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426 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

restricção da barra do Douro, com a qual não será talvez ella a mais prejudicada.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: — Mando para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que, pelo archivo da camara dos Dignos Pares, me seja fornecida, com urgencia, copia dos inventarios dos bens da Coroa, a que se referem o artigo 8.° da lei de 16 de julho de 1855, o artigo 5.° da lei de 23 de maio de 1859, e outras quaesquer disposições legaes subsequentes ás duas leis supracitadas. = Sebastião Baracho.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Corôa

O Sr. José de Alpoim: — Ao entrar na. sala das sessões recebeu uma carta do nobre Presidente do Conselho em que lhe diz «que fora sua tenção comparecer na Camara, mas deveres do seu cargo, e porque Sua Majestade a Rainha mostrara desejos de com S. Exa. conversar, não pode comparecer, pelo menos no começo da sessão».

Agradece ao illustre Presidente do Conselho a honra que lhe deu com essa carta e com essa explicação, e pede aos collegas de S. Exa. presentes que lhe transmitiam este agradecimento.

Era realmente preciso que o nobre Presidente do Conselho se achasse presente, porque foi em virtude da sua ausencia que na sessão passada não póde o orador entrar na ordem de considerações que queria apresentar. Como, porem, o seu discurso é propriamente para a Coroa, vae fazer essas considerações, respondendo ao Discurso de El-Rei.

Inscreveu-se por entender que cumpre a todos os homens publicos, n'este momento, principalmente áquelles que teem atrás de si um agrupamento partidario, exporem a El-Rei o que pensam sobre a causa nacional.

Fora por isso que elle se inscrevera. Pouco, porem, depois de o haver feito, arrependia-se. Succedera naquella Camara um acontecimento que lhe lançara no coração o desfallecimento e o desanimo. Fora o famoso debate, e votação, sobre a pessoa de El-Rei. Falar, para quê?... Luctar, de que serve?!... Os fados hão de cumprir-se! Vêem-se no céu signaes que não falham !... Nas pessoas, como nas collectividades, passa ás vezes um vento de loucura, que é presagio da morte. Para quê?... Se os homens querem, e se as instituições querem tambem, porque despertar áquelles que tacteiam com o pé a beira do abysmo, como somnambulos, de
olhos abertos e fixos, que se obstinam em não ver? Para que V.. . Chegara a descer da sua cadeira, a subir o estrado, a fim de pedir ao Sr. Presidente da Camara que o riscasse na inscripção. Depois, reconsiderara. Não tinha o direito de o fazer. Por si e por áquelles amigos queridos que á sua volta deram o grande e nobre exemplo de lealdade aos homens e de fé ao principios. Seria um desmentido ao seu passado. Quem, como elles, os dissidentes, não baqueou com o embate da Coroa, que lhe foi arremessada ao peito; quem, como elles, viu em face, sem empallidecer, o bando sinistro das invejas, dos rancores e das indifferenças; quem chegou a encontrar-se só e não receou; quem, jogando as suas posições e o seu futuro, luctou e venceu na defesa de um grande serviço nacional, não tinha o direito de desfallecer nem recuar. Seria uma traição.

Elle, orador, representava na Camara a parte avançada e radical do partido progressista; d'esse partido que, n'um dia de revolução, teve a interpretar o seu temperamento de liberal e de monarchico a grande e inigualavel voz de Passos Manoel, e que, rosto a rosto, disse a um Rei que os povos lhe não obedeciam porque elle mandava o que não devia nem podia. Ficar silencioso seria um crime. É por isso que hoje se encontra ali, como representante do grupo dissidente, na firme resolução de se dirigir a El-Rei, no cumprimento do seu dever, com aquelle respeito que a elle e a si deve, com aquelle espirito de verdade e de sinceridade que tambem deve animar os membros de um poder do Estado, falando a outro poder do Estado.

El-Rei viera ali, entre pompas e grandezas, rodeado dos seus fidalgos, no velho prestigio das antigas realezas. Não haja mal por isso! A tradição é uma grande força moral, e deve mesmo exteriorizar-se por demonstrações que impressionem o espirito popular. Não ha Côrte mais tradicional que a da Inglaterra; n'ella existem formulas ainda medievaes de respeito ao Rei; e não ha comtudo, monarchia nem republica onde os direitos do cidadão sejam mais profundamente acatados, e onde o poder legislativo seja mais independente e forte, represente mais a força indomavel da opinião.

Em França, nas primeiras epocas da monarchia constitucional, quando Luiz XVI vinha ao Parlamento, ao cimo de um estrado, em duas cadeiras, uma a par da outra, ambas á mesma altura, ambas perfeitamente iguaes, sentavam-se o Rei e o Presidente da Assembleia Legislativa. Era essa a maneira symbolica de irmanar os dois poderes: o popular e o real. Conta-se que esse Rei, regressando aos seus Paços, dissera á Rainha, n'um afogo de magua e dor: «Ah! Minha Senhora, tudo está perdido!... como eu folguei que não fosseis para não serdes testemunha da minha humilhação». Tristes consequencias da velha educação absolutista, que dizia aos réis serem elles os representantes de Deus sobre a terra!

Fez-se isto em França, nunca se praticou em Inglaterra: e comtudo este povo, tão respeitador da tradição, foi quem estabeleceu a monarchia constitucional na Europa, foi quem fundou a grande e poderosa Republica dos Estados Unidos na America. Tanto é verdade que as formulas externas, conformes á tradição, nada significam quando na alma e no coração dos homens está o orgulho do seu legitimo poder, a fé profunda das convicções publicas e a indomavel resolução de defender, antes de tudo, a liberdade, a honra, os direitos dos seus concidadãos. Veio aqui o Chefe do Estado, entre festas e pompas, entre os esplendores externos da tradição. Bemvindo foi! Nada importa á causa liberal esse esplendor destoante das simples e singelas formulas democraticas. Isso não fará que elle, n'aquella casa que não é sala do paço, no seu modesto vestuario plebeu, que não é farda de cortesão, membro do poder legislativo, que é um poder do Estado como o poder moderador, não diga em seu nome e dos seus amigos o que entende que deve dizer á Coroa. E assim dirá que as palavras finaes do Discurso da Coroa, em que se convida o Parlamento a collaborar «n'uma obra do larga regeneração social que abra á nossa patria uma nova era de prosperidade e grandeza moral», não podem significar que o passado e o presente do seu Governo, e o futuro que elle nos annuncia, sejam garantias de que o Parlamento possa collaborar com elle em uma obra por que aliás tanto anceia a alma nacional. Para essa regeneração seria necessario que a acção parlamentar fosse elevada e nobre, que o Governo contribuisse para arrancar o Parlamento Portuguez a todas as causas de depressão que o teem abatido. E elle dirá á Coroa que se o Parlamento, força indispensavel e basilar de uma verdadeira monarchia constitucional continuar a perder a sua força e prestigio, que prosegue a sua queda no espirito publico, e que essa queda compromette o futuro politico, economico, e financeiro do paiz e põe em risco as instituições. E a culpa d'essa queda progressiva é do Governo.

O Sr. Presidente do Conselho tem. dito que quer fazer uma revolução legalista: tem asseverado, até pela sua honra pessoal, que acabou o antigo desprezo pelo Parlamento, não se repetindo portanto as dictaduras vergonhosas, as