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428 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

fera no fojo, de olhos accesos e anavalhados colmilhos, esfarrapando e estriaçando os que combatiam, provocou a phrase que á opposição era preciso dar-lhe e dar-lhe deveras! Foi aqui que o Cardeal Patriarcha, então Presidente d'aquella Camara, por vezes ergueu a sessão entre o alarido das galerias e o ruido dos Pares que tumultuavam!

Foi ali que o Visconde de Sá da Bandeira, o Bajard da retirada das tropas liberaes para a Galliza, o heroico mutilado da Serra do Pilar, pronunciou um discurso tão revolucionario que o Governo prohibiu a sua publicação na Folha Official.

Foi ali que se disse que o Rei é irresponsavel e impecavel dentro do uso do poder moderador: mas não é irresponsavel nem impecavel no abuso d'esse poder. Para que dizer mais?

Foi ainda nos nossos dias que se pediu responsabilidade á Corôa, directamente ao Chefe do Estado, por actos politicos do seu Governo. Não diz os nomes. Eram de Pares filiados nos actuaes partidos. Acodem aos labios de todos. E hoje, agora, sob o Governo do Sr. João Franco, nos tempos da concentração, é malsinada esta Camara - onde se não ouviu uma palavra de menoscabo pessoal para o Rei - de agitada e inquieta.

Amigos do Governo, liberaes de tomo, democratas de pulso, radicaes de maço e mona, reclamam a sua reforma. Venha ella! É preciso expulsar os Pares que perturbam o Governo e não teem lampada accesa nas ante-camaras do Paço? Temos então um novo episodio na politica do poder pessoal!

O Sr. João Franco accusou o Sr. Hintze Ribeiro de haver pedido á Corôa força para expulsar do Parlamento Portuguez e anniquilar, politicamente, os seus amigos. Elles, os dissidentes, accusaram a Coroa de se haver tornado cumplice, até contra o voto do Conselho de Estado, dos desejos de quem os queria arredar do Parlamento e exterminar para a vida publica. Agora, é o Sr. João Franco que os seus amigos, democratas ardentes, solicitam para ir mais longe - o que se praticou é pouco! - e expulsar, para descanso da Coroa, d'aqui, aquelles que reclamam as liberdades publicas, a estricta observancia do regimen constitucional, e que ousam votar pela discussão de actos e documentos dos quaes se proclamou responsavel o poder executivo.

A obra de perseguição pessoal e politica prosegue agora como no tempo do rotativismo, no tempo dos partidos convertidos em castas, e vivendo apenas do favor do Paçô. Alargue-se essa perseguição á Camara dos Pares: complete-se a obra; appareça um Governo fazendo na Camara Alta, por odio a homens publicos, o que se fizera na Camara dos Deputados por perseguição a outros homens.

Forme-se mais um grupo de personalidades expulsas do Parlamento e podendo justamente dizer que os impelliram Ministros, cujas mãos impotentes e molles eram movidas pela força omnipotente do poder real. Haverá, na realeza, os que são officialmente amigos do Rei e os que foram officialmente alçapremados á altura dos seus inimigos. Que esplendor para o regimen? Venha mais isso! Os fados, repete, hão de cumprir-se...

A decadencia do Parlamento accentuou-se como nunca na origem da actual Camara dos Deputados, na lei de onde ella promanou, e nas resoluções que ella já tomou. E antes permitta-lhe a Camara que accentue um ponto: e é que, mal chegado o nosso soberano ao throno. surgiu - Deus perdoe a quem a inventou! - a theoria do en grandecimento do poder real.

Com ella coincidiram dois factos: o engrandecimento despotico dos partidos, o amesquinhamento gradual e calculado do Parlamento Portuguez. Ha um facto que caracteriza bem, até pela sua feição tão odiosa que chega a ser cómica, a morte moral do nosso parlamentarismo. E que, desde que El-Rei o Senhor D. Carlos subiu ao poder, foram dissolvidas pelo Chefe do Estado dez Camaras de Deputados. Durante esse periodo fizeram-se doze eleições geraes, acrescendo ainda que n'um anno, o de 1895, sendo Ministro do Reino o Sr. João Franco, não houve sequer Parlamento, e agora ainda vigora o orçamento de 1904-1905!

Durante esses 16 annos houve ainda nove adiamentos e tres encerramentos dictatoriaes. A não ser n'um paiz ideal de buffoneria o comedia; onde a nação que tal presenciasse? Apontem-na, se são capazes! Monarchia ou republica, na Europa ou fora d'ella, onde um paiz em que n'um espaço de tempo de 16 annos, e um d'elles sem Parlamento, o Chefe do Estado fosse solicitado pelos seus Ministros para esses golpes parlamentares, tão profundos que irritam, tão repetidos que entram no regimen demolidor do ridiculo? Inventou-se uma theoria constitucional absolutamente nova. Foi a de justificar a dissolução das Côrtes e o seu encerramento dictatorial por motivo de tumultos parlamentares.

Quando é que isto se viu ? Na Inglaterra, no seu Parlamento, teem os tumultos rompido - por exemplo, a proposito da questão da Irlanda - com espantosa violencia. Em França, um Ministro da Republica, Constans, aggrediu physicamente um membro do Parlamento que, á frente de um grupo, o insultara na sua honra pessoal, nas longas sessões de ruidosissimo tumulto.

Em Italia, as luctas entre socialistas e monarchicos teem explodido na camara com o maior alvoroço e ruido. Em Hespanha; trinta Deputados republicanos soltaram vivas á republica n'uma formidavel peleja com os Deputados da monarchia.

Transformou o Presidente da Republica Franceza o seu cordão da Legião da Honra em latego para flagellar a expulsar os discolos? Foram os Reis d'aquelles paizes trocar o seu sceptro e o seu manto pelo espadim dos guardas e pela farda dos continuos, intervindo policialmente na vicia intima das assembleias legislativas? Como isto é amesquinhar as grandes e augustas funcções de um Chefe de Estado! Elle, orador, assistira, em tempo de El-Rei o Senhor D. Luiz, a sessões parlamentares que é impossivel exceder em violencia. Espedaçavam-se as mesas dos Deputados, irrompia-se pelo estrado acima contra a Presidencia, aggrediam-se pessoalmente os Ministros, interrompia-se durante semanas inteiras, dia a dia, a sessão; falava-se para as galerias, excitando as suas paixões. O Governo progressista viveu quatro annos assim. Viveu e governou!

A Camara dos Deputados eleita depois da dissolução, contra o voto do Conselho de Estado, foi dissolvida ainda antes de se constituir, antes sequer de haver sido discutida no tribunal a eleição de alguns dos seus membros. Porque? Quaes os fundamentos? Porque n'aquella Camara não foi eleito o Presidente que o Governo desejava e em que, por indicação sua, os seus amigos votaram; porque, na Camara Alta, o Digno Par Sr. Pimentel Pinto declarara que elle e os seus correligionarios não podiam dar apoio ao Governo.

Na sua simplicidade, estes fundamentos constituem uma irrisão ao systema parlamentar! Quando é que um Governo nobre e sinceramente liberal, respeitador dos direitos dos representantes do povo, ousou querer impor um Presidente a uma assembleia parlamentar de eleição popular? Quando é que semelhante doutrina se arvorou em base, para um Governo reclamar da Coroa a dissolução, como castigo d'esses que zelaram as suas prerogativas de escolha? Quando é que as palavras pronunciadas n'uma casa do Parlamento, de eleição popular, justificam um acto de violencia para outra casa do Parlamento, que é da nomeação regia? Temos a inversão profunda de todos os principios constitucionaes.

Oppoz-se o Governo a um pedido de inquerito parlamentar. Disse-o aqui o Sr. Presidente do Conselho. A Camara dos Deputados recusou-o!

Está a faculdade de inquerito na nossa Carta Constitucional como se encontra na Constituição de outros povos