamos todos os esforços para cumprir integralmente o nosso programma e que o actual Governo segue normas e processos inteiramente diversos d'aquelles que seguiam os seus antecessores, visto como assim espera satisfazer reclamações que ha muito tempo o paiz vinha fazendo.

Sr. Presidente: a Corôa não esta coacta pelas declarações que eu fiz, porque ellas estão perfeitamente em harmonia com o sentir, com o pensar e com os desejos do Chefe do Estado.

A Corôa não está coacta. porque a minha declaração feita na Camara dos Senhores Deputados, visava unicamente ao intento de trazer ao conhecimento da representação nacional factos que todos os dias estavam sendo apregoados, commentados e envenenados pela boca d'aquelles que tinham obrigação de reprimir essas criticas e esses commentarios. (Apoiados).

Esses factos são da responsabilidade de todos os Governos e da responsabilidade de todos aquelles que fizeram parte das assembleias legislativas, porque os approvaram ou nunca levantaram o menor reparo, nem fizeram é menor esforço para lhes oppor qualquer resistencia.

Sr. Presidente: V. Exa. comprehende que era absolutamente indispensavel e necessario que na administração do paiz se operasse uma modificação tão profunda quanto fosse possivel no sentido de serem attendidas as justas reclamações da opinião publica, e que se abrisse um caminho largo e novo que todos pudessem trilhar.

Isto tenho eu dito mais de uma vez, tanto n'esta como na outra casa do Parlamento.

Era preciso procurar dentro da monarchia homens que, pela sua posição especial e despida de responsabilidades, viessem governar com ideias novas, processos inteiramente diversos, ideias inteiramente differentes das que tinham sido adoptadas até hoje.

Mas desde que se reconheceu que não appareciam homens n'aquellas circunstancias, claro está que era necessario procurar outros.

Era preciso que viesse alguem emendar os erros passados, penitenciar-se dos seus proprios, e que com firmeza, com valor, tratasse de bem servir o paiz.

Fui então chamado ao poder, porque n'uma propaganda intensa de alguns annos me mostrei arrependido de actos que havia praticado, e affirmei o meu proposito de entrar em novos processos de governação.

Não me arrependo da declaração que fiz na outra casa do Parlamento e que achei conveniente, para que as cousas se collocassem no pé em que devem ficar.

Era necessario destruir de vez as insinuações que corriam no publico e na imprensa.

Sr. Presidente: entendo que me corria o dever de fazer a declaração que fiz, e já disse e repito que me não arrependo de a ter feito.

Não fica mal confessar erros passados e mostrar ao paiz com lealdade, e sobretudo com uma convicção inabalavel, que ha um desejo intenso de que taes factos se não repitam.

Sr. Presidente: eu não me engano, nem me illudo acêrca da affirmação que fiz com toda a franqueza, e a prova está em que ella não produziu no paiz qualquer perturbação, não causou reação profunda. (Apoiados).

Sr. Presidente: ha uma semana que todos nós podemos avaliar qual foi a impressão que o facto produziu.

E contra factos não ha argumentos.

Se eu tivesse duvidas sobre a maneira como procedi, a minha justificação e o acerto com que previ que este era o bom caminho estão nos acontecimentos que desde então se deram e que constituem a confirmação de que eu fiz o que devia e o que convinha fazer.

Revindiquei para mim a opportunidade de trazer esse assumpto ao Parlamento.

Sr. Presidente: não se trata de fazer accusações a ninguem, mas unicamente de dirimir responsabilidades que eu entendo que é necessario que fiquem bem definidas.

As responsabilidades teem nas todos aquelles que teem governado e apoiado os Governos e que nunca fizeram o minimo esforço para lhes oppor qualquer resistencia.

Era dever do Governo trazer esse assumpto ao Parlamento, unico que pode julgar com direito, com razão e com força moral.

Eu falo deante do paiz para que elle veja que entrámos n'um caminho diverso d'aquelle por onde temos andado e que estamos resolvidos a cumprir a lei.

Por outro lado, tendo o Governo ideia de apresentar uma medida sobre o assumpto, então se verá o motivo determinante da declaração feita e o que importa resolver.

O Governo pode seguir este procedimento usando do seu direito de iniciativa, direito que ninguem lhe pode contestar, e reivindica para si o ser juiz da opportunidade em que isso se deve fazer, pela conveniencia das circunstancias publicas.

Em que é que isto pode prejudicar os direitos do Parlamento?

Nesta Camara não ha ninguem que não seja monarchico, que não tenha governado ou apoiado os Governos.

Quem tem esperado até agora, não pode esperar mais algumas semanas ou meses?

Mas, Sr. Presidente, esperar para quê?

Para conhecer dos actos que se praticaram e dos que importa praticar.

Para isso o Governo ha de trazer ao Parlamento uma providencia, não só pelo compromisso que tomou, mas porque considera obrigação sua proceder d'essa forma e para isso aguarda a occasião opportuna.

Não comprehendo o motivo por que se estão os Dignos Pares preoccupando com a liquidação immediata d'este assumpto, depois de terem deixado passar tanto tempo sem d'elle se lembrarem.

Sr. Presidente: parece-me que tenho tratado esta questão da maneira que por parte do Governo ella precisava

Página 352

352 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ser tratada, dizendo o que tinha a dizer em resposta ao Digno Par, o Sr. Arrojo.

E por isso, convicto de que o meu procedimento é applaudido por todos os que sinceramente se interessam pelo bem do paiz, encerro por aqui as minhas considerações.

Vozes: - Muito bem. (S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Eu não posso dar a palavra ao Digno Par Sr. Baracho sem a Camara se pronunciar sobre isso.

Esta questão é d'aquellas quê devem ser tratadas antes da ordem do dia, mas se V. Exa. e a Camara querem tratar d'ella agora e que a sessão se prorogue para esse effeito, eu darei então a palavra a V. Exa., mas não me parece que realmente se deva agora tratar d'este assumpto.

Vozes : - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que são de opinião que se dê ainda a palavra ao Sr. Baracho para tratar do assumpto que foi levantado agora, tenham a bondade de se levantar e conservarem-se de pé para se fazer a contagem.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Digno Par Sr. Baracho.

O Sr. Sebastião Baracho: - No dia immediato ás declarações feitas pelo Sr. Presidente do Conselho, na Camara Electiva, acêrca dos adeantamentos, ou emprestimos á Familia Real, discutia-se n'esta casa a resposta ao Discurso dá Coroa e usava eu da palavra.

Manifestei então, succinta mas claramente, a minha opinião, referente á liquidação d'esse assumpto.

Muito expressamente me dirigi ao Sr. Presidente do Conselho, convidando-o a que não trouxesse ao Parlamento proposta alguma pela qual o Thesouro Publico tivesse de satisfazer as dividas da Familia Reinante.

Vão decorridos seis dias depois que fiz estas declarações, sem que o Sr. Presidente do Conselho tenha dado a publico documento algum instructivo das suas affirmativas.

Concordo, em todo o ponto, com que S. Exa. denunciasse ao paiz as irregu-laridades existentes - para não lhe dar nome mais expressivo. A imprensa ministerial apodou-as, em tempo, de anormalidades, com cuja designação me amoldo, por o eufemismo ser, sem contestação, benevolo.

Mas, Sr. Presidente, se concordo com a denuncia feita ao paiz, pelo Sr. Pre-
sidente do Conselho, dos actos alludidos, desacordo em absoluto de que até hoje não tenham sido documentadas tão graves asseverações.

Para obviar a essa imperdoavel lacuna, mando para a mesa o seguinte requerimento, cuja expedição ao seu destino peço sem demora:

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me seja enviada com urgencia nota dos emprestimos ou adeantamentos feitos á Familia Real, desde 1 de janeiro de 1887 até ao presnte, devendo n'esta informação attender-se ao seguinte:

a) Relação nominal dos contemplados, motivo ou pretexto de cada emprestimo ou adeantamento, designação dos funccionarios que os auctorizaram, e em que termos.

b) Importancia de cada emprestimo ou adeantamento, data em que foi cada um realizado, somma por cada contemplado, e totalidade de todos os adeantamentos ou emprestimos.

c) Especificação do modo como elles foram escripturados e das providencias de ordem criminal que o assumpto reclama, tomadas pelo actual Governo, e ainda das attinentes á reintegração no Erario, com os respectivos juros, das quantias d'elle desviadas illegalmente. = Sebastião Baracho.

De novo recordo a necessidade que ha em esclarecer este assumpto. Ao Governo faculto os meios precisos para assim proceder, com o meu requerimento.

Não me corresponde adequadamente, fornecendo os esclarecimentos solicitados?

Peor para elle.

A falta de resposta, em casos taes, é fundamentalmente significativa.

Dito isto, protesto contra a affirmção do Sr. Presidente do Conselho, de que todos os monarchicos, com assento no Parlamento, teem responsalidades nos factos por S. Exa. denunciados.

Nem até 1901, em que estive agrupado partidariamente, nem depois d'isso, em que, isolado de todos os partidos, tenho estado e me conservo positivamente autónomo, eu poderia pedir contas pelas atoardas que circulavam, sem fundamento official. Se a semelhante inquirição, me aventurasse, teria como resposta uma contradicta formal, de qualquer dos anteriores Presidentes do Conselho, a quem para tal fim me dirigisse.

Não declino nunca as minhas responsabilidades; mas só por ellas exclusivamente respondo. Demais, a minha orientação de momento justifica os meus assertos. Assim que veio a lume a declaração, officialmente effectivada, de que havia emprestimos ou adeantamentos á Casa Real, appareci em campo nas vinte e quatro horas decorridas, e no meu posto me conservo, pedindo que se faça, sem demora, toda a luz, n'este estranho e escuro caso.

Mas, porque seria que o Sr. Presidente do Conselho fez impender as responsabilidades somente sobre os parlamentares monarchicos, não obstante ter havido já na Camara electiva Deputados republicanos, depois das anormalidades apontadas terem sido commettidas?

Não vale a pena investigá-lo n'este momento, porque a verdade é que os responsaveis, os unicos responsaveis, são os que auctorizaram os actos indigitados; os que com estes aproveitaram ; e, agora, quem não procede á sua prompta liquidação.

Nada mais simples.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. João Arroyo: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Eu não posso conceder a palavra ao Digno Par sem primeiro consultar a Camara, visto ter já passado a hora de se encerrar a sessão.

Os Dignos Pares que permittem que se dê a palavra ao Sr. João Arroyo tenham a bondade de se levantar.

Está approvado.

O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente : poucos momentos tomarei á Camara no que tenho a dizer relativamente ao capitulo de responsabilidades, em que o Sr. Presidente do Conselho tanto insistiu.

Essas responsabilidades desvio-as de mim; mas se porventura se apurar que algumas me pertencem, estou prompto a responder por ellas em todo e qualquer campo.

Com relação a este assumpto, direi ainda que o Sr. Presidente do Conselho se enganou; tenho-me dirigido a S. Exa. em muitas questões de administração para que o Sr. Presidente do Conselho pudesse hoje tomar como falta de consideração o facto de me dirigir aos tres ex-Presidentes de Conselho, que felizmente vivem.

S. Exa. sabe que ha muitos annos me prezo de ter a mais alta consideração por S. Exa., portanto, parece-me que sobre este ponto não pode haver a menor duvida.

O Sr. Presidente do Conselho entendeu que tinha feito bem em levar aquellas declarações ao Parlamento; não foi sobre isso que incidiram as minhas considerações.

S. Exa. declarou na Camara dos Senhores Deputados que reservava para si o direito da iniciativa e da opportunidade da apresentação d'esses documentos; levantei me precisamente para emittir a minha opinião sobre este ponto e como sabia que em vista d'aquellas declarações, eu não era capaz de demover S. Exa. da sua resolução, appellei para os homens que tinham sido

Página 353

SESSÃO N.° 26 DE 19 DE NOVEMBRO DE 1906 353

chefes de Governo n'este paiz e a esses pedi que remediassem a falta do Sr. Presidente do Conselho, e que para prestigio da Coroa esclarecessem sem demora o Parlamento sobre os factos gravissimos a que S. Exa. alludiu. Foi isto e nada mais.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Conde de Bomfim: - Eu tinha pedido a palavra tambem sobre este assumpto.

O Sr. Presidente: - Não posso dar a palavra ao Digno Par. V. Exa. fica inscripto para a primeira sessão.

O Sr. Conde de Bomfim: - Mas eu não posso prescindir do meu direito.

Preciso protestar contra o que o Sr. Presidente do Conselho acaba de dizer.

O Sr. Presidente: - O Digno Par não me pode interromper; eu é que posso interromper os Dignos Pares, quando não estejam na ordem. Se o Digno Par quer, o que posso fazer é consultar a Camara sobre se permitte que S. Exa. use da palavra.

O Sr. Conde de Bomfim: - Desejava a palavra porque queria repellir a insinuação ou accusação feita aos representantes da nação, á Camara a que pertenço, de responsabilidades que desconheço e porque o Parlamento nunca devia ouvir taes insinuações ou referencias feitas por quem quer que fosse, e muito menos por um Presidente do Conselho. Taes referencias, por quaesquer forma apresentadas, repillo-as sempre, e continuarei a fazê-lo.

O Sr. Presidente: - V. Exa. não tem a palavra, e por consequencia não pode proseguir.

A proximo sessão é amanhã, ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje. Esta encerrada a sessão.

Eram 6 horas da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 19 de novembro de 1906

Exmos. Srs. Augusto José da Cunha; Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Pombal; Arcebispo-Bispo da Guarda; Condes: de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Figueiró, de Monsaraz, de Paraty, de Sabugosa de Tarouca, de Villar Sêcco; Viscondes: de Asseca, de Monte São, de Tinalhas; Moraes de Carvalho, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Costa e Silva, Santos Viegas, Teixeira de Sousa Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Vellez Caldeira, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher Mattoso Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco Machado; Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Almeida Garrett, Jacintho Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, Mello e Sousa, José de Azevedo, José Dias Ferreira, Moraes Sarmento, José Luiz Freire, José Maria dos Santos, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Raphael Gorjão, Sebastião Dantas Baracho e Wen-ceslau de Lima.

(Os Exmos. oradores não reviram os seus, discursos).

O Redactor,

F. ALVES PEREIRA.

Página 354

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×