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194 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

haviam previsto, e mais tarde se procuram remover pela modificação das disposições que a experiencia mostrou ser necessario alterar ou supprimir. É o que acontece com relação á lei do recrutamento.

Todos os que têem exercido altos cargos administrativos conhecem as grandes difficuldades em executar plenamemo a lei do recrutamento. A commissão de inspecção é a primeira estação por onde passam os recrutas; depois segue-se a commissão districtal; ora as commissões districtaes, por via de regra, fazem sempre tudo quanto querem os governadores civis, e são essas commissões que examinam as questões diversas que se não resolvem nas commissões de inspecção. De todas essas questões a que mais ordinariamente se apresenta é a do amparo. Todos os protegidos das influencias de toda a especie ali apparecem, allegando uns que protegem o pae, outros a mãe, outros as irmãs, etc., emfim todos têem alguem a quem amparar, e por esse meio e com esse pretexto se escapa um grande numero de mancebos ao serviço do exercito.

Dão-se casos curiosos em taes isenções, como succedeu em Coimbra, onde um recruta pretextou, para se furtar ao serviço, que era o amparo do seu pae, quando na verdade o pae não tinha necessidade nenhuma d'esse amparo, pois era empregado na universidade, e alem d'isso proprietario, tendo meios bastantes para viver. N'aquella cidade têem-se praticado d'estes abusos sob a influencia do chamado poder occulto que ali existe.

Por todas estas rasões, peço, rogo e insisto para que o governo tome na mais seria consideração estes assumptos, que tão de perto se ligam com o principio consignado na constituição do estado, que estabelece a igualdade perante a lei. Se nem todos têem direito ás grandes fortunas, nem ás recompensaas da nação, por isso que só o trabalho é que habilita os homens a chegar aos mais altos cargos, todavia e certo que o pobre no seu tegurio, e o opulento no seu palacio, todos têem direito a que a justiça seja distribuida com igualdade.

Ainda sobre os casos de isenção do recrutamento tenho a apresentar um facto, que agora me occorre, e se passou commigo em Braga. Appareceu um administrador de concelho dando informação de um certo e determinado individuo, e depois deu uma informação inteiramente em sentido contrario.

Disse muito bem o digno par, o sr. Carlos Bento, que o recrutamento estava ligado intimamente com a lei eleitoral. A este proposito lembra-me que havia um cavalheiro que estava unido com o partido miguelista, e que era muito tolerante e discreto. A esse cavalheiro, que já morreu, e cujo nome não direi, perguntavam ás vozes alguns liberaes porque se não declarava elle liberal, tendo idéas e principios que tanto se coadunavam com os d'elles. A isto respondia, que estava prompto, uma vez que tirassem do systema a lei eleitoral.

Não sei se aquelle cavalheiro tinha rasão; creio que não. Era um dito engraçado, com que explicava as difficuldades que trazia á boa governação e á boa administração da justiça a lei eleitoral.

Sr. presidente, diz-me alguem, n'um áparte, que nem em todas as provincias se praticam factos illegaes com respeito ao recrutamento. É verdade. Sei que no Algarve se executa escrupulosamente a lei; mas isso e uma excepção. No Minho, onde eu estive exercendo um alto cargo administrativo, conheci por mim proprio as difficuldades que ali tem havido para se realisarem os contingentes. Encontrei nada menos de 8:000 recrutas, como consta do mappa que está junto ao relatorio que apresentei á junta geral do districto.

Mas, pergunto eu, a experiencia que é, como já disse, a melhor e a mais sabia mestra dos povos e dos ministros, não terá habilitado os homens que occupam os diversos empregos, para proporem as medidas adequadas e de ordem a fazer com que os negocios sejam resolvidos de accordo com a sua importancia?

Eu devo acreditar, sr. presidente, que ha umas certas reformas que estão no coração de todos; mas, entre nós, parece que se entende apenas necessario acabar com a hereditariedade da camara dos pares, e introduzir algumas pequenas alterações na lei eleitoral, com o fim unico de trazer á camara mais alguns deputados.

O sr. presidente do conselho disse aqui, n'uma sessão, respondendo ao sr. Miguel Osorio, que detestava o programma do partido d'aquelle digno par, embora respeitasse muito a sua pessoa; das ou, que não receio que s. exa. me diga o mesmo, porque o meu programma não é revolucionario nem subversivo, e sim fundado nos principios de justiça, peço a sua attençào para a reforma da lei do recrutamento, porque este ramo de serviço não póde continuar a subsistir como está.

Com relação ao recrutamento, desejava que mo dissesse se tencionava propor a reforma d'essa lei, quaes os pontos principaes em que ella deve bascar-se, e se tem em mente propor essa reforma ainda na actual sessão legislativa.

Quando digo na actual sessão legislativa, ao contrario do que disse ao sr. Thomás Ribeiro, ministro da marinha, quando se verificou a minha interpellação ácerca da administração colonial, pois só lhe pedi a apresentação dos projectos de reforma para a proxima sessão, é porque nós vamos ter uma eleição geral, e eu não quero que os agentes que negoceiam com os recrutas, e os escrivães de fazenda, façam as eleições, e depois se diga que ellas representam a opinião publica.

N'outros tempos eram os mais puros liberaes que diziam que os cabralistas desvirtuavam tudo, mas depois esses mesmos liberaes vieram praticar muito peior do que se praticava no ministerio do sr. conde de Thomar, e justificaram-no assim das accusações que lhe faziam.

O que eu desejo é que o sr. presidente do conselho me diga, se tenciona propor, ainda n'esta sessão, uma lei de recrutamento, e quaes os pontos principaes d'essa lei, porque me parece que este negocio não devia ficar para o anno, embora s. exa. se conservo n'aquelle logar.

Não se diga que já não ha tempo, porque o governo póde propor a Sua Magestade a prorogação das côrtes por mais algum tempo, no que não deve ter duvida, principalmente tendo uma maioria composta do amigos tão dedicados e fieis, e que tudo sacrificam pela conservação d'este ministerio, no qual vêem um esteio da ordem.

Por consequencia, não se póde julgar que seja mau para o governo estar aberto o parlamento; pelo contrario, ha a vantagem de ouvir as expressões e receber os conselhos dos seus amigos, podendo, como resultado d'essa discussão esclarecida, amigavel e patriotica, offerecer-nos porventura algumas propostas, e com ellas robustecer o seu programma, sobretudo na parte que se refere a manter a ordem publica, a segurança do throno e a das nossas instituições.

Espero que s. exa. o sr. ministro queira responder com a benevolencia costumada, a esta minha pergunta. Se depois me for necessario, pedirei de novo a palavra. Por emquanto nada mais tenho a dizer.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Se me coubesse a fortuna de ser ouvido pelo digno par o sr. marquez de Vallada n'outras vezes em que tenho tido occasião de fallar n'esta casa a proposito, pouco mais ou menos, do assumpto que se discute hoje, s. exa. saberia já e não careceria de me perguntar se tenciono apresentar proposta para a reforma da lei do recrutamento, e igualmente outra reforma do exercito.

Eu já declarei, e mais de uma vez, em ambas as camaras, que julgava, como disse ha pouco o digno par o sr. Carlos Bento, intimamente ligada a reforma do exercito com a lei do recrutamento, que não se podia utilmente emprehender esta sem realisar a primeira; porém que o aperto do tempo e outras circumstancias não permittiam apresentar