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270 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

e que muito menos é permittido discutir requerimentos com o pretexto de fallar sobre o modo de propor.

Só se pede a palavra sobre o modo de propor quando se trata de votar por levantados ou sentados, ou nominalmente, ou quando, havendo mais de uma proposta na mesa, se trata de saber a ordem por que devem ser votadas.

Portanto, peço a v. Exa.:

1.° Que ponha á votação os requerimentos que foram mandados para a mesa sem admittir mais discussão sobre elles;

2.° Que separe a questão do imperador da Russia dos requerimentos apresentados pelo sr. visconde de Chancelleiros, porque me parece que aquella questão foi inopportunamente intercalada.

O sr. Daun e Lorena: — Pedi a palavra para ser esclarecido a respeito de um ponto.

Ouvi dizer ha pouco que não é permittido pelo nosso regimento discutirem-se os requerimentos. Eu pergunto a v. exa. se, quando algum requerimento contiver duas partes completamente distinctas, é licito a qualquer par pedir que cada uma d’essas duas partes seja votada em separado, porque póde haver quem queira votar a primeira parte e não vote a segunda, ou vice-versa. E sobre isto que eu desejo ser esclarecido.

O sr. Vaz Preto: — Eu senti que v. exa. não desse sessão para o dia de hontem, o que prova que o governo não tem n’esta camara nenhum negocio importante a discutir. Passou-se, pois, mais um dia sem eu poder apresentar n’esta casa um documento que ha dias tenho em meu poder, que é um desmentido formal á declaração feita pelo sr. ministro das obras publicas, a quem eu vou tomar contas severas, bem como ao governo a respeito dos ultimos acontecimentos que tiveram logar em Lisboa.

N’uma das ultimas sessões, referindo-me a uma affirmativa de que o governador civil do Porto tinha ido com tropa esperar alguns deputados que foram de Lisboa para tomar parte no meeting governamental que teve logar n’aquella cidade, o sr. ministro das obras publicas declarou aqui formalmente que era falsa aquella asserção, e que não tinham sido acompanhados por soldados esses deputados. Diante de uma afirmativa tão solemne saída da bôca de um ministro da corôa, eu calei-me apesar das affirmativas terminantes de quasi toda a imprensa do Porto, e nem podia deixar de me calar, porque tomo a serio os poderes publicos, e supponho que os ministros zelam a sua dignidade e a honra do poder de que estão investidos, e por isso tratei de ver se o facto, procurando novas informações e roais esclarecimentos, podia ser melhor esclarecido.

Sr. presidente, eu não gosto nem desejo ver rebaixados os poderes publicos, e, portanto, estimava que fosse falso o que se disse; mas até me convenci que o era, e que o deveria ser, desde que um ministro da corôa declarava perante o parlamento que o facto não era exacto.

Acontece, porém, que sem eu o solicitar nem o pedir, foi-me enviado do Porto o documento que vou ler e mandar para a mesa, assignado por alguns cidadãos d’aquella cidade, entre os quaes figuram individuos que são dos maiores contribuintes.

O documento diz o seguinte.

(Leu.)

Seguem-se doze ou quatorze assignaturas.

Sobre este ponto nada mais direi. Deixo á camara e aos que me ouvem os commentarios, e ao sr. ministro das obras publicas a tarefa de desfazer a má impresso d’este documento, e mostrar que o testemunho dos abaixos assignados, que viram e presenciaram este facto, não tem valor, nem prova a verdade.

Não me surprehende que o facto a que alludo seja verdadeiro, nem já duvido não só pela declaração que li, mas em vista do que acaba de se passar na capital, que é muito peior do que o succedido no Porto.

Sr. presidente, v. Exa. sabe muito bem que estavam annunciados para domingo dois meetings, um na rua de S. Bento e outro no salão do theatro de S. Carlos. O primeiro era republicano, o segundo monarchico.

No meeting monarchico apresentaram-se amigos politicos e pessoaes do sr. ministro das obras publicas, entre elles o seu secretario particular, empregados de confiança do governo, empregados de differentes secretarias, e gente assalariada que tinha sido mandada vir de fóra, com o intuito de promover a desordem e o proposito de fazer arruaças. As arruaças tiveram effectivamente logar, mas foram suffocadas no começo, porque a gente séria era immensa. Como os arruaceiros foram descobertos, e nada podessem fazer, o governo lançou mão de outro estratagema, servindo-se de arruaceiros que vinham do meeting de S. Bento.

Então a desordem foi maior, deram-se vivas á republica e gritaram abaixo a naonarchia.

Tudo isto se fazia, promovido pelos srs. ministros das obras publicas e do reino. O sr. ministro das obras publicas, que entendia noutro tempo que os meetings eram verdadeiros coefficientes de correcção, procurava todos os meios agora de impedir aos partidos monarchicos esse alvitre para expandir os seus desejos e vontades.

Este procedimento do governo é unico, e altamente attentatorio contra o decoro e brio dos poderes publicos; e um crime de lesa nação o servir-se d’um partido anti-monarchico, como meio para suffocar os brados dos monarchicos que representavam, no uso pleno do seu direito, contra as medidas vexatorias promulgadas pelo actual governo e seus assessores.

Sr. presidente, v. exa. ha de ter visto, e a camara ha de conhecer de certo, uma carta que foi publicada nos jornaes, na qual se affirma que o ministro do reino tratara com o signatario da mesma carta do modo de desfazer a impressão no meeting, e de impedir que elle se apresentasse imponente, e que um dos homens mais importantes do partido progressista offerecêra uma carta ao cidadão a que me refiro, offerecendo-lhe um emprego.

Sr. presidente, não conheço nem sei quem é o cidadão que escreveu e publicou aquella carta; basta-me simplesmente saber que os factos que se deram condizem perfeitamente com ella. Basta saber que estavam lá, promovendo a desordem, empregados do confiança e amigos do sr. ministro das obras publicas.

Sr. presidente, as arruaças, os vivas á republica, e a vozearia em S. Carlos não era senão o preludio de factos mais graves e do que se passou depois.

O culpado unica e exclusivamente foi o governo, porque mandou promover a desordem nas reuniões em que o povo tratava de exprimir livremente o seu voto e de exercer o seu direito, e em seguida mandou acutilar os cidadãos inermes, incautos, desapercebidos, e que na melhor boa fé se prestavam aos manejos dos espectculadores.

Tenho immenso pezar que o sangue dos desgraçados e incautos, que foram illudidos e que menos culpa tinham, corresse pelas ruas, e não o d’aquelles a quem só cabia a responsabilidade.

Se se tratasse dos que tinham sido mandados pelo governo, dos que eram verdadeiros especuladores, não me causava pena; mas o desgraçado povo, aquelles que vão na boa fé, levados pelas suas convicções, imaginando que não fazem mal, não podem deixar de despertar a sympathia de todos os homens de bem.

Assisti, presenceei, vi com os meus proprios olhos um desgraçado ferido, levado em braços por um grupo de operarios, que, vendo me, exclamaram: «Sr. Vaz Preto, olhe para esta desgraça».

Fiz logo o proposito de vir aqui tomar severas contas ao governo por ter mandado acutilar o povo inerme e ter feito correr o sangue nas das de Lisboa.

Esse partido progressista, quando sobe ao poder, salpica-se sempre de sangue, e não contente de ter coberto de lama o seu programma, rega-o com o sangue do povo.