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204 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

risaçoes a governos que não têem idéas fixas, nem principios definidos e que só governam transigindo com todos os que lhe fazem mais ou menos damno pela sua opposição firme, séria e grave.

Se a camara não conhece bem todas as peripecias que têem acompanhado esta pretensão do districto de Castello Branco, em breve lhas referirei; se não tem apontamentos para a historia dos caminhos de ferro das Beiras, que é uma historia altamente interessante, eu lh'as darei.

O caminho de ferro da Beira tinha e tem, como já disse, todas as circumstancias e condições a seu favor, e se a sua despeza comparada com a de outros é excessivamente pequena, porque se não havia proceder á construcção d'este caminho de ferro, preferindo-se-lhe a de outros muito mais despendiosos?

Ha n'isto tudo, sr. presidente, um mysterio, e talvez venha um dia em que o deixe de o ser. Então explicar-se-ha o que agora nos parece inverosimil e absurdo.

A minha opinião, comtudo, sr. presidente, e vou francamente dizel-o á camara, é que o caminho de ferro da Beira Baixa não se tem feito por uma circumstancia muito simples. Não se tem feito, porque alem dos quatro poderes do estado marcados pela carta, ha ainda um quinto poder, e esse quinto poder é a companhia dos caminhos de ferro do norte e leste.

É este um poder contra o qual tenho lutado debalde, apesar da justiça da pretensão e do interesse manifesto do paiz.

Sei quanto é forte esse poder. Foi elle que impediu que se discutisse em 1874 e 1875 o projecto para a construcção d'estas linhas, apesar de serem tão salientes as vantagens que d'ellas deviam provir. Mas é que a companhia dos caminhos do ferro do norte e leste não estava ainda habilitada a concorrer a qualquer licitação para a construcção das mesmas linhas, e não lhe convinha que ellas se fizessem antes de lhe ser dado o presente com que favoreceram ultimamente a referida companhia.

Não imagine a camara que isto são meras supporições minhas, é a pura verdade, e os annaes parlamentares d'estes ultimos annos o confirmam. Hei de revelar á camara alguns factos que se passaram, que poderão servir de grande subsidio para a historia dos caminhos de ferro d'este paiz.

Em 1874, um sr. deputado elaborou um projecto do lei sobre caminhos de ferro, projecto que representava um trabalho profundo, serio e meditado, e revelava a grande intelligencia do seu auctor. Este projecto foi approvado por cincoenta e cinco srs. deputados, e o governo viu-se forçado por isso, e apresentou um projecto de lei para a costrucção dos caminhos de ferro das duas Beiras e do Algarve, tendo por base a venda dos caminhos de ferro do sul, com o producto do qual se havia de occorrer ás despezas da contrucção das linhas, das Beiras. Introduziram-se, de accordo com o governo, n'esse projecto todas as garantias em relação ao caminho de ferro da Beira Baixa, estabelecendo-se que os caminhos de ferro das Beiras seriam postos a concurso simultaneamente, devendo começar ao mesmo tempo a sua construcção e terminar conforme o numero de kilometros de cada um a construir. Á companhia do caminho de ferro do norte e leste não convinha que passasse este projecto, porque se achava em precarias circumstancias, e não podia concorrer se se abrisse então praça para qualquer dos caminhos. Portanto pretendeu habilitar-se, e o governo para amparal-a propoz á camara projectos que desejava ver approvados, mas a camara dos senhores deputados, que estava um pouco irrequieta, pronunciou-se contra os taes projectos. Um d'elles era a celebre proposta de lei, que isentava a mesma companhia do imposto de transito durante oitenta e seis annos, e o governo, apesar de ter cedido á pressão da companhia, viu-se obrigado a fechar a camara a toda a pressa, com risco da levar um cheque.

Antes de ir mais adiante sobre este ponto, lembra-me uma circumstancia que se deu na occasião em que se discutia aqui o projecto de lei para a construcção dos caminhos de ferro das Beiras. Estavam então nas galerias alguns dos directores da companhia de quem o sr. Fontes era collega.

Perguntando eu n'essa occasião ao sr. presidente do conselho qual era a rasão por que não se discutia o projecto de lei para a construcção dos caminhos de ferro, s. exa., entro outras rasões, disse que não havia tempo porque se iam fechar as côrtes; mas que se compromettia a que fosse esta a primeira proposta e a das fallencias a discutir na sessão de 1875. Sendo a resposta do sr. presidente do conselho de ministros dada á minha pergunta, é curiosa e extravante a promessa do sr. Fontes de que o projecto sobre fallencias seria logo discutido no principio da sessão de 1875!

É que o governo tinha ds contentar a companhia, a cuja pressão obedecia e por isso se tinha compromettido e recompromettia a camara a fazer discutir o celebra projecto que tinha apresentado na outra casa do parlamento sobre fallencias, e que era nada mais, nada menos do que um ataque ao direito de propriedade que o governo fazia aos portadores das obrigações. Era necessario contemporisar com todos, transigir, ou antes enganal-os. Era isto, pois, que fazia o sr. Fontes, entendendo-se com os differentes grupos da camara, que se achava exaltada e inquieta. Era, pois, necessario atravessar os poucos dias que mediavam até 2 de abril, dia em que se devia encerrar a camara; por isso o governo, que costumava transigir com todas as opiniões, comtanto que se conservasse no poder, não só tratou de socegar o animo dos directores da companhia do caminho de ferro do norte e leste, mas de acalmar a exaltação dos deputados da opposição e dos deputados seus amigos, que não toleravam já o systema de promessas feitas e nunca cumpridas.

Os deputados do districto do Castello Branco e outros meus amigos não eram os menos exaltados, o entendiam dever fallar claramente ao governo, o sem rodeios exigir-lhe o cumprimento de um compromisso de honra.

Como a opinião e os votos d'estes deputados podia trazer um cheque ao governo, o sr. Fontes sobresaltou-se e encarregou o sr. Avelino de os socegar e aquietar-lhes a excitação.

O sr. Avelino assim fez, e pediu a tres srs. deputados, um dos quaes me está ouvindo, que se dirigissem a mim, e em seu nome e do governo me declarassem que o caminho de ferro da Beira Baixa era uma questão de brio para o governo, que seria resolvida no anno proximo, e que elle ministro das obras publicas punha a sua pasta sobre essa questão.

Acreditámos como era dever nosso. Fomos illudidos. O caminho de ferro da Beira Baixa não se fez e o sr. Avelino conservou a pasta!!!

A camara talvez conhecesse estes interessantes episodios, quem os não conhece por certo é o paiz.

É preciso, pois, que nós que os sabemos, os declaremos desassombradamente para que se possa avaliar como são geridos os negocios publicos, e como se faz a politica.

Fazer uma promessa formal e não a cumprir é uma vergonha, é um desdouro para o governo. Tanto maior é essa vergonha, tanto mais crescido é esse desdouro, quanto a a realisação da promessa era um acto de justiça.

N'este intervallo de sessão fizeram-se as eleições, e o sr. Fontes trouxe á camara uma grande maioria, que lhe fez dispensar o auxilio dos deputados dos grupos seus alliados. Então esse homem contemporisador e transigente ás vezes até á humilhação, mostrava-se altivo e sobranceiro e quasi inaccessivel. Como dispensava já o apoio de meia duzia do deputados, nem se lembrava já das promessas que lhe tinha feito, nem se importava com as queixas justas que elles tinham direito de manifestar.

Outro tanto não succedia com a companhia do caminho