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358 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

N'essa comprehensão do espirito novo não está o Sr. Presidente do Conselho só.

Houve um grande partido politico, que igualmente reconheceu ter chegado a occasião para; de vez, e definitivamente, com o seu esforço, com o seu numero, com a sua importancia, entrar n'um caminho de praxes novas, n'um systema administrativo tal como era exigido pelas circumstancias do paiz.

Creio que em duas palavras expuz e expliquei, pelo menos, a meu ver, o que representam as suppostas contradições do Sr. Presidente do Conselho.

Que representa a concentração liberal? Representa a união de dois partidos politicos no mesmo objectivo e no mesmo programma, claramente definido em pontos concretos, que por vozes bem mais autorizadas do que a minha aqui teem sido largamente expostos.

Passando depois á parte financeira do seu discurso, o Digno Par referiu-se aos augmentos de despesa trazidos por este Governo nas propostas de lei apresentadas ao Parlamento e alludiu incidentemente a uma critica que S. Exa. disse ter sido feita por um official general acêrca dos exercicios dos quadros. Não posso evidentemente pôr em duvida que tal critica se tivesse manifestado, mas S. Exa. ha de achar tambem quem diga que a manifestação do espirito jocoso d'esse official terá talvez para a explicar uma feição especial do seu caracter, porque não ha hoje ninguem pertencente ao exercito que desconheça a importancia enorme dos exercicios de quadros e o desenvolvimento que elles vão tendo em todos os países, desenvolvimento a que o actual Ministro da Guerra procura corresponder n'esta occasião.

S. Exa. não se esqueceu de que o primeiro exercicio de quadros realizado no paiz se realizou por iniciativa do Sr. Pimentel Pinto, exercicio no qual eu tive a honra de tomar parte, e posso affirmar que dos muitos em que tenho entrado, com certeza que foi esse um d'aquelles em que mais se trabalhou e mais se aprendeu.

Referiu-se S. Exa. ao augmento de despesa proveniente da proposta relativa ao porto de Lisboa. Esse augmento de despesa não é real e positivo, como S. Exa. * o quiz fazer entender, porque, passando para o Estado a administração do porto de Lisboa", para o Estado passa tambem a receita importante que resulta da sua exploração.

Pelo que diz respeito aos decretos publicados pelo Governo acêrca da legalização de algumas despesas e collocação de empregados nos seus respectivos logares, tambem poucas palavras poderei dizer a S. Exa.

O Governo não fez mais do que legalizar, por meio do primeiro d'esses decretos, as despesas já pagas e não auctorizadas, cingindo-se actualmente ás tabellas orçamentaes, até que as Côrtes approvem o orçamento apresentado.

Pelo que diz respeito á collocação dos empregados, o Digno Par entendeu que devia servir-se da forma caustica do seu espirito, perguntando se era a lei que collocava um tenente-coronel do Estado Maior, o Sr. Eduardo Costa, em Loanda, e um major de engenharia, o Sr. Freire de Andrade, em Moçambique.

É a lei que permitte que elles ahi estejam.

Sr. Presidente: parece que S. Exa. não espera de mim que vá entrar na apreciação detalhada do augmento da divida fluctuante, nem da sua influencia na economia nacional. S. Exa. permittirá que eu, sem mais demora, vá direito ao ponto que mais directamente me interessa.

S. Exa. disse, que de bugigangas estava o paiz cansado, e que o paiz queria administração.

Começou S. Exa. por notar, a respeito da campanha que durante annos se vinha fazendo acêrca da descentralização administrativa, a mudança de opinião que eu tinha tido no curto prazo da minha gerencia, e S. Exa. parecia querer fazer entender que eu fôra dos primeiros a levantar essa campanha, e que essa descentralização era mais uma opinião minha do que uma necessidade nacional.

O Digno Par e a Camara consentirão que eu, em abono da descentralização, cite duas opiniões, e creio que bastam.

Vou buscar, - e não quero mesmo buscar a de Mousinho de Albuquerque que poderia ser suspeita - á de dois homens de Estado, que honraram esta nação durante muitos annos, por isso que foram desde longa data defensores da descentralização em termos os mais energicos e com auctoridade que eu não tenho.

Fala primeiro o Sr. Marianno de Carvalho. Em 1891, prefaciando um trabalho do coronel Chaves de Aguiar, dizia:

N'este meio preparado para a decadencia intervieram os Governos da metropole, fundando o mais absurdo systema de administração, e descuidosos do presente e imprevidentes do futuro completarem a sua obra destruidora pela quasi geral má escolha do funccionalismo.

Assim, o governador geral, por excellentes que sejam as suas aptidões, vendo-se privado de elementos essenciaes de trabalho, contrariado por todos os poderes independentes, assoberbado pela Secretaria, da Marinha, a poucos passos desanima e pensa que o mais proveitoso é ganhar o posto e o estipendio com a minima somma de incommodos e de trabalhos. Não possuindo liberdade de acção, ninguem lhe pode imputar responsabilidade, e como elle julgam e procedem os seus subordinados.

O segundo é Antonio Ennes, que no seu relatorio de setembro de 1893, verdadeiro monumento que todos deviamos compulsar com mão diurna e nocturna, escrevia o que se segue:

... para melhorar a administração provincial não bastará promulgar leis, será indispensavel entregá-la a homens com a maxima capacidade intellectual e moral.

Porque em Moçambique é que se ha de governar Moçambique. O regimen das relações entre o Governo central e o provincial precisa de ser alterado, e alterado em dois sentidos: ampliando a esphera de acção extraordinaria ou illegal.

Presentemente esta esphera é indefinida e aquella demasiadamente acanhada. Os governadores geraes mal podem mover-se dentro da lei, mas permittem-se-lhes, com absoluta irresponsabilidade, todos os saltos e todas as correrias fora da legalidade. Em principio é o Terreiro do Paço quem governa todo o murido portuguez, mas, como o Terreiro do Paço não pode nem com o mero expediente de tanta gloria, abdica e abdica arbitrariamente no arbitrio das autoridades provinciaes.

Esta abdicação é inevitavel e não podendo a legislação evitá-la tem de regularizá-la.

Depois, a variedade, a multiplicidade dos assumptos quasi prohibem o exame, o estudo, a reflexão, aos funccionarios, compellindo-os a occuparem-se de todos elles, e especialmente aos Ministros, já absorvidos pela rotina do despacho, extenuados pela perseguição dos pretendentes e distrahidos pelas preoccupações da politica. Portanto, e praticamente, o exagero da centralização legal carrega-se por outro exagero: o da descentralização da confiança.

Façam o que quizerem, comtanto que não gastem dinheiro.

Desejo que a provincia possa ser governada e administrada na provincia segundo normas inflexiveis estabelecidas e efficazmente fiscalizadas na metropole.

O atraso da provincia de Moçambique é devido a causas administrativas remediaveis e não a causas naturaes sem correcção possivel.

Já vê pois o Digno Par que tudo quanto eu disse e escrevi sobre o assumpto apenas representa um pallido reflexo do que pensavam aquelles dois illustres estadistas, cujos serviços na provincia de Moçambique deixaram um rasto e nome brilhantes.

Na situação pintada por Antonio Ennes e Marianno de Carvalho encontrei a administração colonial, ao tomar conta da pasta da Marinha e Ultramar.

Referiu-se o Digno Par ao decreto que approvou o regulamento da secretaria da Camara Municipal de Lourenço Marques, censurando-me como con-