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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 203

que o governo hontem retirasse da venda o caminho de ferro do sul, quando o seu producto era destinado á construcção dos caminhos de ferro das Beiras, e o retirasse da venda sob o pretexto de ser uma propriedade que estava subindo todos os dias de valor, e que tinha um futuro auspicioso, e hoje proponha a sua alienação para se construir o caminho de ferro do Algarve!

Nenhuma d'estas flagrantes contradicções me causa surpreza, o que me surprehende, porém, é que o sr. Lourenço de Carvalho se preste a estes actos, que são pouco decorosos.

É admiravel, surprehendente, mysterioso até, que sendo o caminho de ferro da Beira Baixa o caminho a que s. exa. teceu tantos incomios, fosse exactamente aquelle que o sr. Lourenço de Carvalho pozesse de parte e impedisse a construcção! V. exa. e a camara podem commentar este facto, mas quem o ha de commentar melhor é o paiz.

É verdade que o sr. presidente do conselho não declarou nunca qual a linha que julgava ser a internacional, mas não é menos verdade que se pronunciou por ambas, sem dar a preferencia á da Beira Alta, e não é menos verdade que pela opinião auctorisada do seu collega das obras publicas, era considerada como internacional só a linha da Beira Baixa; e se houvessem rasões que podessem determinar de alguma fórma o governo a pôr de parte qualquer linha ferrea, não deveria ser de certo a da Beira Baixa. Deve-se porém observar que as rasões que o sr. presidente do conselho apresentou no anno passado, não são as mesmas d'este anno, porque as opiniões de s. exa., ha certo tempo para cá, são sempre perplexas, variaveis e pouco difinidas; hoje pensa uma cousa, ámanhã outra inteiramente inversa.

Quando eu no anno passado fiz varias perguntas ao sr. presidente do conselho com relação ao caminho de ferro da Beira Baixa, e entre ellas a de não se ter aberto concurso, disse s. exa. que a rasão era porque em Hespanha havia duvidas ácerca do caminho de ferro da Beira Baixa com relação ao ponto de entroncamento; que emquanto ao caminho de ferro da Beira Alta já estava assentado entre os engenheiros portuguezes e hespanhoes o ponto da ligação. Isto disse s. exa. aqui, mas eu prefiro antes ler as proprias palavras do sr. presidente do conselho, para que v. exa. e a camara vejam que eu não digo senão a verdade e o que e exacto:

"Aquelle governo, prestando-se da melhor vontade aos nossos desejos, mandou engenheiros seus a Portugal, a fim do se entenderem com os engenheiros portuguezes, e de commum accordo se assentaram nos pontos de entroncamento; effectivamente se assentou no que diz respeito á linha da Beira Alta.

"Em relação, porém, á da Beira Baixa o governo hespanhol manifestou desejo ultimamente de estudar uma variante, que não é precisamente a linha indicada na proposta de lei que foi submettida ao exame das camaras e approvada por ellas."

Não foi só esta a declaração unica do sr. Fontes, repetiu por varias vezes e em differentes occasiões o discurso. Ahi vae mais esse trecho, em que elle está bem manifesto:

"Quando o governo disse que estava "orneada uma commissão de engenheiros para fixar os pontos em que deviam entroncar as linhas ferreas hespanholas com as portuguezas disse a verdade, e já está fixado o ponto do entroncamento do caminho de ferro da Beira Alta; em relação ao da Beira Baixa, ainda se não póde fazer o mesmo, porque o governo hespanhol resolveu mandar estudar uma variante, como ha pouco tive a honra de dizer á camara."

Já vê v. exa., sr. presidente, que o sr. Fontes declarou á camara, que a rasão porque não podia abrir concurso para o caminho de ferro da Beira Baixa, era porque da parte do governo hespanhol havia duvidas sobre o ponto do entroncamento, emquanto que, com relação ao da Beira Alta, estava assente este ponto.

Eu digo porém que isto é falso, o contrario é verdade, e que o sr. presidente do conselho illudiu e enganou a camara e o paiz.

O ponto de entroncamento n'aquella epocha não estava assente com relação ao caminho de ferro da Beira Alta, nem se resolveram as difficuldades por muito tempo, apesar dos esforços do nosso ministro em Madrid.

Eu tenho os documentos na minha mão, e provoco o sr. Fontes a que ouse contrariar-me, pois devo mostrar bem claramente á camara, como ella e eu fomos illudidos e enganados por um modo tão pouco digno. As notas trocadas ou correspondencia que houve a este respeito até á epocha em que o sr. Fontes fez esta operação consta simplesmente de um officio com data de 7 de junho de 1875, do sr. ministro dos estrangeiros ao nosso ministro em Hespanha, em que lhe dizia que pedisse ao governo hespanhol, em virtude do convenio de 27 de abril de 1866, para que nomeasse engenheiros que, de accordo com os engenheiros portuguezes (tenente coronel Sousa Brandão e capitão Almeida d'Eça) resolvessem sobre os pontos de entroncamento dos caminhos da Beira Baixa e Alta. Consta de uma nota do sr. Corvo á legação hespanhola em Lisboa, em 21 de outubro de 1870, em que lhe participava que o sr. ministro das obras publicas já tinha conhecimento de terem nomeado o sr. D. E. Page pelo governo hespanhol para se entender com os engenheiros portuguezes; e finalmente consta de uma outra nota, do sr. Corvo á mesma legação hespanhola de Lisboa, em 6 de novembro de 1870, em que declarava que ficava informado de que o governo de Sua Magestade Catholica mandára estudar uma variante do caminho de ferro de Salamanca á Freixeneda, e outra de Malpartida por Caceres.

Estas é que foram as unicas notas trocadas até fevereiro de 1877, em que o sr. Fontes assegurava que estava assente o ponto de entroncamento do caminho de ferro da Beira Alta. Até essa epocha nada mais houve entre os dois governos, excepto se o sr. ministro dos estrangeiros me illudiu tambem aifirmando me que me tinha mandado toda a correspondencia. Provoco pois o sr. Fontes para que me contradiga, ou que venha provar aqui a verdade e exactidão das declarações que fez.

Pela ultima nota do sr. Corvo, em 6 de novembro de 1875, o que se reconhece é queo governo hespanhol tinha duvida ácerca dos pontos de entroncamento, tanto para o caminho de ferro da Beira Alta, como para o da Beira Baixa, e que mandava estudar duas variantes portanto é claro que não estavam assentados os pontos do entroncamento, nem para um, nem para o outro caminho. Não obstante, o governo abriu concurso para o caminho de ferro da Beira Alta, e sem estar votada em Hespanha lei que decretasse uma linha de Salamanca a entroncar com ella, emquanto as côrtes hespanholas já tinham votado a lei na qual se declarava que o de Malpartida seguiria por Corca a Monfortinho.

E note v. exa., quando o sr. Fontes em sessão asseverou que se não punha a concurso o caminho de ferro da Beira Baixa, porque o governo de Hespanha estava estudando uma variante, o que não succedia com relação ao da Beira Alta, a proposição era inexacta, pois que os caminhos de ferro da Beira Alta e da Beira Baixa estavam n'esse momento nas mesmas circumstancias; todavia o governo, para se esquivar a pôr a concurso o da Beira Baixa, não hesitou em dizer á camara, que havia duvidas por parte do governo de Hespanha, quando essas duvidas eram só filhas da imaginação do sr. Fontes, ou antes um meio pouco decoroso de que se serviu para illudir a camara e o paiz.

Apresentou, pois, á camara uma inexactidão d'esta ordem, e foi apresentada officialmente por parte do governo! E pouco lisonjeiro para nós similhante procedimento.

Sr. presidente, convença-se v. exa. e a camara, e oxalá tambem que o paiz se convença, que é perigoso dar aucto-