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SESSÃO N.° 33 DE 29 DE NOVEMBRO DE 1906 427

interrupções parlamentares que roubaram ao povo o mais sagrado dos seus. direitos - o de votar, annualmente, o imposto. Todo se faria pelo Parlamento e nunca contra o Parlamento! Que importam porem essas palavras, se os factos brigam com os promettimentos? Que importa porem isso se o prestigio parlamentar continua a esmorecer e a cair?

O Sr. Presidente do Conselho, falando em Gladstone e Peei para justificar as contradicções da sua vida publica - e não será elle que lh'as censure, porque não é erro o renegar um passado de violencias e de desprezo pelos principies liberaes - invocou a Inglaterra, e disse que a sua ambição seria modelar as liberdades publicas, a vida politica portuguesa, pela grande monarchia britannica. Se é assim, porque applaudiu, ha dias - e incitou, e concordou - que naquella sala soassem affirmações que jamais soariam na alta e nobre Camara dos Lords, de Inglaterra?

Quando é que, ali, com applauso do Governo, poderia dizer-se que era só vida particular do Rei tudo quanto occorria a dentro dos seus paços, que era anti-constitucional, e anti-parlamentar, o referir-se a esses actos chamados pessoaes e que essa referencia representava um ataque á pessoa sagrada e inviolavel d'El-Rei? Quando é que se proclamaria como um crime de lesa-Majestade, não o discutir a pessoa do Chefe do Estado - o que seria uma má acção emquanto se não dessem as circunstancias designadas no artigo 96.° da Carta Constitucional - mas documentos seus, entregues ao Parlamento e dos quaes tomara a responsabilidade o Sr. Presidente do Conselho, que ao Rei solicitara essa publicação?

Antes de se referir aos outros pontos, queria fazer uma affirmação á Camara, por conhecer a dicacidade da nossa terra. As suas referencias ao pessoal da Côrte, a questão do secretariado em Inglaterra, assumptos tão versados pelos tratadistas de direito parlamentar, são apenas um argumento para demonstrar a sua these. Não tem duplo intuito. Não visam a outro fim. Não se referem a cargos ou personalidades portuguesas. Por um conjunto até de circunstancias particulares e de affectos pessoas, não teria essa intenção.

Vae ainda, em abono da sua these, referir-se ás luctas envolvendo o nome do Principe Consorte e da Rainha Victoria, travadas no Parlamento Britannico e na Camara dos Lords.

Não houve memoria na Inglaterra de um enthusiasmo tão louco como aquelle que saudou a Rainha Victoria quando ella foi ao Parlamento communicar a sua alliança matrimonial. Pois! sabe-se o que aconteceu? Logo no dia immediato se travou um grande debate sobre a lista civil do Principe, sobre as suas crenças religiosas, sobre a sua hierarchia social - até sobre o logar que devia ter nas festas da Côrte!

Tão vivos se travaram os ataques que elles feriram, no mais fundo, o coração da Rainha e do seu noivo! Não foram as vozes dos radicaes que soaram vehementes e fervorosas, reduzindo de 50:000 libras os apanagios do Principe Consorte: foram os grandes senhores da Inglaterra os menos cortezes e os mais ardentes: foram os poderosos e realistas conservadores: foi o Duque de Wellington, a viva personificação do espirito tradicional, o grande adversario da revolução e de Bonaparte, esse que, pela batalha de Waterloo, mudou a face do mundo, aquelle que a Rainha de Inglaterra fez padrinho de um dos seus filhos como a suprema honra concedida ao maior de todos os inglezes e ao mais leal de todos os amigos.

Lord Danay foi sujeito a uma accusação criminal, discutindo-se o nome do Hei, por se defender, a proposito de ordens dadas, com uma carta contendo um post-scriptum em que o Rei declarava, pelo seu proprio punho, que ella fora escripta por ordem sua. No Parlamento Portuguez, n'esta Camara, com os costumes de hoje, perguntava: Dignos Pares do Reino, Sr. Presidente do Conselho, nobre Presidente da Camara, tereis coragem para seguir o exemplo da nobre e grande Inglaterra?

Por ultimo, o Sr. Presidente do Conselho disse que o mais profundo anceio da sua vida seria, se não igualar, pelo menos imitar o grande e glorioso Gladstone. Nobre desejo por certo. É em verdade raro encontrar na historia da humanidade uma mais bella e nobre figura de elevação moral, de amor pela sua patria, de paixão pela grande causa humana dos fracos e dos opprimidos. A elle podia applicar se a grande phrase de Bousset: "Nós não podemos nada, fracos oradores, para a gloria das almas extraordinarias". Pois bem: esse poderoso espirito, em pleno Parlamento da Inglaterra, estabeleceu em 1871 - no nosso tempo, nos nossos dias! - a doutrina de que as questões parlamentares sobre a maneira por que os Soberanos cumprem os seus deveres publicos não são inconvenientes; mas o que é preciso é que sejam formuladas n'uma linguagem respeitosa e parlamentar.

O Sr. Presidente do Conselho governa á ingleza: para isso a nossa Camara. Alta ouviu doutrinas que jamais aqui se escutam e que, se não são um palacianismo humilde, relevam um pavor que recorre ao mysterio e á sombra para defender a monarchia. - Pois elle, como monarchico, pensa que a monarchia só pode viver e durar, se a sua existencia for á luz vivida, perante os olhos da nação inteira, illuminada dos clarões da mais austera probidade e absolutamente identificada com as mais avançadas e radiosas ideias da liberdade politica e da justiça social!

Não é á ingleza que se governa: é á portugueza. A portugueza? Sim, mas á portugueza moderna, dos tempos de hoje, de agora, dos ultimos dias d'este Governo que se diz liberal - e não á portugueza antiga! Pois, quando é que a Camara dos Pares nos apparece, no passado, como o Sr. Presidente da Camara- um velho liberal outr'ora quasi com tradições de jacobino! - no-la quer converter hoje? Não é necessario consultar, folha por folha, as chronicas parlamentares para ali minerar fartos incidentes demonstrativos de que a Camara Alta não foi nunca a repousada e silenciosa assembleia que o Sr. Presidente do Conselho quer que ella seja, nem de si abdicou o discutir os actos e as pessoas reaes quando a causa publica o reclamava.

Basta conhecer a obra - que foi um grande serviço á historia patria! - tão vivida e palpitante, de Barbosa Colen, nos seus trabalhos historicos desde o desembarque do Mindello até á epoca da regeneração. Ali se vê o que foram as sessões d'esta Camara quando, vivo ainda o Imperador, aconchegado dos labios o lenço em que no Theatro de S. Carlos cuspira os primeiros e ensanguentados farrapos do seu pulmão, desfeito pelas canseiras phisicas e pelas agonias moraes, os seus marechaes e os seus mais eminentes homens publicos aqui se travaram em confusas contendas, por motivo da regencia.

Ali se ennovelou o famoso debate sobre o affidavit, ao tempo que sobre a varonil e virtuosa Rainha Senhora D. Maria II caiu a accusação repugnante e odiosa de traidora á sua fé conjugal - tão verdade é a phrase de Hamlet - "Sê pura como a neve e casta como as estrellas e serás sempre calumniada!" Ali, o Duque de Saldanha, mordomo-mór do Paço, votou por que esse debate proseguisse, sem julgar que com isso se offendesse a majestade d'esta casa do Parlamento.

Ali se envolveram em asperrima peleja, então, os homens como o Duque de Loulé, tio dos nossos Reis, o Conde do Lavradio, honra da diplomacia portuguesa, com o Conde de Thomar e os seus parciaes; ali, o grande mordomo da Senhora D. Maria II disse ao Duque de Saldanha - textuaes palavras ! - "que o não podia accusar a elle quem fora em publico, na imprensa, acoimado de ladrão".

Aqui, o forte e glorioso estadista que, quando atacado se defendia como uma