368 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
e ao paiz teem servido, com lealdade e dedicação.
Ao Sr. Presidente do Conselho me dirijo ainda.
Creia S. Exa. — a minha experiencia é já longa — que ninguem se valoriza depreciando os outros, e deixando-os expostos a suspeições, que não cabem aos que teem procedido com alevantada isenção.
Ninguem se engrandece, no espirito de uma nação, depreciando os que, na sua vida publica, trabalharam dedicadamente pela Patria e pelo Rei.
Quantos, todavia, teem procurado deprecial-os!
As atoardas, que se pretenda lançar sobre elles, não partem de quem tenha por si o valor de uma convicção austera, desapaixonada e imparcial. Por isso ellas resvalam.
Para oppôr a quem pretenda valorizar se e erguer-se, não pelos meritos que possua, não pelas affirmações que faça, ou pelas ideias que sustente, mas pela maledicencia de tudo e de todos, ha ainda uma cousa que se chama Justiça, e que serve para julgar e condemnar os que não procedem com razão e verdade. (Apoiados).
Sr. Presidente: eu comprehendo que o momento é grave é difficil.
Sou monarchico; ao mesmo tempo que, politicamente, milito n’um campo que em absoluto se contrapõe ao do Sr. Presidente do Conselho.
Nem as suas ideias são as minhas, nem os seus principios e processos de Governo podem por mim ser acceitos. Mas porque, acima de tudo, sou monarchico, o momento é grave e difficil, calo em mim os resentimentos politicos que possa ter. E, se para sairmos d'esta conjunctura angustiosa, apertada, em que ora vivemos, é necessaria a cooperação de todos, a minha está, desde já, offerecida ao paiz e á Corôa.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — Para isso peço uma só cousa: que o Sr. Presidente do Conselho não continue a querer fazer tábua raza de todas as administrações passadas, a fim de, á custa d'ellas, elevar triumphante o que julga ser um dogma politico.
V. Exa. comprehende que tenho multiplos deveres a cumprir; e que tambem, como chefe de partido, tenho altos, sagrados, interesses a defender e zelar.
Tenho convicções, de que não renego; tenho responsabilidades, por actos do meu passado, que não declino, que affectam a integridade da minha individualidade politica, e dos meus amigos.
Se o Sr. Presidente do Conselho se cuida em nos desvalorizar, a nós e a todos, de pouco poderá servir o auxilio que lhe prestarmos.
Assim não, não nos podemos entender.
Ha, porém, um terreno que nos é commum.
O Sr. Presidente do Conselho é monarchico? Tambem eu.
Quer servir a causa da Coroa? Tambem eu.
O Sr. Presidente do Conselho precisa da cooperação de todos os que teem fé na Monarchia?
Conte commigo.
Mas, por Deus! ponha de parte a veleidade de cavar a ruina dos seus antecessores. Deixe-se de nos assacar a responsabilidade de tudo o que possa ser mal apreciado pela opinião publica. Porque, contra isso, reagimos.
Militamos em campos bem diversos.
Eu sou absolutamente intransigente com o Governo, no que toca aos seus processos de acção. Sou irreductivel na defesa dos principios e das tradições do meu partido.
Mas sou sinceramente monarchico.
Por isso mesmo, lamento que, n'esta questão dos adeantamentos á Casa Real, o Sr. Presidente do Conselho não tivesse ainda uma palavra para dizer o que são esses adeantamentos, não tivesse ainda uma explicação que os justificasse, — e que, sobretudo, não tranquilizasse os espiritos por forma a collocar bem altos, n'uma atmosphera superior, os interesses da Corôa.
O Sr. Presidente do Conselho não disse bem, nem fez bem, quando aqui affirmou que pena era que não houvesse outros homens que governassem ; visto que todos os que tinham governado até agora, ou os tinham apoiado, eram responsaveis por actos que S. Exa. insinuou serem nocivos á administração do paiz.
O Sr. Presidente do Conselho esqueceu-se de uma cousa: é que não prestou um bom serviço á Corôa, lançando o desconceito sobre as administrações passadas, sobre todos os homens publicos e monarchicos do seu paiz. Assim, só levantou nos escudos a causa dos republicanos, só serviu a exploração republicana, a propaganda injusta dos que, não tendo responsabilidades de gerencia, porque não teem passado de Governo, tambem nunca terão futuro entre nós, se os monarchicos procederem com juizo, se cumprirem o seu dever, se se unirem n'um pensamento e n'uma acção commum, deliberada e firme, para a defesa da causa da Monarchia. (Apoiados).
O Sr. Presidente do Conselho, ao mesmo tempo que a«sim relegou ao descredito os que teem nobremente servido esta causa, implicitamente extremou, como sendo só elles puros e illesos, os ferrenhos adversarios das instituições portuguesas.
N'esse terreno não nos podemos entender.
Não quero excitar paixões, não quero irritar o debate, não quero, n'este momento, assentar uma irreductivel barreira entre mim e o Sr. Presidente do Conselho. Pelo contrario, desejo que nos encontremos no unico terreno em que nos podemos encontrar, no campo de acção em que podemos servir o paiz, sustentando a Monarchia.
Estou prorapto, para isso, a esquecer a distancia que me separa do Sr. Presidente do Conselho no tocante a affirmações politicas, a propositos e actos de caracter governativo ou parlamentar, no tocante ás proprias accusações que S. Exa. fez, em tempo, ás administrações que combateu. Uma cousa reclamo, comtudo: é que S. Exa. seja superior a esse prurido, infeliz, de amesquinhar os outros para se levantar a si proprio.
Se quizer orientar-se de outro modo, todos nós, desaffrontadamente,, de cabeça erguida, estaremos ao seu lado para combater os inimigos das instituições, como monarchicos que somos, com fé sincera e crença firme, com desprendimento absoluto de quanto nos possa advir da investida dos que nos atacam, certos e seguros, na nossa convicção, de que procedemos como é dever nosso.
N'esse terreno, sim, nos podemos entender; n'outro, não.
Ponha, por consequencia, de parte o Sr. Presidente do Conselho esses intentos, que tem mostrado, de concitar o desfavor da opinião publica contra os que teem servido a causa da Monarchia — que d'elles precisa S. Exa. para bem servir a Corôa e o paiz — e então pode ter a certeza de que me encontra. Aliás, não.
Desde já, permitia-me o Sr. Presidente do Conselho que lhe diga: não ha nada peor do que esconder a verdade. (Apoiados). Eu não faria as de Aclarações que S. Exa. fez; nunca as faria. Mas estão feitas pelo Chefe do Governo; feitas em pleno Parlamento; são conhecidas de toda a nação. Peor do que tudo é hoje querer abafar a verdade; tanto mais que a verdade nada tem que desacredite nem affronte as. instituições e os membros da Familia Real Portuguesa.
Pode S. Exa. trazer, afoita e abertamente, os documentos á Camara. É muito melhor lançar a culpa a quem a tem, a responsabilidade a quem cabe — e toda é dos Governos — do que deixar passar dias, mezes, n'esta incerteza, n'este mal estar, que alimenta suspeitas, aguilhôa investidas, e descamba em injurias e offensas, contra quem, para nós, representa a suprema funcção n'um regimen monarchico — o Rei.