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398 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

julgue conveniente, o que entender a bem da situação politica.

Falo sempre sem receios, mesmo na ausencia das pessoas, a quem tenha de referir-me, porque n'essas referencias ponho cuidadoso escrupulo, sem faltar á verdade e á lealdade, que devo ao paiz e a mim proprio.

Noto, desde já, Sr. Presidente, que o discurso do Sr. Beirão é, verdadeiramente, um novo projecto de resposta á fala da Corôa.

O Digno Par foi o illustre relator do projecto, que está em discussão: uma cousa, porem, é esse projecto, e outra foi o seu discurso de outro dia, não simplesmente na forma, mas na ideia, em que um e outro são divergentes, por vezes, até fundamentalmente.

Temos, pois, dois projectos: um escripto, e outro falado; e se me inscrevi contra o projecto escripto, em grande parte estou de accordo com o projecto falado, o que mostra bem as differenças que entre um e outro existem.

Esta mudança de opinião, da parte do digno relator, não pode levar-se á conta de leviandade, de incoherencia, ou de qualquer motivo menos plausivel, o que seria antinomico com o caracter reflectido e ponderado do Digno Par. Temos, pois, que ver no facto, aliás bem estranho e notavel, se não que unico nos annaes parlamentares, um forte motivo de necessidade de salvaguardar responsabilidades, e um alto pensamento de corresponder ás conveniencias publicas, e determinado por um nobre sentimento patriotico.

Quando S. Exa. escreveu o projecto, que está em ordem do dia, limitou-se a dizer que a Camara aguardava a apresentação das propostas annunciadas pelo Governo para, sobre ellas, emittir o seu parecer; mas, mais tarde, julgou necessario manifestar de um modo inequivoco a sua divergencia acêrca da orientação governativa, e dar salutares e prudentes conselhos ao Governo, para modificar os seus planos e alterar os seus projectos. E não se ficou por aqui, mas foi até ao ponto de expressar, bem significativamente, a sua desapprovação a alguns dos mais importantes factos já praticados pelo Governo.

Não posso deixar de me congratular, com a Camara, por este nobre exemplo do Digno Par, dizendo desassombradamente o que entendia ser a bem do paiz, embora condemnasse, em parte, tambem, o que anteriormente havia escripto.

O mal não está em emendar; mas em persistir no erro. Bem andou, portanto, o illustre relator do projecto em corrigir, no seu discurso falado, as deficiencias do seu discurso escripto.

Vamos ao discurso falado. Começou o Digno Par por notar que, afinal, a resposta ao discurso da Corôa, que é o projecto em ordem do dia, não tem sido discutida, e que, de sua memoria, apenas o Digno Par, o Sr. Bispo da Guarda, a ella se referira, estranhando e lamentando a falta de referencia ás justas reclamações do clero parochial, quando de tantas outras classes sociaes se tratava com zelo e solicitude.

Peço perdão ao Digno Par para rectificar que o Sr. Bispo da Guarda falou antes da ordem do dia, e não sobre a discussão do projecto. E aproveito esta occasião para felicitar a Camara pelo elevado e conceituoso discurso do illustre Prelado, em que S. Exa. Rma. revelou altas qualidades e notaveis dotes de orador distinctissimo, que muito honram esta casa do Parlamento.

Do mesmo modo não quero perder o ensejo de dizer, a V. Exa. e á Camara, que estou de inteiro accordo com o venerando Prelado, e que, com elle, lamento e sinto profundamente que o Governo esquecesse, no Discurso da Corôa, a menor referencia aos justissimos clamores da benemerita classe parochial, falta tanto mais para censurar, quanto é certo que no anterior discurso a elles se referira, que n'este de outras classes sociaes se occupara, e que as representações e as queixas e pedidos do clero não podiam ser-lhe desconhecidos, depois dos seus congressos e das suas claras manifestações, que, por serem ordeiras, não deixam de ser energicas, como o reclama a propria justiça d'ellas.

A este respeito mando para a mesa um requerimento e uma moção, e peço a V. Exa. que lhes dê os respectivos destinos.

Vou ler á Camara estes dois documentos:

MOÇÃO

A Camara dos Pares do Reino convida o Governo a empregar a sua iniciativa parlamentar na satisfação justa das reclamações do clero parochial. - O Par do Reino, Jacinto Candido.

Requeiro que pela Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça me seja enviada copia de todos os documentos relativos a nomeação de commissões e aos seus trabalhos, para o fim de se cuidar da dotação do clero parochial. = O Par do Reino, Jacinto Candido.

Outrosim requeiro que, pelas Secretarias d'esta Camara e da dos Senhores Deputados, me seja enviada nota official de todos os projectos ou propostas de lei que sobre o mesmo assumpto da dotação do clero parochial teem sido apresentados ás Côrtes. = O Par do Reino, Jacinto Candido.

Mas, Sr. Presidente, o Digno Par Sr. Beirão, alem de se ter equivocado quanto ao Sr. Bispo da Guarda, esqueceu que, sobre o Discurso da Corôa, ha pelo menos a extensa moção do Sr. Baracho, que é um novo projecto de resposta, em substituição do que está na ordem do dia.

E, sem mesmo falar d'este bem expressivo documento, certo é que todos os Dignos Pares discutiram o projecto em ordem do dia, falando do passado do Governo e dos seus planos futuros, nem outro é o campo do debate.

O que significa elle, na verdade, senão uma apreciação, quanto ao passado, e quanto ao futuro da acção governativa, tal qual é annunciada na fala da Corôa?

Só d'este modo se cumpre o nosso dever constitucional, dever primario e fundamental para com o paiz, e até de cortezia para com a Corôa, porque se lhe mostra como as suas palavras foram apreciadas e discutidas.

E por aqui fico, quanto a este reparo do Digno Par.

Aproveitou o Sr. relator um asado ensejo do seu discurso para manifestar de um modo tão claro, como energico, que reprovava o procedimento do Governo, promovendo a publicação das cartas de El-Rei.

E disse: - para mim, o precedente não fica. E, largamente, desenvolveu os seus principios a tal respeito, indo até a affirmar que se o proprio Rei lhe ordenasse a publicação das cartas, elle se demittiria de ministro, mas não a faria.

Esta é, tambem, Sr. Presidente, a minha opinião sobre este delicado e importante assumpto. Aquellas cartas não eram documentos do Governo do paiz, não eram actos officiaes, eram documentos particulares; não podiam nem deviam ser publicadas. A sua publicação foi erro gravissimo do Governo, a todos os respeitos e por todos os titulos.

Podem não ver-se desde já todas as suas consequencias; mas ellas ficaram, e hão de apparecer. E já bem bastam todas as que foram manifestas a toda a gente.

Alem de tudo o mais, notavelmente infeliz foi o Sr. Presidente do Conselho quando, na outra casa do Parlamento, disse que uma d'essas cartas era a carta de alforria da nação. Não posso deixar de repellir, energicamente, para bem longe, e do alto da minha dignidade de homem livre, uma tão deprimente classificação.

Cartas de alforria dão-nas os senhores aos escravos.

Escravo de alguem, não; não o sou eu.

Carta de alforria - é a suprema infelicidade de expressão. (Apoiados).

Se eu estivera presente quando o assumpto veio ao debate, e a Camara,