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356 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

merecido dos estrangeiros mais estudo e maior estima que de nós mesmos.

Não só a Sé Cathedral da Guarda, durante tantos annos abandonada, mas ainda as vetustas capellas do Mileu, nos suburbios d'esta cidade, a de Santa Luzia na villa de Trancoso, e muitos outros monumentos de inapreciavel valor, justificam a dolorosa verdade de que Portugal tem descurado o invejavel thesouro das suas riquezas artisticas.

Graças ao benemerito e muito illustre magistrado José Osorio da Gama e Castro, um dos governadores civis do districto da Guarda, a quem esta cidade mais deve, a Sé Cathedral foi contemplada em 1898 com a dotação annual de 4:000$000 réis para as despesas da sua restauração.

A morosidade, porem, dos trabalhos, devida á notavel reducção d'aquelle subsidio, não permittirá que a Cathedral seja restituida ao culto n'estes próximos dez annos! Dir-se-ha que a restauração do edificio exige modificações profundas, sendo assim preferivel o ataque progressivo ao simultaneo, não convindo, portanto, accelerar os trabalhos.

Ainda que assim fosse, a dotação é insuificiente para que as obras não soffram largas interrupções, o que infelizmente se tem dado quasi todos os annos.

Importa, pois, que o Governo ordene a realização simultanea dos trabalhos, concedendo para isso maior dotação, a fim de que não seja tão diuturna a suspensão dos actos religiosos na cathedral.

Como prelado da diocese da Guarda, incumbe-me a obrigação de solicitar do Governo as condições indispensaveis para o devido desempenho da minha missão pastoral, e a primeira é talvez a existencia de um templo, onde eu e o meu cabido, possamos exercer os actos de culto a que por direito somos obrigados.

Quasi posso affirmar que a vida religiosa na cidade da Guarda está cir-cumscripta ao culto interno, tão reduzidos são os actos do culto externo.

A religião catholica que o paiz officialmente professa, requer para a sua conservação a pratica do culto externo, como é prescripta e preceituada pela Igreja. E pelo culto externo que nos unimos para manifestarmos os nossos affectos e crenças communs, mediante determinadas demonstrações religiosas. E estas demonstrações carecem de um logar adequado, reclamam um templo. Como bispo da diocese e cidade da Guarda, lembro, pois, com o meu cabido, ao Governo, a necessidade urgente da conclusão das obras na cathedral da mesma cidade.

Depois de haver falado do templo, a ordem logica das ideias leva-me a falar dos ministros.

O abandono do templo, ainda quando se impõe pelo seu valor artistico, devia ter como consequencia natural o esquecimento dos mais sagrados interesses do clero, que tanto se faz recommendar pelos seus relevantes serviços religiosos e sociaes.

É necessario não esquecer que o clero, e por agora occupar-me-hei somente do parochial, é o primeiro factor da prosperidade publica e particular de um povo.

"O estudo methodico das sociedades europeias, diz o eximio sociologo Le Play, mostrou-me que a felicidade individual e a prosperidade publica estão em proporção com a energia e pureza das convicções religiosas...

O estudo do passado, feito com o concurso de historiadores competentes, leva-nos a esta conclusão. Em todas as idades da historia, desde as prosperidades do antigo Egypto, até ás prosperidades das nações enristas, nota-se que os povos possuidos das mais firmes crenças em Deus e na vida futura, elevaram-se sempre e com rapidez sobre os outros pela virtude e talento, assim como pelo poder e riqueza".

Ora é á classe parochial que está confiado officialmente o ensino da religião, do qual provem a estabilidade e pureza das crenças religiosas, condição a que Lê Play, com profunda verdade, attribue a felicidade e prosperidade publica e particular de um povo.

Será, pois, cumprir um acto da mais justificada gratidão, e do mais elevado patriotismo, melhorar a deploravel situação da classe parochial.

De gratidão, porque alem de muitas outras benemerencias, quantas vezes os Governos e auctoridades civis se teem soccorrido da força moral dos parochos, para levarem o povo ao suave e fiel cumprimento das leis!

Os mesmos prelados, por maior que seja o seu zelo e esclarecida a acção do seu ministerio pastoral, nada poderão fazer sem o concurso da acção parochial.

Representante da religião junto do povo, o parocho é o cooperador nato do seu prelado e auxiliar valioso da auctoridade civil.

Com o esquecimento a que foi votado entre nós o clero parochial, contrasta a protecção com que é favorecido o padre catholico pelos mesmos Governos protestantes.

O Governo Inglez, logo que em qualquer parte das suas colonias exista determinado numero de europeus catholicos, não só se compromette a construir-lhes igrejas, mas até a prover as principaes despesas do culto, incluindo

a sustentação do padre, que lhes dispensa os soccorros espirituaes e, entre elles, exerce as funcções parochiaes.

Na grande nação ingleza os homens de Estado, os que occupam no Governo e na administração as situações mais elevadas, não só respeitam, mas até favorecem a religião e os seus ministros.

Com as auctoridades inglezas, dizia-nos um dos nossos prelados do Oriente, não temos difficuldades; ellas attendem sempre ás nossas reclamações, dispensando-nos de qualquer formalidade.

Os homens das classes superiores da sociedade ingleza, diz o citado auctor, comprehendem que não é possivel fixar em suas familias, durante uma serie de gerações, o amor ao trabalho, os bons costumes e o bem estar que d'ahi deriva, se não inculcam a seus filhos os principios da religião ao mesmo tempo que as boas tradições dos seus antepassados.

As crenças que dirigem a familia governam com a mesma efficacia, a communa, a provincia e o Estado.

A ordem publica não poderá ser garantida, quaesquer que sejam os sentimentos religiosos das classes inferiores, uma vez que as classes dirigentes não encontrem nas crenças firmes o móbil de suas acções, e o principio da aucto-ridade que exercem.

É este o grande segredo da prosperidade de um dos paizes mais opulentos do mundo.

Procurar na firmeza das crenças religiosas o mobil de suas acções e o principio da auctoridade que exerce, deverá ser a regra de procedimento de todo o poder que se propõe uma vida nova no Governo e administração do povo.

Não é ao poder que promove a riqueza de uma nação pelo commercio e industria, ou o seu engrandecimento pela conquista, a quem essa nação mais deve, mas ao poder que promove o seu bem estar pela protecção dispensada á pratica dos bons costumes.

Mais deprimente é para um povo o deficit dos bons costumes, que o deficit da riqueza publica.

O deficit dos bons costumes é uma consequencia necessaria do deficit das crenças religiosas, para o que não pouco tem contribuido entre nós a situação angustiosa em que o clero parochial se encontra.

Nunca houve perante os poderes publicos reclamação mais justa, nem menos attendida, do que a reclamação do clero parochial.

Promessas sem cumprimento, decretos e leis sem effeito, eis como os Governos teem correspondido aos justos clamores da classe parochial.

Extinctos os dizimos por decreto de 30 de julho de 1832, e assim supprimida a principal fonte de receita do