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N.º 52

SESSÃO DE 12 DE MARÇO DE 1881

Presidencia do exmo. sr. Vicente Ferrer Neto de Paiva (presidente supplementar)

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - Votação e approvação do parecer n.° 168. sobre a carta regia que elevou á dignidade de par o sr. Joaquim de Vasconcellos Gusmão, que, introduzido na sala, presta juramento e toma assento. - O sr. visconde de Chancelleiros pede ás commissões de legislação e marinha que dêem os seus pareceres sobre o contrato de navegação para a Africa. - Resposta do sr. visconde de Soares Franco. - Discursos dos dignos pares, os srs. Vaz Preto, marquez de Vallada, Pereira Dias, marquez de Ficalho, Fontes Pereira de Mello e visconde de Chancelleiros. - Explicações do sr. ministro do reino. - Discussão do parecer n.° 154 sobre o projecto de lei n.° 147, tendente a dar sancção legislativa, ao decreto de 10 de setembro do anno findo, e a outros que a estes se referem, e em que se propõe que o governo seja relevado da responsabilidade em que incorreu pela publicação de taes decretos. - Discurso do digno par o sr. Camara Leme.

Ás duas horas e meia da tarde, sendo presentes 25 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Quatro officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as quatro proposições seguintes:

l.ª Transferindo para os capitulos das tabellas das despezas do ministerio da fazenda, relativas a exercicios findos, nos quaes foram excedidas as sommas votadas, as sobras de outros capitulos;

2.ª Determinando que os vapores de reboques na barra do Douro só paguem por dia ao cofre dos pilotos a quantia media entre o maximo e o minimo estipulados no regulamento;

3.ª Approvando o tratado de 30 de maio de 1879 entre Portugal e a Gran-Bretanha;

4.ª Dividindo em duas assembléas eleitoraes o concelho de Rio Maior.

Foram, remettidas ás respectivas commissões.

(Estavam presentes os srs. presidente do conselho, e ministros da marinha e da guerra. Entrou durante a sessão o sr. ministro do reino.)

O sr. Presidente: - Como não ha quem peça a palavra, para tratar de qualquer assumpto antes da ordem do dia, vamos entrar na primeira parte da ordem do dia, que é a discussão do parecer n.° 168.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa o parecer n.° 168.

É do teor seguinte:

PARECER N.° 168

Senhores. - A vossa commissão de verificação de poderes examinou a carta regia que elevou á dignidade de par do reino Joaquim de Vasconcellos Gusmão, lente substituto da escola polytechnica e deputado da nação; e a vossa commissão;

Constando das certidões juntas que o agraciado tomou posse de lente substituto da decima cadeira da referida escola em 5 de abril de 1867, sem que, no periodo decorrido d'essa data até 7 de janeiro proximo passado, soffresse desconto algum em seus vencimentos por faltas commettidas no exercicio das funcções a seu cargo;

Attendendo ao tempo de serviço que, em vista das mesmas certidões, o agraciado conta de regencia de cadeira, como membro dos jurys de exames finaes e de habilitação, e bem assim como secretario do conselho e vogal da junta administrativa da escola, funcções estas que pelo disposto nos artigos 20.° e 64.° da lei de 11 de janeiro de 1837 são inherentes ao sobredito cargo;

Attendendo mais ao tempo, durante o qual o mesmo agraciado exerceu o mandato de deputado, serviço que pelo regulamento de 4 de setembro de 1860 é reputado como de effectivo exercicio no magisterio;

Considerando que no desempenho d'essas funcções e serviços, em periodos não simultaneos, se completam os dez annos de exercicio effectivo, que a categoria 18.ª do artigo 4.° da lei de 3 de maio de 1878 exige aos professores substitutos das escolas de instrucção superior;

Considerando que o nomeado igualmente prova ser cidadão portuguez, sem ter em tempo algum perdido ou interrompido a sua nacionalidade, ter mais de trinta annos de idade, e estar no pleno goso dos seus direitos civis e politicos, como preceitua o citado artigo 4.°; e

Verificando, finalmente, que o diploma está exarado na conformidade dos artigos 74.° § 1.º e 110.° da carta constitucional:

É a vossa commissão de parecer que o agraciado seja admittido a prestar juramento e a tomar assento n'esta camara.

Sala da commissão, em 8 de março de 1881. = Vicente Ferreira Novaes = José de Sande Magalhães Mexia Salema = Barros e Sá = Conde de Castro.

Carta regia

Joaquim de Vasconcellos Gusmão, lente substituto da escola polytechnica de Lisboa, deputado da nação. Eu El-Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos distinctos merecimentos e qualidades, e attendendo a que pela vossa categoria de lente substituto da escola, polytechnica de Lisboa, com exercicio effectivo de mais de dez annos, vos achaes comprehendido na disposição do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido o conselho d'estado, nomear-vos par do reino.

O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos.

Escripta no paço da Ajuda, em 7 de janeiro de 1881. = EL-REI. = José Luciano de Castro.

Para Joaquim de Vasconcellos Gusmão, lente substituto da escola polytechnica de Lisboa, deputado da nação.

Documentos

Illmo. e exmo. sr. - Diz Joaquim de Vasconcellos Gusmão, lente substituto da decima cadeira, que precisando de uma certidão em que prove que tem dez annos de serviço effe-

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ctivo no magisterio superior. - P. a v. exa. se digne de lh'a mandar passar. - S. R. M.cê

Lisboa, 12 de janeiro de 1881.

Passe do que constar, não havendo inconveniente.

Escola polytechnica, 12 de janeiro de 1881. = Corvo.

Fernando de Magalhães Villasboas, coronel do corpo de estado maior, secretario, etc.

Em cumprimento do despacho supra certifico que o requerente, o sr. Joaquim de Vasconcellos Gusmão, remendo lente substituto da decima cadeira da escola polytechnica, por decreto de 13 de março de 1867, publicado no Diario de Lisboa n.° 76, de 4 de abril do mesmo anno, tem servido effectivamente desde o dia 5 do referido mez o anno até ao presente, exceptuando os seguintes periodos: de 4 a 23 de janeiro de 1869, de 2 a 20 de janeiro do 1870, de 2 de janeiro a 7 de junho de 1880, em que teve assento na camara dos senhores deputados.

Em todos os outros periodos, em que alem dos referidos, teve tambem assento em côrtes, nos annos de l868, 1869, 1870 e 1871, exerceu sempre cumulativamente as funcções de lente e de deputado.

A presente certidão por mim feita e assignada vae firmada com o sêllo da escola.

Secretaria da escola polytechnica, 13 de janeiro de 1881 . = Fernando de Magalhães Villasboas.

Illmo. e exmo. sr. - Joaquim de Vasconcellos Gusmão, lente substituto da escola polytechnica, precisando provar authenticamente que desde a data em que tomou posse de tal cargo até ao dia 7 do corrente mez e anno exerceu effectivamente, por mais de dez annos, funcções a elle inherentes - P. a v. exa. lhe mande passar por certidão quanto entre as duas datas acima referidas constar dos livros, folhas de registo, serviço e contabilidade, e mais documentos archivados na secretaria da mesma escola com relação aos seguintes pontos, e por fórma que de tal certidão se deduza:

1.° Se durante o tempo decorrido entre a data da posse e o dia 7 do corrente mez e anno tem effectivamente exercido funcções inherentes ao seu cargo, taes como reger cadeira, fazer parte do jury dos exames, ser secretario do conselho, membro do mesmo, da junta administrativa, etc., ou se, por falta a qualquer d'estas funcções quando as necessidades da escola o chamaram a exercel-as, soffreu alguma vez desconto nos seus vencimentos;

2.° Que tempo effectivamente regeu cadeira, fez parte do jury dos exames finaes e de concursos, serviu de secretario do conselho e de membro da junta administrativa, etc. - E. R. M.cê

Lisboa, 31 de janeiro de 1881. = Joaquim de Vasconcellos Gusmão.

Passe do que constar, não havendo inconveniente.

Escola polytechnica, 1 de fevereiro de 1881. = Corvo.

Fernando de Magalhães Villasboas, coronel do corpo de estado maior, secretario interino da escola polytechnica, etc.

Em observancia do despacho retro, certifico, com relação aos dois pontos a que se refere o requerente, o sr. Joaquim de Vasconcellos Gusmão, nomeado lente substituto da decima cadeira da escola polytechnica por decreto de 13 de março de 1867, publicado no Diario de Lisboa n.º 76 de 4 de abril do mesmo anno, em presença dos livros, folhas de vencimentos, e outros documentos existentes em archivo da mesma escola, o seguinte:

1.° ponto - Que não consta que durante o tempo decorrido desde o dia 5 de abril de 1867 até o dia 7 de janeiro proximo passado soffresse desconto algum em seus vencimentos por faltas commettidas no exercicio das funcções a seu cargo.

2.° ponto. - Que regeu cadeira de 11 de abril a 11 de junho de 1867; de 2 de novembro de 1867 a 19 de junho de 1868; de 3 de novembro de 1870 a 17 de abril de 1871; de 2 de novembro de 1872 a 18 de abril de 1873; de 24 de outubro de 1874 a 9 de junho de 1875; de 30 de outubro de 1875 a 8 de abril de 1877; de 27 de outubro de 1877 a 10 de abril de 1878.

Que fez parte dos jurys dos exames finaes nos mezes de julho e outubro de 1867; julho e outubro de 1868; junho, julho e outubro de 1869; maio, junho, julho e outubro de 1870; julho e outubro de 1871; julho de 1872; julho e outubro de 1873; abril, julho e outubro de 1861; julho e outubro de 1870; abril, julho e outubro de 1876; julho e outubro de 1877; outubro de 1878; junho, julho e outubro de 1879; junho, julho e outubro de 1880.

Que fez parte dos jurys dos exames de habilitação no mez de julho de 1867; julho de 1870; julho e outubro de 1872.

Que fez parte do jury de concursos para o magisterio desde 16 de novembro de 1872 a 1O de fevereiro de 1873; de 20 de novembro de 1877 a 25 de fevereiro de 1878.

Que serviu de secretario do conselho desde 5 de abril até 22 de maio de 1867.

Que foi membro da junta administrativa desde janeiro de 1869 até dezembro de 1871.

A presente por mim sómente assignada vae firmada com O sêllo da escola.

Secretaria da escola polytechnica,. 1 de fevereiro de 1881. = Fernando de Magalhães Villasboas.

Illmo. e exmo. sr. - Joaquim de Vasconcellos Gusmão, deputado, precisa para mostrar onde lhe convenha, que v. exa. lhe mande passar por certidão o numero de sessões legislativas a que tem assistido como deputado, e assim. - Pede a v. exa. haja por bem deferir-lhe. - E. R. M.cê = Joaquim de Vasconcellos Gusmão.

Passe do que constar. camara dos deputados, 14 de janeiro de 1881. = Fernandes Vaz, presidente.

Certifico que das actas e outros documentos existentes no archivo d'esta secretaria, consta que o requerente Joaquim de Vasconcellos Gusmão foi eleito deputado ás côrtes para as legislaturas seguintes: para a legislatura, que teve principio em 15 de abril de 1868 e findou por dissolução em 23 de janeiro de 1869, havendo durado a primeira sessão desde 15 de abril até 15 de julho de 1868, funccionando depois a camara desde 29 de julho até 28 de agosto, e a segunda de 2 até 23 de janeiro de 1869; para a legislatura que teve principio em 26 de abril de 1869, e findou, por dissolução, da 20 de janeiro de 1870, havendo durado a primeira sessão desde 20 da abril até 25 de agosto de 1869, e a segunda de 2 a 20 de janeiro de 1870; para a legislatura que teve principio era 15 de outubro de 1870, e findou, por dissolução, em 3 de junho de 1871, havendo durado a primeira sessão desde 15 de outubro a 24 de dezembro de 1870, e verificando-se quanto á segunda, que se abriu em 2 de janeiro de 187I, foi n'esta data adiada para 3 de fevereiro; decorreu até 8 do mesmo mez, foi n'este dia novamente adiada para 11 de março e durou até 3 de junho, data da dissolução da camara; finalmente, para a actual legislatura, havendo durado a primeira sessão desde 2 de janeiro de 1880 até 7 de junho de mesmo anno, e tendo [...] a segunda em 2 do corrente mez. Certifico mais que nas legislaturas mencionadas n'esta certidão o requerente exerceu o mandato em todas as sessões legislativas. E para constar se passou a presente por virtude do despacho lançado no requerimento retro.

Secretaria da camara dos senhores deputados, em 15 de janeiro de 1881. = Jayme Constantino de Freitas Moniz.

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Marcos Garcia Nunão, parodio collado na igreja de Nossa Senhora da Luz; e interinamente encarregado da administração d'esta de Nossa Senhora das Candeias da villa de Mourão, no impedimento do seu reverendo parocho André dos Santos Ramos:

Certifico e juro, in fide parochi, que no livro dos assentos dos baptismos d'esta freguezia, relativo ao anno de 1838, a fl. 101, se acha o termo do teor seguinte: "Joaquim. - de Joaquim da Rosa Gusmão. Em o l.° dia do mez de janeiro de 1838 annos, n'esta matriz de Mourão, baptisei solemnemente a Joaquim, que nasceu a 4 do mez proximo passado, primeiro d'este nome, e do segundo matrimonio de Joaquim da Rosa Gusmão, d'esta villa, e do primeiro matrimonio de D. Maria Augusta, natural de Lisboa; neto paterno do major José da Rosa Gusmão e de D. Francisca Xavier Rosado, e materno de Joaquim José de Vasconcellos, natural de Trancoso, e de D. Maria José, natural de Moura. Declaro que os avós paternos são naturaes d'esta villa. Foram padrinhos Joaquim Silvestre Rosado e tocou com a prenda de Nossa Senhora das Candeias Belchior da Rosa Gusmão. De que fiz este termo que assigno Mourão, ut supra. = O parocho encommendado, João José Acabado".

Nada mais contém o referido termo, que fielmente copiei.

Mourão, 14 de janeiro de 1881. = O parocho interino, Marcos Garcia Nunão.

Não havendo quem pedisse a palavra, passou-se á distribuição das espheras para a votação.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu peço a palavra para quando estiver presente algum dos srs. ministros.

(Entrou o sr. presidente do conselho.}

O sr. Vaz Preto: - Como já está presente o sr. Braamcamp, se v. exa. me permitte...

O sr. Presidente: - Agora vae proceder-se á votação; depois darei a palavra a v. exa.

O sr. Marquez de Vallada: - Mas estes pareceres tambem se põem em discussão antes de se votarem, e eu não ouvi pôr o parecer em discussão. Eu tencionava dizer alguma cousa sobre elle.

Vozes: - Já se poz em discussão e não houve quem pedisse a palavra.

(Entraram os srs. ministros da guerra e da marinha.}

O sr. Presidente: - Vae proceder-se á votação.

Procedeu-se á votação, por espheras, do parecer n.° 168.

O sr. Presidente: - Convido os dignos pares visconde de Villa Maior e Xavier da Silva para virem servir de escrutinadores.

Procedendo-se ao escrutinio verificou-se que tinham entrado na uma da approvação 43 espheras, entre ellas 4 pretas; ficou, por consequencia, approvado o parecer n.° 168 por 39 espheras brancas contra 4 pretas.

O sr. Vaz Preto - Sr. presidente, pedi a palavra para me dirigir ao governo sobre differentes assumptos, e tambem para mandar para a mesa duas representações - uma da junta de parochia da freguezia de Santa Maria do Abbade, e outra da junta de parochia da freguezia de S. Payo de Seide, ambas pertencentes ao concelho de Villa Nova de Famalicão.

Eu vou ler estas representações, para que a camara e o paiz tenham conhecimento dos meios de que o governo está usando, nas provindas, para extorquir assignaturas em seu favor.

(Leu.)

A camara acaba de ouvir as queixas d'estas duas freguezias, e ha de confessar que um governo que consente que os seus empregados lancem mão de meios tão baixos e tão indignos, illudindo o povo para lhe extorquirem algumas assignaturas, é um governo impossivel, é um governo desprestigiado. Fique a camara sabendo que essas assignaturas das representações governamentaes colhidas em branco pela auctoridade não tem valor algum.

Sr. presidente, eu mando para a mesa estas duas representações, e peço que ellas sejam publicadas no Diario do governo, para que todo o paiz conheça dos manejos ignobeis do governo.

Pela leitura simples que fiz d'estas representações ficará o paiz conhecendo os processos vergonhosos da auctoridade e de alguns parochos pelos quaes estão sendo obtidas assignaturas a favor do governo! Por essa simples leitura ficará conhecendo os meios tão indignos e improprios de que o governo se está servindo para conservar aquellas cadeiras que conquistou pela calumnia e pelo descredito e pela offensa ao rei.

N'esta conjunctura e perante um proceder tão pouco consentaneo com os principios liberaes não posso deixar de pedir ao sr. Braamcamp que me explique como é que, no seu consulado, s. exa., chefe do partido progressista, entende que devem ser cumpridas as doutrinas exaradas no programma d'esse partido. Eu pergunto ao sr. Braamcamp se este é o modo, se este é o systema de executar o programma do partido progressista, e se s. exa. na sua consciencia está satisfeito com o resultado e com a execução.

Eu entendo, sr. presidente, que quando um governo tem força, prestigio, e por si a opinião publica, não desce a meios tão baixos.

Não carece de humilhar a auctoridade diante d'aquelles que a devem respeitar, para obter assignaturas, que nada significam e que nada valem.

Se o governo tivesse prestigio, se a populariade o bafejasse, se a opinião publica não lhe fosse adversa, não se ouviriam aqui os echos da excitação que vae lá fóra, e inuteis seriam os esforços da opposição para obter representações contra a marcha governativa d'este governo.

Perguntarei, pois, ao sr. presidente do conselho se. são estes os coefficientes de correcção de que fallava o sr. ministro das obras publicas, e qual a rasão por que os não attende?

Sobre este ponto nada mais direi.

Mando para a mesa as representações, e requeiro que sejam publicadas no Diario do governo.

Passo agora a outro assumpto, visto ter asseverado á camara que tinha que me dirigir ao governo pedindo-lhe explicações sobre assumptos variados.

Sr. presidente, tenho aqui um abaixo assignado de alguns cidadãos do Porto, desmentindo formalmente o sr. ministro das obras publicas, que affirmou que não tinha ido tropa esperar á gare, do caminho de ferro ao deputados que d'aqui foram ao Porto, para fallarem no meeting do governo.

Tenho este documento ha bastantes dias em meu poder esperando o sr. ministro das obras publicas; como s. exa. não tem comparecido, entendi ser do meu dever não apresentar os documentos, não discutir o assumpto, e esperar a comparencia de s. exa., cuja falta tem sido e é altamente estranhavel.

Quando um ministro faz declarações e affirmativas tão cathegoricas, corre-lhe o dever de sustentar essas declarações, e não fugir da camara para que lhe não peçam contas.

Eu peço, pois, aos srs. ministros que ali se sentam, que communiquem ao das obras publicas que eu exijo a presença d'elle, e que hei de tomar-lhe contas das suas affirmativas imprudentes.

Os factos que narrei á camara são affirmados por toda a imprensa do Porto; alem d'isso, tenho um documento na minha mão que não deixa a mais leve duvida, e bem assim cartas particulares de pessoas auctorisadas.

Espero, pois, que venha o sr. Luciano de Castro, e que se justifique perante a camara mostrando que foram verdadeiras e exactas as suas declarações.

Sobre este assumpto nada mais direi, visto não estar presente o sr. ministro das obras publicas, cuja comparencia aguardo.

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Passo, pois, a outro assumpto sobre o qual, ha dias, eu desejo pedir explicações ao sr. presidente do conselho.

Eu desejo saber qual a rasão por que o sr. presidente do conselho ainda não mandou proceder á eleição dos circulos vagos, que creio que são uns doze ou treze.

Estamos quasi no fim da sessão ordinaria e até hoje ainda me não consta que esteja assignado o decreto, para se proceder á eleição d'estes circulos que representam, proximamente, 500:000 cidadãos, que não têem representante sua outra casa do parlamento. Este procedimento do governo é tanto mais estranhavel, quanto se tem estado a discutir negocios importantes e serios, que têem levantado o espirito publico, e obrigado o governo a conservar Lisboa em estado de sitio; (Apoiados.) é tanto mais estranhavel, repito, quanto se tem mandado cercar o parlamento de policias e municipaes, impedindo a entrada ao publico; aqui, onde elle deve ter a entrada livre. (Apoiados.)

Será o proceder legitimo de um ministerio que se diz progressista! Onde estão as tradições d'esse partido, onde está esse apregoado programma? Salve ao menos, sr. Braamcamp, um farrapo d'esse programma, e guarde-o para reliquia.

Sr. presidente, precisemos a questão.

Eu desejo que o sr. Braamcamp declare terminantemente á camara por que rasão se deixam estar vagos os circulos sem representantes legitimos no parlamento. Qual é a força occulta que o obriga este anno, e que o obrigou no anno passado a deixar de cumprir este importante dever, e a deixar de seguir os exemplos e tradições dos chefes do partido progressista?

Um dos circulos que está vago foi o que deixou já no anno passado o sr. Pereira de Miranda.

Para que não se precedesse a eleição n'elle, visto o governo não poder vencer, fez-se a trica mesquinha do sr. Pereira de Miranda entrar n'esta camara só nos ultimos dias da sessão, e da camara dos senhores deputados não declarar a vacatura!! Eu não sei como o sr. Braamcamp consentiu este facto, que é vergonhoso para si e para o seu partido. Factos d'esta ordem não se commentam, basta apresental-os com a maior simplicidade para, que o publico os aprecie como elles merecem.

Por que rasão não seguiu o sr. Braamcamp os precedentes estabelecidos por homens eminentes do seu partido, os srs. duque de Loulé e bispo do Vizeu, um já fallecido e outro que veja presente, e a quem folgo n'este momento de prestar homenagem, porque estando no poder mandára proceder ás eleições nos circulos vagos? E o sr. bispo de Vizeu foi tão solicito que mandou proceder por duas vezes ás eleições no mesmo anno, estando abertas as camaras; porque não segue e sr. Braamcamp o exemplo do sr. bispo de Vizeu? É que os seus antecessores, liberaes convictos e verdadeiros respeitadores do systema, prestavam homenagem ao parlamento, e não receiavam consultar a opinião publica e o paiz, sempre que se lhe offerecia ensejo; emquanto o sr. Braamcamp, em vez de seguir aquellas tradições nobres e elevadas, dominado por um poder occulto, não tem vontade sua, nem força propria, para manter as declarações feitas aos poderes co-legisladores, e por isso sacrifica os principies, o seu passado, e dá-nos o triste espectaculo de nos fazer hoje uma promessa para ámanhã faltar a ella.

Sr. presidente, limitarei aqui as minhas reflexões, aguardando a resposta do sr. presidente do conselho de ministros; e aguardo tambem a presença do sr. ministro das obras publicas para lhe tomar restrictas contas do seu procedimento ácerca das declarações formaes e categoricas que aqui nos fez, e n'essa occasião apresentarei o abaixo assignado de alguns cidadãos do Porto, protestando contra as suas affirmativas.

Leram-se na mesa as representações que o digno par apresentou, tendo-se resolvido que fossem impressas no Diario do governo.

O sr. Presidente: - Consta-me que se acha nos corredores d'esta casa o digno par, o sr. Gusmão, que vem tomar assento na camara; convido por isso os dignos pares os srs. Quaresma e Cortez a introduzirem o digno par.

Leu-se a carta regia, que é do teor seguinte

"Joaquim de Vasconcellos Gusmão, lente substituto da escola polytechnica de Lisboa, deputado da nação. Eu El-Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos distinctos merecimentos e qualidades, e attendendo a que pela vossa categoria de lente substituto da escola polytechnica de Lisboa, com exercicio effectivo de mais de dez annos, vos achaes comprehendido na disposição do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido o conselho d'estado, nomear-vos par do reino.

"0 que me pareceu participar-vos para vossa inteliigencia e devidos effeitos.

"Escripta no paço da Ajuda, em 7 de janeiro de 1881. = EL-REI. = José Luciano de Castro.

"Para Joaquim de Vasconcellos Gusmão, lente substituto da escola polytechnica de Lisboa, deputado da nação."

Prestou juramento e tomou assento o digno par o sr. Gusmão.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Sr. presidente, são tres os pontos principaes para que o digno par, sr. Vaz Preto, chamou a minha attenção.

Um d'elles, se me não engano, diz respeito ás representações e abaixo assignados promovidos a favor da politica actual, e affirmando s. exa. que as assignaturas foram extorquidas pela pressão das auctoridades ou com promessas de empregos.

A este respeito, devo limitar-me a responder a s. exa. que tanto as representações a que s. exa. se refere, como outras quaesquer manifestações que tem sido apresentadas a favor do governo, têem sido completamente independentes de qualquer acção ou ingerencia do ministerio.

Nós não podemos por fórma alguma privar as pessoas, que seguem a nossa politica, do direito que lhes assiste de manifestarem a sua opinião favoravel ao governo; mas da nossa parte não tem havido a menor indicação ou pedido a este respeito.

Liberdade inteira e completa de manifestar nos termos legaes a sua opinião tanto para os que seguem a nossa politica como para os nossos adversarios, tem sido o principio que o governo tem tomado como norma do seu procedimento, e unico verdadeiramente liberal.

Nós não queremos de modo algum impedir quaesquer manifestações, dentro da orbita legal, que sejam contrarias ao governo, como não podemos da mesma fórma impedir que as pessoas nossas affeiçoadas manifestem claramente as suas opiniões.

Mas, torno a dizer, não tem havido da parte do governo nenhuma ingerencia n'essas manifestações.

Fallou tambem o digno par das demonstrações da força armada, que se deram n'estes ultimos dias.

Queixou-se s. exa. de que as duas casas do parlamento fossem cercadas de tropa, impedindo o transito publico.

Mal podia esperar que nos fosse dirigida essa arguição, por um membro d'esta casa; o governo tem estricta obrigação de manter a ordem. (Apoiados.)

É um dever a que elle não póde nem ha de faltar.

A força publica que n'aquella occasião se apresentou não foi senão para manter e assegurar a plena liberdade da representação nacional.

A todos os cidadãos foi permittido entrar n'este recinto e tomar logar nas galerias, tanto n'esta como na outra casa do parlamento. O que o governo não podia nem devia consentir era que se désse qualquer manifestação desordeira e que podesse ser contraria a algum dos membros das duas camaras, seja qual for o partido politico a que elle pertença. Era e é essa uma obrigação que se impõe a todos

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os governos, e que pela sua parte o governo actual ha de cumprir.

S. exa. referiu-se tambem á convocação dos collegios eleitoraes para preencher as cadeiras de deputados que se acham vagas. Limito-me a responder ao digno par lembrando-lhe que ainda hoje acaba de tomar assento n'esta casa um dos membros da camara dos senhores deputados. Portanto, parece-me que é pelo menos permatura a pergunta feita por s. exa. Sempre tem sido costume esperar que estejam declaradas todas as vacaturas na camara dos senhores deputados para se proceder ás eleições supplementares. Já vê, pois, s. exa. que senão póde por emquanto convocar os collegios eleitoraes para se proceder ás eleições supplementares.

São estes os tres pontos principaes a que s. exa. se referiu, e ácerca dos quaes procurei dar as explicações que me parece, devem satisfazer o digno par. Em todo o caso se for necessario tornarei a tomar a palavra para dar a s. exa. novas e mais circumstanciadas explicações.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sabe que a commissão de legislação deu já o seu parecer sobre a representação dirigida a esta camara por varios negociantes da praça de Lisboa, e por isso pede á commissão de marinha que não demore a resolução d'este negocio.

Protesta solemnemente contra a declaração feita pelo sr. presidente do conselho, de que o governo permitte a livre manifestação de todas as opiniões.

Pois não sabem todos que esta camara esteve cercada de tropa, tanto de cavallaria como de infanteria, commandada por um bravo general, cuja espada parece ter hoje a importancia de uma instituição?

Pois não consta no publico que esse general mandou carregar as armas n'uma noite d'esta semana em que o povo inerme estava reunido no Terreiro do Paço?

Se o governo não recommendar toda a prudencia aos seus delegados, deve-se temer que vão muito longe as consequencias do primeiro conflicto que possa occorrer.

Não se conforma com a doutrina do sr. presidente do conselho, de que não se póde proceder ás eleições supplementares emquanto não tomarem assento todos os srs. deputados que tiverem nomeação para esta casa. Desse modo poderia ficar indefinidamente incompleta a representação nacional; bastava que um dos seus membros nomeados pares não viesse tomar assento.

(Os discursos do digno par serão publicados quando s. exa. os devolver.)

O sr. Visconde de Soares Franco: - Acabo de receber da parte da illustre commissão de legislação o parecer a que se referiu o sr. visconde de Chancelleiros, e vou tratar de reunir a commissão de marinha para se occupar do assumpto a que elle se refere.

O sr. Vaz Preto: - Ouvi as declarações do sr. presidente do conselho de ministros, e confesso que me surprehenderam bastante.

Esperava tudo de s. exa., menos similhantes declarações, porque por ellas vejo que o sr. Braamcamp anda alheio á politica; não sabe o que se passa, porque o seu pensamento anda pelas regiões aereas.

Declarou s. exa. que o governo é estranho ao modo por que os seus adeptos tratam de colher assignaturas!

Sr. presidente, é muito para estranhar que o sr. presidente do conselho de ministros não conheça os factos, e ignore os meios de que a auctoridade se está servindo para illudir o povo, e para d'elle obter assignaturas em branco.

Ou o governo tem ou não tem empregados em que confie, empregados que lhe relatem fielmente o estado da opinião publica nas provincias.

Se tem esses empregados de confiança sem duvida elles hão de francamente informal-o do que se passa nos seus districtos, confessando-lhe que a opinião publica está revoltada contra o governo por tal fórma e por tal modo que os srs. ministros se hão de ver forçados a deixar aquellas cadeiras, ou por bem ou por mal.

Sr. presidente, um governo que conduz o paiz a uma conflagração geral e o põe em estado de sitio, permitta-se-me a expressão, para impedir ao publico a manifestação das suas opiniões e o uso dos seus direitos, ver-se-ha forçosamente obrigado a deixar o poder.

Sr. presidente, os factos que eu narrei são verdadeiros e têem-me sido confirmados pela imprensa, por informações particulares de pessoas importantes.

Isto quanto ao primeiro assumpto sobre que chamei a attenção do governo.

Quanto ao segundo, sobre o estado de sitio de Lisboa, embora s. exa. dissesse que o governo não tinha dado ordens senão para manter a tranquillidade, não posso deixar de estranhar que este governo, que representa o partido que queria os meetings como co-efficientes de correcção, seja é proprio que queira impedir todas as manifestações da opinião. (Apoiados.)

Sr. presidente, Lisboa tem permanecido em estado de sitio, e esta casa cercada e invadida pela policia; e ainda hoje o está, e a mim cobrem-se-me as faces de vergonha quando entro nos corredores da camara e os vejo pejados de policias. (Apoiados.) Bem basta o que vae lá fóra.

Para a camara fazer idéa da tolerancia do governo sempre lhe narrarei o que se passou commigo.

Saindo d'esta camara, um d'estes dias, com alguns collegas nossos, que me ouvem, e parando por alguns momentos na rua de S. Bento á espera de outros collegas, observámos o apparato policial e a grande concorrencia de povo; n'esse momento approximaram-se de nós cavallarias municipaes que nos deram ordem para nos retirarmos d'aquelle sitio.

Vozes: - É verdade, é verdade.

O Orador: - Quando eu julgava que podia estar ali, pois não ha lei nenhuma que o prohiba, perguntei qual a rasão por que nos mandavam retirar d'ali, quando nós eramos, espectadores pacificos; responderam que eram as ordens que tinham.

Um official disse-lhes que nós eramos pares do reino, e elles redarguiram que as ordens não faziam excepção. Nós reconhecemos que elles tinham rasão, e retirámo-nos.

Se reconhecemos que elles tinham rasão, tambem reconhecemos que o governo não a tinha e andou muito mal.

Pergunto ao sr. Braamcamp em nome de que principio, em nome de que lei mandou e manda impedir a entrada do povo em S. Bento, e dispersar os membros do poder legislativo que param em qualquer rua?

Sr. presidente, quando se vê um ministerio progressista falsear o seu programma nas cousas as mais simples e singelas, causa dó, mette compaixão.

Do seu programma, que está esfarrapado, nem sequer já me occupo; o que me admira é que o sr. Braamcamp se preste a ser flagello do paiz pela falta de força e coragem para reagir aos desvarios dos seus imprudentes collegas.

Deixemos este assumpto, passemos a outro.

S. exa., o sr. presidente do conselho, sobre a questão do preenchimento dos circulos vagos, pretendeu desculpar-se com os precedentes, dizendo que sempre assim se tem feito.

Vê-se que s. exa. não conhece a historia, nem mesmo a do seu partido; pois se conhecesse a historia, ou se a não quizesse adulterar, não se serviria de um argumento tão mal cabido e tão contraproducente.

Mas suppondo mesmo que os precedentes o poderiam fortificar, acaso um mau precedente exime o ministro de cumprir o seu dever, e de satisfazer ás praxes constitucionaes?

Os precedentes são lhe inteiramente contrarios, condemnam o procedimento do sr. Braamcamp.

Pois não citei eu aqui os precedentes do sr. bispo de Vizeu, que é insuspeito, para o partido progressista?

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Não disse eu que o sr. bispo de Vizeu tinha no mesmo anno mandado proceder por duas vezes ás eleições supplementares para preenchimento dos circulos vagos?

Hão citei tambem o exemplo do sr. duque de Loulé?

Pois o sr. Braamcamp, progressista, o chefe de um governo que se diz tão liberal, não quer que o para todo esteja representado na outra casa do parlamento?!

O governo veiu aqui declarar que tinha o apoio do Rei, da nação e dos seus representantes. Ora, se assim é, porque não quer que se preencham as vacaturas dos circulos que não têem representantes na outra camara?

Não era o seu dever fazer preencher essas vacaturas, e ao mesmo tempo não lhe seria isso de conveniencia para mostrar a verdade da sua asserção com respeito á sua popularidade?

Porque não ensaia a sua popularidade fazendo uma vez eleições livres?

Estes factos não se commentam, deixam-se á apreciação da camara.

Por occasião da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa dirigi-me ao sr. presidente do conselho, e interpellei-o ácerca da epocha em que foram feitas as eleições supplementares, a respeito das quaes eu tinha promettido pedir severas contas a s. exa. O sr. presidente do conselho não se dignou responder-me, n'esta parte; e é por isso que de novo me vou occupar d'este assumpto.

Sr. presidente, na verdade sinto mágua em ver sentado n'aquella cadeira um homem, como o sr. Braamcamp, sujeito a uma pressão tão forte que o obriga a praticar actos improprios do seu caracter.

Quando o anno passado levantei a questão das vacaturas dos circulos eleitoraes, pedi a s. exa. que me declarase quando tencionava mandar proceder ás eleições supplementares.

O sr. presidente do conselho respondeu que mandaria proceder a essas eleições logo que a camara dos senhores deputados declarasse os circulos vagos. A mesma resposta foi dada pelo governo na outra casa do parlamento.

Tendo sido declarados vagos os differentes circulos, e passando-se mais de um mez sem se ter mandado proceder ás eleições n'esses circulos, perguntei novamente ao sr. presidente do conselho a rasão por que não tinha cumprido a sua palavra. S. exa. respondeu que tinha julgado mais acertado esperar que se concluisse a revisão dos recenseamentos. Era necessario falsificar os recenseamentos, e por isso o governo esperava por elles para ter mais certo o seu triumpho; está é que era a verdade, sabia-o por amigos do governo.

Mais tarde, depois d'esta reconsideração, exigi que s. exa. me declarasse qual o dia em que mandaria proceder ás eleições supplementares. Aqui está a resposta do sr. presidente do conselho.

(Leu.)

Foi uma resposta formal e categorica, da qual não se podia duvidar, dada a uma pergunta, tambem categorica e formal, a um par do reino. Essa resposta foi, como a camara ouviu, que se effectuariam as eleições supplementares no mez de julho; foi essa a promessa do sr. presidente do conselho; mas passou-se esse mez, passaram-se outros, e só em outubro é que tiveram logar as eleições! Foi assim que o sr. Braamcamp cumpriu a sua palavra compremettida solemnemente perante o parlamento. Qual foi o caso de força maior que obrigou s. exa. a faltar á sua promessa, qual o motivo que o obrigou a reconsiderar e a illudir a camara mais uma vez? É preciso que s. exa. se justifique, é preciso que s. exa. de uma satisfação á camara de a ter illudido.

Repito, sinto amargamente ver um homem respeitavel, como é o sr. presidente do conselho, humilhado e abatido a este ponto, e de me ver na situação dolorosa de apreciar os seus actos com palavras tão severas; mas não posso deixar de o fazer, e de lhe lembrar a sua grande responsabilidade, que o paiz está soffrendo, e muito, e que esses males, que são grandes e graves podem arrastar com a queda do ministerio a queda das constituições e da dynastia. Oxalá que eu não seja propheta. Termino aqui aguardando as novas explicações do sr. presidente do conselho.

O sr. Marquez de Vallada: - Está de accordo com as palavras do sr. presidente da conselho, mas em desaccordo cem as resoluções que s. exa. toma, porque diametralmente se oppõem a essas palavras.

Acompanha o sr. Vaz Preto quanto á necessidade urgente de proceder ás eleições complementares; recorda alguns factos da historia do partido progressista; e admira-se do apparato bellico desenvolvido nos ultimos dias. Admira-se, tanto mais quanto os jornaes do governo dizem não ter valor as manifestações occorridas.

Esteve no meeting que no tempo da administração transacta se effectuou contra a concessão Paiva de Andrade, mas á saída quasi não viu policias. As providencias tomadas foram de tal acerto, que não se chegou a perceber se tinham sido postas em pratica. Mas a verdade é que no referido meeting se proferiram, por parte de alguns conspicuos membros do partido progressista, certas injurias que desde logo elle (orador) reprovou; e, todavia, não houve repressão.

(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.)

O sr. Pereira Dias: - Emquanto deputado, não se julgava verdadeiramente independente, agora que é par do reino está sentindo já um appetite de se afastar do governo mostrando assim que não é falsa a legenda de que o entrar n'esta camara produz modificação de tal ordem, que o programma de hontem, não é o programma de hoje; por isso não dirá cousa alguma em favor do governo; apenas enuciará algumas verdades e defenderá como souber certos principios.

Dirigindo-se ao sr. Vaz Preto, disse que a camara e o paiz estão cançados de saber como se conseguem assignaturas para representações aos poderes publicos. Em todas as conjuncturas se empregam meios mais ou menos analogos, mais ou menos regulares.

Não sabe se é exacto o que disse o sr. Vaz Preto, mas póde asseverar que o governo é completamente estranho aos manejos de que s. exa. fallou.

Dado que sejam exactas as informações do digno par, e o que vem escripto nas duas representações, póde em contrario mostrar cartas de amigos seus affirmando que são pouco mais ou menos os mesmos processos empregados pela opposição.

Tambem presenceou o apparato de força a que se tem alludido: haveria, porventura, uma execução menos correcta das instrucções transmittidas, mas o intento, o pensamento que as dictou, foi sustentar a ordem e garantir a liberdade de todos.

E verdade que alguns dignos pares, que alguns senhores deputados, receberam advertencias para se retirarem d'este eu d'aquelle ponto, mas esse facto proveiu do desconhecimento que d'esses cavalheiros tinham os agentes da força publica.

Não se admira da manifestação que teve logar, assistiu já a muitas, e por algumas d'essas campanhas ganharam posições elevadas e importantes os individuos que as dirigiram.

Recomnenda ao governo que sustente a ordem, e permitta que a opinião publica se manifeste livremente, pelos meios legaes; mas, desde que houver desordem, tumultos ou arruaças, empregue os meios suasorios, e, se for necessario, empregue a força.

Se o governo não póde ou não quer empregar á força, então deixe o poder áquelles que instigam essas arruaças. Já não era a primeira vez que succedia isto, mas as consequencias nunca têem sido favoraveis para o paiz.

(Os discursos do digno par serão publicados quando s. exa. os devolver.}

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O sr. Marquez de Ficalho: - Fallar em paz, quando tudo convida á guerra; fallar da ordem, quando a desordem é a ordem do dia; é uma missão dificultosa, mas eu não posso ter outra. Pela minha idade, pela minha experiencia, sei que calamidade é a guerra e a desordem.

Sr. presidente, o que vemos significa o resultado das nossas querellas de uns contra outros.

"A culpa é sua, a culpa é vossa." Com estas fataes palavras e, de mais a mais, debaixo de uma pressão terrivel do espirito destruidor, tudo desapparece. A força tão necessaria para a vida, quem a tem? Tem-na o governo? Duvido. Tem-na a opposição? Receio. Tem-na o parlamente? Alem de tudo, dividiram esta camara ao meio, em duas metades. O lado que tiver quatro doentes, esse lado é a minoria.

Se fosse remedio, eu fazia uma confissão, e verdadeira: A culpa é minha, a culpa é de todos.

E, n'esta confusão, pergunta o sr. Carlos Bento se o deficit morre ou vive?

Pergunta e ninguem lhe responde; mas respondo eu hoje.

Não morre, porque se nutre com estas desintelligencias.

Com felicidade só uma nação é capaz de fazer tres cousas: guerra, paz e finanças.

A França quiz fazer a guerra sem a approvação de to dos; não foi feliz.

Quiz fazer a paz, com repugnancia de muitos; teve de nadar no seu proprio sangue, para vencer as paixões ruins que apparecem nos momentos de angustia e de afflicção.

Quiz fazer finanças; todos, sem excepção de um homem nem de um partido se uniram n'esse pensamento; e que finanças tão fabulosas que se fizeram!

Milhares e milhares de milhões se deram aos vencedores; milhares e milhares de milhões teve aquella nação com que saldar as suas contas; e apresentou um orçamento que não só não tinha deficit, mas em que havia sobras, para poder annunciar que d'ali em diante a difficuldade financeira seria diminuir os impostos com justiça e igualdade.

Sinto não ter uma palavra alegre a dizer, nem uma consolação.

Até, por minha desgraça, fui ler a historia da Polonia. Ali achei na primeira pagina: "A culpa é sua, a culpa é vossa".

E a culpa foi de todos, e tudo desappareceu. Só lhe ficou o nome e as nossas sympathias.

Sr. presidente, eu sou obrigado hoje a pronunciar uma palavra que nunca pronunciei, e que o meu orgulho me dizia que não pronunciaria até ao fim da minha vida; mas o orgulho paga-se n'este mundo, e eu vou, com os olhos baixos e humildes, dizer:

Tenho medo, tenho medo, tenho medo.

(O orador foi muito comprimentado.)

O sr. Vaz Preto: - Julguei que teria de responder ao sr. presidente de conselho de ministros em virtude das palavras severas que ha pouco lhe dirigi; entretanto com espanto meu é ao sr. Pereira Dias a quem tenho de dar explicações!

Vou pois responder a este digno par, que tomou a posição do governo para o defender, já que elle o não sabe fazer.

O sr. Pereira Dias declarou que não lhe tinham soado bem as palavras que eu soltei, quando disse que o governo havia de largar as cadeiras do poder por bem ou por mal.

Disse essas palavras, repito-as; sua explicação é obvia, mas como o sr. Pereira Dias pareceu não as compreder, em vou explicar o seu sentido.

Quando um governo declara, como este tem feito, que as resoluções d'esta camara não têem importancia, quando na outra casa do parlamento se diz a mesma cousa, quando se assevera que esta camara não póde irrogar censuras e quando as irrogue não se deve fazer caso das suas votações, é claro que, respondendo a estas declarações absurdas e imprudentes do governo a opinião publica com energicas manifestações e mesmo com a agitação popular, mais tarde, se o governo continuar a querer sustentar-se contra todas as indicações, ha de ser por bem ou por mal arrancado d'aquellas cadeiras.

Não é necessario ser-se muito perspicaz para se prever o que ha de acontecer.

A historia que é o deposito de observações e de experiencias feitas no passado nos dão frequentes exemplos de queda estrepitosa de generos obececados, que pretendem resistir á torrente da opinião publica.

Sr. presidente, oxalá que esta agitação a que eu alludi não caminhe para a agitação mais forte, que é a revolução, e que arrancará os ministros d'aquellas cadeiras, (indica as cadeiras do governo) levando na sua queda tambem as instituições.

Creio que, depois de dadas estas explicações, já as minhas palavras não devem soar tão mal, porque a conclusão é a verdadeira e a unica lógica, e creio que o digno par, o sr. Pereira Dias, na sua consciencia e modo de pensar tirará as mesmas illações.

Dadas estas explicações ao digno par, á camara e ao paiz, dirigir-me-hei novamente ao sr. presidente do conselho, perguntando-lhe qual é a rasão por que s. exa. affirmou á camara, e se comprometteu em nome do governo, emmandar proceder ás eleições em julho do anno passado e só as fez em outubro?

Quando o sr. Braamcamp, chefe de um partido, toma um compromisso serio perante o parlamento, bastava mesmo perante qualquer dos seus membros isoladamente, devia cumprir á risca aquillo a que se compromettêra; mas s. exa. não o fez, sem duvida porque houve caso de força maior que não o deixou cumprir.

Qual foi, pois, o caso de força maior que houve para impedir que s. exa. não mandasse fazer as eleições na epocha em que prometteu á camara que as faria? Não havendo caso de força maior, como é que s. exa., que se preza de ser homem de bem, se conserva ainda presidente do gabinete?

Ainda ha um outro ponto que me ia escapando de responder ao sr. Pereira Dias, já que não tenho que responder ao governo, mas sim a s. exa., que veiu tomar a sua defeza,

Disse s. exa. "que o governo tinha feito bem em proceder como procedeu para manter a ordem, e que se alguns dignos pares e deputados tinham sido mandados retirar pelas cavallarias do ponto onde estavam, é porque não foram conhecidos": foram conhecidos, posso affirmal-o ao digno par, porque até um official da guarda municipal declarou aos cavallarias que os que ali estavam eram pares do reino, (Apoiados repetidos.) e os cavallarias responderam, e muito bem: "as ordens que temos são para todos; (Apoiados.) nós não fazemos excepções". E responderam muito bem: (Apoiados repetidos.) nós, porém, respeitámos aquellas ordens que lhe tinham sido dadas e que a elles cumprir executar, obedecemos e retirámos-nos; e se isso se passou assim, e n'aquella occasião respeitámos o proceder digno dos soldados, (Apoiados.) nem por isso deixamos de cumprir com o dever, que tambem nos cabe, de tomar contas ao governo por nos dar d'estes apparatos ridiculos, que não significam senão a contradicção completa das idéas que o governo sustentava, de que desejava as manifestações da opinião publica, que respeitava; que queria que ella se exprimisse; e quando ella, sem sair fóra da ordem, se pretende manifestar, vem o governo immediatamente oppor-lhe barreira com apparatos bellicos, mas de todo o ponto dignos d'este governo, porque são apparatos ridiculos.

Eu desejo pois, saber qual foi a força maior que levou o sr. Braamcamp a faltar á sua palavra, qual é a força

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occulta que o tem acorrentado, que leva s. exa. a dizer-nos hoje aqui uma cousa, ámanhã, dizer outra muito ámanhã dizer outra muito diversa; prometter hoje uma cousa e ámanhã fazer o contrario; n'uma palavra, faltar a tudo, tudo que promotte? Eu espero ouvir as rasões de s. exa., quero saber qual á casa força occulta a que s. exa. se curva. S. exa., por dignidade sua, carece de se explicar precisamente.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Sr. presidente, não desejo alongar este debate, e por isso restringir-me-hei ás perguntas que mais directamente me tem sido dirigidas; e desde já peço desculpa ao digno par, sr. marquez de Vallada, de não acompanhar s. exa., n'esta occasião, em todas as suas observações. Outro ensejo teremos para isso; e, portanto, limitar-me-hei, n'este momento, á questão principal que se debate, e que se refere ás providencias ultimamente adoptadas para a conservação da ordem publica.

Sr. presidente, devo declarar novamente á camara que o governo está resolvido a manter a ordem. É um dever indeclinavel que se impõem a todos os governos e a que não deixaremos de obedecer.

Accusa-se o governo por ter apresentado um grande apparato de força publica; não pretendo discutir se effectivamente assim foi, mas devo lembrar á camara que esse apparato fez com que as arruaças e desordens que ameaçavam a capital podessem ser completamente suffocadas e reprimidas, sem que se realisasse uma só prisão, sem que felizmente houvesse um unico ferimento, e sem que se désse algum acto, ainda o mais insignificante, de violencia. Felicito-me por esse apparato de força publica, que evitou a necessidade de recorrer a outros meios para conter manifestações illegaes de alguns grupos desordeiros.

Não sei se esse apparato era ou não necessario, mas muito prefiro que elle fosse excessivo, a que faltasse na occasião opportuna.

Houve toda a prudencia, ninguem o póde negar, da parte do commandante da guarda municipal e de toda a guarda. Houve sempre a maxima, prudencia; e a prova está nos acontecimentos que todos presenceámos. Nem uma prisão, repito, nem um ferimento houve.

Diz-se que nas provincias tem havido manifestações, que o paiz está agitado e que estamos ameaçados de graves acontecimentos.

O decano d'esta camara, o homem que tomou uma parte tão brilhante nas campanhas da liberdade, vulto venerando que tão grandes serviços prestou a este paiz, disse que era pela primeira vez que tinha medo.

Não me apavoram taes receios, e creio que posso responder a s. exa. que póde estar tranquillo, que não deve ter medo. Todos os partidos, todas as fracções politicas, em que se divide esta e a outra casa do parlamento, todos hão de unir-se para manter a ordem publica, para sustentar as liberdades que tantos sacrificios nos custaram, contra quaesquer excessos que porventura as possam ameaçar.

Sr. presidente, eu não tenho medo, porque confio no bom senso, no patriotismo do paiz.

A agitação que temos presenceado, n'estes ultimos dias, não é para mim um symptoma que nos deva causar quaesquer receios. E se algum perigo houvesse, confio em que todos os partidos não deixariam de auxiliar o governo, porque todos elles desejam a ordem, e que sejam mantidas as garantias constitucionaes, e que hão de, portanto, abster-se de toda e qualquer manifestação que lhe seja contraria.

O digno par, o sr. Vaz Preto, estranhou que e chefe do partido progressista, esquecendo o programma d'esse partido, viesse declarar que o governo tem como principal dever o de manter a tranquillidade publica.

Mas, sr. presidente, qual é um dos primeiros pontos d'esse programma, que tão debatido tem sido?

É manter a ordem publica e as instituições constitucionaes, e a este ponto do seu programma tem o governo attendido e ha de satisfazer sem hesitação.

O gabinete actual subiu ao poder em virtudes da livre escolha da corôa, e quando elle entender que e chegada a hora, de entregar as pastas ha de entregal-as ao poder moderador, mas livre de toda o qualquer pressão, e deixando a El-Rei a sua liberrima escolha sem coacção alguma. Este é dever a que não devemos faltar.

O governo ha de empregar todos os meios ao seu alcance para, no momento em que tiver de entregar o poder; o fazer dignamente, sem pressão, e attendendo unicamente a indicações legaes.

Disse o digno par que o governo tinha declarado que não dava importancia ás votações da camara.

O governo nunca avançou uma tal idéa, e protesto contra a asserção do digno par: respeito esta camara como um dos poderes constitucionaes, e pela minha parte nunca disse, nem me consta que se dissesse por parte do governo, que esta camara podesse merecer-lhe menos consideração do que qualquer dos outros altos poderes do estado.

O sr. Vaz Preto tambem se referiu ás eleições supplementares, queixando-se de que eu houvesse affirmado n'esta camara que estava assignado o decreto para que as eleições supplementares tivessem logar no mez de julho do anno passado, sem que todavia se realisassem taes eleições no praso marcado.

Não o nego, mas devo lembrar a s. exa. que depois da sessão legislativa estar encerrada, era de todo indifferente que a eleição se realisasse mais tarde ou mais cedo, comtanto que fosse antes da abertura da nova sessão da camara.

É verdade que eu disse que o decreto estava assignado; e de facto assim era, mas entendeu posteriormente o governo que podia, sem inconveniente, espaçar a eleição.

Feita esta declaração com toda a franqueza, persuado-me que s. exa. ha de reconhecer que effectivamente não pedia ter importancia alguma o adiamento das eleições supplementares.

São estes os pontos principaes em que tocou o digno par. Dirigindo s. exa., a respeito de cada um d'elles, perguntas ao governo, limitei-me, por emquanto, a responder succintamente a cada uma d'ellas, reservando para outra occasião, a fim de não alargar mais o debate, a resposta ás considerações mais geraes apresentadas n'esta sessão por alguns, dos dignos pares que têem usado da palavra.

O sr. Fontes Pereira de Mello: - Mandou para a mesa representações do concelho do Terras do Bouro, e pediu que fossem publicadas no Diario do governo, occupando-se depois das considerações feitas pelo sr. presidente do conselho.

(O discurso de s. exa. será publicado quando o devolver.)

O sr. Pereira Dias: - Explicou as palavras que proferira quanto ao valer das representações.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o requerimento do sr. Fontes, para que sejam publicadas no Diario do governo as representações que s. exa. mandou ha pouco para a mesa tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Vaz Preto: - Poucas palavras direi em resposta ás asserções do sr. presidente de conselho. S. exa. para justificar o seu procedimento com relação ás eleições supplementares, que prometteu mandar effectuar em julho do anno passado, mas que só em outubro do mesmo anno se [...] disse que não havia inconveniente em effectual-as em julho ou alguns trezes mais tarde, visto já não puderam tomar parte na camara. Na verdade, esta justificação do sr. presidente do conselho é impropria do seu caracter.

S. exa. quando faz uma promessa na camara, em nome do governo, pensou-a e tem obrigação de a cumprir, não

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ha rasão, nem subterfugio, nem evasiva, que possa justifificar o homem de bem, e que se presa, de faltar á sua palavra e ao seu compromisso tomado.

Pelo que respeita ás novas vacaturas não deixa de ser curiosa tambem a declararão do sr. presidente do conselho, de que não tem mandado proceder á eleição porque ainda os novos pares não tomaram assento!!!

Na verdade, o sr. Braamcamp está fazendo muito pouco caso do credito do partido progressista e da representação popular. Pois o governo póde arrancar aos circulos os seus representantes, e não lhes póde dar outros que os substituam?

O procedimento do gabinete progressista, tanto no que respeita ás eleições supplementares do anno passado, como nas d'este anno tem andado por uma fórma altamente censuravel:

Já v. exa. vê, pois, sr. presidente, que a explicação do sr. presidente do conselho não póde por fórma alguma satisfazei1 a camara, e que nem mesmo póde justiticar o procedimento do sr. presidente do conselho a consideração que s. exa. pretende ter tido para com esta camara, esperando que ella désse o seu parecer sobre as cartas regias dos novos dignos pares.

Ora, em vista d'esta falta de cumprimento da palavra de s. exa., n'este negocio do preenchimento dos circulos vagos, é licito pôr em duvida a veracidade de qualquer outra declaração que s. exa. faça.

Deixemos, porém, este assumpto.

S. exa., o sr. Anselmo Braamcamp, declarou que por se ter desenvolvido o apparato de força, que se desenvolveu, é que os disturbios não continuaram. Mas eu não posso deixar de insistir n'este ponto, e perguntarei qual foi o motivo pelo qual o commandante das guardas municipaes mandou carregar as armas contra o povo e o que é que elle fez que motivasse esta ordem? Mandou o commandante da guarda municipal carregar as armas para usar d'ellas contra o povo inerme?! (Apoiados.} Não podia ser senão em virtude de ordens superiores. Pois, era o partido progressista que queria que se fuzilasse o povo! Era o sr. presidente do conselho que fazia com que esta casa estivesse cercada de municipaes e policias, de fórma que ninguem podesse entrar! E é o sr. presidente do conselho que se ufana com este apparato de força!

Sr. presidente, eu concluo, como o sr. Fontes, dizendo que é preciso ter olhos para ver e ouvidos para ouvir, porque são graves e gravissimos os factos que se estão passando, e ruidosos já os murmurios dos descontentes e dos que soffrem.

Receio, sr. presidente, que os factos passados em Hespanha com o ministerio Zorrilla se reproduzam entre nós, e que os radicaes de cá façam o mesmo que fizeram os radicaes de Hespanha.

O meu receio é tanto maior quanto entre os ministros existe um cujas opiniões republicanas e relações com esse partido são muito conhecidas.

Quem tem olhos abra-os e veja, quem tem ouvidos descerre-os é ouça emquanto é tempo.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Como vê entrar na sala o sr. ministro do reino, repete o que disse quanto ao facto de haver o commandante da guarda municipal ordenado aos soldados que carregassem as armas. Não lhe parece motivo sufficiente, para empregar a força, a circumstancia de não se dispersarem á voz d'aquelle commandante alguns grupos de cidadãos inermes e que protestavam apenas com a palavra e o numero contra os actos do governo.

Fez ainda outras reflexões.

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Ainda não recebeu um relatorio circumstanciado ácerca dos acontecimentos a que se allude.

As ordens que o governo tem transmittido aos seus delegados são: para se respeitarem todas as manifestações legaes, por mais violentas que sejam, contra o governo; para não se violar a liberdade individual; para se permittir a todos os cidadãos o uso plenissimo dos direitos que as leis lhes concedem; porém, quando abusarem, o ministerio1 tomará, sempre dentro da lei, as providencias necessarias para que a ordem, seja mantida e acatadas as instituições vigentes.

O sr. Presidente: - Está terminado este incidente. Vamos passar á ordem do dia, que é a continuação da discussão do parecer n.° 154, Tem a palavra o sr. camara Leme.

ORDEM DO DIA

O sr. Camara Leme: - Sr. presidente, eu pedi a palavra sobre a ordem, porque tenciono mandar para a mesa uma moção.

Começarei pedindo desculpa á camara, em presença da gravidade do assumpto, pelo tempo que lhe vou tomar, dignando-se permittir-me dizer alguma cousa sobre o projecto de que fui auctor.

Talvez á camara tenha parecido estranho não ter eu ainda entrado n'este debate; mas a rasão, por que não tomei já a palavra sobre o assumpto, foi principalmente porque a questão tem sido tão lucidamente tratada pelos dignos pares, meus amigos e illustres membros da commissão, os srs. Fontes e Barros e Sá, que de certo seria loucura em mim ter a pretenção de esclarecer a materia. Alem d'isso, o meu estado de saude tambem não me tem consentido tomar parte na discussão.

Sr. presidente, desde já previno a camara de que não tem que assustar se de fastidiosa exposição que eu queira fazer-lhe, lendo innumeras leis obsoletas, ou levantando castellos de papeis velhos, como já aqui se construiram, mas que por terra caíram a um simples sopro, da eloquencia do sr. Fontes. Vou apenas em breves palavras, e quanto cabe em minhas debeis forças, offerecer as rasões que me obrigaram a apresentar o projecto de lei que se discute,

Sr. presidente, o governo publicou o decreto de 10 de setembro, a respeito de cuja legalidade se levantaram duvidas, de que podiam resultar graves inconvenientes. Porém, o governo, que não tinha e ainda hoje não tem opinião assentada ácerca da legalidade ou illegalidade do mesmo decreto, mandou consultar a procuradoria geral da corôa, não se conformando, porém, com a opinião da maioria dos fiscaes.

O sr. ministro do reino acoimou este projecto, e a commissão de leviandade.

Ora, s. exa. podia chamar-me leviano, no sentido de irreflexão; mas não podia abranger n'esse epitheto pouco lisonjeiro os illustres generaes e demais membros, que fazem parte da commissão, e um dos quaes é director geral da secretaria da guerra.

Pergunto eu:

Qual foi a consequencia logica a que se chegou?

Foi a illegalidade d'aquelles decretos.

D'aqui, a necessidade imperiosa do bill. O fim da commissão foi estabelecer doutrina de modo tal, que de futuro se não apresentassem novas difficuldades, e que nenhum ministro podesse julgar as causas de preterição por differentes maneiras.

A commissão estabelece que vigorava o artigo 75.° da, lei de 10 de dezembro de 1868, que tão fallada tem sido n'esta discussão, tendo addicionado ao projecto dois artigos.

Devo declarar a v. exa. e á camara que não fui eu que lembrei aquelles dois artigos, porque um d'elles podia-me ser applicado.

Não tive conversa alguma com o sr. Pontes sobre este objecto, e s. exa. póde dar testemunho de que eu nada disse a este respeito.

O digno par, com a sagacidade do seu espirito, entendeu que devia addicionar áquelle projecto o artigo 3.° que

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ao Sr. ministro do reino pareceu inconveniente, e que ia augmentar extraordinariamente a despeza, sem que s. exa. se lembrasse de que o decreto de 10 de dezembro de 1880, e os outros a que elle se refere, é que tinham dado logar áquella disposição.

Sabe v. exa., sr. presidente, quem eu suppunha achar nas cadeiras do poder, e a quem desejava dirigir algumas modestas considerações?

Não era ao meu antigo amigo e condiscipulo o sr. Castro, mas sim, e como consequencia necessaria do decreto que suspendeu a suspensão dos decretos de 1880, o sr. João Chrysostomo.

Por esta occasião devo dizer que me associo completamente a todos os elogios que foram feitos aqui ao sr. Castro, a quem o sr. Barros e Sá chegou até a chamar santo; e de certo s. exa. se póde reputar como tal, sujeitando-se a acceitar a responsabilidade que cabe ao governo por este e por outros actos de administração militar, como terei outra occasião de levar á evidencia n'esta camara, restringindo-me agora á materia.

Sr. presidente, sabe v. exa. o que se póde concluir de tudo quanto se tem dito, de todas as leis que se têem citado, de todos os precedentes que se têem estabelecido?

É que não póde haver boa regeneração para o exercito, sem queimar toda a legislação actual e fazer outra nova, porque tem havido precedentes para tudo, têem-se invocado leis para justificar esses precedentes, e todos os abusos do poder.

De ha muito que eu nutro esta convicção profunda: é mister queimar toda a legislação actual e fazer-se uma nova, mas cumpril-a religiosamente.

Não tem sido possivel saber-se qual a opinião do governo ácerca da legalidade ou illegalidade dos decretos de 1880.

O sr. Barros e Sá, relator da commissão, instou por mais de uma vez com o sr. ministro da guerra para que s. exa. declarasse se os decretos eram legaes ou illegaes.

S. exa., o sr. Castro, não proferiu uma unica palavra a este respeito.

Disse perfeitamente o sr. Fontes, que, na opinião do governo os decretos eram legaes, porque, se fossem illegaes, não podia o sr. ministro recusar o bill de indemnidade proposto pela commissão.

Mas vejamos agora se o governo foi sempre do mesmo parece?.

Nós não podemos arrancar a s. exas. os srs. ministros a sua opinião sincera sobre o assumpto; não temos, portanto, remedio senão procurar por inducções, por algum facto ou circumstancia, descobrir a opinião do governo a tal respeito.

Hei de prescindir, quanto possa, de fazer muitas leituras, prometto ser breve; faltam vinte minutos para dar a hora e eu não desejo ficar com a palavra reservada.

É muito facil descobrir a opinião do governo, examinando o que diziam jornaes semi-officiaes, redigidos por amigos seus muito dedicados.

Lerei apenas uns trechosinhos.

Podia dizer em resumo o que escrevia este jorna], mas não quero de modo algum ser accusado de alterar o sentido das suas palavras.

(Leu.)

O illustre redactor de outro jornal que tambem defende a politica do governo, diz:

(Leu.)

O Progresso escrevia o seguinte:

(Leu.)

De tudo isto se conclue, quasi com certeza, que a intenção do governo era revogar o decreto de 1O de setembro e os que d'elle derivaram.

Porque não o fez?

Já o meu antigo amigo, o sr. visconde de Chancelleiros, disse que foi por medo. Eu não quero dizer que fosse por falta de coragem dos srs. ministros, mas effectivamente foi medo de terem de deixar aquellas cadeiras.

Pois não sabe toda a gente que esta medida do governo indignára e agitará a opinião publica? Que no animo dos officiaes do exercito havia despertado apprehensões? E que os officiaes, que por essa medida podiam ser prejudicados nos seus direitos adquiridos, tratavam de fazer uma representação ao governo?

Ninguem em Lisboa ignorava este facto. Debaixo das arcadas do Terreiro do Paço não se fallava de outra cousa.

Só os srs. ministros o ignoravam?!

A verdade é, sr. presidente, que o governo sabia tudo perfeitamente. Começou a mudar de opinião e a julgar legaes os decretos, e como queria apresentar algumas rasões, soccorreu-se ao parecer da minoria dos fiscaes da corôa, com o qual disse que se conformára, e a final suspendeu a suspensão, e mandou, revalidar os decretos do sr. João Chrysostomo.

Da parte do governo tem-se argumentado de modo a fazer crer que estes decretos são legaes. Ora, pergunto: se não fosse o decreto de 10 de setembro de 1880, podia o sr. Affonso de Campos ser reformado com dois postos, quando o alvará de 16 de novembro de 1790 não permitte que militar algum se reforme senão no posto immediato com o soldo correspondente? De certo que não. E não é só esta disposição que a isso se oppunha, mas tambem a lei de 23 de junho de 1864 que estabelece no artigo 72.° que nenhum general de brigada possa reformar-se senão depois de quatro annos de serviço effectivo n'este posto. Suppondo mesmo que o sr. Affonso de Campos fosse indemnisado da sua preterição, só lhe cabia ser general de brigada em 1878, e por consequencia em 1880 faltavam-lhe dois annos ainda para poder ser reformado em general de divisão. Já se vê, pois, que os decretos de 1880 foram contra a disposição das leis citadas e que se não póde contestar a sua illegalidade.

O sr. ministro do reino para justificar o procedimento do governo, com relação á suspensão dos decretos do sr. João Chrysostomo, argumentou com um exemplo que se dera n'outra epocha, em que o partido progressista estava tambem no poder, e que foi nada menos do que mandar-se suspender uma lei por um simples aviso na ordem do exercito. É certo que esse facto se deu; essa lei porém, que aliás continha principios aeceitaveis, e dizia respeito á questão do accesso, tinha produzido certa inquietação lá fóra; o governo receiou se d'ella? e suspendeu immediatamente a lei, menos o tal artigo 75.°, na opinião do sr. ministro do reino, artigo que julgo foi restabelecido em 1871 pelo sr. general Rego.

Por conseguinte, está demonstrado que a illegalidade dos decretos do sr. João Chrysostomo não se póde contestar, como o sr. Fontes provou irrefragavelmente. Se eu quizesse soccorrer-me a outras auctoridades, tambem muito valiosas, para affirmar essa illegalidade, tinha o parecer da maioria dos fiscaes da corôa, que concilie por dizer: que são illegaes aquelles decretos. A camara tem conhecimento d'esse parecer e das rasões em que se funda para chegar áquella conclusão, baseada principalmente no alvará de 1790 e lei de 23 de junho de 1864.

O governo o que queria era ter pretexto para levantar a suspensão e tornar legal aquillo que em outra epocha considerara illegal. Nem de outra maneira se póde explicar a entrada no governo do sr. Castro.

Agora, or. presidente, vejamos com que fundamento o sr. João Chrysostomo publicou aquelles decretos..

Sr. presidente, a hora está quasi a dar o eu, per mais que o diligenceie, não posso n'estes poucos minutos dizer tudo quanto ainda me resta a dizer, embora resuma muito as minhas considerações. Peço, portanto, a v. exa. que me reserve a palavra para continuar na proxima sessão; porque, comquanto não tencione responder a todos os argumentos que se têem apresentado contra o projecto, não

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posso, comtudo, deixar de responder a alguns dos mais importantes. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - O digno par não manda a sua moção para a mesa?

O sr. Camara Leme: - Se v. exa. me dá licença, eu a mandarei quando acabar o meu discurso; mas se v. exa. exige que eu a mande já para a mesa, agora mesmo o farei.

Leram-se na mesa duas mensagens.

O sr. Presidente: - Quanto á moção do digno par, o sr. Camara Leme, não vejo inconveniente em que s. exa. a não mande já para a mesa, mas sim quando terminar o seu discurso.

A proxima sessão terá logar terça feira, 15 do corrente, e a ordem do dia será a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 12 de março de 1881

Exmos. srs.: Vicente Ferrer Neto de Paiva, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Marquezes, de Ficalho, de Penafiel, de Sabugosa, de Vallada, de Vianna, de Monfalim; Arcebispo de Evora; Condes, dos Arcos, de Avillez, de Cabral, de Castro, de Linhares, de Podentes, da Ribeira Grande, de Paraty, de Valbom; Bispos, de Vizeu, de Bragança; Viscondes, de Algés, de Almeidinha, de Alves de Sá, de Bivar, da Borralha, de Chancelleiros, da Gandarinha, de S. Januario, das Laranjeiras, de Ovar, de Portocarrero, de Seabra, de Soares Franco, de Villa Maior, da Praia Grande, da Praia, de Valmor, de Borges de Castro; Barão de Ancede; Mendes Pinheiro, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Antonio Machado, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Secco, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Magalhães Aguiar, Ornellas, Rodrigues Sampaio, Pequito de Seixas, Serpa Pimentel, Cau da Costa, Xavier da Silva, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Francisco Cunha, Margiochi, Henrique de Macedo, Andrade Corvo, Ferreira Lapa, Mendonça Cortez, Gusmão, Braamcamp, Pinto Bastos, Castro, Fernandes Vaz, Reis e Vasconcellos, Manços de Faria, Raposo do Amaral, Ponte e Horta, Costa Cardoso, Mexia Salema, Matoso, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Pires de Lima, Vaz Preto, Pereira Dias, Franzini, Canto e Castro, Placido de Abreu, Carneiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Seiça e Almeida, Barjona de Freitas, Costa Lobo, Baptista de Andrade.

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