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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 4 DE ABRIL.

Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretarios - os Srs.

Conde da Louzã (D. João)

Conde de Mello.

(Assistiam os Srs. Ministros, do Reino, e da Marinha.)

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 45 Dignos Pares, declarou o Em.mo Sr. Presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O Sr. Secretario Conde da Louzã (D. João) deu conta do seguinte expediente:

Um officio da Camara dos Srs. Deputados, acompanhando uma proposição de lei, que determina aos Governadores civis a apresentação annual de um relatorio ao Governo de differentes circumstancias concernentes aos seus districtos.

À commissão de administração publica.

- do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, enviando os esclarecimentos requeridos pelo Digno Par o Sr. Conde de Thomar, e que respeitara aquelle Ministerio.

Para a secretaria.

O Sr. Conde de Thomar — Creio que é resposta a um requerimento que fiz, pedindo esclarecimentos a respeito do caminho de ferro; portanto, pedia a V. Em.ª que esta resposta fosse publicada no Diario do Governo, para que os Dignos Pares tenham presentes esses esclarecimentos, porque a materia é bastante importante, e todos devem conhece-la.

O Sr. Presidente — O Digno Par pede que estes esclarecimentos sejam publicados no Diario do Governo, não sei se a Camara annue.

Assim se resolveu.

(Continuou a leitura da correspondencia.)

Um officio da Junta do credito publico, enviando noventa exemplares das contas da mesma Junta, quanto á gerencia de 1854-1855, e exercicio de 1853-1854. Distribuiram-se.

- de alguns proprietarios ruraes e agricultores, remettendo exemplares da representação, que, sobre a liberdade de commercio dos cereaes, dirigiram á Camara dos Srs. Deputados.

Distribuiram-se.

O Sr. Ferrão — É para participar á Camara, que a commissão nomeada para dar o seu parecer sobre a proposta do Sr. Visconde de Fonte Arcada, para a creação de uma commissão de inquerito, reuniu-se, e nomeou para presidente o mesmo Sr. visconde de Fonte Arcada, para relator o Sr. Marquez de Ficalho, e a mim para secretario.

O Sr. Conde de Thomar — Tenho a honra de mandar para a Mesa uma representação da Associação Industrial do Porto, contra O projecto dos cereaes, que a mesma Associação qualifica de irreflectido, de anti-politico e anti-nacional; é agradavel vêr que não são só os lavradores e agricultores que reclamam, é tambem uma corporação tão respeitavel como a Associação Industrial do Porto, orgão do commercio e dos differentes interesses industriaes daquella cidade (O Sr. Visconde de Podentes — Apoiado). Esta representação desenvolve os verdadeiros principios de economia politica, applicados ao systema actual do paiz. Não terei duvida em os adoptar, quando se discutir esse projecto, se por ventura se chegar a discutir, o que espero não chegue a acontecer.

Mando portanto a representação para a Mesa.

O Sr. Visconde de Sá - (Leu um parecer da commissão de marinha e ultramar.) A commissão podia ter feito um parecer sobre cada um dos projectos; mas não o fez porque não diria outra cousa do que o que diz neste parecer. Os projectos a que elle se refere estão na collecção que o Governo mandou para as Camaras, sobre as consultas do Conselho ultramarino, em que são baseados os mesmos Decretos. Depois de se imprimirem estes projectos, e logo que cheguem á discussão, os Dignos Pares poderão receber da parte do Governo quaesquer outros esclarecimentos mais, que julguem necessarios, além dos que tiverem para examinar.

O Sr. Presidente — Manda-se imprimir para ser dado para ordem do dia, logo que cheguem os esclarecimentos pedidos.

Passou-se á

ORDEM DO DIA.

CONTINUA A DISCUSSÃO DOS PROJECTOS DE LEI SOBRE OS VINCULOS.

O Sr. Ferrão — Começarei, Sr. Presidente, por pedir a attenção e a benevolencia da Camara.

Eu tenho, Sr. Presidente, de me occupar, não só de responder a cinco discursos de Dignos Pares, que impugnaram o parecer das commissões reunidas, mas do mostrar á Camara, que as mesmas commissões estudaram o objecto em discussão; assim como tenho de expor a serie de fundamentos, que as levaram a não acceitar o projecto de lei, que veiu da Camara dos Srs. Deputados, e consequentemente a substitui-lo do modo que mostra o parecer das mesmas commissões.

O espaço que tiveram para examinar este assumpto, não foi longo; não foi o de nove mezes, como equivocadamente tinha supposto o Sr. Marquez de Vallada.

Se eu o interrompi, foi sómente para lhe dár a este respeito uma explicação, sem a menor intenção de lhe fazer perder o fio das suas idéas; nem eu o carecia, nem devia assim praticar; direi mais, nem o poderia assim conseguir, porque S. Ex.ª é superior, por seu talento, memoria, e coragem, no vigor dos seus annos, aos resultados que uma similhante estrategia parlamentar póde causar em algum outro orador.

O projecto da Camara dos Srs. Deputados deu entrada nesta casa em 9 de Junho de 1855, e as commissões reunidas deram o seu parecer a 9 de Julho do mesmo anno; e se o Digno Par, que estudou tão sisudamente a questão, e certamente muito mais que os membros das commissões, tivesse lançado os olhos mais attentamente para os projectos, que impressos, foram aqui distribuidos, se convenceria immediatamente da sua inexactidão, por uma simples confrontação de datas.

Quando se fallou no espaço de nove mezes, alludia-se ao tempo, que linha decorrido desde a apresentação do parecer das commissões reunidas até ao momento da discussão.

Sr. Presidente, não farei agora uma larga dissertação, ou prelecção sobre vinculos; já disse quanto era bastante por occasião do adiamento.

Eu sinto haver-se affirmado, que eu nada tinha dito sobre o adiamento; parece-me que o contrario se mostra palpavel e evidentemente do meu discurso, porque em tudo quanto disse fugi sempre da materia, tanto do projecto que tinha vindo da Camara dos Srs. Deputados, como do parecer das commissões reunidas.

Tractei de mostrar, por differentes argumentos, a opportunidade, a urgencia, e conveniencia de se tractar desta questão; tudo quanto disse veio a proposito, e se, em geral, tractei de vinculos, é por que não era possivel abstrair desse objecto, para combater e rejeitar o adiamento.

Agora, Sr. Presidente, tractando dos dois projectos na sua generalidade, tambem me é impossivel deixar de tocar nas especialidades, que constituem os differentes artigos dos mesmos projectos.

Começarei pois pelo projecto da Camara dos Srs. Deputados, para mostrar á Camara as razões que levaram os membros das commissões reunidas a não acceitar aquelle projecto, e a substituir-lhe outro.

Sr. Presidente, qualquer que seja a sorte que tenha o parecer das commissões desta casa, eu declaro a V. Em.ª e á Camara, que não acceito e que rejeito o projecto, que veiu da Camara dos Sr. Deputados (O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Apoiado). Parecerá, talvez, esta declaração uma incoherencia; porque se quero o mais, devo querer o menos; se eu não posso obter a abolição total dos vinculos, devo approvar a parcial; se approvava a abolição absoluta, devo approvar a abolição mixta e indirecta. Mas eu não o intendo assim; porque se a instituição é má em si, ou se ella se tem tornado obnoxia ao bem geral da nação; deve por uma vez terminar, sendo substituida; e neste ponto estou concorde com a opinião do Sr. Conde de Thomar; tambem estou farto de ver destruir e nada crear.

O que eu não posso de modo algum consentir é na continuação de leis ad odium, de transição, e de descredito, contra os morgados, e que, sem pronunciar expressamente a sua condemnação final, a decretam e a promovem indirectamente.

Não sou inimigo de toda e qualquer instituição vincular; e nem se deve confundir vinculos com morgados, como se tem confundido nesta discussão; vinculo, é um termo generico, que comprehende na sua significação todo o encargo que onera a propriedade predial, e a segue e prende na sua maneira de ser e transmissão; mas este vinculo póde ser mais amplo ou mais restricto; morgado, quer dizer fideicommisso perpetuo em favor do sangue do instituidor, com preferencia de linha, na ordem descendente, e nessa linha preferencia de masculinidade, de primogenitura, e representação in infinitum, para excluir os parentes mais proximos doullimo administrador, na mesma linha descendente.

É isto que eu reprovo no estado actual da civilisação, e estado hypothetico. conforme á legislação em vigor, á opinião, aos interesses da causa publica, e, com especialidade, em presença da Carta Constitucional, e do meu juramento.

Sr. Presidente, disse eu que não acceitava, nem acceitámos os que assignámos o parecer, o projecto que veiu da Camara dos Srs. Deputados, e vou dar as razões.

Este projecto contém, em primeiro logar, disposições quanto á abolição absoluta e directa de todos os vinculos, que actualmente não produzam um conto de réis, liquido de encargos, e de todas as contribuições directas; e declara, note-se bem, que ficam abolidos por immediata disposição de lei, sem necessidade de sentença declaratoria.

Bastava este primeiro artigo, para vermos, que o pensamento do projecto tendia nada menos, que á abolição total dos vinculos (apoiados).

Um conto de réis livre de todos os encargos, em termos absolutos, comprehende tudo o que são encargos, posto que temporarios, o não perpetuos, e mesmo supervenientes, de facto, ou de direito, embora não comprehendidos nas clausulas e condições da instituição; por consequencia comprehende no seu anathema todos os vinculos, mesmo superiores a esse rendimento. No estado de empenho, em que se acha hoje uma grande parte dos morgados, importa esta disposição uma vasta rêde de abolição, que abrange uma grande porção.

Neste mesmo projecto se declara a similhante respeito, que a abolição tem logar ipso jure — sem necessidade de sentença declaratoria, como para maior clareza do pensamento do legislador, se determina no artigo 1.°

Destas palavras se segue, que, para os effeitos, para os privilegios e direitos, que resultam da instituição vincular, não basta allegar a instituição, e provar a natureza vincular dos bens, é necessario, que o administrador prove tambem, que o seu vinculo rende mais do que um conto de réis, livre de todo e qualquer encargo; por consequencia não póde ser attendido em juizo um administrador de vinculos, que queira acobertar-se ou proteger-se com a instituição para não satisfazer dividas e outros encargos, que possam recaír, por virtude de sentença, sobre os vinculos. É esta uma illação a respeito da qual, se restasse a menor duvida, ella se desvaneceria pelo contexto do mesmo projecto. Diz o artigo 6.°: «Desde que a lei principiar a vigorar, nenhuns bens poderão considerar-se vinculados para qualquer effeito que seja, sem que, além da qualidade vincular dos mesmos bens, se prove que o morgado ou capella, de que se disserem pertenças, não fôra dos abolidos por esta lei. E isto terá logar em todo o caso, acção, excepção, ou incidente, em que por qualquer das partes se allegue que os bens são vinculados.»

Não pude, Sr. Presidente, conformar-me com o que assim se determina no artigo 1.° do projecto, suppondo mesmo, que era cousa facil a demonstração de que os bens excediam em rendimento a um conto de réis, quando assim fosse preciso ao administrador; porque intendo, que a taxa de um conto de réis, livre de encargos e contribuições, é já nas provincias uma somma importante, que póde fazer a decente subsistencia de uma familia; e, por outra parte, não acho justo, que sejam abolidos estes vinculos de um conto de réis, e se deixem subsistir os de maior rendimento.

Esta tendencia, este pensamento de apanhar nesta rede a maior somma de vinculos até se conseguir a sua amortisação completa, se manifesta igualmente no segundo artigo, em que se tracta de vinculos de diversas instituições, mas radicados hoje na mesma linha, e consequentemente fazendo um só vinculo.

Por este artigo não se admitte a subsistencia destes vinculos assim reunidos, senão quando renderem na sua totalidade, dois contos e quatrocentos mil réis. Aqui temos, por consequencia, compreendida mais esta qualidade de vinculos na abolição.

E note-se, que, ao mesmo tempo, que não é attendido o administrador que allegar e provar em Juizo a qualidade vincular, o projecto não lhes indica meio algum, que os possa habilitar contra terceiros, para verificar as circumstancias da lei; se de prevenção quizerem ter um titulo para a sua resalva, elle fica sem força, por não ser havido em juizo contencioso.

Vejo mais, que o artigo 8.° permitte a abolição dos vinculos, excedentes ás taxas designadas, quando por accôrdo entre o administrador e o immediato successor; e que pelo artigo 9.° são todos os vinculos declarados abolidos, quer haja consentimento quer não do administrador e immediato successor, uma vez que o ultimo administrador falleça sem deixar successor legitimo dentro do gráo de representação; ficando assim desattendida completamente a ficção, ou principio fundamental, de que os morgados, se recebem da mão do instituidor, e, ao mesmo tempo, é declarado, que se nem administrador, nem o immediato successor, tem dominio faculdade de alienar, nem de prejudicar a vontade do instituidor, a lei póde dar-lhes tudo isso, revogando a instituição.

Finalmente, Sr. Presidente, vejo no projecto permittida a subrogação por fóros, censos ou pensões, ou por titulos de divida fundada, e mesmo a troca dos predios vinculados por outros predios, sem necessidade de hasta publica, não se permittindo ao immediato successor que a contradiga, e reservando-se-lhe unicamente o direito de impugnar o valor dos bens trocados.

Para mim foi pois evidente, que este projecto era uma ampliação do Decreto de 1832; isto é, uma ampliação das providencias, que alli já estão tomadas sobre aforamentos, sobre trocas e sobre os arrendamentos por longo prazo.

Não se julgaram bastantes as providencias ahi consignadas, nem mesmo a de um principio novo, que antes ninguem admittia — a prescripção — que não tinha contra quem devesse correr. Se o administrador não póde, pelos seus actos de desmazelo, empecer os effeitos da instituição, prejudicando o immediato successor, cessa um dos principaes fundamentos da justiça, em que assenta a doutrina das prescripções.

Que vi eu, pois, de toda esta tendencia? Vi o que todos os Dignos Pares devem ver; e é que a legislação, desde o tempo do Senhor D. José I, actua restrictiva e destructivamente sobre os vinculos; a legislação considera um mal na existencia delles; e as leis que se fazem não são senão de tolerancia e transição, para se chegar ao resultado final da sua abolição.

Estes meios indirectos, como demonstrei no meu discurso antecedente, dão causa a que, por modos illicitos, arteiros e encobertos, uma parte do capital vinculado se aliena, ou seja nos aforamentos, ou seja nas subrogações e outros Contractos, conforme á legislação em vigor. Diminuindo-se as rendas, e transmittindo-se o dominio util, seguramente se aliena e amortisa uma parte do capital. As trocas por inscripções, todos sabem, que são um meio, fraudulento, de alienar os vinculos.

Ora, eu quero que venhâmos á questão por uma vez, franca e lealmente. Se os vinculos são uteis; se é conveniente, que exista na sociedade portugueza uma certa especie de bens, que, dadas certas circumstancias de cousas e pessoas, deve ser vinculada; se, para este fim, deve admittir-se uma excepção ao direito commum do reino, então conserve-se a instituição, mas melhore-se, reforme-se.

Mas a experiencia do passado deve ser para nós grande mestra; os abusos, os inconvenientes economicos, que resultam dos morgados, são apregoados por cem trombetas: os economistas, na sua quasi totalidade, reprovam esta instituição; os exemplos das nações tem-os reprovado: não ha dizer — são odiosos aos povos. É o mesmo relatorio do Decreto de 1832, que leu o Sr. Conde de Thomar, que — diz «os vinculos tem-se tornado odiosos aos povos.» E este mesmo facto vejo eu revelado e confirmado por uma das casas do Parlamento, que representa legal e constitucionalmente a nação portugueza.

Ora, na presença de medidas de odio não ha desejos de conservação, ha sempre de destruição; porque não se conserva aquillo, que se odeia, assim como se não destroe aquillo que se presa. Então, Sr. Presidente, a providencia da legislador, e interesse das familias, os bem intendidos interesses de todos os administradores de vinculos devem levar o Parlamento a tomar uma medida a tempo, que ou evite ou suavise esta catastrophe eminente.

Sr. Presidente, ha pouco contei eu uma historia (sinto que não esteja presente o Sr. Marquez de Vallada), cujos personagens eram de comedia. S. Ex.ª redarguiu-me com outra historia; mas outra historia em que as pessoas não eram de comedia, foram pessoas vivas — já uma fria campa os cobre. Não estimei que o Digno Par me respondesse com essa historia. O Digno Par podia causar alguma hilaridade na Camara, tomando a minha pessoa para me ridicularisar directamente, que acharia muito por onde. Mas tirou o Digno Par uma conclusão de moralidade da sua historia, e disse «quem morre aqui, somos nós ou é o Sr. Ferrão?» Pois deixe-nos morrer o Sr. Ferrão.

Sr. Presidente, já o Sr. Visconde de Balsemão nos havia dito, combatendo a extincção ou abolição dos morgados — que morria como Sansão entre os filisteos....

O Sr. Visconde de Balsemão — Permitta-me V. Ex.ª que eu rectifique a sua allusão.

Referindo-me ao caso de revolução, disse eu que esta seria o Sansão, e não os filisteos; mas muito embora fossemos esmagados pelo Sansão, não nos queriamos matar antes disso. A revolução é que nos ha de esmagar.

O Sr. Ferrão (continuando) — Se eu sou Sansão, não quero abalar as columnas do templo, para que ellas me não esmaguem, e se não sou Sansão, nem filisteo, que morram se querem, mas eu não lho desejo, não o devo mesmo querer como membro desta Camara; não o devo querer ainda por principios de moral e de justiça: todos os codigos do mundo civilisado estabelecem penas contra aquelles que por qualquer modo que seja, auxiliam, consentem, ou favorecera o suicídio; por consequencia não só não quero, que morram, mas hei de mesmo fazer toda a diligencia, para que vivam; é consultando mesmo os seus interesses de conservação, que eu intendo que deste modo lhes advogo melhor a sua causa; porque, na realidade, é preciso attender com tempo a que a instituição está como um edificio caduco, que ameaça desabar por todos os lados ha perto de tres quartos de seculo; é preciso attender a que as dictaduras, que tem havido, já vulneraram similhante instituição, e todos os Corpos legislativos tendem a extingui-la.

Por minha vontade não hão de morrer desastrosamente; mas parece que querem morrer assim, não reparando no que está desacreditada a instituição, apresentando todos os dias a manifestação de escandalos, que innundam os tribunaes debaixo de differentes pontos de vista, que eu logo ennumerarei, vindo muito a proposito referir um caso, que hoje mesmo acaba de ser julgado no tribunal, em que tenho a honra de me assentar; é um caso julgado, que já pertence ao dominio da historia, e por consequencia posso referi-lo.

Uma instituição assim desacreditada cada vez mais pelos abusos e pelos escandalos, não póde subsistir ainda por muito tempo, por mais espeques com que se escore.

Não é minha intenção offender as pessoas, fallo dos abusos, que vem mais da instituição do que dellas, como logo mais longamente hei de demonstrar: é preciso que se reconheça francamente, que tal instituição não deve durar mais, porque não póde mesmo subsistir; os inconveniente nascem todos da natureza dos morgados especialmente, não é da instituição vincular, repito, é do morgado.

É preciso ver quaes são os inconvenientes, que vem da instituição, remove-los; e examinar se ha alguma cousa que apossa substituir, e que offereça não só vantagens possiveis, e de alguma utilidade, para as familias, que se possa sustentar na presença do estado da opinião publica, e da acção repressiva e destruidora, que a legislação, em vigor, exerce sobre morgados e capellas.

Nós fomos arguidos de não ter estudado a questão. Foi injusta similhante arguição. Estudámos, mas não intendemos, que nem pelos principios, nem pelas circumstancias especiaes, em que nos achavamos, era possivel deixar de revogar a legislação em vigor, não adoptando porém, pelos motivos, que expuz, o projecto, que veio da outra Camara.

Nestes termos a nossa conclusão, tal qual se vê em nosso parecer, foi perfeitamente logica e reflectida. Não restava outro alvitre a seguir, senão o de revogar toda a legislação existente a tal respeito, e propôr a abolição directa dos morgados e capellas, salvas certas excepções, que, sem serem devidamente apreciadas, tem sido tambem, sem rasão justificada, qualificadas como inadmissíveis, ou mal reflectidas.

A primeira excepção, é a dos morgados da Serenissima Casa de Bragança. Parece-me, que esta excepção devia estar fóra de toda a contestação, por isso mesmo que os morgados da Serenissima Casa de Bragança fundam-se n'um pacto feito entre a nação e os nossos Monarchas: foram as antigas côrtes, que pediram ao Senhor D. João 4.°, que, para conservar a memoria da Serenissima Casa de Bragança, não consentisse que a sua elevação ao Throno produzisse o resultado da confusão de seus bens patrimoniaes com os da Corôa, argumento que prova o perigo da possibilidade dessa confusão; porque entre nós, como em França, os bens do Rei confundiam-se com os da nação, pelo menos havia esse risco, que as Côrtes e aquelle Monarcha, quizeram prevenir.

Foi o mesmo Sr. D. João 4.°, que deferindo