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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 209

no. É evidente pois que não houve difficuldades para se chegar ao accordo.

Deu-se porém um facto de que o digno par se não fez cargo, que foram as circumstancias financeiras, e a insistencia d’esta casa, aconselhando o governo a por de parte a construccão simultanea dos dois caminhos do ferro.

Este facto póde não ser attendivel nem agradavel ao digno par e a outras pessoas, mas entretanto do que ninguem póde duvidar e que o facto é verdadeiro, e que a opinião se pronunciou contra a construcção simultanea dos dois caminhos de ferro, a ponto de haver difficuldade na camara em approvar este projecto de lei, que foi discutido em 1875, e que só foi approvado em 1876.

Eis, sr. presidente, as rasões por que se não abriu o concurso a que s. exa. se refere.

O digno par insistiu agora, como tem insistido sempre, na preeminencia do caminho de ferro da Beira Baixa sobre o da Beira Alta.

Eu não discuto agora, como não discuti nunca, a prioridade d’esses caminhos do ferro. Todos os caminhos de ferro são necessarios e uteis, o se bem que haja uns que possam ter vantagens superiores ás dos outros, concorrem todos elles efficazmente para a prosperidade do paiz. Não discuto pois a prioridade d esses caminhos, nem me lembro de a ter discutido nunca; mas o que posso assegurar é que o da Beira Alta é o que me parece ser o verdadeiro caminho de ferro internacional.

O digno par nega-lhe esta qualidade, mas isso é uma opinião individual, e eu respeito a opinião de s. exa., como creio que a minha deve tambem ser respeitada, e vejo que a opinião que professo é partilhada por um grande numero de engenheiros, e por muitos individuos, que respeitamos. Entre esses cavalheiros citarei um, que todos acatamos, o digno presidente d’esta camara, que partilha tambem a minha opinião, o qual sendo presidente do conselho na administração transacta, como todos do certo se recordarão, em logar do propor a construcção simultanea dos dois caminhos do ferro, propoz a construcção do caminho de ferro da Beira Alta, e não a do da Beira Baixa, e que d’este só se tratasse quando estivessem terminados os caminhos de ferro do Minho e Douro.

Esta ultima condição mostra que no espirito de o v. exa., que é um espirito reflexivo, assim como no espirito de muita gente, estava pesando a opinião de que a construcção simultanea de muitos caminhos de ferro póde trazer graves difficuldades para o thesouro.

Se pensava assim a administração a que v. exa. tão dignamente presidia, porque é que hei de eu ser accusado de não pôr em concurso ao mesmo tempo os caminhos de ferro da Beira Alta e da Beira Baixa? Porque não accusou o digno par o ministerio anterior, que s. exa. apoiava então, e a mim sómente constitue na obrigação do fazer uma cousa que outros, de quem o digno par se mostrava amigo, a não fizeram? Pois foi esse mesmo, ministerio que auctorisou o ramal a Caceres, o qual, não digo que prejudique consideravelmente o caminho de ferro da Beira Baixa, mas modifica a sua importancia relativa e immediata.

Depois d’estas considerações, creio que o que fica evidente é que a opinião publica se manifestava contra a construcção simultanea de muitas linhas ferreas, e que em presença d’essa opinião, o governo não insistindo tenazmente na idéa primitiva, obtemperando com as manifestações d’essa mesma opinião, adoptou o expediente que julgou mais util á causa publica, pondo a concurso a linha da Beira Alta. E a proposito direi que prefiro, embora isso mortifique o meu amor proprio, que me Recusem uma o muitas vezes de ter modificado a minha opinião em vista das rasões poderosas que me apresentem homens competentes, ou em presença da opinião publica ou de circumstancias muito attendiveis que os acontecimentos possam crear, do que me accusem de ter compromettido os interesses do paiz por uma obstinação injustificada. Prefiro isso.

Nas regiões do poder é difficil, é quasi impossivel estar durante uma longa serie de annos, sem se notarem contradicções aos homens publicos que a ellas são elevados; porque as idéas modificam-se e com ellas os factos que são o seu resultado. Querer por um simples capricho do amor proprio ir contra as opiniões do maior numero, contra o que e mais acceite pelo paiz, parece-me um grave erro. Prefiro que o digno par me accuse de contradictorio, a ter praticado actos condemnados por muita gente, e que a opinião do paiz não approvava.

Demais, pelo facto de não se pôr a concurso por emquanto o caminho de ferro da Beira Baixa, quer-se porventura significar que esse caminho é condemnado ou se rejeita completamente? Se assim fosse a questão era mais grave; mas a questão não e esta, é de um simples adiamento. O caminho de ferro da Beira Baixa póde ser construido mais tarde por este governo ou pelo que lhe succeder, ou ainda por outro que vier depois, não sei quando; mas espero que ha de ser construi do, porque é uma linha que reputo de vantagem não só para aquella provinda, mas tambem porque nos põe em communicação accelerada com Madrid.

Não discutirei agora se o mesmo caminho é ou não linha internacional. Na minha opinião todos os caminhos de ferro que vão á fronteira são naturalmente linhas internacionaes. Confesso até que a distincção entre linhas que estão n’estas condições, e de grande dificuldade para o meu espirito.

O caminho de ferro da Beira Baixa põe-nos mais perto de Madrid, emquanto o caminho de ferro da Beira Alta nos põe mais porto do centro da Europa. Isto é mais uma questão technica, uma questão de engenheria, que propriamente parlamentar e de legislação. Em todo o caso, ambos os caminhos são uteis. Diante das leis, diante dos poderes publicos, não ha afilhados nem réprobos. Todas as provincias têem direito aos melhoramentos. A Beira Baixa não póde ter preferencia á Beira Alta, nem esta aquella na distribuição que os poderes publicos têem de fazer na ordem das concessões, que são do vantagem publica.

Por consequencia, quando se faz um caminho de ferro n’uma provincia, não se segue d’ahi que se faça uma censura ou um desfavor ás outras provincias, porque n’esse caso algumas ha que se acham mais desfavorecidas da fortuna, que teriam então rasão para se queixar, assim como muitos districtos e concelhos que desejam ser atravessados por uma via ferrea.

O que é preciso, sr. presidente, é dar uma preferencia justa, porque d’essa preferencia não resulta prejuizo para ninguem, pois a todos ha do chegar a sua vez. Se não se faz o caminho de ferro da Beira Baixa, faz-se o da Beira Alta, que não merece menos do que aquella provincia; e quando o governo e o parlamento entenderem que é occasião de construirem o caminho da Beira Baixa, eu, pela minha parte, e no desempenho das minhas funcções de par do reino, que me honro de ser, não terei duvida de lhe dar o meu voto.

Por consequencia, se ha contradicção, ella só existe emquanto ao praso ou epocha em que deve construir-se o caminho, porque, quando declarei ministerial a questão distas linhas ferreas, não me referi de maneira nenhuma á epocha em. que deviam fazer-se.

Aqui tem, v. exa. em poucas palavras como eu posso justificar o meu procedimento perante a camara, e mostrar quanto são injustas e apaixonadas as accusações que, me dirigiu o digno par.

Nós, os homens publicos, estamos tão acostumados a estas accusações, que já parecem proprias do officio, e é o peior que elle tem.

Eu não creio que por um homem ser ministro seja licito a qualquer devassar-lhe a consciencia e julgar todas as suas acções como dictadas por um interesse pessoal, por um capricho, em logar de serem consideradas como rilhas do interesse publico.