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210 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Quando se propunha na outra camara a lei sobre fallencias e a das tarifas, fui ali accusado de ser director da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, porque esta, como um quinto poder do estado, exercia pressão sobre o governo, e principalmente sobre mim e o meu collega da fazenda.

Eu não venho aqui abonar o meu caracter, nem pedir certidões á camara; cada um tem a consciencia do que deve a si, e por isso não descerei a esse ponto. (Apoiados.) Mas o que digo é que o digno par n’essa parte é coherente, tem essa opinião ha tempo, e com ella tem já flagellado mais de uma pessoa n’esta casa.

Lembro-me que em 1875, quando se discutia o projecto relativo aos caminhos de ferro das Beiras, um nosso collega muito respeitavel, que tambem era director daquella companhia, foi igualmente accusado por s. exa., facto que, como acabei de dizer, prova a sua coherencia, quando entende que não se póde ser membro d’esta camara e ao mesmo tempo director de uma companhia qualquer.

Emquanto eu vir, porém, que não é vedado pela lei o ser director de uma companhia e membro d’esta camara; emquanto eu vir que esta sala está povoada por cavalheiros, e dos mais respeitaveis, que são membros, e alguns directores das diversas companhias, não me persuado que haja muito direito a lançar sobre mim um estygma, que se lança aos outros; e, todavia, essa accusação foi-me dirigida na camara dos senhores deputados. Accusação, não digo bem, porque a lei não permitte que se lhe de esse nome.

Mas, quando me foi dirigida na camara dos senhores deputados, desviei a calumnia com a ponta do pé, e arremessei ao Ministerio da opposição que me atacava, com o logar que exercia na companhia dos caminhos de ferro portuguezes. Desde essa epocha não tive mais especie de ligação, interesse, ou communhão, de qualquer natureza que fosse, com aquella companhia.

E, depois de tanto tempo, vem ainda o digno par atacar-me porque fui ali director! Porque fui! Note-se bem! Já vão sou; ha uns poucos de annos que deixei de o ser; e para que ninguem duvidasse da sinceridade com que eu procedia, vendi as minhas acções: vendi-as por intervenção de uma casa respeitavel.

Tenho vergonha de descer a estes detalhes!... (Repetidas apoiados.) Digo-o diante de v. exa., que é honrado, e que não deixa de possuir essa qualidade por ser membro do diversas companhias (Muitos apoiados.)

Atacar-me, só porque fui director de uma companhia de caminho de ferro, é cousa que me parece abaixo da capacidade e do caracter do digno par!

Quando se votava essa lei de 1875, essa lei das tarifas, a que o sr. Vaz Preto se referiu, era s. exa. meu amigo politico, e não se desviou de mim por esse motivo, não julgou que a lepra que me contaminava o podesse contaminar.

O sr. Vaz Preto: — Votei contra.

O Orador: — Esteve presente n’essa sessão, e não votou.

O que é certo é que não combateu a lei das tarifas; e, se julgava que ella era resultado de subserviencia do governo a uma empreza particular, s. exa., que tem assento n’esta casa, devia então levantar a sua voz auctorisada, para impugnar similhante procedimento. Não a levantou, emudeceu.

O sr. Vaz Preto: — Votei contra.

O Orador: — Repito, o sr. Vaz Preto era então meu amigo politico, não o póde negar; separou-se politicamente de mim, depois de encerrada a sessão do 1875, e a lei das tarifas 6 de 26 de fevereiro d’esse anno. O digno par sabe isto muito bem.

Sinto que s. exa. trouxesse esta questão para aqui, que julgasse opportuno e conveniente dirigir só á minha consciencia de homem publico e particular, e quizesse attribuir a um motivo menos nobre o procedimento meu e dos ministros que n’aquella opocha me honravam com a sua companhia no gabinete.

Desejo que todas as questões se tratem aqui placidamente. Não sei discutir senão assim; não sei injuriar ninguem, não o posso fazer. Creio que o parlamento não foi instituido para esse fim. Quem tem boas rasões, e só rasões, apresenta-as. Eu pelo menos nunca farei outra cousa. Discuto como sei e como posso. N’esta camara respeito em primeiro logar a v. exa. pelo seu caracter e posição; depois, a todos os meus collegas indistinctamente. Não offendo ninguem, e lamento que, sem a mais pequena provocação da minha parte, se erguesse a voz de um homem que foi meu amigo, embora hoje separado politicamente, para vir accusar-me, não pelos actos que pratiquei como ministro, mas pelos que pratiquei, obedecendo aos dictames da minha consciencia.

(O orador não reviu as provas d’este discurso, e foi comprimentado por quasi todos os dignos pares e alguns srs. deputados que estavam na sala.)

O sr. Larcher: — Pedi hontem a palavra quando o exmo. presidente do conselho do ministros, repondendo a duas perguntas do digno par o sr. Vaz Preto, disse que as circumstancias do paiz não permittiam o emprehendimento simultaneo de duas obras taes como são as linhas da Beira Alta e da Beira Baixa, e que não podia precisar desde já quando se poderá apresentar proposta para a construccão d’esta segunda linha, que aliás e estimada e reclamada.

Concordo com s. exa. em que a occasião não é das mais asadas para trazer encargos ao paiz, o sei que a nossa situação financeira, se não é angustiosa nem atterradora, é comtudo difficil e arriscada a aggravar-se não só com os acontecimentos que se vão precipitando por toda a Europa, mas dentro do proprio paiz com a reluctancia que sempre se manifesta contra o augmento de impostos que inevitavelmente acompanha o desenvolvimento dos nossos melhoramentos materiaes.

Avalio bom quanto é dura a situação d’este governo, bem com a de todos os governos d’este paiz, quando se acham entalados entre esta reluctancia e as exigencias que de todos os lados se levantam para a creação de novas linhas ferreas, cada qual julgando com mais ou menos rasão, e ás vezes sem ella, que a linha sua protegida devo ter a preferencia.

Tambem tenho visto que a final quem perde com os repetidos choques d’estes interesses diversos, com a luta renhida que sempre se trava no parlamento e na imprensa, e o paiz, que ve adiar de anno para anno a realisação de projectos de que elle precisa para se desenvolver e d’onde espera os maiores beneficios.

Observe-se que já e pela terceira vez que se apresenta a linha da Beira Alta e, sem pretender disputar preferencias, posso dizer dos caminhos de ferro das Beiras em absoluto que ella sempre teve por si a opinião geral do paiz.

Mas, sr. presidente, reconhecendo a verdade de tudo quanto acaba de dizer, entendo tambem que occasiões podo haver em que os governos devem antecipar a realisação do seus planos e preterir as regras que a prudencia lhes impõe para evitar inconvenientes e perigos, para socegar os animos inquietos do paiz e para satisfazer aspirações legitimas e justas, mormente quando esta satisfação não offende os direitos de ninguem.

É justamente o caso que se dá com a rivalidade existente entre a linha do Valle do Tejo e o ramal de Caceres, concedido á companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, como passo a expor a v. exa. e á camara.

Esta companhia tem, nas linhas que explora, uma secção cuja escassez de rendimento lho affecta consideravelmente as condições de existencia e de prosperidade. Em 1876, quando o rendimento bruto kilometrico se elevou a réis 6:383$179 na l.ª secção de Lisboa ao entroncamento, e a 3:124$913 réis desde o entroncamento até ao Porto, era