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N.º28

SESSÃO DE 7 DE ABRIL DE 1896

Presidencia do exmo sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios – os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. — O sr. presidente, referindo-se ao acto commemorativo do fallecimento do digno par Pinheiro Chagas, diz que a mesa se fará representar, podendo se-lhe aggregar os dignos pares que assim o desejarem. — Dá-se conta da correspondencia.— O digno par Fernando Larcher apresenta o parecer sobre o projecto de lei relativo ás promoções no exercito, e agradece o ter sido admittido a collaborar nos trabalhos da camara.

Ordem do dia: discussão do parecer n.° 23, sobre o projecto de lei n.° 28, que determina os termos em que se devem executar as disposições do regulamento geral de policia, de 7 de abril de 1863, relativas a passaportes. Discursam sobre este assumpto o digno par conde de Thomar, que apresenta uma substituição ao projecto, o sr. ministro do reino, e os dignos pares Jeronymo Pimentel e conde de Lagoaça. O projecto é approvado na generalidade, ficando assim prejudicada a substituição proposta pelo sr. conde de Thomar. Na especialidade o projecto é approvado sem discussão. — O digno par Jeronymo Pimentel, por parte das commissões - de instrucção publica, commercio e artes, e legislação, manda para a mesa tres pareceres: um sobre o projecto de lei, que tem por fim considerar cursos superiores os dos institutos industriaes e commerciaes de Lisboa e Porto; outro prohibindo a construcção de novas estradas, emquanto não estiverem acabadas as actualmente em construcção e outro sobre o projecto que dispõe que, nos processos de querela, não podem ser inquiridas menos de oito testemunhas. — O sr. presidente justifica o motivo por que o digno par Cypriano Jardim não compareceu á sessão, e, dando para ordem do dia os pareceres apresentados n’esta sessão, marca a seguinte para o dia 10 do corrente.

Abertura da sessão ás duas horas e quarenta minutos da tarde, estando presentes 20 dignos pares.

Foi lida e approvada sem reclamação a acta da sessão anterior.

O sr. Presidente: — Tenho a informar a camara que os illustres redactores do Correio da manha convidaram a mesa e a camara para assistirem ao acto commemorativo do primeiro anniversario da morte do saudoso estadista, Manuel Pinheiro Chagas, no cemiterio dos Prazeres, amanhã pela uma hora da tarde.

A mesa tenciona fazer-se representar; e os dignos pares que quizerem comparecer podem acompanhal-a nessa solemnidade.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei, que tem por fim reorganisar a escola do exercito, bem como um exemplar do parecer da commissão de guerra, seguido do projecto de lei.

Para a commissão de guerra e instruccão.

Orneio da presidencia da camara dos senhores deputa dos, remettendo a proposição de lei, que tem por fim approvar o codigo administrativo, bem como um exemplai do parecer da commissão de administração publica, seguido do projecto de lei.

Para a commissão de administração publica.

Officio do sr. ministro da fazenda, remettendo á camara 180 exemplares do relatorio, propostas de lei e documentos apresentados na sessão de 16 do mez passado á camara dos senhores deputados, a fim dos mesmos exemplares serem distribuidos pelos membros d’esta camara.

Mandaram-se distribuir.

Officio do sr. ministro da fazenda, acompanhando uns documentos pedidos n’uma das ultimas sessões pelo digno par sr. Marçal Pacheco.

Mandaram-se entregar ao digno par.

O sr. Fernando Larcher: - Mando para a mesa um merecer da commissão de guerra, sobre o projecto de lei, vindo da camara dos senhores deputados, no qual se determina que nenhum official das differentes armas ou corpo de estado maior póde ser promovido ao posto immediato e não depois de ter dado as provas de aptidão militar, estabelecidas nos artigos 177.° e 178.° do decreto organico de 30 de outubro de 1884.

Aproveito a occasião para agradecer á camara a subida honra que me fez, acceitando-me como um dos seus membros, e admittindo-me a collaborar nos seus trabalhos. Pela minha parte farei tudo quanto estiver ao alcance da minha intelligencia para merecer o elevado conceito que a camara parece ter feito da minha pessoa.

(O digno par não reviu.)

O parecer, que foi lido na mesa, mandou-se imprimir.

ORDEM DO DIA

Discussão do parecer n.° 23, sobre o projecto de lei n.° 28, que determina os termos em que se devem executar as disposições do regulamento geral de policia, de 7 de abril de 1863, relativas a passaportes

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 25

Senhores: — O decreto de 10 de janeiro de 1895, que com algumas alterações constitue o assumpto d’este projecto de lei, que a vossa commissão de administração publica vae apreciar, teve por principal objectivo a repressão da emigração clandestina.

Esse pensamento tão justo, como salutar, não póde deixar de merecer os nossos applausos.

A emigração como phenomeno social, estudado na complexidade das suas causas e effeitos, representa um problema de tão elevado alcance, como de difficil solução pratica.

A sua importancia e a sua difficuldade sobe de ponto quando da existencia d’esse phenomeno procura derivar-se o conhecimento dos meios, pelos quaes se ha de favorecer ou evitar o, seu desenvolvimento, consoante elle importa um bem ou um mal para o paiz.

Entre nós está geralmente reconhecido como um mal, que affecta gravemente as condições mais essenciaes da nossa vitalidade social.

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320 DAIRIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

É por isso que elle preoccupa a attenção dos governos do parlamento, e de todos os que vêem com inquietação o caminhar incessante e com passos estugados da emigração portugueza.

Quem lançar os olhos para os mappas estatisticos da emigração legal, e quem conhecer o que todos os dias se está passando no norte do paiz com a emigração clandestina, não póde deixar de sentir justificadas preoccupações diante d’este estado de cousas.

Mostra-nos a estatistica official que a emigração vae sempre crescendo numa progressão assustadora. Ella, que em 1886 fora de 13:998 pessoas, ascendeu no anno seguinte a 16:992, em 1888 a 23:981; e se em 1889 desceu a 20:614, logo no anno immediato e nos que se lhe seguiram continuou na marcha sempre crescente, apenas ligeiramente attenuada pelo estado revolucionario em que esteve Brazil.

Isto é o que se vê oficialmente; é a emigração legal a sair em nome da liberdade garantida pelo § 5.° do artigo 145.° da nossa constituição. Mas a que vae a occultas a que se escapa aos registos policiaes, a que illude as lei para se furtar ás suas exigencias, essa não se conta numericamente, mas conhecem-se os seus effeitos.

Sentem-se no abandono dos campos e na deficiencia do exercito; accusa-os o registo criminal, e conhece-os principalmente o que vive nas provincias do norte.

É este estado de cousas que levava o nosso digno collega o sr. Thomás Ribeiro a dizer n’um excellente relatorio de um projecto de lei sobre a emigração, estas eloquentes palavras: «De facto, senhores, condensa-se o exodo; engrossa a corrente, esgota-se uma parte do reino da gente laboriosa e valida; ameaça-nos a invasão do pousio, e, após elle, a da charneca sobre regiões ainda hontem florescentes. No dizer severo de um escriptor auctorisado, é: — «quasi unica — e em todo o caso principalissima industria portugueza, a cria de gado humano».

É Portugal o paiz da Europa onde parece ser mais forte a corrente da emigração. A Allemanha, a Inglaterra e a Italia, de onde se expatria todos os annos maior numero de europeus, não registam uma emigração respectivamente superior a 0,55 0,02 e 0,42 por 100 habitantes; em Portugal anda por 0,72.

Emquanto da Franca, com uma população de 37.672:000 habitantes, não emigraram mais de 20:000 a 30:000 individuos por anno até 1890, cifra que baixou em 1891 a 6:712, e em 1892 a 5:528, nós vimos sair legalmente dos nossos portos 29:500 emigrantes em 1890 e 31:500 em 1891.

Este facto é de uma gravidade assustadora, e demanda da parte de todos a mais seria reflexão.

Mas se é um mal a emigração legal, que depaupera o organismo social, roubando braços á agricultura e á industria, diminuindo o capital do trabalho, rompendo os laços da familia, e fazendo até esquecer o amor da patria, muito peior é a emigração clandestina que vae subtrahir ao cumprimento das leis, os que por qualquer motivo estavam a ellas sujeitos.

Não pretendeu o governo com as providencias formuladas naquelle decreto de 10 de janeiro, e que modificadas constituem o assumpto d’este projecto de lei, resolver o problema complexo da emigração, nem evitar por uma vez a emigração clandestina.

É aquelle um assumpto tão vasto e tão difficil na complexidade das questões que abrange, que demanda profundo estudo das condições economicas e sociaes do paiz, e largas providencias incomportaveis n’este momento com as circumstancias financeiras do thesouro.

Não póde a questão ser atacada de frente, nem ser resolvida de um só jacto.

Não são medidas repressivas que hão de resolver o problema. Nem o permittem as garantias individuaes estabelecidas na nossa constituição politica, nem a natureza da questão é de molde a resolver-se assim.

Mas é preciso procurar-lhe remedio sem precipitações e imprudencias, e sem nos deixarmos arrastar pela onda de falsas orientações, que podem ainda mais aggravar o mal.

E mister estuda-o nas suas origens, investigando as causas primordiaes de onde elle dimana.

Não permittem os estreitos limites d’este relatorio que a vossa commissão se alongue em largas considerações sobre este assumpto, que é de si tão vasto e tão complexo.

Essa circumstancia, porém, não a dispensa de fazer-vos algumas reflexões, embora em rapido escorso.

O facto geral da emigração vae filiar-se em diversas causas, que podem resumir-se n’estas: o excesso de população, a repugnancia ao serviço militar, a ambição de melhorar de futuro, e a miseria do paiz de onde partem os emigrantes.

Na Allemanha, um dos paizes da Europa em que a emigração é maior, attribue-se esse facto principalmente a excesso da população e á repugnancia pelo serviço militar. Na Ingleterra e na Escocia é tambem aquella primeira causa e a ambição de grandes fortunas que provocam a emigração. Na Irlanda, na Italia e em Portugal parecem actuar simultaneamente todas aquellas causas geraes que indicâmos.

Em 1893 esta camara nomeou uma commissão encarregada de estudar este assumpto. A dissolução da sua parte electiva, que posteriormente se deu, não permittiu que ella podesse apresentar o resultado dos seus trabalhos.

Aquella commissão no inquerito a que procedeu procurou obter as opiniões de algumas municipalidades; e como a provincia do Minho é um dos pontos do paiz onde a emigração se opera em maior escala, julga esta commissão que offerecerá algum interesse o conhecimento do pensar de algumas corporações administrativas sobre as causas da emigração n’aquella provincia. Exprimiam-se d’este modo:

Camara de Guimarães. — «Existiu sempre a emigração e ha de existir; podem causas occasionaes aggravar ou attenuar a sua intensidade.

«Actualmente o agente mais energico do augmento da emigração é o desequilibrio entre a população e os meios de subsistencia, desequilibrio ultimamente augmentado com a insuificiencia ou falta completa de producção agricola, com a diminuição do trabalho industrial e correspondente estipendio, com o encarecimento das cousas necessarias á vida, com as difficuldades cambiaes, com as circumstancias financeiras do paiz, etc.

«Este desequilibrio força individuos, familias, aldeias inteiras a buscar paizes onde a felicidade de alguns, as relações seculares, a tradição lhes permittam esperar melhor condição de viver, e aspirar até á riqueza. A verdade é que o operario, o jornaleiro, o proprietario, o industrial emigra em massa, porque só póde contar com um futuro de fome, ao passo que lhe não fallece a esperança de prosperidade fóra da patria.

«Escasseiam as obras, diminuem os jornaes, enfraquecem as producções agricolas, designadamente por causa das epiphitias, as leis fiscaes exageradas cerceiam os parcos lucros da industria, e os mais parcos ainda da propriedade, em que peze a quem apregoa que a propriedade póde ser mais contribuida; as corporações administrativas sangram pela sua parte a quasi esgotada bolsa do contribuinte; a justiça é carissima, mesmo nos casos em que o recurso a ella é obrigatorio; os alimentos attingem um preço exorbitante, bem como os objectos indispensaveis á vida, emquanto que os rendimentos minguam, os capitães faltam com os embaraços cambiaes, ou se retrahem, ou se offerecem só com um juro ruinoso.

«Tudo, e pareço que todos á porfia, tentam aggravar o

Não é esta corporação exageradamente pessimista,

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dando como causa do augmento de emigração a miseria, a profunda e crescente miseria publica.

«Com relação ao Minho, região de pequena propriedade e pequena cultura, se o vinho flagellado pelo mildew desapparecer, como ameaça, será esta uma causa de augmento extraordinario de emigração, porque sem esse producto os agricultores e proprietarios não poderão pagar os tributos, os juros, etc. É facil de prever o inicio de uma era forense abundante em execuções, conseguintemente de familias sem lar e forçadas a emigrar, arrastando comsigo os jornaleiros e operarios do campo.

... «O recrutamento militar, sobretudo na norte do paiz, foi sempre um factor importante de emigração. Não nos parece, porém, que as leis do recrutamento vigentes tenham concorrido para augmentar a emigração, que as anteriores fomentaram já em avultada escala e que ellas não fazem mais que manter. O systema de recrutamento, que tira os mancebos das familias e das suas profissões, e os atira a meios differentes e prejudiciaes a seus futuros e a suas familias, ao passo que deixa pulular nas cidades milhares de individuos que sem fazerem falta ás artes ou ás industrias, bem podiam ser compellidos a assentar praça, é, e será sempre uma causa de emigração; porque melhor é que o mancebo emigre, e a familia o imite, que entrar na fileira, onde gastará tres annos da sua vida, que nada lhe produzem nem aproveitam aos seus, e de onde volta por vezes com repugnancia á antiga profissão, sem adquirir outra. Crear um filho, é accumular um capital avultado, em que a familia funda as maiores esperanças; pois este capital, muitas e muitas vezes, findo o serviço, está perdido.»

Camara de Barcellos.— «O augmento de emigração, n’este concelho, é justamente attribuido:

«1.° Á excessiva divisão da propriedade, que nem faculta aos proprietarios os recursos de vida sufficientes, nem os meios indispensaveis para promoverem o desenvolvimento da agricultura—a mais importante, senão a unica industria que floresce n’este concelho;

«2.° Á seducção capciosa e verdadeiramente punivel dos engajadores;

«3.° A repugnancia invencivel e até certo ponto fundamentada pelo serviço militar, em consequencia do regimen actual, que absorve á lavoura o seu sangue mais vigoroso e productivo, para lho restituir empobrecido e inerte pelas depravações da caserna, e por todos os maus habitos da vida ociosa; e tambem, e como causa geral;

«4.° A crise financeira com que lucta o paiz, e que — entre as perturbações que lhe são côrtejo e com que todas as classes soffrem — importa nomeadamente para a agricultura, que carece de capitães baratos para a sua exploração, uma não pequena carga de difficuldades, que sobremodo têem aggravado as suas já bem precarias e penosas circumstancias.

Entendemos, pois, que, emquanto existir este cahos, não deixará de haver agencias de emigração; e que, por isso, attenta a fatalidade da sua existencia, mais ou menos tolerada, se deveriam legalisar, tributando-as violentamente, para que constituam, pelo menos, uma fonte de receita, fazendo ao mesmo tempo rarear o numero de emigrantes e derivar-lhes os braços para a tão necessaria cultura dos nossos campos. Julgámos tambem indispensavel para a diminuição de emigração que se reduza o preço actual das remissões á quantia de 30$000 réis, o que importaria tambem um augmento para as receitas publicas. D’este modo os filhos dos lavradores, os que mais falta fazem ao paiz, facilmente pagarão o preço da remissão, evitando-se assim a perda desses braços valiosos e productores; e os que não tenham meios para se remir do serviço militar, e que naturalmente tambem não disponham de protecções impertinentes e immoraes irão pagar esse imposto sem prejuizo das forças vivas do paiz. Alem d’isso, e por ultimo, mais entendemos necessario que se regule a protecção do serviço assalariado de modo a garantir ao trabalhador uma retribuição sufficientemente remuneradora e a pôr tambem os patrões a coberto das suas absurdas e arbitrarias exigencias.

Camara de Amares.— As principaes causas remotas são;

1.º A desmoralisação generalisada nas classes trabalhadoras, a qual desenvolvendo excessivamente não só a ambição pela riqueza, mas tambem o amor do luxo e dos prazeres, leva a deixarem a patria, a uns para procurarem aquella riqueza, a outros para obterem meios de pagar as dividas que aquelles luxos e prazeres lhes fizeram contrahir, e para os quaes era insufficiente o salario do paiz;

2.ª As immoralissimas e injustas disposições dos artigos 1640.° do codigo civil e 850.° e seu paragrapho do codigo do processo civil, ás quaes se devem principalmente as tristissimas circumstancias em que se acha a agricultura e a industria. Essas disposições, que parece terem sido feitas unica e exclusivamente para servir a agiotagem e a ganancia sordida, têem sido a ruina de milhares de casas, e, como consequencia ou corolario, causa muito grande do augmento da emigração.

São causas proximas principaes:

3.ª A sordida avidez dos agentes da emigração que os leva a propalar entre as classes pobres phantasiosos lucros no Brazil;

4.ª O estado do cambio3 do Brazil, que retrahindo ali capitães e rendimentos, determinou a suspensão de milhares de obras e a desistencia de outras projectadas e a projectar;

5.ª A crise financeira por que ha annos está passando o paiz, produzindo os mesmos effeitos. A phylloxera tem sido uma causa especial do augmento da emigração n’aquellas zonas em que mais tem exercido sua acção devastadora. - «... É certo que em algumas provincias ha uma tal ou qual aversão ao serviço militar, e que essa aversão leva alguns mancebos a abandonar a patria, para fugirem áquelle serviço. Mas isso data de ha muitos annos, e não seria agora, que o nosso systema de recrutamento é menos duro, fosse o mais forte motivo do grande augmento que ha poucos annos a esta parte tem tomado a emigração. E tanto o que se está vendo é que emigram familias inteiras, inclusive velhos e mulheres, que de certo não vão fugidos ao serviço militar. Algumas providencias, porem, que se tomassem numa reforma á lei do recrutamento poderão fazer diminuir muito a emigração resultante dessa causa. Permittir as substituições, reduzir o preço das remissões, conceder o pagamento d’estas em prestações periodicas, e obrigar os substituidos e remidos a fazer parte da segunda reserva e a apresentarem-se, sob pena de desobediencia, annualmente em dia, de que só sejam avisados com antecipação de poucos dias, perante o administrador do concelho e do major do corpo mais proximo, que para esse fim esteja presente na respectiva administração.»

Celorico de Basto. — «São diversas as causas de emigração. N’este concelho são mais accentuadas:

«1.° O recrutamento, especialmente a inspecção previa que dá tempo a incitar os recrutas a sair do reino;

e2.° O grande numero de emigrados que, regressando accidentalmente ao concelho, instigam, aconselham e auxiliam os parentes, amigos e vizinhos para deixarem o reino.

«Tambem são causas do augmento de emigração:

«1.° A remuneração dos agentes respectivos;

«2.° A falta de salarios certos, em todo o tempo do anno, para os jornaleiros e artistas, devida á diminuição dos rendimentos dos proprietarios e augmento dos encargos e contribuições.»

Com relação ao recrutamento indica as seguintes alterações:

«1.° Admittir sempre a remissão do serviço militar por quantias modicas, que deverão variar, segundo a fortuna

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ou posição social dos pães do recruta, entre 30$000 e 60$000 réis, ou entre 40$000 e 70$000 réis a pagar era prestações;

«2.° Isenção do serviço militar ou dispensa do serviço activo a todo o creado de lavoura que justificar, com attestado de seu amo, verificado pelo parodio, junta de parochia e regedor, que desde a idade dos quatorze annos até á data do recenseamento militar tem servido o mesmo amo sem interrupção não justificada, com zêlo e aptidão;

«3.° A mesma isenção de dispensa do serviço militar a dois filhos de cada caseiro rural quando, a requerimento do pae e com attestado do respectivo senhorio, e verificado pela mesma forma, provar que durante o mesmo periodo de tempo, isto é, desde os quatorze annos, tem trabalhado assiduamente no cultivo e grangeio das terras de seus pães, ou em industrias a ellas annexas;

«4.° Ampliar o adiamento do alistamento para o serviço militar, nos termos em que a lei hoje o permitte, a todos os creados de lavoura e filhos de caseiros que não estejam nas condições mencionadas nos numeros precedentes, até que completem os seis annos não interrompidos no serviço da lavoura, e sendo requerida pelos amos ou pães e comprovada com a mesma ordem de documentos;

«5.° Instrucção dos recrutas nas sedes dos concelhos, descentralisando os corpos militares;

«6.° Reduzir o tempo do serviço effectivo e admittir a remissão dos refractarios por quantia não superior a réis

«7.° Não admittir dispensa do serviço activo ou adiamento do alistamento militar ao mancebo que não comprove com documentos legaes e authenticos das auctoridades já referidas, que tem modo de vida, ou profissão conhecida que habitualmente se entrega.

«É meio directo a prohibição dos engajamentos e agencias de emigração, com imposição de multas pesadas quando se tratar de emigrantes ou engajados de idade superior a quatorze annos, porque se verifica ser a emigração n’estas condições a que faz mais falta ao paiz, sem aproveitar aos emigrantes que, depois d’aquella idade dificilmente se podem acclimatar e entrar no exercicio de uma profissão que lhes de fortuna.»

Camara de Villa Nova de Famalicão.— «São causas. A crescente miseria publica. Ao passo que têem sensivelmente diminuido os rendimentos de cada um e o trabalho, quer agricola, quer fabril, vae o preço das cousas necessarias á vida augmentando tão consideravelmente que obriga desde logo a grandes privações e deixa ver bem ao perto um futuro de fome. As leis tributarias aggravam dia a dia esta situação, cerceando os exiguos rendimentos do proprietario e do industrial. O estado e as corporações administrativas, todos á porfia, se precipitam sobre os haveres do contribuinte com as variadissimas fórmas do imposto, esgotando todos os seus recursos. Os capitães collocados em fundos publicos sofrreram uma reducção de 30 por cento do seu rendimento; os collocados em bancos ou companhias teem soffrido igual ou maior redacção ainda, estando até alguns improductivos ou perdidos, o que tudo fez com que muitas familias se vissem privadas dos meios com que contavam para a sua subsistencia. Como poucos podem sustentar-se n’esta lucta de cada dia e de cada hora, a emigração apresenta-se como um meio salvador e até cheio de esperanças num futuro de abundancia, e assim se estabelece a corrente impetuosa dos emigrantes.»

Ainda como causas da emigração indica as seguintes: o desastre produzido pelas diversas epiphitias da vinha; as más condições da nossa industria fabril; o recrutamento militar.

Camara da Povoa de Lanhoso. — «N’esta zona o augmento da emigração é devido ao desejo innato em todo o homem de enriquecer depressa, de gosar um bem-estar relativo, que o paiz não lhe permitte adquirir. Este desejo e estimulado pelo regresso á patria de alguns emigrantes com alguns bens de fortuna. As passagens gratuitas influiram tambem poderosamente no augmento da emigração, pois o maior numero de emigrantes pertence á classe dos trabalhadores do campo, em geral pobres, e que nunca emigrariam se tivessem de pagar a gassagem.»

Entre outras causas indica tambem esta camara as seguintes: falta de attenção dos poderes publicos e dos proprietarios pelo desenvolvimento da cultura da terra; falta de circulação dos nossos artefactos, que pela imperfeição e carestia não podem concorrer com os estrangeiros; as circumstancias financeiras e o recrutamento.

«Camara de Espozende.— Em geral as causas do augmento da emigração no districto de Braga e em toda a provincia do Minho, são:

«l.ª As circumstancias precarias em que se encontra a agricultura;

«2.ª As condições pouco animadoras em que se encontra a industria terrestre e maritima;

«3.ª O systema actual do recrutamento militar com relação ao muito tempo de serviço effectivo e ás poucas concessões de dispensa do mesmo serviço;

«4.ª O grande numero de agentes de emigração, que ha nas povoações urbanas, e ainda mais nas ruraes.»

Camara das Terras do Bouro.— «São causas da emigração o augmento da pobreza geral dos espiritos e das bolsas, que provem da falta de educação moral, religiosa e profissional, e oblitera o amor da familia, patria e solo; abre a porta aos vicios; gera necessidades ficticias, e não permitte facilidade e aperfeiçoamento de trabalho gerador de meios de satisfação correspondentes. As circumstancias em que se tem encontrado a agricultura, são outro factor do mal verificado, o augmento da emigração, porque as despezas de producção orçam pelo dobro do que custava ha quarenta annos; as colheitas, se boas, teem no mercado preço vil, se más ou nullas, representam a miseria. E sobre tudo isso, o recrutamento, perante o qual as incertezas do Brazil chegam a ser uma seducção; os impostos cuja grandeza em muitos casos absorve toda a producção bruta; a falta de capitães a juro modico e a usura desenfreada, são outras tantas causas da mesma falta — emigração aggravada e crescente.»

Camara de Cabeceiras de Basto.—Num relatorio muito desenvolvido e muito erudito, divide as causas em economicas, politicas e administrativas, moraes e juridicas.

Entre as causas de ordem economica, alem das que derivam do fundo da propria natureza humana no seu desejo de melhorar a sua situação, menciona estas: o estado da nossa agricultura; a falta e pouco desenvolvimento de outras industrias; a falta de capitães; os salarios e a divisão da propriedade.

Considera como causas de ordem politica e administrativa: a centralisação e a descrença politica.

Como causas de ordem moral aponta o cosmopolitismo; a falta de instrucção no nosso povo; a falta ou as poucas garantias da assistencia publica, e a emigração dos campos para as cidades.

As causas de ordem juridica circumscreve-as ao serviço militar.

No districto de Vianna do Castello tambem diversas municipalidades accederam ao convite da commissão parlamentar, feito por um dos seus- vogaes encarregados do estudo da emigração na provincia do Minho. Indicaremos algumas.

Paredes de Coura.— Diz a camara o seguinte:

«Entre todos os concelhos do districto de Vianna do Castello é o de Paredes de Coura aquelle onde a emigração, desde ha muitos annos, é mais frequente e em maior escala. É quasi um habito. Velhos e novos, validos e invalidos, familias inteiras, emfim, abandonam, com a maior facilidade, o torrão natal, para se lançarem nas aventuras da incerteza e do desconhecido, porque muito poucos conhecem o Brazil, a não ser de nome, com quanto está

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corrente enorme, assustadora, se não faça se não para aquella republica. A falta de meios, determinada principalmente pelos magros proventos que auferem da agricultura (porque o concelho é essencialmente agricola), falta que successivamente tem sido aggravada por onerosos e variados impostos; a reluctancia e animadversão contra o serviço militar e a depreciação da propriedade são, em resumo, as causas determinantes que mais accentuadamente concorrem para fomentar esta deploravel mania.»

Vianna do Castello.— Diz a camara:

«Como causa do augmento da emigração considerâmos a diminuição nos rendimentos das terras, resultante do seu esgotamento, maus processos de cultura e das doenças manifestadas nos fructos, e especialmente na vinha; a falta de salarios remuneradores; a crise financeira que atravessâmos; a facilidade dos transportes para a America e ainda as passagens gratuitas para o Brazil; a orientação dada á educação dos filhos dos lavradores e artistas, e em resultado d’esta o espirito aventureiro que se tem apossado de muitos dos nossos compatriotas, levados por conselhos e informações de outros que vindo de visita ás suas familias, voltam de novo para lá. Com relação aos districtos do norte do paiz apontamos a densidade da população e a aversão ao serviço militar.»

Arcos de Valle de Vez.— A camara indica, como causas geraes do augmento da emigração, principalmente duas:

«O augmento sempre crescente dos impostos, e a par d’elle o encarecimento constante da maior parte dos objectos que a população proletaria, que é o grande numero, tem de comprar, coincidindo com o estacionamento e depreciação, dos preços da maior parte das cousas que ella produz para a venda.

«Juntamente com estas causas reaes, opera tambem a tendencia do nosso povo para a emigração, a qual principiou nos tempos das descobertas e conquistas dos portuguezes, e tem augmentado sempre com o exemplo de proletarios que os nossos patricios viram partir para paizes estrangeiros no ultimo grau de pobreza, e depois voltar ricos ou remediados, esquecendo o numero e nome dos que lá fora succumbiram, victimas de toda a ordem de miserias.»

A camara faz depois sensatas considerações sobre o estado decadente, imperfeito e rotineiro da nossa agricultura, deduzindo d’ahi, pela pobreza do proprietario, uma causa concomitante do crescimento da emigração.

Ponte da Barca. — Sobre o assumpto exprime-se assim a camara municipal:

«Entre nós, como em todo o paiz, as causas determinantes do augmento successivo da emigração, são indubitavelmente as que provem das contribuições fabulosas, que imprudencias inexplicaveis tem lançado sobre a propriedade. É de facil intuição que num paiz essencialmente agricola, a imposição, pouco desculpavel, de contribuições exageradas, deve produzir, como consequencia fatal, o abandono quasi completo da propriedade, que mal produz para a satisfação dessas mesmas contribuições.

«Entre nós a agricultura definhada por um depauperamento crescente do solo, pela impossibilidade de se poderem satisfazer os encargos impostos pelo estado e pela introducção de productos agricolas de Hespanha, acha-se na condição miserrima de manter uma lucta constante, em que predomina sempre como elemento principal a falta de producção bastante para o cumprimento das despezas indispensaveis. A braços com uma crise financeira de cujo desapparecimento todos duvidam, e em face da concorrencia dos productos estrangeiros, os nossos lavradores procuram no Brazil especialmente, o modo facil de resistirem á miseria. Será uma utopia louca esta desorientação em que vivera, mas o exemplo frisante e vivo de entre nós as maiores fortunas terem sido adquiridas no Brazil, produz inevitavelmente resultados funestos e consequencias deploraveis.»

Referindo-se ao recrutamento militar diz ainda: «que é sobre elle que pesam as maiores accusações, quando é bem verdade que embora elle contribua para a emigração, nem por isso mesmo exerce tamanha influencia como muitos lhe querem attribuir».

Valença. — «A meu ver são muitas e variadas as causas que incitam a população minhota a emigrar. O jornaleiro propriamente dito, em geral trabalha na primavera, verão e outono, ganhando durante estas estacões do anno parcamente para viver.

«No inverno, porem, escaceia o trabalho, e portanto individa-se, esmola e vive em extrema miseria, resultando d’ahi o desejo de emigrar para o Brazil, onde conta que o seu trabalho será remunerado, animado pelos astutos agentes da emigração que lhe pintam aquelle paiz como um Eldorado.»

Refere-se a camara depois ás más condições da nossa agricultura, ás dificuldades com que lucta o pequeno proprietario e lavrador, que não tira do seu trabalho os meios para viver desafogadamente, e para se furtar ao encargo das dividas que em geral oneram a pequena propriedade.

Refere-se ainda á questão economica, ao desequilibrio entre a importação e exportação, ao cambio do Brazil. e por ultimo ao recrutamento militar.

Monsão.— Exprime-se assim a camara municipal: «São muitas as causas que se apontam d’essa febre ou allucinação. A progressão do imposto é uma das causas mais evidentes da decadencia da nossa agricultura, e que ultimamente assumiu proporções extremas. A propriedade não póde já com os successivos encargos a que está sujeita. A terra tão onerada com addicionaes a todas as contribuições, o augmento da contribuição industrial, de renda de casas, a decima de juros, etc., farão um dia com que a terra fique inculta e ao abandono, e a emigração ha de augmentar os baldios, pois ha já predios que mal rendem para o imposto que pagam».

Depois de outras considerações ainda ácerca das consequencias do augmento do imposto sobre a propriedade e sobre o estado da agricultura, refere-se á lei do recrutamento nos seguintes termos: «O horror ao serviço militar, especialmente na nossa provincia, e quiçá em muitas outras, é uma das causas porventura mais preexistentes, e que mais concorre para o augmento da emigração. Com nova lei do recrutamento tem-se desenvolvido em larga escala a emigração clandestina de mancebos, já inspeccionados, ou que estão em idade do serviço do exercito. A emigração d’estes é de lamentar; são braços robustos que faltam á lavoura e por isso ao serviço da nação».

Villa Nova da Cerveira. — A camara d’aquelle extincto concelho resume n’estas as causas da emigração, apresentando-as, segundo ella diz, pela ordem da sua importancia: «l.ª, horror á vida militar; 2.ª, augmento das contribuições; 3.a, as precarias condições da agricultura, resultantes principalmente da molestia das vinhas e da diminuição na producção cerealifera.»

Caminha.— D’aqui falla o administrador do concelho. Dando noticia da prisão de trinta e dois emigrantes que pretendiam sair clandestinamente por Hespanha, acrescenta o seguinte: «A agricultura do nosso paiz, por milhares de causas, que hoje infelizmente ninguem desconhece, está depauperadissima; a industria, com as machinas que se acham introduzidas em quasi todas as fabricas, dispensam quasi por completo o braço do operario, e assim. este, as mais das vezes rodeado de filhos e cercado de necessidades, vê-se forçado a sair do paiz e ir em busca de logar onde melhor grangeie o seu sustento, e onde possa amealhar uma pequena fortuna, que banhada pelo seu suor, possa no futuro servir de amparo e arrimo aos infelizes que deixou na sua terra.»

Por esta resumida transcripção das respostas de algumas municipalidades da provincia do Minho, se vê que ellas attribuem a varias causas o augmento excessivo da emi-

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gração, avultando entre ellas os agentes da emigração, pelos meios de que se servem para illudir os incautos, pintando-lhe o Brazil como um campo aberto á exploração da riqueza, e pela facilidade com que, embora a troco de riscos a que se sujeitam, lhes preparam a saida do paiz. Foi este o motivo principal por que a vossa commissão, a que foram fornecidos aquelles documentos, julgou dever chamar para elles a vossa attenção, porque vem mais justificar as providencias exaradas n’este projecto.

Referindo-se ainda ás variadas opiniões das diversas camaras ouvidas sobre este assumpto, a vossa commissão não póde deixar de notar um certo, exagero em algumas das causas apontadas como origem do mal que todos sentem.

A resolução do complexo problema é difficil como por mais de uma vez dissemos, e ninguem desconhece. Não é aqui ensejo para tratar d’elle.

Dissemos, e mais uma vez o repetimos, o principal intuito das providencias d’esta proposta de lei não é resolver o intrincado problema geral da emigração, mas reprimir a emigração clandestina.

A carta constitucional permitte a qualquer poder conservar-se ou sair do reino, como lhe convenha, mas acrescenta: guardados os regulamentos policiaes e salvo o prejuizo de terceiro.

Ora, este projecto que se discute é por assim dizer um regulamento policial, ou o complemento de outros regula mentos já existentes, para auxiliar o cumprimento dai leis, a que podiam subtrahir-se em nome d’aquelle principio do livre transito, es que assim lhes conviesse.

Em 1893, um jornal do Porto de maior circulação no norte, referindo-se ás proporções sempre ascendentes que tomava a emigração clandestina, dizia: «Evidentemente nas disposições referentes aos passaportes, nas providencias policiaes tendentes a evitar as fraudes dos agentes da emigração — os sinistros e terriveis engajadores — e ainda noutros pontos, é por a secretaria do reino que importa tomar providencias».

Pois foi pela secretaria do reino que essas providenciai se tomaram no decreto de 10 de janeiro do anno passado Foi attendendo ás reclamações da opinião publica, justamente preoccupada com o incremento d’esse mal, que se promulgaram aquellas disposições.

Não foram os passaportes uma creação sua; a sua existencia ha muito estava na nossa legislação.

A lei de 31 de janeiro de 1863 aboliu os passaportes para o interior do reino e permittiu que nacionaes e estrangeiros podessem livremente transitar pelo continente, sem dependencia de passaporte ou de qualquer outro documento similhante. Era, porem, necessario coordenar os preceitos que ficavam subsistindo em diversos diplomas logaes, como eram os regulamentos de 6 de março de 1810, 30 de março de 1835, 15 de janeiro de 1835, 13 de agosto de 1841, no codigo administrativo, nas leis de 20 de julho de 1855 e 4 de junho de 1859, e em muitos outros concernentes á fiscalisação dos viandantes nacionaes e estrangeiros na sua entrada no reino ou na sua saida para o exterior.

Com esse fim foi decretado em 7 de abril d’aquelle mesmo anno de 1863, o regulamento geral de policia para o transito no continente do reino e ilhas adjacentes, entrada de viandantes e sua saida para o estrangeiro.

Ali estava prescripta a exigencia de passaportes pela via terrestre, mas por falta de fiscalisação não se executavam aquellas disposições.

Grandes eram os inconvenientes que d’ahi resultavam, e a emigração clandestina e illegal encontrava ali larga abertura por onde se escapava.

Não foi, pois, uma innovação que se fez; foi apenas um meio de fiscalisação que se adoptou.

E a existencia d’estes diplomas, os passaportes, não era tambem uma novidade no nosso paiz. Na Hespanha existiram com esta mesma denominação até 15 de fevereiro de 1854, em que foram substituidos pelas cedulas de vecindad, exigencia muito mais pesada pelo caracter de universalidade que tomava.

As posteriores disposições, como as de 26 de janeiro de 1857 e 14 de setembro de 1859, não acabaram com aquella exigencia, fizeram sómente pequenas alterações.

O decreto de 10 de janeiro, que estamos apreciando na parte que constitue este projecto de lei, entendeu, e a nosso ver bem, que para não tornar tão onerosa aquella exigencia, devia baixar a taxa do sêllo e os emolumentos dos respectivos passaportes, reduzindo os emolumentos de 4$800 réis a 3$000 réis, e o sêllo de 34000 réis a 1$500 réis.

Uma alteração importante fez a outra camara no projecto apresentado pela respectiva commissão, que n’essa parte tinha mantido a primitiva disposição do decreto de 10 de janeiro. Foi excluir os estrangeiros da exigencia de solicitar passaportes para a saida do reino pela raia secca.

Esta exigencia podia trazer inconvenientes, afastando do paiz estrangeiros que o quizessem visitar.

Aquella modificação tornou mais simples ainda este projecto, reduzindo-o apenas ás proporções de um meio de fiscalisação para evitar, tanto quanto podesse ser, a emigração illegal.

Ao intuito de fazer antes derivar a emigração para as nossas possessões ultramarinas, obedecem as disposições do artigo 3.° e 4.°, já concedendo passaporte gratuito para os que quizerem para lá ir, já permittindo que o solicitem indifferentemente nos districtos da naturalidade ou residencia. Igual permissão se concede aos que pretenderem sair pela via terrestre, para não os obrigar, residindo fóra do districto da sua naturalidade, a ir ali solicitar passaporte.

Por muito salutares que fossem estas providencias, ellas ficariam sem efficacia diante da falta de fiscalisação. Sem alguma despeza não podia ella realisar-se, porque ao pessoal existente não era facil confiar este encargo. Não poderá essa despeza exceder a verba de 12 contos de réis, a esse fim destinada. Justificada é essa despeza; abençoada mesmo, diremos nós, se com ella se conseguir, já não diremos extinguir por completo a emigração clandestina, mas pelo menos reduzil-a sensivelmente nas suas crescentes proporções.

Não pareça exorbitante a disposição do § unico do artigo 6.°, quando obriga os passageiros com bilhete para alem da fronteira, a exhibirem os seus passaportes sempre que lhes seja exigido pelos empregados incumbidos do serviço da fiscalisação. Esta providencia, que tambem em Hespanha se acha prescripta no artigo 2.° do decreto de 15 de fevereiro de 1854, é indispensavel para melhor fiscalisação d’aquelle serviço.

O disposto nos artigos 7.°, 8.° e, 9.° tem por fim não difficultar o transito entre Portugal e Hespanha para os que habitam na fronteira.

Parece á vossa commissão que é bem entendida a applicação que se dá ao producto dos emolumentos pela expedição de passaportes.

Deduzidas as verbas fixas, que tem destino determinado, será o resto applicado a auxiliar os institutos de beneficencia dependentes dos ministerios do reino e da marinha, e a vossa commissão soube com prazer que n’este primeiro anno, desde o 1.° de fevereiro de 1895 a 31 de janeiro de 1896, a verba destinada áquelle fim subiu a 74:814$0584 réis. Poderá parecer exagerada a penalidade imposta aos que promoverem ou por qualquer modo favorecerem a emigração illegal, mas o mal a que elles podem dar causa é tão grande, a ousadia, com que se abalançam aos riscos d’aquella impreza tão censuravel, tão criminosa, mas tão lucrativa, é tal, que é mister ver se com, penas graves os afastam d’aquella torpe especulação,

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Leroy-Beaulieu, apesar das suas tendencias para a liberdade da emigração, diz que é obrigação de todo o governo honesto vigiar os engajadores de má fé, evitar toda a propaganda que se baseia em promessas fallazes, é advertir e esclarecer o povo que se pretenda seduzir com falsidades.

Expostas assim as principaes disposições do projecto e justificado o pensamento do governo, é a vossa commissão de parecer que este projecto de lei deve merecer a vossa approvação.

Sala das sessões da commissão de administração publica, 20 de março de 1896. = A. A. de Moraes Carvalho = Frederico Arouca = Conde de Carnide = Augusto Ferreira Novaes = Conde de Restello = Jeronymo da Cunha Pimentel relator = Tem voto do digno par: Augusto Cesar Cau da Costa.

A commissão de legislação tendo examinado este projecto de lei, na parte que lhe diz respeito, é de parecer que merece a vossa approvação.

Sala das sessões da commissão, 20 de março de 1896.= A. Emilio Correia de Sá Brandão = Frederico Arouca = Diogo A. Sequeira Pinto = Augusto Ferreira Novaes = Jeronymo da Cunha Pimentel

Parecer n.° 23-A

A vossa commissão de fazenda, na parte sobre que é ouvida, concorda com este projecto de lei, sendo por isso de parecer que seja approvado.

Sala das sessões, 20 de março de 1896 = A. A. de Moraes Carvalho = Marçal Pacheco = Frederico Arouca = Jeronymo da Cunha Pimentel == Tem voto do digno par; A. C. Cau da Costa.

Projecto de lei n.° 28

Artigo 1.° As disposições do regulamento geral de policia, de 7 de abril de 1863, ácerca da saida de nacionaes do reino para o exterior, por algum ponto da raia secca, executar-se-hão nos termos dos artigos seguintes.

§ unico. E dispensada a exigencia de passaportes aos estrangeiros, que saiam ou entrem no paiz, podendo, comtudo, o governo restabelecel-os temporariamente, quando circumstancias graves de ordem publica o justifiquem.

Art. 2.° As taxas de emolumentos e sêllo pela expedição de passaportes conferidos a nacionaes que pretenderem sair do reino pela fronteira terrestre, são reduzidas ás seguintes:

1.° Emolumento pela expedição de passaporte, 3$000 réis;

2.° Sêllo de passaporte por cada pessoa, 1$000 réis;

Art. 3.° É gratuita a expedição de passaportes conferidos a nacionaes, que pretendam sair do reino para as possessões portuguezas do ultramar.

Art. 4.° Nenhum passaporte poderá ser expedido para a saida do reino por qualquer via, terrestre, fluvial ou maritima, sem que no respectivo processo tenha sido reconhecida a identidade pessoal do impetrante.

§ 1.° Os emigrantes, que se dirijam para as possessões ultramarinas, ou os que saiam pela via terrestre, deverão tirar os passaportes nos governos civis dos districtos da sua naturalidade ou residencia. Os que sairem pela via maritima, mas não para os portos do ultramar, nos da sua naturalidade, excepto os que hajam nascido em qualquer dos districtos das ilhas adjacentes ou em alguma das possessões ultramarinas, ou ainda os que nascidos no continente do reino tenham mais de trinta annos de idade, os quaes poderão tirar os passaportes tambem nos governos civis dos districtos da sua residencia.

§ 2.° Pelo cumprimento do disposto n’este artigo ficam respectivamente responsaveis os secretarios geraes dos governos civis ou os empregados que os substituirem, e sujeitos á pena de demissão, por erro de orneio, no caso de o transgredirem.

Art. 5.° Nos governos civis dos districtos de Lisboa e do Porto a expedição de passaportes para saida do reino pela via terrestre será feita a qualquer hora do dia desde as nove da manhã até ás sete da tarde.

Art. 6.° Será encarregado do serviço de fiscalisação dos passaportes e no de repressão de emigração clandestina o pessoal, que o governo julgar necessario crear pari, execução d’esta lei, e dentro da verba da alinea a) do artigo 11.°

§ unico. Os empregados, a quem for commettido este serviço, poderão exigir de todos os passageiros com bilhete para alem da fronteira, a exhibição dos respectivos passaportes, e contra os que não o apresentarem procederão nos termos do artigo 26.° do regulamento de 7 de abril de 1863.

Art. 7.° Todo o individuo que, estando sujeito ao recrutamento militar, intentar sair do continente do reino ou das ilhas adjacentes sem passaporte, ou fazendo uso de passaporte falso, será entregue á competente auctoridade militar, depois de julgado nos termos do artigo 26.° do regulamento de 7 de abril de 1863, ou cumprida a pena que lhe for imposta nos termos do artigo 226.° do codigo penal, a fim de se lhe assentar praça, quando tenha os necessarios requisitos para o serviço militar.

Art. 8.° São dispensados da obrigação de passaporte os operarios portuguezes, a que se refere o artigo 25.° do regulamento para o commercio terrestre pelos caminhos ordinarios, approvado pelo convénio de 5 de julho de 1894, apresentando o documento n’elle exigido para o transito entre Portugal e Hespanha, e que será conferido gratuitamente pelas administrações dos concelhos do respectivo domicilio, mediante abonação idónea, cujo processo será tambem gratuito.

Art. 9.° É mantida no districto de Faro, e ampliada nos restantes districtos em favor dos operarios, que d’elles se costumam passar, em determinadas epochas do anno, a Hespanha para se empregarem no commercio da pesca, e nos trabalhos da agricultura, a dispensa de passaporte, nos termos, a que se referem as portarias de 2õ de maio de 1878 e 6 de maio de 1882.

§ unico. Esta disposição é applicavel no regresso a Hespanha dos operarios, que de ali hajam vindo a Portugal para os mesmos fins.

Art. 10.° O producto dos emolumentos pela expedição de passaportes será arrecadado como receita eventual nos cofres do estado.

Art. 11.° O referido producto será applicado pela forma e ordem seguinte:

1.° 20:000$000 réis annuaes para as despezas geraes do estado;

2.° Até á quantia de 30:000$000 réis para os empregados dos diversos governos civis, pelos quaes será repartida, na proporção que for designada pelo governo em execução d’esta lei.

Da receita arrecadada, proveniente de emolumentos de passaportes, será entregue mensalmente a cada governo civil um duodecimo da respectiva quota, o qual será distribuido pelos seus empregados, pela forma preceituada na lei de 23 de agosto de 1887 e tabella da mesma data, depois de deduzidas as despezas de expediente dos mesmos governos civis, que não sejam actualmente custeadas pelo estado.

3.° As quantias, que restarem do sobredito producto, serão receita privativa do ministerio do reino para serem applicadas:

a) Até á somma de 12:000$000 réis no serviço da fiscalisação de passaportes e no da repressão da emigração clandestina;

b) Em subsidios para supprir os deficits e auxiliar o desenvolvimento dos institutos de beneficencia, dependentes do ministerio do reino e da marinha,

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§ unico. A disposição do n.° 2.° d’este artigo é restricta aos actuaes empregados dos governos civis, acrescendo por isso a parte, que competiria aos que de futuro forem nomeados, á verba a que se refere o n.° 3.°

Art. 12.° Aquelle que promover ou que favorecer por qualquer modo a emigração clandestina, ou que alliciar emigrantes para sairem do reino com infracção das disposições das leis em vigor, incorrerá na pena de prisão cellular de dois a oito annos, ou, em alternativa, na pena correspondente de degredo.

§ unico. Os réus incursos na comminação d’este artigo serão julgados em processo ordinario de querella, sem intervenção de jury, devendo, porem, escrever-se em audiencia os depoimentos das testemunhas.

Art. 13.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução do artigo 6.° e outros d’esta lei.

Art. 14.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 18 de março de 1896 = Visconde do Er vedai da Beira, vice-presidente = Amandio Eduardo da Mota Veiga, deputado secretario = Abilio de Madureira Beça, deputado vice-secretario.

N.° 28

Senhores: — Tres são os factos principaes inseridos no decreto do governo de 10 de janeiro de 1895.

O primeiro é o que diz respeito á diminuição das taxas de emolumentos e sêllo pela expedição de passaportes; o segundo é o que diz respeito á repressão da emigração clandestina; o terceiro é o que determina que seja destinado aos estabelecimentos de beneficencia o producto liquido da receita dos passaportes.

Sendo de importancia evidente as disposições do decreto, merece, todavia, á vossa commissão um apreço especial aquella com que o governo resolveu atacar a emigração clandestina e illegitima na sua origem, habilitando-se com os meios necessarios para poder vigiar e perseguir os engajadores e alliciadores, que, disseminados por todas as provincias do norte do paiz, exercem sobre a sua população ignorante e ingenua uma acção deshumana e malefica.

Era realmente urgente e instante a conveniencia de extirpar a intervenção maldosa e desmoralisadora de um agente interesseiro e ferozmente egoista, n’uma facto, que, sendo fatal e necessario nas regiões de uma população muito densa e superior aos seus recursos economicos, é todavia pernicioso e nefasto, quando determinado pelas perspectivas traiçoeiras e fallazes com que os seus promotores conturbam a imaginação dos incautos.

Se muitos entendem, e entendem bem, que outras medidas indirectas se podem e devem tomar — e já foram indicadas no decreto de 2 de março de 1890 — para evitar o despovoamento das populosas e trabalhadoras provincias do norte, é certo que, empregadas com rigor e zelo as disposições d’este projecto contra os engajadores e alliciadores da emigração clandestina, e contra os que d’ella se aproveitam para se furtarem aos rigores da lei e ao cumprimento de um dever civico, o mal fica desde logo muito minorado.

A lei de meios, votada em 1891, destinando á fundação da bolsa do trabalho o producto liquido dos emolumentos dos passaportes, inspirou-se, é certo, n’um pensamento de justa protecção á classe operaria, mas comprometteu na origem o resultado de tão generoso proposito, por o ter ligado a um diploma legislativo temporario e de curta duração, e porque, sendo relativamente pequena a quantia annual accumulavel, o beneficio real e positivo d’esta generosa instituição, só muito tarde começaria a dar resultado.

Por isso bem andou o governo dando-lhe uma applicação beneficente de effeitos immediatos e com a qual muito teem a lucrar desde já as classes laboriosas torturadas pejas doenças ou inutilisadas para o trabalho pela velhice.

A vossa commissão, inspirada num sentimento de equidade e em considerações de manifesto interesse publico, resolveu alargar os beneficies d’este projecto aos institutos dependentes do ministerio da marinha e ultramar.

N’este momento em que todas as attenções estão voltadas para os nossos dominios ultramarinos pelas glorias ali colhidas recentemente, e pelos proveitos que d’elles se podem tirar em beneficio da sua propria prosperidade e da mãe patria, que tanto lhes quer, seria injusto não fazer partilhar das vantagens d’este projecto aquelles que se sacrificam pelo seu progresso e engrandecimento.

Outras alterações introduziu a commissão no decreto do governo com o fim de facilitar a emigração para as colonizo de nacionaes e estrangeiros, como tambem para simplificar a estes o reconhecimento de identidade.

Entendeu tambem que era conveniente tirar a fiscalisação d’este serviço aos empregados dos caminhos de ferro, para ser feita por empregados especiaes e especialmente destinados a este serviço.

Mas a modificação mais importante, introduzida no projecto pela vossa commissão, é, sem duvida, a que se refere á fórma do julgamento e á penalidade a applicar aos agentes da emigração clandestina.

Convencida da inefficacia das penas existentes, como convencida está da necessidade de acabar com um mal, que se aggrava dia a dia, a commissão entendeu dever adoptar medidas de excepcional rigor, que se justificam plenamente pelas condições excepcionalmente graves do crime e dos delinquentes.

É de certo violento o remedio, mas as doenças arreigadas no organismo social não se curam de outra fórma.

E a da emigração clandestina é certamente das peores que affecta a vida economica da nação.

Feitas estas alterações no decreto do governo, a vossa commissão tem a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° As disposições do regulamento geral de policia, de 7 de abril de 1863, ácerca da saida de nacionaes ou estrangeiros do reino para o exterior, por algum ponto da raia secca, executar-se-hão nos termos dos artigos seguintes.

Art. 2.° As taxas de emolumentos e sêllo pela expedição de passaportes conferidos a nacionaes ou estrangeiros, que pretenderem sair do reino pela fronteira terrestre, são reduzidas ás seguintes:

1.° Emolumento pela expedição de passaporte a nacional, 3$000 réis;

2.° Emolumento pela expedição de passaporte a estrangeiro, 800 réis;

3.° Referenda em passaporte estrangeiro, 400 réis;

4.° Sêllo de passaporte a nacionaes, por cada pessoa, l$500 réis;

5.° Sêllo de passaporte a estrangeiro, 1$000 réis;

6.° Sêllo da referenda em passaporte estrangeiro, 1 $000 réis.

Art. 3.° É gratuita a expedição de passaportes conferidos a nacionaes e estrangeiros, que pretendam sair do reino para as possessões portuguezas do ultramar.

Art. 4.° Nenhum passaporte poderá ser expedido para a saida do reino por qualquer via, terrestre, fluvial ou maritima, sem que no respectivo processo tenha sido reconhecida a identidade pessoal do impetrante.

§ 1.° O reconhecimento de identidade dos estrangeiros era feito mediante uma declaração abonatoria da auctoridade consular respectivas

§ 2.° Os emigrantes que se dirijam para as possessões ultramarinas, ou os que saiam pela via terrestre, deverão tirar os passaportes nos governos civis dos districtos da sua naturalidade ou residencia. Os que sairem pela via maritima, mas não para os portos do ultramar, nos da sua naturalidade.

§ 3.° Pelo cumprimento do disposto n’este artigo ficam .

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respectivamente responsaveis os secretarios geraes dos governos civis ou os empregados que os substituirem, e sujeitos á pena de demissão, por erro de orneio, no caso de o transgredirem.

Art. 5.° Nos governos civis dos districtos de Lisboa e do Porto a expedição de passaportes para saida do reino pela via terrestre será feita a qualquer hora do dia desde as nove da manhã até ás sete da tarde.

Art. 6.° Será encarregado do serviço de fiscalisação dos passaportes e no de repressão de emigração clandestina o pessoal que o governo julgar necessario crear para execução d’esta lei, e dentro da verba da alinea d) do artigo 11.°

§ unico. Os empregados, a quem for commettido este serviço, exigirão de todos os passageiros, com bilhete para alem da fronteira, a exhibição dos respectivos passaportes, e contra os que não o apresentarem procederão nos termos do artigo 26.° do regulamento de 7 de abril de 1863, salvo o disposto no § unico do mesmo artigo.

Art. 7.° Os habitantes da raia, portuguezes ou hespanhoes, comprehendidos na excepção do § 1.° do artigo 26.° do regulamento de 7 de abril de 1863, para que possam gosar da isenção de passaportes, devem munir-se de um bilhete de livre transito, pessoal e intransmissivel, que lhes será fornecido gratuitamente pela administração do concelho do respectivo domicilio, ou do mais proximo d’este, sendo hespanhoes, e mediante abonação idónea, cujo processo tambem será gratuito.

§ unico. Será punida com a pena de demissão a auctoridade que conferir bilhete sem a abonação exigida n’este artigo, e com prisão até seis mezes os abonadores, que a fizerem com falsidade.

Art. 8.° São dispensados da obrigação de passaportes os operarios a que se refere o artigo 25.° do regulamento para o commercio terrestre pelos caminhos ordinarios, approvado pelo convenio de 5 de julho de 1894, apresentando o documento nelle exigido para o transito entre Portugal e Hespanha, e que no reino será conferido pelas administrações de concelho, nos termos do artigo anterior.

Art. 9.° É mantida no districto de Faro, e ampliada nos restantes districtos em favor dos operarios que d’elles se costumam passar, em determinadas epochas do anno, a Hespanha para se empregarem no commercio da pesca, e nos trabalhos da agricultura, a dispensa de passaporte, nos termos a que se referem as portarias de 25 de maio de 1878 e 6 de maio de 1882.

§ unico. Esta disposição é applicavel no regresso a Hespanha dos operarios que dali hajam vindo a Portugal para os mesmos fins.

Art. 10.° O producto dos emolumentos pela expedição de passaportes a nacionaes e a estrangeiros será arrecadado como receita eventual nos cofres do estado.

Art. 11.° O referido producto será applicado pela fórma e ordem seguinte:

1.° 20:000$000 réis annuaes para as despezas geraes do estado;

2.° Até á quantia de 30:000$000 réis: para os empregados dos diversos governos civis, pelos quaes será repartida, na proporção que for designada pelo governo em execução d’esta lei.

Da receita arrecadada, proveniente de emolumentos de passaportes, será- entregue mensalmente a cada governo civil um duodecimo da respectiva- quota, o qual será distribuido pelos seus empregados, pela fórma preceituada na lei de 23 de agosto de 1887 e tabella da mesma data, depois de deduzidas as despezas de expediente dos mesmos governos civis, que não sejam actualmente custeadas pelo estado.

3.° As quantias que restarem do sobredito producto serão receita privativa do ministerio do reino, para serem applicadas:

a) Até á somma de 12:000$000 réis no serviço da fiscalisação de passaportes e no da repressão da emigração clandestina;

b) Em subsidios para supprir os deficits e auxiliar o desenvolvimento dos institutos de beneficencia, dependentes do ministerio do reino e da marinha.

§ unico. A disposição do n.° 2.° d’este artigo é restricta aos actuaes empregados dos governos civis, acrescendo por isso a parte que competiria aos que de futuro forem nomeados, á verba a que se refere o n.° 3.°

Art. 12.° Aquelle que promover ou que favorecer por qualquer modo a emigração clandestina, ou que alliciar emigrantes para sairem do reino com infracção das disposições das leis em vigor, incorrerá na pena de prisão cellular de dois a oito annos, ou, em alternativa, na pena correspondente de degredo.

§ unico. Os réus incursos na comminação d’este artigo serão julgados em processo ordinario de querela, sem intervenção de jury, devendo, porém, escrever-se em audiencia os depoimentos das testemunhas.

Art. 13.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução do artigo 6.° e outros d’esta lei.

Art. 14.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 10 de janeiro de 1896 .= Abilio Augusto de Madureira Bessa = Mota Veiga — Teixeira de Sousa = Costa Pinto = Figueiredo Leal = Simões Baião = Luiz Osorio = Visconde de Palma e Almeida = Magalhães Lima = Cabral Moncada == Lopes Navarro = Teixeira de Vasconcellos.

A commissão de legislação criminal, examinando o projecto de lei sobre passaportes, baseado no decreto dictatorial de 10 de janeiro de 1895, na parte que tem dependencia d’esta commissão, é de parecer que deve ser votado.

Sala das sessões da commissão, 10 de janeiro de 1896. Cabral Moncada = Teixeira de Sousa = Lopes Navarro = Carlos Braga = Abilio Bessa = Agostinho Lucio = Visconde do Banho.

A vossa commissão de fazenda é de parecer que deve ser approvado o parecer da commissão de administração publica, sob o n.° 28.

Sala das sessões, 12 de março de 189Q.=Teixeira de Sousa = Cabral Moncada = Jayme de Magalhães Lima = Luciano Monteiro = Manuel Fratel = Alfredo Moraes Carvalho — Mello e Sousa — Dantas da Gama = Manuel Francisco Vargas = Teixeira de Vasconcellos.

Senhor.— O problema da emigração, tão complexo e de resolução tão difficil, justamente preoccupa o governo. Emquanto, porem, as circumstancias do thesouro não permittem pôr em pratica um plano completo e desenvolvido, em que energicas providencias de repressão se conjuguem com o melhoramento das condições sociaes, ou ainda com o aproveitamento da corrente emigratoria em beneficio exclusivo das possessões ultramarinas, julga o governo de Vossa Magestade conveniente e necessario que rigorosamente se executem n’este assumpto as leis e regulamentos policiaes, cuja falta de cumprimento, animando a emigração, não é menos prejudicial do interesse publico que da fazenda do estado. Não excede ás faculdades ordinarias do governo fazer cumprir as disposições legaes e regulamentares, mas julga elle opportuno que se façam tambem, algumas alterações de lei, quer no sentido repressivo, quer para tornar exequiveis as disposições legaes relativas aos que* saem do paiz para o exterior pela fronteira terrestre, e ainda no que respeita á maneira de applicar receitas provenientes da expedição de passaportes.

Para consecução d’este triplice resultado importa, em primeiro logar, que se tornem exequiveis e se ponham em pleno vigor as disposições relativas aos passaportes pela via terrestre, pois que n’esta parte a execução obrigatoria

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do regulamento de 7 de abril de 1863 veiu a ser illudida pela falta de fiscalisação, ficando assim aberta uma ampla porta aos que não podiam vencer as dificuldades, que lhes embargavam a saida pela via maritima. Reconhece, porém, o governo de Vossa Magestade, que, embora sob o ponto de vista policial nenhuma rasão haja para que á saida pela raia secca não se appliquem as mesmas disposições que se se estabeleceram e se executam para a que se effectua pela via maritima, esta será sempre a do maior numero de emigrantes, como já hoje acontece, apesar de terem livre a fronteira terrestre.

È, pois, de justiça que taes disposições sejam menos onerosas no primeiro caso, convindo reduzir a taxa do sêllo e os emolumentos dos respectivos passaportes. Assim propomos que os emolumentos para os nacionaes sejam reduzidos de 4$800 a 3$000 réis, e o sêllo de 4$000 a 1$500 réis, e para os estrangeiros, aquelles de 1$600 a 800 réis, e este de 3$000 a 1$000 réis. E por motivo que ocioso seria explanar, deve tambem facilitar-se a mais prompta expedição dos passaportes, permittindo-se que sejam conferidos nas administrações de concelho, se assim convier aos impetrantes, e que em Lisboa e Porto possam ser obtidos desde as nove horas da manhã até ás sete da tarde. Por todos estes meios se conciliará o indispensavel cumprimento das disposições em vigor com os interesses e commodidades dos passageiros, sem prejuizo, antes com vantagem, do thesouro publico, apesar da reducção das respectivas taxas, visto que até agora insignificante era a receita que se cobrava da saida pelas vias terrestres.

Não basta, porém, e a experiencia de sobejo o demonstra, suscitar a observancia de preceitos legaes ou regulamentares, embora se torne menos pesado o cumprimento das obrigações respectivas. Ainda que se torne bem expressa a prohibição de se concederem passaportes sem previa verificação da identidade pessoal dos impetrantes, e não menos definida a responsabilidade, assim dos funccionarios, que deixem preterir esta condição, como d’aquelles, que, ou intencionalmente ou por negligencia, das obrigações do seu emprego não se oppozerem á saida de viajantes sem os necessarios documentos, é indispensavel crear um serviço exclusivamente destinado não só á fiscalisação de passaportes, mas tambem á repressão da emigração clandestina nos pontos da fronteira, onde essa fiscalisação se tem mostrado necessaria.

Já hoje e em mui larga escala os emigrantes, evitando a passagem pelas localidades onde seria mais facil apprehendel-os, buscam outros pontos mais favoraveis aos seus intentos, e como, segundo o plano que temos em vista, não póde deixar de se exercer, ácerca dos passageiros nas linhas ferreas, permanente fiscalisação de passaportes, é evidente que, para o effeito de se reprimir a emigração indocumentada, ficariam mallogradas todas as providencias restrictivas, se aos emigrantes se deixasse a facilidade de as frustar nos pontos da fronteira, não servidos por linhas ferreas.

Mas não é este o unico fim a que deve destinar-se o sobredito serviço de fiscalisação especial, embora já seja de grande alcance vigiar o rigoroso cumprimento dos regulamentos policiaes e impedir a saida clandestina de emigrantes. A mesma fiscalisação deve ser incessantemente empregada na descoberta e repressão dos engajadores e de todos os que tomam parte no repugnante trafico de alliciar emigrantes clandestinos, aos quaes sem escrupulo illudem e tantas vezes impellem para a mais desditosa sorte. Esta é a fonte mais abundante e criminosa da emigração clandestina, que importa combater sem treguas, fazendo impor implacavelmente aos seus agentes a responsabilidade criminal correlativa.

Nas circumstancias actuaes inconveniente seria organizar um novo serviço de fiscalisação, á custa do thesouro publico; mas, como das medidas que propomos resultarão novas receitas, nenhum escrupulo poderia justificar a dilação de providencias tão instantemente reclamadas pelo interesse publico, e cuja falta prejudicaria igualmente a arrecadação das proprias receitas que temos em vista crear.

Quanto á applicação do producto dos emolumentos de passaportes, alem da parte attribuida á sua propria fiscalisação, 20:000$000 réis continuarão a ser destinados, em harmonia com a lei de 30 de junho de 1893, a despezas geraes do estado. Segundo a mesma lei, metade do producto dos emolumentos pertenceria aos empregados dos governos civis. Não sendo intenção do governo prejudicar os interesses legalmente creados d’estes funccionarios, mas não permittindo as circumstancias que se desviem do thesouro os augmentos de receitas provenientes das providencias agora decretadas, fixa-se, em vista da importancia do actual rendimento, na quantia maxima, de 30:000$000 réis annuaes a parte do producto dos emolumentos que ficará pertencendo aos ditos empregados, para ser distribuida pelos diversos governos civis na proporção do mesmo rendimento. Pelos proprios fundamentos que a justificam, deve esta providencia restringir-se aos actuaes empregados, não podendo os que de futuro, forem nomeados arguir de ofiensiva de direitos adquiridos a privação da respectiva parte de emolumentos, a qual acrescerá assim ás sommas, a que o governo entende que se deve dar uma applicação de beneficencia publica. Por esta fórma se irá successivamente realisando uma importante economia contra a qual nenhum interesse legitimo poderá reclamar.

Não se póde duvidar que a virtude predominante em nossos dias é a caridade; e bem o comprova a diffusão dos diversos institutos hospitalares, asylos e outros estabelecimentos de beneficencia, em que o auxilio do estado e a generosa iniciativa de tantos benemeritos abrigam e soccorrem os enfermos e os desvalidos. Infelizmente, porem, a grande numero da’quelles benéficos institutos escasseiam os recursos para acudir a todas as miserias e infortunios, e até o estado, em rasão da crise dolorosa das suas finanças, se tem visto forçado a negar ou reduzir subsidios, que anteriormente eram concedidos a alguns d’elles. A propria crise, que tem apoucado as receitas publicas e particulares, fez augmentar o numero dos desventurados, que teem de implorar a caridade e bater ás portas dos asylos e dos hospitaes. Parece-nos, portanto, Senhor, que este pensamento de applicar a restante receita em auxilio de. taes estabelecimentos, sem duvida gratissimo ao magnanimo coração de Vossa Magestade, e que será sympathicamente acolhido em todo o paiz, não carece de mais ampla justificação.

Do que levâmos dito, naturalmente se conclue que das indicadas providencias restrictivas devem ficar excluidos não só os portuguezes e hespanhoes, habitantes da raia, que pelas exigencias do seu trafego, já hoje gosam isenção legal de passaporte, cujos termos convem regular, e os operarias e jornaleiros, que nos diversos districtos se costumam passar, em determinadas epochas do anno, a Hespanha ou dali vir, para se empregarem em trabalhos de pesca ou agricolas, mas tambem os operarios, a que respeita o artigo 25.° do regulamento de transito approvado pelo convenio de 5 de julho ultimo.

Por todas estas considerações em que, sem offensa de relações internacionaes e sem prejuizo de direitos adquiridos, sem vantagem para o estado e proveito para a beneficencia publica, se concordam com o indeclinavel cumprimento das leis e regulamentos de policia todos os interesses legitimos e attendiveis, temos a honra de submetter á approvação de Vossa Magestade o seguinte projecto de decreto.

Paço em 10 de janeiro de 1895.= Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco — Antonio d’Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = João Antonio de Brissac das Neves

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SESSÃO N.° 28 DE 7 DE ABRIL DE 1896 829

Ferreira — Carlos Lobo d’Avila = Arthur Alberto de Campos Henrique,?.

Attendendo ao que me representaram os ministros e secretarios d’estado de todas as repartições: hei por bem decretar o seguinte:

Artigo 1.° As disposições do regulamento geral de policia, de 7 de abril de 1863, ácerca da saida de nacionaes ou - estrangeiros do reino para o exterior, por algum ponto da raia secca, executar-se-hão nos termos dos artigos seguintes.

Art. 2.° As taxas de emolumentos e sêllo pela expedição de passaportes conferidos a nacionaes ou estrangeiros, que, pretenderem sair do reino pela fronteira terrestre, são reduzidas ás seguintes:

1.° Emolumento pela expedição de passaporte a nacional, 3$000 réis;

2.° Emolumento pela expedição de passaporte a estrangeiro, 800 réis;

3.° Referenda em passaporte estrangeiro, 400 réis;

4.° Sêllo de passaporte a nacionaes, por cada pessoa, 1$500 réis;

5.° Sêllo de passaporte a estrangeiro, 1$000 réis;

6.° Sêllo da referenda em passaporte estrangeiro, 1$000 réis.

Art. 3.° A redacção nas taxas de emolumentos e sêllo estabelecida no artigo anterior é applicavel aos nacionaes ou estrangeiros, que pretendam sair do reino para, as possessões portuguezas do ultramar.

Art. 4.° Nenhum passaporte poderá ser expedido para a saida do reino por qualquer via, terrestre, fluvial ou maritima, sem que no respectivo processo tenha sido reconhecida a identidade pessoal do impetrante.

§ 1.° Os passaportes poderão ser expedidos tanto pelos governos civis, como pelas administrações dos concelhos, que não sejam sede do districto.

§ 2.° Pelo cumprimento do disposto n’este artigo ficam respectivamente responsaveis os secretarios geraes dos governos civis e os secretarios das administrações de concelho, ou os empregados que os substituirem, e sujeitos á pena de demissão, por erro de officio, no caso de o transgredirem.

Art. 5.° Nos governos civis dos districtos de Lisboa e do Porto a expedição de pasaaportes para saida do reino pela via terrestre será feita a qualquer hora do dia desde as nove da manhã até ás sete da tarde.

Art. 6.° Os fiscaes do governo nos caminhos de ferro das companhias particulares, e os revisores e outros empregados, aos quaes for commettido este serviço, nos do estado, exigirão de todos os passageiros com bilhete para alem da fronteira a extinção dos respectivos passaportes, e contra os que não o apresentarem procederão nos termos do artigo 26.° do regulamento de 7 de abril de 1863, salvo o disposto no § 1.° do mesmo artigo.

§ unico. Os fiscaes, revisores e empregados, que deixarem de cumprir o disposto n’este artigo, serão demittidos.

Art. 7.° Os habitantes da raia, portuguezes ou hespanhoes, comprehendidos na excepção do § 1.° do artigo 26.° do regulamento de 7 de abril de 1863, para que possam gosar da isenção de passaporte, devem mnnir-se de um bilhete de livre transito, pessoal e intransmissivel, que lhes será fornecido gratuitamente pela administração do concelho do respectivo domicilio, ou do mais proximo d’este, sendo hespanhoes, e mediante abonação idonea, cujo processo tambem será gratuito.

§ unico. Será punida com a pena de demissão a auctoridade que conferir bilhete sem a abonação exigida n’este artigo, e com prisão até seis mezes os abonadores, que a fizerem com falsidade.

Art. 8.° São dispensados da obrigação de passaportes j os operarios a que se refere o artigo 25;° do regulamento para o commercio terrestre pelos caminhos ordinarios, approvado pelo convenio de 5 de julho de 1894, apresentando o documento nelle exigido para o transito entre Portugal e Hespanha, e que no reino será conferido pelas administrações do concelho, nos termos do artigo anterior.

Art. 9.° É mantida no districto de Faro, e ampliada nos restantes districtos em favor dos operarios que d’elles se costumam passar, em determinadas epochas do anno, a Hespanha para se empregarem no commercio da pesca, e nos trabalhos da agricultura, a dispensa de passaporte, nos termos a que se referem as portarias de 25 de maio de 1878 e 6 de maio de 1882.

§ unico. Esta disposição é applicavel no regresso a Hespanha dos operarios que de ali hajam vindo a Portugal para os mesmos fins.

Art. 10.° O producto dos emolumentos pela expedição, de passaportes a nacionaes e a estrangeiros será arrecadado como receita eventual nos cofres do estado.

Art. 11.° O referido producto será applicado pela forma e ordem seguinte:

1.° 20:000$000 réis annuaes para as despezas geraes do estado;

2.° Até á quantia de 30:000$000 réis para os empregados dos diversos governos civis, pelos quaes será repartida, na proporção que for designada pelo governo em execução d’este decreto.

Da receita arrecadada, proveniente de emolumentos de passaportes será entregue mensalmente a cada governo civil um duodecimo da respectiva quota, o qual será distribuido pelos seus empregados, pela forma preceituada na lei de 23 de agosto de 1887 e tabella da mesma data, depois de deduzidas as despezas de expediente dos mesmos governos civis, que não sejam actualmente custeadas pelo estado.

3.° As quantias que restarem do sobredito producto serão receita privativa do ministerio dos negocios do reino, para serem applicadas:

a) Até á somma de 10:000$000 réis no serviço da fiscalisação de passaportes e no da repressão da emigração clandestina;

6) Em subsidios para supprir os deficits e auxiliar o desenvolvimento dos institutos de beneficencia.

§ unico. A disposição do n.° 2.° d’este artigo é restricta aos actuaes empregados dos governos civis, acrescendo por isso a parte que competiria aos que de futuro forem nomeados, á verba a que se refere o n.° 3.°

Art. 12.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução d’este decreto.

Ari. 13.° Fica revogada a legislação em contrario.

O presidente do conselho de ministros, e os ministros e secretarios d’estado de todas as repartições, assim o tenham entendido e façam executar. Paço, em 10 de janeiro de 1890. = REI. — Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Antonio d’Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = João Antonio de Brissac das Neves Ferreira = Carlos Lobo d’Avila = Arthur Alberto de Campos Henriques.

O sr. Presidente: — O projecto de lei que acaba de ser lido na mesa está em discussão na generalidade.

O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, em outra occasião declarei que não votava projecto algum que trouxesse augmento de despeza. Ora, até hoje, ainda não fomos mimoseados senão com propostas de augmento de despeza, e, portanto, de encargos para o contribuinte; de diminuição de despeza ainda não appareceu uma unica proposta do governo.

Portanto, para ser coherente com o que já declarei n’esta camara, não posso votar o projecto em discussão.

Poderia talvez dar-lhe o meu voto, se elle fosse modificado no sentido da proposta que terei a honra de mandar

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para a mesa; mas tal como está redigido, não, porque não posso conformar-me com a sua doutrina.

Não posso conformar-me, repito, porque quanto mais nós pregámos que avançÂmos na chamada civilisação, mais retrogradâmos para o tempo do absolutismo.

É uma verdade incontestavel. Já aqui o disse; têem-se creado tribunaes de excepção, especialmente para Lisboa e Porto; o projecto que está em discussão, vem confirmar mais ainda que o governo está decidido a continuar no caminho que encetou, de nos fazer retrogradar ao tempo do absolutismo.

Quando todos os paizes tratam de facilitar tudo quanto seja communicações, é exactamente em Portugal que se vae inaugurar um regimen altamente vexatorio, e que, alem de vexatorio, só se explica pelo systema seguido pelo, governo, o qual parece todo composto de agricultores, porque o unico pensamento do actual governo é a drenagem, não da terra, mas do dinheiro do contribuinte para os cofres do estado, por todos os meios, modos e feitios.

Faltava só este novo meio de crear mais uma difficuldade para todas as nossas relações internacionaes, e, inclusivamente, para todas as nossas relações com as provincias ultramarinas.

Hoje, o subdito portuguez não póde sair de Lisboa sem ir munido de um passaporte, quer vá para as colonias ou para o estrangeiro.

O que eu queria era que se creasse uma lei, obrigando os homens, que se destinam a sentar-se nas cadeiras do poder, a viajarem para aprender, e para não trazerem á camara projectos como este, que significam só o nosso atrazo.

O parecer em discussão, apresentando differentes considerações para justificar o projecto do governo, diz que é preciso pôr cobro á grande emigração.

De facto, ella tende a augmentar de dia para dia; as povoações estão desertas; a agricultura tem falta de braços, por conseguinte é necessario pôr cobro a. este excesso de emigração, e evitar o furtar-se o cidadão ao serviço militar. Nunca vi nada mais absurdo do que a idéa de querer pôr cobro á emigração creando de facto os passaportes.

Pois qual é o paiz que não tem emigração? Não vemos nós os factos que se dão de provincia para provincia? Não vemos que em certas epochas do anno a falta de braços e a mira no ganho fazem com que haja a emigração do norte para o sul ou vice-versa, e porque? Porque os trabalhadores encontram noutras provincias trabalho e melhor remuneração. Por isso, emigram.

Ora, o que se dá no interior do paiz, dá-se exactamente com relação ao exterior.

Pois póde alguem imaginar que deixe, pela imposição do passaporte, de haver a constante corrente de emigração para o Brazil?! É uma loucura suppor tal facto.

A emigração para o Brazil deu-se, dá-se e ha de dar-se, e ainda bem que se dá, porque se ella cessasse, de um momento para o outro haveria uma crise grave. Esta é a verdade; sem o dinheiro, que ha tantos annos o Brazil exporta para Portugal, resultado do trabalho dos que ali vão procurar fortuna, empregando-se na industria, no commercio ou na agricultura, as provincias do norte não estariam tão florescentes como estão. Não se dá um passo nas provincias do norte que se não depare com um palacio ou com um chalet, que não pertença ao brazileiro, quer dizer, ao portuguez que foi ao Brazil fazer fortuna.

Ora, o facto de estabelecer passaportes com o fim de acabar com a emigração e reter os mancebos sujeitos ao serviço militar, é simplesmente um meio disfarçado de crear receitas, indo atacar a bolsa do contribuinte. Aqui está a drenagem do dinheiro, a que me referi.

Note o sr. ministro do reino, que eu não estou a fazer opposição ao actual governo pelo prazer de fazer opposição; faria opposição a todo e qualquer governo que apresentasse projectos d’esta ordem; diz o governo no seu projecto o seguinte:

«Artigo 6.° Será encarregado do serviço de fiscalisação dos passaportes e no de repressão de emigração clandestina, o pessoal que o governo julgar necessario crear para execução d’esta lei, e dentro da verba da alinea a) do artigo 11.°»

O que é necessario é crear mais empregos. Precisa-se empregar os afilhados, e cria-se um pessoal especial para a fiscalisação de passaportes, e tudo isto ha de sair da algibeira do contribuinte. Inspectores não faltarão.

Isto faz-me lembrar dou factos que se deram n’este abençoado paiz, factos muito curiosos. Ainda não ha muitos annos veiu ao parlamento um projecto sobre augmento da marinha de guerra, uma marinha phantastica, com muitos cruzadores e couraçados. Não se fez um só d’estes navios, mas creou-se logo o pessoal. Fez-se uma promoção monstruosa nos quadros da armada. Creou-se tambem em tempos a sellagem para as fazendas. Esteve suspensa muito tempo, mas assim que passou a lei, nomeou-se o pessoal, recebendo ordenados, sem ter durante muito tempo prestado serviço algum ao paiz.

Agora precisa-se crear pessoal para a fiscalisação dos passaportes.

Metade do paiz fica vivendo do trabalho do contribuinte.

Sr. presidente, eu sinto não ver aqui presente o digno par sr. Thomás Ribeiro, porque, com certeza elle, tomaria parte n’esta discussão, combatendo o projecto; e deprehende-se isto pelo que ouvimos aqui a s. exa. a proposito da questão dos vexames que as nossas alfandegas infligem aos viajantes.

Pois será justo o vexame e transtornos que se vão impor aos viajantes nacionaes e estrangeiros para augmentar as receitas do estado? Pois não é certo que, pelo contrario, se vae crear um novo pessoal de fiscalisação que absorverá parte da nova receita, e dotar-se mais largamente os institutos de caridade, até o hospital dos doudos?! Doudo está um paiz que vota uma medida tão vexatoria e retrograda.

Pois dá-se isto quando um paiz paga 11:000 contos de réis para as obras do porto de Lisboa, a pretexto de augmentar o commercio, fazendo sacrificios com que não pôde, e satisfazendo ou pagando muitas despezas que nem auctorisadas estão?

E difficulta-se ao mesmo tempo o accesso dos estrangeiros e do commercio, e criam-se peias ao movimento de passageiros só para crear receita para pagar a novos empregados e sustentar hospitaes!

Se o governo, pelo projecto, favorece os estrangeiros, favoreça tambem os nacionaes; se são indispensaveis sacrificios, imponham-se por igual a uns e outros.

Eu estou persuadido de que n’esta desigualdade influiram reclamações estrangeiras, ante as quaes o governo se poz de cócoras (permittam-me a espressão), como costuma fazer ante quasi todas as reclamações estrangeiras.

Quer-se attrahir o estrangeiro á bella cidade de Lisboa com estes melhoramentos, mas espoliam-se os nacionaes! Continuando este systema, a bella Lisboa á beira mar plantada, e o paiz inteiro, em breve estarão, pela sua pobreza, convertidos num paiz barbaro.

Tambem com o projecto se não obsta á evasão dos grandes criminosos, porque esses escapam sempre por entre as malhas que a policia nunca vê ou encontra.

Qual é, pois, o fim do projecto? Impedir que escapem os mancebos sujeitos ao serviço militar? Tambem não.

É necessario que se diga que a rasão da emigração é outra. São os excessivos impostos que pagámos, e ainda o facto da nossa industria estar pouco prospera, comquanto haja algumas florescentes, mas que vieram acabar com pequenas industrias, sendo que o que de antes se fazia com dez empregados, se faz hoje com dois, de modo que esses braços a mais se vêem na necessidade de procurar trabalho differente d’aquelle que tinham n’este paiz.

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O sr. conde de Bertiandos teve occasião de fazer aqui algumas considerações a este respeito, mas, infelizmente, o governo não as tomou em conta. A causa principal da emigração, repito, são os excessivos impostos e a excessiva divisão da propriedade.

O governo, sempre que lhe convem, cita o que se passa no estrangeiro. Pois é bom que se saiba que lá não ha passaportes; cada cidadão sáe quando quer. Está provado que o passaporte não serve para nada. Serve só para crear receita e vexar o cidadão.

É a excessiva contribuição de registo uma das causas, e não o serviço militar, da grande emigração.

A emigração clandestina sempre existiu, existe e ha de existir, e a rasão é simples: é que dá grandes lucros a quem a promove.

Eu pergunto se já algum ministro da fazenda pensou que podia acabar com o contrabando? Não.

Os processos contra os agentes da emigração clandestina são rarissimos, e ás multas tão insignificantes que realmente não vale a pena que algumas pessoas se empreguem nesse trafico.

O governo soccorre-se do que se passa no estrangeiro para fazer valer as rasões que apresenta no seu projecto sobre passaportes, e falla da Italia. O nobre ministro do reino não esteve na Italia, não a conhece; mas eu vivi lá muitos annos e posso assegurar que a emigração da Italia dá-se exactamente nas provincias onde ha maior miseria.

É do antigo reino de Nápoles, e aqui está na camara quem poderá dizer se ha ou não exactidão n’estas minhas palavras, é do reino napolitano que sáe a grande massa da emigração. Não se dava esta enorme corrente de emigração no tempo em que o povo pagava 3 ou 4 por cento de imposto de contribuição predial e industrial; mas quando a elevaram a 30 e 36, quando a propriedade a não podia pagar mais, foi então que começou a emigração na Italia, não para o Brazil, mas para o Rio da Prata.

Portanto, tenha s. exa. a certeza de que a causa principal da emigração não é o quererem livrar-se do serviço militar; são os excessivos impostos que a propriedade está pagando, e com que não póde desenvolver-se. E o governo imaginou que com este projecto dos passaportes tinha de algum modo evitado a emigrarão! Pois, senhores, a emigração continua cada vez mais espantosa, mais aterradora; ha, terras do norte do paiz que estão, por assim dizer, deshabitadas, despovoadas.

Qual é o agricultor (e estão aqui alguns cavalheiros que são agricultores; aqui está, por exemplo, o nosso collega o sr. Margiochi) que póde dizer quaes, as difficuldades que nós encontramos para, em certa e determinada epocha do anno, haver os braços necessarios aos trabalhos agricolas? Não os ha, e se os ha, offerecem-se por um preço tão elevado, que muitas vezes vale mais deixar de fazer o amanho das terras.

Era isto o que eu queria que os srs. ministros vissem, e não sómente o que se passa no Terreiro do Paço, Percorressem o paiz, e então reconheceriam se é com medidas d’esta ordem que se evita a emigração.

Sr. presidente, eu sei que estou a fallar no deserto. O sr. ministro, com a attenção que dispensa a todos nós, responder-me-ha provavelmente algumas palavras. Se não for o sr. ministro, será o sr. relator, que me observará que eu disse cousas talvez boas e sensatas, mas que se precisa de dinheiro e, por conseguinte, venham votos, votos. Perderei, pois, o meu tempo, mas estou a varrer a minha testada, porque emquanto a mim este projecto é completamente absurdo. Por isso, ao correr da penna, tinha feito uma proposta para mandar para a mesa. Antes d’isso, porém, quero fazer uma declaração.

Estou a fallar contra os passaportes, mas, quando saio do paiz, levo um, e sabe v. exa. porque? Porque viajo só, posso adoecer repentinamente e quero ter commigo um documento de identidade; mas é porque quero. Francamente, não acho que seja necessario um passaporte para um cidadão se deslocar do continente para qualquer possessão portugueza, que a final é territorio portuguez. Bom modo de favorecer a colonisação. Em principio o passaporte obrigatorio representa um vexame.

Passo agora a ler a minha proposta, que é a seguinte:

«Attendendo a que, pelos melhoramentos materiaes, o paiz está hoje ligado a todos os paizes civilisados pelas linhas ferreas e carreiras de vapores de rapida navegação;

«Attendendo que o passaporte só póde ser considerado de utilidade como medida de policia, e ainda assim está provado que todos os criminosos estão sempre em regra com o porte de passaporte;

«Attendendo que o paiz precisa facilitar, e não difficultar, a vinda de estrangeiros, sempre util para a industria e para o commercio;

«Proponho:

«1.° Deixam de ser obrigatorios os passaportes para nacionaes e estrangeiros, quer a saida se de pela raia secca, quer pelos portos e rios;

«2.° O nacional ou estrangeiro que quizer viajar com passaporte, pagará o sêllo é respectivos emolumentos destinados aos estabelecimentos de caridade;

«3.° Todo o mancebo Sujeito ao recrutamento não poderá sair do reino sem apresentar ás respectivas estacões officiaes certidão de ter depositado na respectiva recebedoria do concelho onde reside, quantia igual á remissão do serviço militar, acrescida de 20 por cento destinada a emolumentos e estabelecimentos de caridade;

«4.° A todo o cidadão que estiver isento do serviço militar será fornecido um passe, cujo custo não poderá exceder 1 $000 réis. Este passe terá a assignatura e phototographia da pessoa a favor de quem for passado;

«5.° Fica revogada a legislação em contrario.

«Sala das sessões, 27 de março de 1896. — O par do reino, Conde de Thomar.»

Esta substituição parece-me que satisfaz em parte os fins que o governo se propõe com este projecto.

O que o sr. ministro pretende é obter dinheiro e evitar que os mancebos sujeitos ao recrutamento deixem de prestar serviço no exercito.

Pois eu digo na minha proposta:

«Todo o mancebo sujeito ao recrutamento não poderá sair do reino sem apresentar ás respectivas estações officiaes certidão de ter depositado na respectiva recebedoria do concelho onde reside, quantia igual á remissão do serviço militar, acrescida de 25 por cento destinada á emolumentos e estabelecimentos de caridade.»

Por este meio já v. exa. vê que não fica defraudado na receita que pede ao contribuinte. Por outro lado, aquelles que não estão sujeitos ao serviço militar tambem devem ter umas certas facilidades para poderem entrar e sair quando quizerem.

Por isso eu digo na minha proposta:

«A todo o cidadão que estiver isento do serviço militar será fornecido um passe, cujo custo não poderá exceder l$000 réis. Este passe terá a assignatura o photographia da pessoa a favor de quem for passado.»

Já se vê que este bilhete é permanente.

Ora, tendo o paiz quatro a cinco milhões de habitantes, uma decima parte sáe dó paiz, uma vez na vida pelo menos. Veja s. exa. que receita poderá tirar do passe que proponho.! Pelo menos 500 contos de réis.

Pergunto eu agora:

Quererá o sr. ministro exigir passaporte aos individuos que forem a Hespanha ver as touradas?

A viagem a Badajoz, ou outro ponto, custa 4$000 ou 5$000 réis, mas o passaporte custa muito mais.

Já v. exa. vê que, sem largas considerações, segundo me parece, esta minha idéa substitue perfeitamente o projecto que tem duas columnas de prosa, e prosa muito bo-

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nita, mas que a final não serve senão para justificar a extorsão e vexame que se quer fazer ao povo, emquanto que pela proposta que tenho a honra de mandar para a mesa o governo recebe o dinheiro e evita que todo o mancebo saia pela raia secca ou molhada sem deixar o valor correspondente á remissão.

Se os estrangeiros tivessem conhecimento de que por causa dos mancebos que se querem furtar ao serviço militar se vota este projecto, e se soubessem ao mesmo tempo que a lei permitte a remissão a dinheiro, riam-se de nós, e com toda a rasão.

A questão do serviço militar é a base de uma boa administração e de um dever.

Em nenhum paiz do mundo existe esta remissão a dinheiro. O governo tinha acabado com ella e tinha acabado muito bem, mas como precisava de dinheiro disse que o serviço militar é obrigatorio, que isto se fazia em todos os paizes civilisados, que todos têem obrigação de defender o seu paiz, mas quem der tanto é dispensado d’este serviço!

Oh, sr. presidente! Isto é serio?

Francamente, não é decoroso para um paiz declarar que o serviço militar é obrigatorio e dizer ao mesmo tempo que todo aquelle que quizer isentar-se d’esse serviço poderá pagar uma certa quantia ficando logo isento.

Nós sabemos perfeitamente qual tem sido a applicação do producto das remissões a dinheiro.

Se tivessemos em cofre o dinheiro das remissões, teriamos talvez com que alliviar uma parte dos encargos que tomámos no estrangeiro. Mas desappareceu tudo. Nunca se deram contas dessas remissões. Entraram nos cofres e d’ahi tem saido para passeatas e para tudo quanto ha. E o paiz nunca soube a verdadeira applicação dessas fortes sommas.

O estado nada tem aproveitado, nem a moral publica, e nós encontramo-nos exactamente na mesma situação em que estavamos antes das remissões a dinheiro, isto é, sem vintem.

Sr. presidente, eu concluo, porque, como já disse, estou pregando no deserto e sem resultado absolutamente nenhum. Quando muito dir-me-ha o sr. relator da commissão que a minha proposta vae á commissão para ser devidamente considerada, isto é, para ir para o cesto dos papeis velhos.

Desejo unicamente varrer a minha testada, porque considero este projecto iniquo, absurdo e vexatorio para o contribuinte e para todos nós, porque não é digno de um paiz que se diz livre que seja necessario que qualquer de nós, quando queira sair para se distrahir ou para tratar da sua saude ou dos seus negocios, tenha de ir buscar uma papeleta que não tem valor de qualidade alguma, porque ninguem pergunta por passaporte, nem quer saber se o viajante é turco ou russo.

Para que serve essa papeleta, essa folha de papel almasso, bem ordinaria e bem mal impressa, e escripta em portuguez?

O que quer dizer essa papeleta assignada pelo governador civil de Leiria ou de Beja, ou por qualquer outro governador civil?

É um documento de despeza para o contribuinte, e mais nada.

Sr. presidente, o que eu deduzo de tudo isto é que a exigencia dos passaportes é simplesmente uma extorsão que se faz aos contribuintes, e, por isso não posso approvar o projecto.

Termino aqui as minhas observações, porque não quero cansar a attenção da camara.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a substituição que o sr. conde de Thomar acaba de mandar para a mesa.

Leu-se na mesa.

Foi admittida, e entrou em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): — Diz que não perdeu ainda a esperança de que o digno par conde de Thomar de o seu voto a este projecto, logo que consiga demonstrar-lhe, como espera, que s. exa. laborara em repetidos equivocos durante o discurso que proferiu.

Em relação á legislação anterior, o projecto representa um melhoramento no sentido da ordem de idéas apresentadas pelo digno par.

O sr. conde de Thomar dissera que o regimen agora estabelecido era impeditivo das relações internacionaes.

Responderia que pelo decreto regulamentar de 1863 nem os nacionaes nem os estrangeiros podiam sair do reino sem passaporte, ao passo que por este projecto era dispensado o passaporte aos estrangeiros que saiam ou entrem no paiz.

Portanto, o digno par laborara num equivoco quando disse que se inaugurava um regimen impeditivo das relações internacionaes.

Dissera mais o sr. conde de Thomar que quem quizer ir. para os Açores ou para o ultramar tem de tirar passaporte.

Para os Açores nunca foi preciso tiral-o, nem pelo decreto de 1863, nem agora. Para o ultramar é, por este projecto, gratuita a expedição de passaportes conferidos a nacionaes.

Portanto, o digno par ainda aqui laborara em equivoco.

Mas, como dissera s. exa. que o decreto de 10 de janeiro de 1895, agora transformado em projecto, vinha impor novos sacrificios aos cidadãos portuguezes? Pois não viu o digno par que, pelo artigo 2.°, as taxas de emolumentos e sêllo pela expedição de passaportes conferidos a nacionaes que pretenderem sair do reino pela fronteira terrestre, são reduzidas?

Era mais um equivoco do sr. conde de Thomar.

Logo, o que o governo fizera representava uma conquista sobre o decreto de 1863, no sentido que s. exa. desejava.

Dissera o digno par que os aficionados que quizessem ir de Elvas assistir ás touradas em Badajoz, tinham de tirar passaporte. Não era assim, salvo o caso de haver quem, para ir a Badajoz, tivesse o capricho de vir a Lisboa para d’aqui embarcar para algum porto hespanhol, Cadiz, por exemplo, dirigindo-se depois a Badajoz.

Mas as leis não podiam prever todas as phantasias de que era susceptivel a excentricidade humana.

Suspeitara o sr. conde de Thomar que o governo obedecera a reclamações estrangeiras. Não houve nenhumas, nem podia haver, porque dentro da sua casa cada um procede como melhor entende.

O que apenas houve foi reclamações de portuguezes para portuguezes, das associações commerciaes de Lisboa e Porto, e da camara municipal da Figueira no sentido de se não exigir passaportes aos estrangeiros que saissem ou entrassem no paiz.

E essas reclamações foram attendidas, como ficara expresso no § unico do artigo 1.°

O digno par dissera que a emigração clandestina era uma especie de contrabando, e que nenhum ministro da fazenda tinha podido acabar com o contrabando. Mas nenhum ministro da fazenda, responderia, se tinha lembrado, por isso, de acabar com a fiscalisação.

O sr. conde de Thomar manifestara o receio de que os mancebos sujeitos ao recrutamento saissem do paiz sem prestar uma caução igual ao preço da remissão. Mas essa doutrina já estava consignada na lei. Não é nova.

O digno par dissera tambem que o governo ia por este projecto exigir novos sacrificios ao paiz; dar um golpe profundo na emigração para o Brazil, que nos era proveitosa; e s. exa. deixou em duvida o que se fazia aos dinheiros que entravam nos cofres publicos.

O augmento da emigração clandestina não podia deixar de preoccupar o governo. O que se pretendeu não foi vi-

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brar um golpe á emigração para o Brazil, mas regular a condições em que os nacionaes podem sair do paiz livremente, principio aliás já estabelecido na legislação anterior. O projecto visou a alcançar apenas os emigrantes e não os viajantes, por isso que são os emigrantes que ordinariamente saem do reino pela via maritima. Quanto á applicação dos dinheiros publicos poderia dispensar-se de responder. O governo applica-os, tendo sempre em vista os interesses do paiz. A receita proveniente d’este projecto, reverte em favor do estado, dos empregados dos governos civis, como era justo, e dos estabelecimentos de beneficencia, como era urgente, para cobrir os seus deficits, visto que alguns, cuja utilidade ninguem poderá contestar, luctam com serias difficuldades.

E a applicação da receita chegará ao conhecimento de toda a gente, por meio da publicação de decretos e portarias.

Portanto, repele quaesquer duvidas sobre o assumpto.

Em conclusão: o que se pretendeu foi evitar quanto possivel a emigração clandestina; applicar, com geral proveito a receita proveniente do numero de passaportes, que tende a augmentar; defender os interesses do exercito e do paiz, reprimindo o facto, tantas vezes repetido, de emigrarem os mancebos que deviam ser chamados ao serviço militar.

Fallára o digno par na collocação de afilhados. O sr. conde de Thomar, que fez esta affirmação, de certo se não recusará a demonstal-a.

(S. exa. não reviu as notas de nenhum dos seus discursos proferidos n’esta sessão.)

O sr. Conde de Thomar:— O nobre ministro do reino, com aquella habilidade que todos nós conhecemos, procurou demonstrar, durante o seu discurso, que eu laborava num erro, e que estava em contradicção em tudo quanto tinha dito com respeito ao projecto que se discute.

Eu não laboro num erro. O uso faz lei.

S. exa. fundou a sua argumentação na lei de 1863.

Que me importa que exista essa lei, se ella se não cumpriu, se ella nunca se executou?!

S. exa., se já tem viajado, ha de saber que nas fronteiras nunca pedem passaportes a ninguem.

Havia uma lei que estabelecia o passaporte, mas de que servia havel-a, se o proprio governo tinha reconhecido a impossibilidade de a executar?

Sr. presidente, eu sustento que, em vista das facilidades de transporte que hoje ha, em vista das viagens rapidas, o passaporte não tem rasão de ser.

Mas se essa lei nunca se cumpriu, permitta-me s. exa. que lhe diga que esteve architectando um sophisma e que nada demonstrou para defender o seu projecto.

Francamente, não posso acceitar essa doutrina.

S. exa. respondeu de certo com muita habilidade, pelos seus incontestaveis dotes de argumentador; mas é fora de duvida que as suas conclusões são falsas.

Ha bem quarenta annos que viajo, por mar e por terra; nunca ninguem me pediu passaporte.

Não agradou ao nobre ministro uma phrase minha. Peço desculpa de a ter proferido e de ter desagradado a s. exa., por isso não a repetirei, mas a apreciação que ella representa é infelizmente exacta. E, se não, vejâmos um exemplo: porque é que as companhias de seguros estrangeiras, porque são estrangeiras, não pagam impostos em Portugal iguaes ás companhias nacionaes? A industria que exercem é a mesma.

Porque é que se não tem attendido a tantas representações que sobre o assumpto teem feito as companhias de Lisboa e do Porto? Não será por se ter o governo curvado ante as reclamações dos governos estrangeiros?

Diante do estrangeiro encontra-se sempre o nosso governo humilde e reverente. É melhor não insistir n’este ponto, que nos levaria muito longe. Bastava, porém, uma circumstancia que o sr, mministro citou, para mostrar que este projecto não devia ser approvado. Pois então o habitante de Elvas tem direito a maiores regalias que o de Lisboa? È verdade que o de Eivas não gosa das vantagens do tribunal da Parreirinha, creado para uso do habitante da capital!

É natural que o sr. ministro não possa entrar n’estes pequenos detalhes por causa dos seus muitos affazeres, mas creia que lhe estou dizendo grandes verdades.

Eu tenho viajado muita vez nos vapores das linhas allemãs, posso assegurar que esses navios transportam centenas de emigrantes italianos que passam a fronteira e são transportados pelo caminho de ferro até Bremen, porto de embarque, e d’ali seguem para a America do sul.

Emigram porque precisam ganhar a vida e fugir á miseria a que os reduziu o fisco, com as suas exageradas exigencias, e talvez para fugir ao serviço militar. Saem, pois, pela raia secca.

E com respeito aos gallegos, quantos ha em Lisboa que, para fugir ao serviço militar, vieram para aqui estabelecer-se, e todos vieram igualmente pela raia secca?

Diz o sr. ministro que a maior parte da gente que tem meios e que vae ao estrangeiro, quasi sempre vae pela via terrestre e não pela maritima.

Se s. exa. consultar as estatisticas do movimento de Lisboa, verá que os vapores vão sempre cheios de passageiros para os portos de França e do norte, principalmente em occasioes de exposições, e no verão, para fugirem á grande despeza da viagem por terra, e tambem porque é muito mais commoda, evitando assim os grandes calores.

Não são só os americanos que vão pela via maritima, ha tambem muita gente que a prefere.

Diz s. exa. que este projecto tem um fim de caridade. É verdade que sim. Mas n’este paiz tudo se quer justificar, desde que tem um fim de caridade. Infelizmente metade da população vive da caridade; a outra metade trabalha e contribue para aquelles que os poderes publicos querem sustentar com a caridade extorquida á bolsa do contribuinte.

A verdade é que á sombra da caridade se lança um novo imposto vexatorio, cujo rendimento servirá em parte para pagar o novo pessoal que o governo vae crear para a fiscalisação dos passaportes.

O governo reserva uma parte d’este novo imposto para augmentar o numero dos orphãos da casa pia, e tambem para augmentar o hospital dos doudos.

Tudo isto era muito bonito e bom, se não fosse á custa do contribuinte que tem a veleidade de viajar.

Não é só o custo do passaporte; é o incommodo que dá a toda a gente. Por exemplo, alguem está em Lisboa ou noutro ponto, e recebe do estrangeiro, ás oito horas da noite, um telegramma urgente, que o obriga a partir; mas como o comboio é ás nove horas e tres quatros, não póde seguir viagem nesse dia, visto já estar fechada a repartição dos passaportes e os empregados do governo civil não poderem perder a noite á espera dos que tenham de seguir viagem. O passageiro deixa, pois, de partir. Pergunto: quem o indemnisa dos transtornos que essa demora lhe causou? Ninguem. Primeiro o fisco, depois o publico!

Eu vou contar um caso que se passou commigo.

Quiz ir á exposição de Paris, levando dois filhos, um dos quaes era menor, e tive de depositar 500$000 réis na caixa geral de depositos para que elle podesse acompanhar-me.

Isso tudo constitue um vexame. O que se quer é evitar a deserção; mas para que se ha de exigir ao mancebo recenseado mais do que o preço da substituição de um recruta? Ahi está a rasão do artigo 3.° da minha proposta.

Combato o projecto não só pelo lado financeiro, mas porque entendo que é absurdo querer sustentar instituições de caridade com o producto de passaportes que redundam num vexame para todos aquelles que se propõem sair cio paiz, O ponto principal que eu discuti é

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exactamente evitar esse vexame, que s. exa. não póde demonstrar que não exista. Pelo contrario, o vexame aggravou-se, porque havia a lei de 1863, que nunca se cumpriu, saindo cada um do reino pela raia secca como queria e á hora que queria, e agora não succede o mesmo.

Acaso todos conhecem a legislação do paiz? Um pobre homem que viva n’uma pequena terra no interior do reino, propõe-se ir a Hespanha, compra o seu bilhete para Madrid, e dizem-lhe na fronteira: «Não, senhor, não póde sair sem passaporte».

Tudo isto para que? Para apanhar uns miseraveis cobres que redundam em proveito das instituições de caridade, dos empregados e dos nossos afilhados nomeados para a tal fiscalisação.

O sr. ministro accentuou uma phrase que eu aqui empreguei «afilhados do governo».

S. exa. faz-me a justiça de acreditar que eu não desejava dirigir uma referencia malévola ao seu caracter ou ao dos seus collegas. Sei bem que os srs. ministros não dispõem dos dinheiros publicos a favor d’este ou d’aquelle individuo; porém, sei tambem, sabe v. exa. e sabe toda a gente que, em se tratando de crear pessoal para qualquer repartição, naturalmente s. exa. não preferem os seus adversarios politicos, mas procuram favorecer aquelles que lhes prestaram serviços. A esses é que eu chamo afilhados. E este procedimento não é privativo de s. essas; é de todos os governos. Pois então o sr. ministro vae empregar republicanos ou progressistas, vae nomeal-os para os logares que se crearem?

De certo que não.

Ha de procurar para esse fim os que lhe tenham prestado serviços ou lhe sejam recommendados pelos seus amigos politicos.

Não os censuro por esse facto. Ahi está o que eu chamo afilhados, e afilhados são.

Parece-me ter respondido ás considerações de s. exa. e mantenho tudo quanto disse anteriormente. Não posso votar o projecto, porque o discurso de s. exa. não me convenceu de que realmente esta medida seja proveitosa e não vexatoria.

É retrogradarmos um seculo no caminho da civilisação.

O sr. Jeronymo Pimentel (relator): — O discurso do nobre ministro do reino dispensava-me por certo de tomar a palavra para defender o projecto; tão claro elle foi, tão preciso, tão convicente, que não sei, nem poderei acrescentar quaesquer outras considerações no intuito de mostrar a utilidade d’esta medida.

Vejo, porém, que as ponderações tão lucidas do nobre ministro não poderam convencer o digno par, que insistia na sua impugnação ao projecto, sem que todavia apresentasse novas rasões. As que s. exa. adduzira anteriormente, foram desfeitas da maneira mais completa pelo discurso do sr. ministro.

- Como as rasões apresentadas não foram novas, tambem não tenho que lhes contrapor novos argumentos, e o motivo principal que me levou a pedir a palavra foi para declarar, por parte da commissão de administração, que não posso acceitar a substituição que o digno par mandou para a mesa.

Disse s. exa. que, embora houvesse uma lei que exigia passaportes para o exterior do reino, lei que tinha a data de 31 de janeiro de 1863, todavia não estava em execução, porquanto o regulamento de 7 de abril, publicado em virtude d’essa mesma lei, não se havia cumprido.

Ora, é innegavel que a referida lei estava em execução, e tanto que o estado cobrou a importancia da receita dos passaportes por ella creada. Mas, admittindo mesmo o caso de que não estivesse em execução, ao governo cumpria fazel-a executar, ou então propor a sua revogação. Rasões de conveniencia publica aconselhavam que se pozesse em plena execução o decreto regulamentar de 7 de abril de 1863,

promulgando-se para isso as providencias que necessarias fossem.

Alem de que não havia rasão para que se exigissem passaportes aos que saiam pelos portos de mar e não se exigissem aos que saiam pela raia secca. Era esta uma excepção, que realmente não se justificava.

Mas, diz o digno par, é um vexame, é um torpeço ao principio do livre transito garantido na nossa constituição, porque esta, no artigo 140.°, § 5.°, permitte que todos possam conservar-se ou sair do reino, conforme lhes convier. Mas acrescenta, esse mesmo artigo, comtanto que se sujeitem aos regulamentos policiaes, e salvo prejuizo de terceiro.

Ora, os regulamentos policiaes que se fizeram no interesse publico exigem a impetração de passaportes.

É isso o que dispõe o decreto de 7 de abril de 1863 e este, que constitue o assumpto d’este projecto de lei, e que vem completar aquelle.

Não se fez, portanto, uma innovação n’esta parte, e o que se fez foi modificar ainda algumas disposições prescriptas n’aquelle decreto, inteiramente favoraveis, como demonstrou o sr. ministro do reino.

Mas o digno par, para ser logico e coherente, não devia propor sómente a abolição dos passaportes para o exterior, e tanto pelos portos de mar, como pela raia secca, mas ainda a de todas as providencias e instituições que existem no paiz, e que podem ser um estorvo a essa mesma liberdade do transito.

Por exemplo, a conservação do lazareto e das quarentenas, não são porventura um estorvo ao livre transito?

Tratando s. exa. dos governos, disse que elles têem uma tendencia extraordinaria para se submetter ás exigencias do estrangeiro, e para corroborar a sua asserção apresentou o facto das companhias de seguros estrangeiras não pagarem contribuição industrial, ou de pagarem uma taxa inferior á das companhias nacionaes.

S. exa. sabe perfeitamente que na ultima lei, ha pouco votada sobre contribuição industrial, foi elevada a taxa d’essa contribuição imposta ás agencias de companhias estrangeiras.

Não tem sido pelo facto que o digno par apontou, mas por rasões de outra ordem, sem ser tambem por mero favoritismo ou por deferencia para com o estrangeiro, que essas agencias têem gosado até hoje de uma certa differença na contribuição industrial, differença que resulta principalmente de serem agencias e não companhias.

Justificava-se ainda essa differença por motivos de ordem economica, pela necessidade de attrahir capitães, porque os nossos não abundavam para emprezas d’esta ordem.

Referindo-se ao modo como se opera a emigração, que ainda é mais por mar, que pela via secca, citou s. exa. o exemplo da Italia.

Mas que importa que lá seja assim, quando aqui se dá o contrario?

O projecto, no seu objectivo principal, não foi impedir a emigração legal, que essa continua e é franca, mas sim fazer diminuir a emigração clandestina, que se tem apresentado n’uma proporção extraordinaria.

Como todos sabem, é ella que produz a falta de recrutas para os contingentes militares, principalmente nas provincias do norte; é ella que faz escapar á punição muitos que o registo indica como criminosos, e é ella ainda que nos vae roubar aos trabalhos do campo e á vida nacional muitos rapazes de mais de quatorze annos.

Ora, o projecto não tem em vista evitar por completo a emigração clandestina, mas pelo menos fazel-a diminuir quanto possivel, por meio de uma fiscalisação rigorosa, que permitte a exigencia dos passaportes.

S. exa. disse, e pareceu-me insistir, que o fim d’este projecto era, principalmente, obter dinheiro já para collocar afilhados, já para subsidiar estabelecimentos de caridade.

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O sr. ministro do reino já o disse, nem era preciso que s. exa. o dissesse, porque pela simples leitura do projecto se conhece que não foi o principal objectivo d’elle obter meios para subsidiar estabelecimentos de caridade. Mas se nós podemos com este projecto obter uma fiscalisação que faça diminuir a emigração clandestina, e obter tambem, pela cobrança por elle auctorisada, dinheiro para subsidiar os estabelecimentos de caridade, louvavel intuito o do governo o da commissão que approvou este projecto e o da camara, de o acceitar.

A commissão parlamentar d’esta camara, escolhida em 1893 para estudar o difficil e complexo problema da emigração, ouviu sobre o assumpto diversas municipalidades.

A camara municipal de Cabeceiras de Basto, n’um esclarecido e extenso relatorio sobre o assumpto, entre as causas de ordem moral a que attribue a emigração, menciona a falta de garantias na assistencia publica.

Sendo o fim d’este projecto concorrer para a diminuição da emigração, justo, me parece que uma parte da receita que elle produz, seja applicada á assistencia publica.

Isto não é uma novidade na nossa legislação.

O decreto de 25 de maio de 1825 lançava uma pesada multa áquelles que não tivessem tirado passaporte, e applicava-se metade d’essas multas á casa pia.

Disse o digno par que não é só o dinheiro, mas o vexame a que este projecto dá logar, porque póde acontecer receber-se um telegramma que obrigue a uma rapida partida para o estrangeiro e não ser possivel tirar-se um passaporte a tempo de poder-se sair n’esse mesmo dia.

O projecto estabelece um largo espaço do dia para que estejam abertas as repartições, desde as nove horas da manhã ás sete horas da tarde, e depois d’essa hora já não ha comboios que possam ser aproveitados para viagem ao estrangeiro.

O projecto não póde attender a casos excepcionaes; attende sim a casos geraes.

Disse s. exa. que o nosso paiz era o unico que exigia passaportes.

Eu não sei se o digno par conhece o que diz a legislação russa a respeito de passaportes.

(Interrupção do sr. conde de Thomar, que não foi ouvida.)

Não é uma excepção o nosso paiz.

O que fez a Allemanha com relação a passaportes, principalmente depois de 1870?

(Interrupção do sr. conde de Thomar.)

S. exa. não póde negar as providencias que a Allemanha tomou, e fossem quaes fossem as rasões, a Allemanha exigiu passaportes e estabeleceu medidas vexatorias, chegando a exigir das companhias de caminhos de ferro que não diminuissem os transportes ás pessoas que se dirigissem aos portos de mar, com o fim de emigrar.

Estas exigencias para com as companhias de caminhos de ferro levantaram energicas reclamações por parte dos Estados Unidos.

Na Hespanha foi supprimido o passaporte no continente, mas foi substituido por uma outra cousa mais vexatoria, a cedula de vizinhança, que pela sua universalidade, e pela axa que paga, se torna um imposto muito pesado n’aquelle paiz.

Limito aqui estas minhas considerações, porque á argumentação do digno par já respondeu precisamente o sr. ministro do reino.

O sr. Conde de Lagoaça: — Deseja fazer apenas! duas perguntas ao governo sobre o projecto que se discute.

Vê do relatorio e do projecto que o recrutamento militar tem sido um factor importantissimo da emigração. Se estivesse presente o sr. ministro da guerra, desejaria referir-se largamente a este assumpto. Mas o sr. ministro da guerra não compareceu hoje, talvez porque esteja demissionario, segundo dizem os jornaes. Não póde, comtudo acreditar taes boatos, depois do que se passou ha dias n’esta mesma camara. Se o sr. Pimentel Pinto estivesse demissionario, tambem o devia estar todo o ministerio.

O sr. Presidente: — Eu peço licença para observar ao digno par que o que está em discussão é o projecto dos passaportes.

Se s. exa. deseja fallar sobre qualquer outro assumpto póde pedir a palavra para antes de se encerrar a sessão?

Orador: — Não julgo estar fóra da ordem, mas sé à presidencia lhe quer indicar aquillo que ha de dizer, ainda assim está prompto a obedecer.

O sr. Presidente: — O digno par sabe que, na direcção dos trabalhos da camara sou obrigado a observar e a pedir que se respeitem e cumpram as disposições ao regimento.

O Orador: — O proprio sr. ministro do reino se referira a proposito da emigração, ao recrutamento militar, e este assumpto não póde ser estranho ao sr. ministro da guerra. Por isso fallara em s. exa. Mas as suas palavras não podiam offender ninguem, muito menos o sr. Pimentel Pinto, por que tem muita estima e consideração.

Entrará, porém, no assumpto que se discute. Não percebeu bem a resposta do sr. ministro do reino ao sr. conde de Thomar sobre os aficionados que desejem ir assistir ás touradas em Badajoz, mas crê ter ouvido que não precisavam de tirar passaporte.

Pedira principalmente a palavra para perguntar:

1.° Quem no sud-express for de Lisboa a Madrid ou Paris, tem de tirar passaporte?

Pela doutrina do sr. ministro do reino parece que não, porque Eivas não póde ser uma cidade excepcionalmente privilegiada.

2.° O artigo 13.° do decreto de 10 de janeiro de 1895, agora reduzido a projecto, estabeleceu que a execução de alguns artigos ficava dependente da, publicação dos respectivos regulamentos; como é então que por uma circular da repartição de contabilidade do ministerio do reino se deu desde logo execução ao decreto, ordenando que o producto proveniente dos passaportes, do qual uma parte (30 contos de réis) é devida aos empregados dos governos civis, entrasse nos cofres do estado?

Se o governo pretendeu justificar a dictadura sobre este assumpto com a urgencia que elle impunha, não percebe como o decreto ficasse dependente ainda da publicação de regulamentos; e sendo parte da receita devida aos empregados dos governos civis, não vê a vantagem d’essa receita ser chamada na sua totalidade aos cofres do estado, antes de se fazer a respectiva distribuição, com prejuizo d’aquelles funccionarios.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.}

O sr. Jeronymo Pimentel:— É para mandar para a mesa tres pareceres por parte das commissões de instrucção publica, de commercio e artes, e de legislação: um sobre o projecto de lei que tem por fim considerar cursos superiores os dos institutos industriaes e commerciaes de Lisboa e Porto; outro prohibindo a construcção de novas estradas emquanto não estiverem acabadas as actualmente em construcção; e o terceiro sobre o projecto que dispõe que nos processos de querela não podem ser inquiridas menos de oito testemunhas.

Estes pareceres foram a imprimir.

O sr. Presidente:— Para não demorar a discussão do projecto vou, antes de se dar conta dos pareceres enviados para a mesa pelo digno par, o sr. Jeronymo Pimentel, dar pela terceira vez a palavra ao sr. conde de Thomar, visto s. exa. ter apresentado uma proposta de substituição.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco):— Eu já tinha pedido a v. exa. para me inscrever.

O sr. Presidente: — Tem o sr. ministro do reino a palavra. S. exa. não estava inscripto, porque não foi ouvido na mesa.

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O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): — Diz que responde ao sr. conde de Lagoaça apenas por deferencia para com este digno par, porque s. exa. entende muito bem o que le, e as disposições do projecto, quanto á primeira pergunta, são clarissimas. Quanto á segunda pergunta, tem a responder que todos os artigos que não dependiam de regulamentos estavam em execução desde a publicação do decreto dictatorial.

O sr. Conde de Thomar:— Comquanto o nobre ministro do reino tivesse declarado que eu laborava em erro, quando ha pouco fiz as minhas considerações sobre o projecto em discussão, folgo que o illustre relator da commissão tivesse tomado a palavra para dizer que s. exa. o sr. ministro tinha pulverisado os meus argumentos, o que não impede que s. exa. quizesse tambem concorrer para essa pulverisação, começando por levantar a ponta do véu pela qual se vê que o projecto em discussão não é só financeiro, é tambem de ordem publica.

Eu julguei na minha ingenuidade que se tratava só de uma questão de tirar dinheiro aos contribuintes para os cofres do estado. Mas não!

S. exa. começou por declarar que era uma conveniencia de ordem publica, e não só uma questão economica; o fundo d’este projecto é, como se deve deprehender, a questão dos anarchistas, que traz em sobresalto o animo do governo.

Foi a caridade official o pretexto do projecto. O fundo d’elle é a questão da ordem publica e questão do anarchismo, o que depois foi confirmado pelos exemplos apresentados pelo sr. relator.

Disse s. exa. que eu estava em erro, quando affirmava que nos outros paizes não havia passaportes, e disse que os ha na Russia.

Mas toda a gente sabe que a Russia não é um paiz Liberal. Ali ha só uma vontade, que é a do Imperador. Diante do Imperador tudo cessa; não ha outra lei.

Sendo assim, como póde o sr. relator comparar um paiz liberal, de instituições democraticas, com a autocratica Russia?

Francamente, a comparação não foi feliz.

Em seguida citou tambem s. exa. a Allemanha. Ora, o que se dava na Allemanha depois de 1870? Depois da annexação da Alsacia e Lorena, quando aquellas duas provincias eram um foco de conspirações, disse o sr. relator que os allemães eram rigorosissimos com os passaportes. Eram o, sim, mas para os que entravam, e não para os que saiam; e este projecto é exactamente o contrario. E bom e conveniente dizer-se tudo, e não só uma parte.

A respeito das companhias de seguros, o sr. relator só confirmou tudo quanto eu disse.

S. exa. respondeu que, effectivamente, as companhias de seguros estrangeiras pagavam uma contribuição industrial elevada, sim, mas incomparavelmente menor do que a que pagam as companhias portuguezas, isto em virtude de reclamações.

Soou mal a s. exa. a palavra «cócoras»; pois eu retiro o «cócoras», mas digo que o governo dobrou-se diante de reclamações estrangeiras.

Talvez que este termo agrade mais ao sr. relator.

O governo dobrou-se, cedeu ás imposições que lhe fizeram; e assim, os capitães estrangeiros vem estabelecer-se em Portugal, certos de que á sombra da protecção que lhes dispensam os seus representantes diplomaticos serão beneficiados nas contribuições a pagar ao thesouro portuguez em concorrencia com os capitães portuguezes sobrecarregados de fortes impostos. Não ha nada melhor do que ser estrangeiro n’este paiz. O capital portuguez é vexado porque não póde fugir.

Lamento que se tenha dito isto no parlamento. Lamento que o sr. relator venha dizer que, em virtude de reclamações, as companhias estrangeiras pagam contribuição

industrial elevada, sim, mas que em todo o caso não pagam o que pagam as companhias portuguezas.

Disse eu, no principio das minhas considerações, que nós voltavamos para traz; e em seguida o sr. relator vem citar, em apoio do projecto em discussão, a legislação de 1825, que impunha multas aos que não levavam passaporte!

Ora, que eu, conservador, venha expor taes idéas, de accordo; mas que os homens que se dizem liberaes venham citar a legislação de 1825, para justificar este projecto, não é admissivel. É uma falsa liberdade. Os processos que o governo está seguindo mostram que elle quer retrogradar; pois eu direi: para diante tudo, para trás nem um passo.

Vou concluir, porque não desejo fatigar a camara. Demais, estou aqui fallando sem resultado algum; não logro convencer ninguem, e o sr. relator até já declarou que não acceitava a minha proposta. Não quero, pois, fatigar a camara e cansar-me.

O digno par, sr. conde de Lagoaça, fez uma pergunta ao sr. ministro do reino, á qual s. exa. não respondeu. Por isso, pergunto eu agora: porque é que o habitante de Elvas póde ir a Badajoz sem passaporte?

Sabe o illustre ministro o que succederá? Succederá que o habitante de Eivas que quizer ir a Paris, diz que vae á tourada, e se não a houver em Badajoz, ha-a em Salamanca, ou em Madrid; e como vae á tourada, não precisa de passaporte; depois vae para Paris, aproveitando o beneficio de que gosa o habitante de Eivas, ou da raia. O lisboeta, esse, que tire passaporte para gáudio dos funccionarios e allivio dos loucos.

Oh, feliz elvense, em vez de ir para a tourada, segue com as suas malas, e vae para Paris. Por outro lado o habitante de Eivas, que parte de Lisboa, esse tem de tirar passaporte.

O que me parece portanto incontestavel é que uma lei que contem taes absurdos não póde ter senão a vida das rosas, ou viver tanto como o governo que a referenda. É comtudo possivel que o actual governo viva ainda muito tempo. Pobre paiz!

Era tudo o que tinha a dizer, sr. presidente, para demonstrar ao illustre relator que s. exa. não fez mais, querendo demonstrar que eu estava em erro, do que confirmar, que isto não passava de uma questão de segurança publica. E de pé ficou tudo quanto affirmei.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): — Não póde deixar de protestar contra a asserção do digno par o sr. conde de Thomar de que este projecto teve por fim occorrer a uma necessidade de segurança publica. O digno relator do projecto não disse isso. Felizmente, no nosso paiz a ordem publica está completamente assegurada.

Tambem o sr. relator não disse que sobre o assumpto das companhias de seguros tinha havido reclamações estrangeiras. O que havia, como se podia verificar na legislação respectiva, era diversidade nas taxas, e pela rasão muito simples de que as companhias nacionaes tinham em Lisboa a sua sede, e as companhias estrangeiras, funccionando em diversos paizes, apenas tinham aqui agencias.

Foi ainda assim este governo quem elevou as taxas industriaes. O governo não está nem nunca esteve «de cócoras», como dissera o digno par perante as reclamações estrangeiras; tem-se conservado sempre de pé, na mesma posição em que está fallando perante a camara.

O sr. Presidente: — Está esgotada a inscripção.

Vae votar-se o projecto na generalidade.

Foi approvado.

O sr. Presidente:— Está, portanto, prejudicada a proposta do digno par, o sr. conde de Thomar.

Vae passar-se á especialidade.

Lidos na mesa todos os artigos do projecto, foram approvados sem discussão.

O sr. Presidente: — Os pareceres que foram enviados para a mesa, relativos ás promoções dos officiaes do

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SESSÃO N.° 28 DE 7 DE ABRIL DE 1896 337

exercito, cursos do commercio e industria, construcção de estradas, e processo crime vão para a imprensa e entrarão em ordem do dia na proxima sessão desde que sejam distribuidos com a necessaria antecipação.

Cumpre-me participar á camara que o sr. Cypriano Jardim, por motivo justificado e bem doloroso, não póde comparecer á sessão de hoje.

A proxima sessão será na sexta feira, 10 do corrente, e a ordem do dia a que já annunciei.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e cincoenta minutos da tarde.

Dignos pares presentes à sessão de 7 de abril de 1896.

Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Cromes da Costa; Marquez das Minas; Condes, da Azarujinha, do Bomfim, de Carnide, de Lagoaça, de Mártens Ferrão, do Restello, de Thomar; Viscondes de Athouguia, da Silva Carvalho; Moraes Carvalho, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Ferreira Novaes, Palmeirim, Vellez Caldeira, Sequeira Pinto, Fernando Larcher, Margiochi, Frederico Arouca, Jeronymo Pimentel, Gomes Lages, Baptista de Andrade, Pessoa de Amorim.

O redactor = Alberto Pimentel.

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